Cisto Dentígero na Infância Relato de Caso e Revisão de Literatura

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Transcrição:

CASO CLÍNICO Cisto Dentígero na Infância Relato de Caso e Revisão de Literatura Dentigerous Cyst in Infants Literature Review and Case Report Daniela Silva BARROSO* João Adolfo Costa HANEMANN** Olinda Maria Barroso de ARAÚJO*** Michele Conceição PEREIRA**** BARROSO, D.S.; HANEMANN, J.A.C.; ARAÚJO, O.M.B. de; PEREIRA, M.C. Cisto dentígero na infância relato de caso e revisão de literatura. J Bras Odontopediatr Odontol Bebê, Curitiba, v.5, n.27, p.364-369, set./out. 2002. O cisto dentígero é uma lesão de importante significado clínico na odontopediatria, pois acomete um número considerável de pacientes jovens. Sua ocorrência na primeira década de vida não é tão elevada, mas vários casos têm sido relatados na literatura. Os autores descrevem um caso clínico de um cisto dentígero acometendo uma paciente infantil tratado conservadoramente, através de marsupialização. PALAVRAS-CHAVE: Cisto dentígero; Odontopediatria; Relato de caso. * Especialista em Odontopediatria EFOA/CEUFE; Mestranda em Odontopediatria FORP/USP; Disciplina de Odontopediatria EFOA/CEUFE, Rua Gabriel Monteiro da Silva, 714, Centro CEP 37130-000, Alfenas, MG; e-mail: barrosodaniela@hotmail.com ** Mestre em Estomatologia FAFEOD; Doutorando em Patologia INTRODUÇÃO Bucal FOB/USP; Professor de Semiologia I e II EFOA/ O cisto dentígero ou folicular é uma cavidade revestida por epitélio que se desenvolve no espaço folicular de dentes não-erupcionados, após a formação da coroa. Esta cavidade apresenta-se preenchida por fluido, podendo apresentar tamanhos variados, do retículo estrelado do órgão dentário. e localiza-se entre a coroa de um dente impactado, incluso ou não-erupcionado, e o epitélio que está revestindo o folículo dental pericoronário. Este fluido pode também ser originado pela degeneração REVISÃO DE LITERATURA O cisto dentígero é o segundo cisto odontogênico mais freqüente, depois do cisto periapical inflamatório, representando aproximadamente 24% de todos os cistos dos maxilares. Sua ocorrência na população, em geral, foi estimada em 1,44 cistos para 100 dentes não-erupcionados (KO et al., 1999; ZICCARDI et al., 1997). A maioria dos pacientes que apresentam um cisto dentígero tem menos de 20 anos, sendo que a porcentagem de pacientes portadores deste cisto com idades entre 6 e 7 anos é de apenas 9% (TAKAGI & KOYAMA, 1998). Embora o cisto dentígero seja o cisto dos maxilares mais freqüente na primeira década, esta freqüência é mais baixa do que nas três décadas subseqüentes (VIEIRA et al., 1995). BOYCZUK & BERGER (1995) afirmaram que a ocorrência de um cisto dentígero, originado de um dente decíduo não-erupcionado, é extremamente rara, sendo relatados na literatura, até a presente data, apenas quatro casos. Com relação ao sexo e à cor, BENN & ALTINI (1996) relataram que estas lesões ocorrem significativamente com maior freqüência no sexo masculino e em brancos. Estão localizadas, na maioria das vezes, associadas com os terceiros molares inferiores, caninos superiores, segundos pré-molares inferiores e terceiros molares superiores, mais raramente (BENN & ALTINI, 1996; DALEY & WYSOCKI, 1997). A exata histogênese dos cistos dentígeros con tinua desconhecida. Uma condição que deve e xistir para o desenvolvimento de um cisto dentígero é, obviamente, um dente não-erupcionado. A formação deste cisto se dá pelo acúmulo de fluido entre o epitélio reduzido do esmalte e o esmalte dentário ou entre as camadas do órgão do esmalte (BENN & ALTINI, 1996). A expansão cística está relacionada a um aumento da osmolaridade, resultante da passagem de células inflamatórias e epiteliais CEUFE *** Professora-adjunta de Odontopediatria EFOA/CEUFE; Mestre em Odontopediatria FOB USP; e-mail: olinda@int.efoa.br **** Cirurgiã-dentista graduada pela EFOA/CEUFE; Mestranda em Estomatopatologia FOP/UNICAMP

descamadas para o interior do lúmen cístico (ZIC- CARDI et al., 1997). Outra teoria sobre a origem do cisto dentígero sugere que a coroa de um dente permanente pode irromper dentro de um cisto radicular correspondente ao decíduo antecessor. Embora isto possa ocorrer, é extremamente raro, pois cistos periapicais inflamatórios envolvendo a dentição decídua são pouco freqüentes. Uma variação deste conceito preconiza que a inflamação no ápice de um dente decíduo poderia induzir o desenvolvimento de um cisto folicular inflamatório (KUMAGAI et al., 1998). Clinicamente, os cistos dentígeros são, na maioria das vezes, assintomáticos. Entretanto, têm o potencial de se tornarem extremamente grandes e causarem expansão e erosão da cortical (DALEY & WYSOCKI, 1995). Dor e desconforto geralmente não estão presentes, salvo se o cisto estiver infectado secundariamente (KO et al., 1999). Estes cistos também podem provocar deslocamento dentário, maloclusão e assimetria facial. Normalmente, são descobertos em exames radiográficos de rotina (MILLER & BEAN, 1994; VIEIRA et al., 1995; ZICCARDI et al., 1997; GIRO et al., 2000). O cisto dentígero manifesta-se geralmente de forma solitária. Cistos múltiplos ou bilaterais estão associados com algumas síndromes, destacando-se a síndrome de Maroteaux-Lamy e a displasia cleidocraniana (KO et al., 1999). Uma punção aspirativa da lesão, freqüentemente, fornece um líquido de coloração palha (MILLER & BEAN, 1994). Radiograficamente, o cisto dentígero apresenta-se como uma área radiolúcida bem circunscrita, unilocular e assimétrica, circundando a coroa de um dente não-erupcionado (DALEY & WYSOCKI, 1995). Características radiográficas adicionais incluem deslocamento do canal mandibular, reabsorção da parede deste canal, reabsorção radicular de dentes permanentes adjacentes e possibilidade de fratura patológica (LUSTIG & SCWARTZ-ARAD, 1998; DALEY & WYSOCKI, 1997). Os aspectos histológicos dos cistos dentígeros não são característicos e não podem ser utilizados com segurança para distingui-los de outros tipos de cistos odontogênicos. O exame histológico revela uma cápsula de tecido conjuntivo frouxo e delgado, com um revestimento epitelial composto por duas ou três camadas de células planas ou cuboidais. Este epitélio é não-queratinizado, e a formação de projeções epiteliais só está presente associada à infecção secundária. Números variáveis de ilhas de epitélio odontogênico podem ser encontrados dispersos no conjuntivo. Contudo, o significado destas ilhas é controverso, pois elas também estão presentes em folículos dentários normais (SMITH, 1996). Geralmente, os cistos dentígeros são tratados através da excisão cirúrgica. Entretanto, lesões extensas que promovem uma grande perda óssea e adelgaçamento das corticais podem ser tratadas através de uma descompressão ou de uma marsupialização (TAKAGI & KOYAMA, 1998). Se o dente puder ser removido sem grandes comprometimentos funcionais, como um su pranumerário ou um terceiro molar, a enucleação total do cisto deve ser a primeira escolha (CLAUSER et al., 1994). Por outro lado, quando a lesão cística acometer um ou mais dentes em seus estágios de erupção e se o paciente tiver menos que 20 anos, a marsupialização permitirá a erupção daquele dente na cavidade bucal (TU- ZUM, 1997). A marsupialização diminui a pressão intracística, promovendo a redução do cisto e uma favorável neoformação óssea. É um procedimento cirúrgico pouco invasivo e reduz o risco de ocorrência de grandes defeitos ósseos e parestesia. A maior desvantagem da marsupialização é a persistência da lesão ou sua recorrência (TAKAGI & KOYAMA, 1998). A abertura entre um grande cisto e a cavidade bucal deve ser mantida artificialmente para se prevenir um fechamento espontâneo, que pode exigir uma reabertura cirúrgica (CLAUSER et al., 1994). Além do tratamento cirúrgico, a utilização de um aparelho ortodôntico mantenedor de espaço será necessária até a erupção do dente permanente envolvido. Quando se decide pela marsupialização como uma opção terapêutica, deve-se ter em mente que um segundo procedimento cirúrgico pode ser necessário para se remover algum cisto residual ou recorrente (ZICCARDI et al., 1997). O objetivo do presente trabalho é relatar um caso clínico de um cisto dentígero de grande extensão acometendo uma criança, que foi tratado de forma conservadora através da técnica de marsupialização. CASO CLÍNICO A paciente P.R.R., 7 anos, gênero feminino, feoderma, apresentou-se à Clínica de O don topediatria da Escola de Farmácia e Odontologia de Alfenas/MG (Efoa/Ceufe), acompanhada de seus pais, para a realização de tratamento odontológico restaurador. Foi solicitada uma radiografia panorâmica, em que se detectou a presença de uma lesão radiolúcida, localizada no lado direito da mandíbula. Tal lesão não apresentava sintomatologia dolorosa, conforme relato da paciente. Esta paciente foi então encaminhada para a Clínica de Semiologia para avaliação e tratamento. No exame físico extra-bucal não se observou alterações com relação à textura e integridade da pele, à tumefação evidente ou linfadenopatia regional. À oroscopia, constatou-se que o dente 365

85 apresentava uma extensa restauração e com a coloração alterada. Havia, ainda, um discreto apagamento do fundo de vestíbulo nesta região e as demais mucosas apresentavam-se normais (Figura 1). A análise das radiografias panorâmica e periapical da área revelou uma lesão radiolúcida, unilocular, circundada por um halo ligeiramente radiopaco, envolvendo a coroa do dente 45 e relacionada com o 85, que apresentava-se tra- FIGURA 3: Radiografi a periapical demonstrando a íntima relação com o 2 º molar decíduo tratado endodonticamente. FIGURA 1: Aspecto clínico inicial. tado endodonticamente (Figuras 2 e 3). A lesão estendia-se da face mesial do 46 até a distal do 43, atingindo a porção basilar da mandíbula, provocando expansão e adelgaçamento da cortical vestibular, visíveis na radiografia oclusal. Com base nos aspectos clínicos e ra diográficos, sugeriu-se como hipóteses dia gnósticas cisto dentígero e cisto periapical inflamatório. Foi realizada uma punção aspirativa na lesão, sendo esta negativa para conteúdo líquido. Optou-se pela exodontia do 85 e curetagem da parede cística através do alvéolo, após anestesia do nervo alveolar inferior. O dente 45 foi preservado e mantido em sua posição inicial (Figura 4). Após a realização da sutura, a paciente foi medicada no pós-operatório apenas com analgésico (Dipirona: 1 comprimido de 500mg). O material excisado foi armazenado em solução de formol a 10% e enviado para exame anatomopatológico (Figura 5). O diagnóstico histopatológico foi de cisto dentígero. A paciente retornou 5 dias após a cirurgia para remoção da sutura, e relatou um pós-operatório FIGURA 4: Exodontia do 85, curetagem da cápsula cística, manutenção do germe do 45 em sua posição inicial. FIGURA 2: Radiografi a panorâmica revelando lesão radiolúcida unilocular, envolvendo a coroa do 2 º pré-molar inferior direito. bastante satisfatório. O alvéolo permanecia parcialmente aberto, permitindo uma comunicação da lesão com o meio externo (Figura 6). A mãe da paciente foi orientada a irrigar diariamente a cavidade com solução aquosa de PVPI tópico. Foi também confeccionado um aparelho ortodôntico recuperador de espaço que foi utilizado até o início da erupção do 45 na cavidade bucal (Figura 7). 366

A paciente foi proservada, semanalmente, durante os primeiros dois meses. Após 4 meses da cirurgia, o exame radiográfico demonstrava uma considerável neoformação óssea. Decorridos 12 meses, já se observava uma remissão completa da lesão e a erupção do dente 45 na cavidade bucal (Figuras 8 a 10). A paciente continua sendo proservada, periodicamente, através de exames clínicos e radiográficos, e até o presente não apresenta indícios de recidiva. DISCUSSÃO Para se estabelecer o diagnóstico de um cisto dentígero, DALEY & WYSOCKI (1995) sugeriram que a lesão deve apresentar algumas características básicas. A radioluscência pericoronária deve ter FIGURA 5: Material enviado para exame ana tomopatológico. FIGURA 8: Radiografi a periapical da região 12 meses após a cirurgia. FIGURA 6: Pós-operatório de 12 dias, em que se observa uma comunicação da lesão com o meio externo. FIGURA 9: Radiografi a panorâmica 12 meses após a cirurgia, demonstrando completa neoformação óssea e a erupção do 45. FIGURA 7: Recuperador de espaço instalado. FIGURA 10: Aspecto clínico em vista lateral do dente 45 erupcionado e em oclusão, 1 ano após a cirurgia. 367

mais que 4 milímetros em sua maior extensão; a análise microscópica do material biopsiado revela uma cápsula de tecido conjuntivo fibroso revestida por epitélio escamoso estratificado não-queratinizado. Por último, deve apresentar um espaço cístico cirurgicamente demonstrável entre o esmalte dentário e o folículo pericoronário. O presente caso aqui relatado apresenta todas estas características, confirmando, deste modo, o diagnóstico de cisto dentígero. De acordo com BENN & ALTINI (1996), há pelo menos dois tipos de cistos dentígeros. O primeiro ocorre em dentes já formados, normalmente como resultado de uma impacção. Manifesta-se no final da segunda e terceira décadas, é na maioria das vezes não-inflamatório, envolve os terceiros molares inferiores e é descoberto, freqüentemente, através de exames radiográficos de rotina. O segundo tipo é de origem inflamatória e ocorre em dentes em desenvolvimento, como resultado da inflamação de um dente decíduo não-vital, envolvendo o folículo do permanente sucessor. Os dentes mais comumente envolvidos são os pré-molares inferiores e, geralmente, o diagnóstico é feito na primeira e início da segunda década, em exames radiográficos de rotina ou quando o paciente queixa-se de tumefação e dor. Os aspectos histológicos são bem semelhantes aos dos cistos periapicais inflamatórios. A alta prevalência na mandíbula e a relação do desenvolvimento do cisto com os segundos molares decíduos (tratados endodonticamente ou com lesões cariosas extensas) têm sido observadas. Duas prováveis explicações para isto são que os molares inferiores decíduos são mais susceptíveis à cárie e, conseqüentemente, ao risco de necrose pulpar, e que os segundos molares inferiores decíduos estão mais intimamente associados com o folículo de permanente sucessor. Esta associação pode facilitar a extensão da inflamação, quando comparada com outros dentes decíduos (LUSTIG & SCHWARTZ-ARAD, 1998). Analisando-se os aspectos clínicos e radiográficos do cisto aqui relatado, como idade da paciente, localização e o fato de o dente 85 apresentarse não-vital, pode-se sugerir que esta lesão seja de origem inflamatória. Os aspectos histológicos também reforçam esta hipótese, pois, além de aspectos histológicos clássicos de cisto dentígero, foi também observado, em algumas áreas, que o revestimento epitelial apresentava-se espessado, e a presença de um infiltrado inflamatório mais intenso na lâmina própria. BENN & ALTINI (1996) afirmaram que o tratamento sugerido para estas lesões consiste na exodontia do decíduo não-vital, seguida pela marsupialização do cisto, permitindo a erupção normal do permanente envolvido. A decisão pela opção terapêutica aqui empregada foi baseada na extensão da lesão, na idade da paciente e visando à redução do risco de fratura patológica da mandíbula e de parestesia. Além disto, a marsupialização é um procedimento cirúrgico pouco invasivo e minimamente mutilador, sobretudo quando executada em pacientes pediátricos. Entretanto, estes pacientes devem ser rigorosamente proservados, através de exames clínicos e radiográficos periódicos, para se prevenir o risco de recidiva destas lesões. CONSIDERAÇÕES FINAIS A marsupialização, quando bem indicada e executada criteriosamente, constitui uma modalidade terapêutica extremamente viável no tratamento do cisto dentígero. Independente do tratamento empregado, mais radical ou conservador, o paciente deve-se submeter a uma proservação cuidadosa para se evitar o risco de recidiva. BARROSO, D.S.; HANEMANN, J.A.C.; ARAÚJO, O.M.B. de; PEREIRA, M.C. Dentigerous cyst in infants literature review and case report. J Bras Odontopediatr Odontol Bebê, Curitiba, v.5, n.27, p.364-369, set./out. 2002. Dentigerous cyst is an important clinical lesion in Pediatric Dentistry because it affects currence on the first decade of life is not usual; however, there a significant are several number cases of young reported patients. in literature. Its oc- The authors describe a case report of a dentigerous cyst in a child patient treated with marsupialization technique. KEYWORDS: Dentigerous cyst; Pediatric dentistry; Case report. REFERÊNCIAS BENN, A.; ALTINI, M. Dentigerous cysts of infl ammatory origin A clinicopathologic study. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod, St. Louis, v.81, n.2, p.203-209, Feb. 1996. BOYCZUK, M.P.; BERGER, J.R. Identifying a deciduous dentigerous cyst. J Am Dent Assoc, Chicago, v.126, n.5, p.643-644, May 1995. CLAUSER, C.; ZUCCATI, G.; BARONE, R.; VILLANO, A. Simplifi ed surgical-orthodontic treatment of a dentigerous cyst. J Clin Orthod, Boulder, v.28, n.2, p.103-106, Feb. 1994. DALEY, T.D.; WYSOCKI, G.P. The small dentigerous cyst a diagnostic dilemma. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod, St. Louis, v.79, n.1, p.77-81, Jan. 1995. DALEY, T.D.; WYSOCKI, G.P. New developments in selected cysts of the jaws. J Can Dent Assoc, Ottawa, v.63, n.7, p.526-532, July/Aug. 1997. 368

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