> PODER JUDICIÁRIO & TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO ACÓRDÃO T^UNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO ACORDAO/DECiSÃO MONOCRÁTICA REGISTRADO(A) SOB N" / IHIII ffiffff ///f f ///// f f IlfffIf If Iff If IfflllfffflllI Vffl Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n 990.10.196753-7, da Comarca de, em que é agravante ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA SÉRGIO BERMUDES sendo agravados LAVIO KRUMM MATTOS e STAMPAFARE EMBALAGENS LTDA (MASSA FALIDA). ACORDAM, em Câmara Reservada à Falência e Recuperação do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "DERAM PROVIMENTO AO RECURSO. V. U.", de conformidade com o voto do Relator(a), que integra este acórdão. O julgamento teve a. participação dos Desembargadores BORIS KAUFFMÃNN (Presidente), ELLIOT AKEL E PEREIRA CALÇAS. São Paulo, 23 de novembro de 2010. BORIS KAUFFMÃNN PRESIDENTE E RELATOR
1 Processe Agravo de Instrumento n 990.10.196753-7 Cemarca Origem 309.01.2005.026303-8-0/000079-000 4 Ofício Cível JlliZIal Leonardo Aigner Ribeiro Recorrente [si Escritório de Advocacia Sérgio Bermudes Recorrido (ai Isl Lavio Krumm Mattos Stampafare Embalagens Ltda (massa falida) VOTO 18.554 Falência (Lei 11.101/2005). Decretação após concessão da recuperação judicial. Crédito resultante de obrigação assumida com escritório de advocacia contratado para ajuizar o pedido de recuperação judicial. Classificação, pelo administrador judicial, como crédito extraconcursal. Impugnação feita por sócio da falida sustentando ser crédito quirografário, por ter sido o contrato celebrado antes do ajuizamento do pedido de recuperação judicial. Sentença acolhendo a impugnação. Recurso. Crédito que decorreu de contrato celebrado para prestação de serviços visando a superação da crise econômico financeira da devedora. Interpretação da expressão "durante a recuperação judicial" do art. 67 da Lei 11.101/2005. Recurso provido para restaurar a classificação atribuída pelo administrador judicial em seu rol de credores. 1. Lávio Krumm Mattos apresentou impugnação ao crédito de R$558.381,65 (quinhentos e cinqüenta e oito mil, trezentos e oitenta e um reais e sessenta e cinco centavos) do Escritório de Advocacia Sérgio Bermudes, constante da lista de credores apresentada pelo administrador judicial de Stampafare Embalagens Ltda., classificado como extraconcursal, sustentando que deve ser ele classificado como quirografário porque a contratação se deu
2 antes da distribuição do pedido de recuperação judicial, posteriormente convolado em falência. Na decisão de fls. 89/92, aqui reproduzida às fls. 151/154, o magistrado acolheu a impugnação impondo ao credor impugnado a responsabilidade por honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) do valor do crédito, devidamente atualizado. É contra essa decisão que se volta o recurso. Salientando que a classificação do crédito, adotada na decisão, influenciará a avaliação dos advogados em aceitar a assessoria em pedidos de recuperação judicial, trazendo maiores dificuldades às empresas em crise, o agravante sustenta que apenas após a distribuição do pedido de recuperação judicial é que as partes chegaram a um consenso sobre os serviços a serem prestados, sendo firmado o contrato em 30 de agosto de 2005. Sustenta que o crédito é extraconcursal, tendo a decisão afrontado os arts. 49, 67 e 84 da Lei n 11.101/05, não sendo possível, por força da convolação em falência, alterar a classificação do crédito. Assinala a natureza alimentícia dos honorários advocatícios, e, alternativamente, sustenta ser excessivo o montante dos honorários advocatícios fixados (fls. 2/36), comprovando o recolhimento do preparo e porte (fls. 37/38). Concedido, em parte, o efeito suspensivo reclamado (fls. 404), o impugnante apresentou resposta sustentando a manutenção da decisão (fls. 414/429). Também a massa falida apresentou resposta, admitindo o acolhimento do recurso, em parte, para classificar o crédito com privilégio geral (fls. 443/448). Al 990.10.196753-7
3 A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (f!s. 459/468). 2. É lição de TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE, ao comentar o revogado Decreto-lei n 7.661, de 21 de junho de 1945, que Da regra de que os bens do devedor constituem a garantia comum dos credores tira-se o corolário de que o produto da alienação deles deve ser distribuído proporcionalmente ao valor dos créditos. Mas, assim como há bens do devedor expressamente excluídos por lei dessa garantia comum, que não ficam sujeitos à execução falimentar (artigo 41), créditos também existem que, por sua natureza ou qualidade, fogem à repartição proporcional, gozam de prioridade no pagamento. Surge, assim, no concurso de credores o problema da classificação dos créditos, cuja solução se há de procurar com extremo cuidado, a fim de que não resultem tratamentos iníquos. 1 A Lei n 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, também estabeleceu uma classificação de créditos na falência, atendendo critérios que levaram em conta a natureza ou qualidade dos mesmos. Assim, visando atender as necessidades prementes dos trabalhadores, assegurou o pagamento prioritário para "os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinqüenta) salários mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes do trabalho" (art. 83, I). Também, considerando a garantia concedida, colocou em segundo lugar os "créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado" (art. 83, II), e assim por diante. No quinto lugar, na ordem de pagamentos, previu os "créditos com privilégio geral", que são aqueles apontados pelo art. 965 do Código Civil, os decorrentes de obrigações contraídas pelo devedor durante a recuperação judicial, com posterior decreto de 1 Comentários à lei de falências, vol. II, ed. Forense, Rio de Janeiro, 3 a ed., 1962 p. 166. AI 990.10.196753-7
4 falência, e os demais assim definidos em leis civis e comerciais (art. 83, V). É importante salientar que, no caso de falência precedida de recuperação judicial, o legislador foi mais longe: reconheceu serem extraconcursais os créditos decorrentes de obrigações contraídas pelo devedor durante a recuperação judicial, assim como atribuiu a qualidade de crédito com privilégio geral aos credores quirografários que continuaram provendo a recuperanda de bens e serviços. FÁBIO ULHOA COELHO aponta as razões para tanto: A reclassificação dos créditos constituídos após a distribuição do pedido de recuperação judicial deve-se à importância deles para os objetivos desta. Mesmo frustrados esses - com a falta ou o insucesso do plano e a conseqüente decretação da falência -, há que se reconhecer que esses credores, ao abrirem crédito a empresário declaradamente em crise, deram decisiva colaboração para a tentativa de superação desta, assumindo riscos consideráveis. Sua atitude, em essência, iria favorecer todos os credores, caso vingasse a recuperação judicial. 2 A questão devolvida neste recurso diz respeito aos créditos decorrentes de obrigação de pagamento de honorários de advogado, contratado por escrito, para a recuperação judicial. Já se viu que, por força do art. 24 do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, não é crédito quirografario; mas seria crédito extraconcursal? Ou seria crédito com privilégio geral? Se interpretarmos literalmente o art. 67 da Lei n 11.101/2005, a obrigação teria sido contraída antes do ingresso do pedido de recuperação judicial - mesmo que instrumentalizado o contrato posteriormente -, e, desta forma, seria crédito com privilegio geral. Não seria crédito decorrente de obrigação contraída pelo devedor durante a recuperação judicial. 2 Comentários à lei de falências e de recuperação de empresas, ed. Saraiva, São / Paulo, 7 a ed., 2010, p. 215. AI 990.10.196753-7
5 Todavia, não se pode negar que a contratação do escritório de advocacia teve por objetivo a obtenção da recuperação judicial, como forma de superação da crise economico-financeira do devedor. Basta a leitura do instrumento para se chegar a essa conclusão. Poder-se-ia, assim, negar que os serviços de advocacia prestados à devedora não tinham por finalidade colaborar para a superação dessa crise? Ao estabelecer as várias parcelas a serem pagas, inclusive a última, dependente do sucesso na obtenção, da recuperação, o escritório de advocacia não assumiu risco considerável? A interpretação da expressão "durante a recuperação judicial" do art. 67 da Lei 11.101/2005, deve ser sistemática e levar em consideração o objetivo do legislador, que foi o de assegurar ao devedor em crise condições para superá-la. Assim, as obrigações assumidas para a obtenção da recuperação judicial e seu cumprimento geram créditos que, em caso de falência, são extraconcursais. Se assim não for, dificilmente as empresas em crise conseguirão contratar bons profissionais para ajudarem a superá-la. O recurso, desta forma, é provido para, modificando a decisão recorrida, reconhecer o crédito como extraconcursal, na forma do art. 84 da Lei n 11.101/2005. 3. Dá-se provimento ao recurso, K BORIS KAUFFMANN relator AI 990.10.196753-7