Direito DE CRIMES CONTRA OS COSTUMES PARA CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL: EVOLUÇÃO OU RETROCESSO? (LEI N.º DE 07 DE AGOSTO DE 2009)

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Transcrição:

1 PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO Direito DE CRIMES CONTRA OS COSTUMES PARA CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL: EVOLUÇÃO OU RETROCESSO? (LEI N.º 12.015 DE 07 DE AGOSTO DE 2009) Autor: Edson Mendes Martins Júnior Orientador: Diaulas Costa Ribeiro

EDSON MENDES MARTINS JÚNIOR DE CRIMES CONTRA OS COSTUMES PARA CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL: EVOLUÇÃO OU RETROCESSO? (LEI Nº 12.015, DE 07 DE AGOSTO DE 2009) Monografia apresentada ao curso de graduação em Direito da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para a obtenção do Título de Bacharel em Direito. Orientador: Diaulas Costa Ribeiro Brasília 2009

Monografia de autoria de Edson Mendes Martins Júnior, intitulada DE CRIMES CONTRA OS COSTUMES PARA CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL: EVOLUÇÃO OU RETROCESSO? (LEI Nº 12.015, DE 07 DE AGOSTO DE 2009), apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, em 25 de Novembro de 2009, defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada: Prof. Doutor Diaulas Costa Ribeiro Orientador Medicina - UCB Prof. Carlos André Bindá Praxedes Direito - UCB Prof. Heli Gonçalves Nunes Direito - UCB Brasília 2009

Ao meu Deus por nunca desistir de mim e por sempre me abençoar. À minha família pelo apoio e incentivo a mim e aos meus estudos em todo o tempo. Aos meus parentes por sempre acreditarem no meu sucesso. Aos meus amigos, irmãos e namorada pela paciência e companhia nesses longos anos de caminhada.

AGRADECIMENTO Ao Prof. Doutor Diaulas Costa Ribeiro, Mestre sempre disposto a me auxiliar na minha formação profissional. Pelos valorosos conselhos e importantes sugestões. À Universidade e aos seus professores por serem os responsáveis pela minha formação acadêmica e pela contribuição na realização deste trabalho de conclusão de curso.

A sabedoria é a coisa principal; adquire pois a sabedoria, emprega tudo o que possuis na aquisição de entendimento. Provérbios 4:7 (Bíblia Sagrada)

RESUMO Referência: MENDES, Edson. De Crimes Contra os Costumes para Crimes Contra a Dignidade Sexual: Evolução ou Retrocesso? (Lei nº 12.015, de 07 de Agosto de 2009). 2009. 57. Monografia (Direito) UCB, Taguatinga/DF, 2009. A Lei nº 12.015, de 07 de Agosto de 2009, alterou o Título VI da Parte Especial do Decreto- Lei nº 2.848, de 07 de Dezembro de 1940 - Código Penal Brasileiro (CPB), que passou a não mais tratar dos Crimes contra os Costumes, mas dos Crimes contra a Dignidade Sexual. Essa mudança há muito era aguardada e requestada por operadores do Direito, principalmente os atuantes na esfera penal, eis que decorrente de grandes debates jurídicos. No entanto, a nova Lei, apesar de avançar em muitos dos pontos que se predispôs a tratar, em nada contribuiu ou até mesmo regrediu em algumas de suas matérias. Mas o razoável número de acertos da nova norma legal lhe dá crédito. Pelas enormes conseqüências jurídicas que trouxe, não somente ao Código Penal, mas a outras leis e estatutos, e claro, à sociedade, merece a Lei nº 12.015 ser analisada neste trabalho acadêmico. Palavras-chave: Lei nº 12.015, Código Penal, Costumes, Dignidade Sexual, debates jurídicos, avançar, regrediu.

ABSTRACT The Act 12,015, of August 7 th, 2009, amended Title VI of the Special Part of Decree 2848 of December 7 th, 1940 Brazilian Penal Code (BPC), now no longer dealing with Crimes contra os Costumes but of Crimes contra a Dignidade Sexual. This change was long awaited and sought by law professionals, especially those who working in the criminal field, behold, after a great legal debates. However, the new Act, despite progress in many of the points that was willing to deal, did nothing or even declined in some of their subjects. But the correct solutions gave to the new Act a credibility approvable. The enormous legal consequences that brought not only to the Criminal Code, but other laws and statutes, and, of course, the company deserves to Act 12,015 be considered an academic work. Keywords: Act 12,015, Criminal Code, Costumes, Dignidade Sexual, legal debates, go declined.

SUMÁRIO RESUMO... X ABSTRACT...X INTRODUÇÃO... 1 CAPÍTULO I DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL... 4 1. ESTUPRO...4 2. VIOLAÇÃO SEXUAL MEDIANTE FRAUDE...8 3. ASSÉDIO SEXUAL...9 CAPÍTULO II DOS CRIMES SEXUAIS CONTRA VULNERÁVEL...13 1. ESTUPRO DE VULNERÁVEL...13 2. ARTIGO 218 DO CÓDIGO PENAL...15 3. SATISFAÇÃO DE LASCÍVIA MEDIANTE PRESENÇA DE CRIANÇA OU ADOSLECENTE...16 4. FAVORECIMENTO DA PROSTITUIÇÃO OU OUTRA FORMA DE EXPLORAÇÃO SEXUAL DE VULNERÁVEL...18 5. AÇÂO PENAL...20 CAPÍTULO III DO LENOCÌDIO E DO TRÁFICO DE PESSOA PARA FIM DE PROSTITUIÇÃO OU OUTRA FORAM DE EXPLORAÇÃO SEXUAL...22 1. FAVORECIMENTO DA PROSTITUIÇÃO OU OUTRA FORMA DE EXPLORAÇÃO SEXUAL...22 2. CASA DE PROSTITUIÇÃO...23 3. RUFIANISMO...25 4. TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOA PARA FIM DE EXPLORAÇÃO SEXUAL...27 5. TRÁFICO INTERNO DE PESSOA PARA FIM DE EXPLORAÇÃO SEXUAL...30 CAPÍTULO IV DISPOSIÇÕES GERAIS, DISCUSSÃO NO LEGISLATIVO E PRIMEIRO CASO NOTÓRIO...34

1. DISPOSIÇÕES GERAIS...34 1.1. Aumento de Pena...34 1.2. Artigo 234-B, do Código Penal...35 1.3. Artigo 234-C, do Código Penal - Vetado...36 1.4. Alteração na Lei nº 8.072, de 25 de Julho de 1990 (Lei de Crimes Hediondos)...36 1.5. Alteração na Lei nº 8.069, de 13 de Julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA)...36 1.6. Disposições Finais da Lei nº 12.015/2009...38 2. DISCUSSÃO NO LEGISLATIVO...39 3. PRIMEIRO CASO NOTÓRIO A SE ENQUADRAR NA LEI Nº 12.015/2009...43 CONCLUSÃO... 44 BIBLIOGRAFIA...46

1 INTRODUÇÃO Com o advento da Lei nº 12.015, de 07 de Agosto de 2009, o Título IV da Parte Especial do Código Penal (CP) passou a tratar não mais dos costumes, mas da dignidade sexual, ligada à liberdade e ao desenvolvimento sexual da pessoa humana, além de alterar, no mesmo sentido, demais leis e estatutos vigentes. O nome anteriormente dado ao Título, Dos Crimes contra os Costumes, tratava de igual modo do tráfico de pessoas e da liberdade sexual, mesmo que tais condutas em nada se relacionassem com os costumes, mas com a liberdade, a segurança e a conservação física no âmbito da sexualidade humana. Nelson Hungria, dissertando sobre o conceito de costumes, diz: O vocábulo costumes é aí empregado para significar (sentido restritivo) os hábitos da vida sexual aprovados pela moral prática, ou, o que vale o mesmo, a conduta sexual adaptada à conveniência e disciplinas sociais. O que a Lei penal se propõe a tutelar, in subjecta materia, é o interesse jurídico concernente à preservação do mínimo ético reclamado pela experiência social em torno dos fatos sexuais. 1 No entanto, a designação antes dada ao Título já vinha sofrendo diversas críticas, posto que a intenção do Código Penal não era proteger os costumes, mas a dignidade da pessoa humana ligada à liberdade dos comportamentos sexuais e ao próprio corpo. Nesse sentido, esclarece Guilherme de Souza Nucci: A sociedade evoluiu e houve autêntica liberação dos apregoados costumes, de modo que o Código Penal está a merecer uma reforma há muito tempo, inclusive no tocante à vetusta denominação crimes contra os costumes. O que o legislador deve policiar, à luz da Constituição Federal 1988, é a dignidade da pessoa humana, e não os hábitos sexuais que proventura os membros da sociedade resolvam adotar, livremente, sem qualquer constrangimento e sem ofender direito alheio, ainda que, para alguns, sejam imorais ou inadequados. 2 Desse modo, não é mais a moral sexual que deve ser protegida, mas o direito 1. HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1974. v. 8. p. 103-104. 2. NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 8. ed. São Paulo: RT, 2008. p. 641.

2 individual da pessoa, quer seja na escolha de seu parceiro, quer seja no consentimento na prática do ato sexual. Qualquer violência nesse sentido corresponde a uma invasão à privacidade da vítima. A nova Lei, portanto, veio em excelente momento e, em linhas gerais, propor uma reforma totalmente pertinente. No entanto, como ocorre na edição de toda nova norma, a Lei nº 12.015/2009 trouxe consigo vários pontos positivos, quer seja na mudança de tipos preexistentes ou na criação de novos, e também situações em que muito se deixou a desejar, não contribuindo em nada ou aquém do que se esperava na resolução de problemas antigos no ordenamento jurídico-penal brasileiro. Sua criação é fruto de amplos embates jurídicos, protagonizados por operadores do Direito e pela sociedade. Daí, a grande expectativa de sua vigência e a enorme cobrança de sua eficácia. As alterações produzidas pela nova Lei são de resultado imediato na sociedade como um todo, eis o interesse em se abordar o tema neste trabalho acadêmico. Ainda mais pela relevância moral e jurídica do assunto Dignidade Sexual, ou seja, de necessidade prática e de vivência diária. Sabe-se, por antecipação, que a Lei recém criada será, em um futuro muito próximo, foco de polêmicas e de discussões, e poder prever e dar solução às suas dissensões é o objetivo principal deste estudo, bem como a sua contribuição. Pretende-se com a análise da Lei nº 12.015/2009 identificar as soluções trazidas a dilemas penais, as repercussões jurídicas e sociais, os pontos obscuros e vácuos que deixou, o que poderia ter sido feito e não o foi, o que mudou e o que permanece, em suma, os prós e contras de sua edição e vigência. Por se tratar de norma muito recente, tal análise só foi possível ao recorrer-se, por método dedutivo, às referências bibliográficas de doutrinadores que abordavam os Crimes contra os Costumes, que aconselhavam e previam a presente reforma para o trato dos Crimes contra a Dignidade Sexual e que já se aventuraram em estudar a nova Lei. Servindo-se, ainda, da análise de entendimentos jurisprudenciais que caminhavam no sentido das mudanças resultadas pela Lei nº 12.015/2009. Destina-se esta pesquisa exploratória e explicativa, de importância pessoal e cultural, especialmente, aos atuantes do mundo jurídico e aos interessados no saber do Direito, e a sociedade em geral, posto que a ninguém é dado o direito de desconhecer a lei. O restante da Monografia está organizado em Capítulos que tratam dos Crimes Contra

3 a Dignidade Sexual, por ordem de artigos da Lei nº 12.015/2009, de modo que o Capítulo I analisará os Crimes Contra a Liberdade Sexual, o Capítulo II discutirá os Crimes Sexuais Contra Vulnerável e ação penal cabível em cada tipo de crime sexual, o Capítulo III estudará o Lenocídio e o Tráfico de Pessoa para Fim de Prostituição ou Outra Forma de Exploração Sexual e o Capítulo IV apresentará as Disposições Gerais da nova Lei, as Discussões no Legislativo para sua aprovação e o primeiro caso notório a nela se enquadrar.

4 CAPÍTULO I DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL 1. ESTUPRO CP DEPOIS DA LEI Nº 12.015/2009 CP ANTES DA LEI Nº 12.015/2009 DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL Estupro Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. 1º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. DOS CRIMES CONTRA OS COSTUMES Estupro Art. 213. Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. Atentado Violento ao Pudor Art. 214. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. (Revogado pela Lei nº 12.015/2009) Art. 223. Se da violência resulta lesão corporal de natureza grave: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. (Revogado pela Lei nº 12.015/2009) 2º Se da conduta resulta morte: Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. Parágrafo único. Se do fato resulta a morte: Pena - reclusão, de 12 (doze) a 25 (vinte e cinco) anos. (Revogado pela Lei nº 12.015/2009) negrito e sublinhado nossos Antes dessa reforma, o crime de estupro se limitava a tipificar a conjunção carnal realizada com mulher, mediante violência ou grave ameaça, sem prejuízo das formas presumidas de violência. Atos libidinosos diversos da conjunção carnal eram tipificados no artigo 214 do CP, onde havia proteção a bens jurídicos próprios da sexualidade masculina. Com a Lei nº 12.015/2009, o legislador seguiu a sistemática de países como o México, Argentina e Portugal, por exemplo, onde foram reunidas as duas condutas em um só tipo penal. Rogério Greco já entendia ser melhor tal reunião: Entre os crimes sexuais previstos pelo Código Penal, destacam-se, pela sua gravidade, o estupro e o atentado violento ao pudor. Na verdade, melhor seria que o legislador penal tivesse as duas figuras típicas, evitando-se, muitas vezes, controvérsias desnecessárias. 3 Estupro não significa mais conjunção carnal violenta contra mulher, mas também o 3. GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. 3. ed. Niterói, RJ: Impetus, 2007. v. 3. p. 465.

5 comportamento de obrigar a mulher e de igual forma o homem a praticar ou permitir que com o agente se pratique qualquer ato libidinoso. De início, a mudança traz pelo menos duas consequências. A primeira se refere ao fato de que a prática de conjunção carnal seguida de atos libidinosos gerava concurso material dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor (JSTF 301/461 e RSTJ 93/384). No entanto, como o crime de estupro passou a ser de conduta múltipla, fundindo-se os dois tipos penais, a prática de mais de um de seus núcleos não atinge a unidade do crime. Trata-se de mudança benéfica ao acusado e que deve retroagir, não o livrando, contudo, de pena mais grave na fase do art. 59 do CP: A segunda alteração corresponde ao alcance pela permissão do Aborto Sentimental (art. 128, II do CP) à gravidez resultante de atos libidinosos diversos da conjunção carnal. Mesmo tendo havido correção pela jurisprudência, o entendimento originário era de que eventual gravidez resultante de ato libidinoso, como, por exemplo, o coito interfemoral ou mesmo o coito anal, com escorrimento de sêmen, não se inseria no permissivo legal do artigo 128, II do CP, que deveria merecer interpretação restritiva. 4 Código Penal Art. 128. Não se pune o Aborto praticado por médico: Aborto no Caso de Gravidez Resultante de Estupro II - se a gravidez resulta de estupro e o Aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. (negrito e sublinhado nossos) Ensinava a doutrina anterior à reforma que o crime de estupro exigia a condição especial dos dois sujeitos, ativo (homem) e passivo (mulher). Com a reforma, qualquer pessoa pode praticar ou sofrer as consequências da infração penal, ser sujeito ativo ou ser sujeito passivo. Até mesmo uma prostituta, pessoa dada à promiscuidade, pode ser vítima do delito, uma vez que o bem jurídico protegido é a dignidade sexual e o direito de dispor do próprio corpo, não somente um mero costume. Mesmo aquele que negocia o corpo, tem a faculdade de aceitar ou de recusar o parceiro/cliente. O artigo 226, inciso II do CP, estabelece o rol de agentes para os quais a pena será majorada de metade pela prática do crime. 4. GOMES, Luiz Flávio; SANCHES CUNHA, Rogério; MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Comentários à Reforma Criminal de 2009 e à Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 36.

6 Código Penal Art. 226. A pena é aumentada: II - de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela; Tratando-se de vítima menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos, o crime será qualificado, nos moldes do 1º do art. 213 do CP. Se menor de 14 (catorze) anos, o delito será o do art. 217-A do CP (Estupro de vulnerável), abolindo-se a presunção de violência trazida pelo art. 224 do CP. Estupro de Vulnerável Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. (negrito e sublinhado nossos) O ato libidinoso violento e coagido, mediante o qual o agente força a vítima à conjunção carnal ou a praticar/permitir que com ele se pratique qualquer outro ato nesse sentido é punível. A violência corresponde ao uso de força física capaz de impedir qualquer reação por parte da vítima. Já a grave ameaça corresponde a uma violência moral de tal ordem que a vítima, embora tenha resistido efetivamente (não basta simples relutância), não tenha outra alternativa senão suportar o ato, o qual não foi capaz de impedir. De acordo com a maioria da doutrina, não há necessidade de contato físico entre o autor e a vítima, cometendo o crime o agente que, para satisfazer a sua lascívia, ordena que a vítima explore seu próprio corpo (masturbando-se), somente para contemplação (tampouco há que se imaginar a vítima desnuda para a caracterização do crime RT 429/380). 5 O tipo subjetivo do estupro corresponde ao dolo (art. 18, I do CP), vontade consciente de cometer o ato libidinoso (conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso) mediante violência ou grave ameaça. O que se discute aqui é a necessidade de finalidade específica impulsionando o agente. Mirabete, comentando o artigo antes da reforma, diz ser a presença de finalidade imprescindível, posto que a vontade de constranger/obrigar a vítima é o dolo do delito, mas o 5. GOMES, Luiz Flávio; SANCHES CUNHA, Rogério; MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Comentários à Reforma Criminal de 2009 e à Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 39.

7 intuito de manter conjunção carnal é o seu elemento subjetivo. 6 No entanto, para Fernando Capez nenhuma finalidade específica é exigida para que se configure o crime de estupro, sendo que basta a vontade de submeter a vítima à prática de relações sexuais completas, com satisfação da lascívia. 7 A Lei nº 12.015/2009 não tornou clara a divergência, mas, nos crimes sexuais, a intenção de cometer o ato libidinoso é inerente ao dolo, ou seja, elementos objetivo e subjetivo se confundem. O crime de estupro se consuma com a prática do ato libidinoso (art. 14, I do CP), que, como já dito, equivale à conjunção carnal e aos muitos outros atos libidinosos. Ainda, é possível a tentativa quando, cometido o injusto (violência ou grave ameaça), o ato sexual objetivado nem se inicia por circunstâncias alheias à vontade do agente (art. 14, II do CP). Quanto aos resultados qualificadores, os 1º e 2º do art. 213 do CP trazem qualificadoras com dolo no antecedente e culpa no consequente (art. 18, II do CP), classificadas como preterdolosas. A nova redação aboliu o art. 223 do CP. Tratando-se de lesão grave, as penas mínimas e máximas foram mantidas 8 (oito) a 12 (doze) anos. Já para o resultado morte, a pena máxima foi aumentada para 30 (trinta) anos, alteração essa que não pode, a toda evidência, retroagir para alcançar fatos passados. A propósito, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou a orientação de que a majorante inserta no art. 9º da Lei nº 8.072/1990, nos casos de presunção de violência, consistiria em afronta ao princípio ne bis in idem. Entretanto, tratando-se de hipótese de violência real ou grave ameaça perpetrada contra criança, seria aplicável a referida causa de aumento. Com a superveniência da Lei nº 12.015/2009, foi revogada a majorante prevista no art. 9º da Lei dos Crimes Hediondos, não sendo mais admissível sua aplicação para fatos posteriores à sua edição. Não obstante, remanesce a maior reprovabilidade da conduta, pois a matéria passou a ser regulada no art. 217-A do CP, que trata do estupro de vulnerável, no qual a reprimenda prevista revela-se maior rigorosa do que a do crime de estupro (art. 213 do CP). Tratando-se de fato anterior, cometido contra menor de 14 (catorze) anos e com emprego de violência ou grave ameaça, deve retroagir o novo comando normativo (art. 217-A do CP) por se mostrar mais benéfico ao acusado (RESP 1.102.005-SC). 6. MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal: parte especial. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 2. p. 409. 7. CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 3. p. 6-7.

8 2. VIOLAÇÃO SEXUAL MEDIANTE FRAUDE CP DEPOIS DA LEI Nº 12.015/2009 CP ANTES DA LEI Nº 12.015/2009 DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL Violação sexual mediante fraude Art. 215. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. Parágrafo único. Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa. DOS CRIMES CONTRA OS COSTUMES Posse Sexual Mediante Fraude Art. 215. Ter conjunção carnal com mulher, mediante fraude: Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos. Atentado ao Pudor Mediante Fraude Art. 216. Induzir alguém, mediante fraude, a praticar ou submeter-se à prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal: Pena - reclusão, de 1 (um) a 2 (dois) anos. (Revogado pela Lei nº 12.015/2009) Art. 215. (...) Parágrafo único. Se o crime é praticado contra mulher virgem, menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. Art. 216. (...) Parágrafo único. Se a vítima é menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos. (Revogado pela Lei nº 12.015/2009) negrito e sublinhado nossos Assim como no delito de estupro, a violação sexual mediante fraude é fruto da reunião dos artigos 215 (Posse sexual mediante fraude) e 216 (Atentado ao pudor mediante fraude), ambos do Código Penal. Importante ressaltar que as penas dos tipos básicos foram aumentadas, não podendo retroagir para alcançar os fatos passados, como previsto no art. 1º do CP. Este crime pode ser praticado por qualquer pessoa, ou seja, é um crime comum. Mas se o agente, nos moldes do art. 226, inciso II do CP, for ascendente, padrasto, madrasta, irmão, cônjuge, companheiro, tutor/curador, preceptor/empregador da vítima ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção/vigilância, a pena será majorada de metade. Código Penal Art. 226. A pena é aumentada: (...) II - de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela;

9 Da mesma forma, não há diferença em relação ao sujeito passivo, mas se a vítima for menor de 14 (catorze) anos o crime será o do art. 217-A do CP (Estupro de Vulnerável). O estelionato sexual é caracterizado quando o agente, sem se utilizar de qualquer espécie de violência, pratica com a vítima ato libidinoso, usando de fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima. Nesse sentido, as causas que impedem ou dificultam a livre manifestação da vontade são a coação e a simulação. No entanto, a coação, quando presente, configura o já tipificado crime de estupro, já a simulação é abarcada pela própria fraude, não assistindo, assim, razão ao acréscimo trazido pela nova Lei. Aqui, a fraude tem que ser capaz de ilidir alguém, analisando-se não somente o meio empregado, mas também as condições da vítima (local em que vive, grau de instrução, como foi educado, etc.). Ainda, a fraude utilizada na execução do crime não pode anular a capacidade de resistência da vítima, caso em que se configurará o delito de estupro de vulnerável (art. 217-A do CP). 8 Assim como ocorre no estupro, o tipo subjetivo da violação sexual mediante fraude é o dolo, vontade consciente de praticar ato libidinoso mediante meio fraudulento ou outro artifício que dificulte ou impeça a livre manifestação de vontade da vítima. Também como no estupro, há divergência quanto à necessidade de finalidade especial do agente no cometimento do crime, sendo pacífico que, se praticado com o fito de obter vantagem econômica, aplica-se multa (parágrafo único). Consuma-se o tipo com a prática do ato libidinoso, sendo cabível a tentativa quando, iniciada a execução, o ato sexual visado não se dá por circunstâncias alheias à vontade do agente. Anteriormente às mudanças trazidas pela nova Lei, os artigos 215 e 216 do CP puniam com maior vigor a pratica do delito contra vítima virgem menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos. Agora, tais qualificadoras foram abolidas, o que de modo algum impossibilita o juiz de considerar referidas circunstâncias, quando da dosimetria penal (art. 59 do CP). 3. ASSÉDIO SEXUAL 8. GOMES, Luiz Flávio; SANCHES CUNHA, Rogério; MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Comentários à Reforma Criminal de 2009 e à Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 42-43.

10 CP DEPOIS DA LEI Nº 12.015/2009 CP ANTES DA LEI Nº 12.015/2009 DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL DOS CRIMES CONTRA OS COSTUMES Assédio Sexual Assédio Sexual Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o obter vantagem ou favorecimento sexual, agente da sua condição de superior hierárquico ou prevalecendo-se o agente da sua condição de ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou superior hierárquico ou ascendência inerentes ao função. Pena detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.. exercício de emprego, cargo ou função. Pena detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos. Parágrafo único. Se a vítima é menor de 18 (dezoito) e Sem correspondência (negrito e sublinhado nossos) maior de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos. (Vetado) 2º A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos. Protege-se com o art. 216-A do CP, principalmente, a liberdade sexual. No entanto, a liberdade de exercício do trabalho e o direito de não ser discriminado também são bens jurídicos tutelados pelo tipo penal do assédio sexual. A Lei nº 12.015/2009 aumentou a pena quando o ofendido é pessoa menor de 18 (dezoito) anos, aumento esse que não pode retroagir. Entretanto, o legislador se equivocou ao dispor tal aumento no 2º sem que o artigo tenha um primeiro parágrafo. O crime de assédio sexual só pode ser praticado por superior hierárquico ou ascendente em relação de emprego, cargo ou função, ou seja, trata-se de crime próprio. Como no crime de violação sexual mediante fraude, se o agente, nos moldes do art. 226, inciso II do CP, for ascendente, padrasto, madrasta, irmão, cônjuge, companheiro, tutor/curador ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção/vigilância, a pena será majorada de metade. Ressalte-se que o aumento não deve ser aplicado quando preceptor/empregador da vítima, elementares do tipo, configurando bis in idem. De modo idêntico ao sujeito ativo, o sujeito passivo também é próprio, precisa enquadrar-se na condição especial de subalterno do autor. Não havendo essa relação entre os personagens, a conduta do agente poderá se amoldar ao art. 146 do CP (Constrangimento ilegal) ou ao art. 61 do Decreto-Lei nº 3.688/41 (Importunação ofensiva ao pudor). 9 Se a vítima for menor de 18 (dezoito) anos, o crime tem a pena aumentada até um terço. Ademais, pelo fato do tipo não fazer menção ao sexo dos envolvidos, o assédio sexual 9. GOMES, Luiz Flávio; SANCHES CUNHA, Rogério; MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Comentários à Reforma Criminal de 2009 e à Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 45.

11 pode ocorrer entre pessoas do mesmo sexo. O delito é tipificado em constranger alguém com intuito de obter vantagem sexual, servindo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. A discussão, aqui, corresponde á conceituação das elementares do tipo. Para Guilherme de Souza Nucci, a superioridade hierárquica retrata uma relação laboral no âmbito público, enquanto a ascendência retrata a mesma relação, mas no âmbito público, sendo ambas inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. 10 Já para Luiz Regis Prado, Superior hierárquico, como elemento normativo do tipo, é condição que decorre de uma relação laboral, tanto no âmbito da Administração Pública como da iniciativa privada, (...). Na ascendência, elemento normativo do tipo, não se exige uma carreira funcional, mas apenas uma relação de domínio, de influência, de respeito e até mesmo de temor reverencial (...) 11 (itálico na transcrição) O tipo subjetivo do assédio sexual também é o dolo, vontade consciente de constranger o ofendido, aliado à finalidade especial de obter vantagem ou favorecimento sexual. Nesse sentido, segundo Fernando Capez, a vantagem ou favorecimento sexual pode ser parta o próprio agente ou para outrem, ainda que este desconheça esse propósito do agente. Caso o terceiro tenha ciência e queira a obtenção desses benefícios sexuais, haverá o concurso de pessoas. 12 Em relação à consumação do assédio sexual, há duas correntes doutrinárias. Para uns, o crime se dá com o constrangimento (ainda que por um só ato), independentemente da obtenção da vantagem sexual visada. Assim lecionava Mirabete (Manual de direito penal: parte especial. v. 2. p. 422) e ensina Fernando Capez (Curso de direito penal: parte especial. v. 3. p. 45); para outros, o crime é habitual, sendo necessária a prática de reiterados atos constrangedores. 13 Nessa última vertente, Rodolfo Pamplona Filho explica que o assédio sexual, como 10. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 5. ed. São Paulo: Ed. RT, 2009. p. 831. 11. PRADO, Luiz Regis. Comentários ao Código Penal. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2003. v. 3. p. 277. 12. CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 3. p. 44-45. 13. GOMES, Luiz Flávio; SANCHES CUNHA, Rogério; MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Comentários à Reforma Criminal de 2009 e à Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 46.

12 regra geral, depende, para sua configuração, de que a conduta do assediante seja reiterada. 14 Assim, dependendo do posicionamento, a tentativa poderá ser admitida (quando um ato de assédio basta) ou não (quando se considera o delito habitual). 14. PAMPLONA FILHO, Rodolfo; JESUS, Damásio de (Coord.); GOMES, Luis Flávio (Coord.). Assédio sexual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 120-121.

13 CAPÍTULO II DOS CRIMES SEXUAIS CONTRA VULNERÁVEL 1. ESTUPRO DE VULNERÁVEL CP DEPOIS DA LEI Nº 12.015/2009 CP ANTES DA LEI Nº 12.015/2009 DOS CRIMES SEXUAIS CONTRA VULNERÁVEL Estupro de Vulnerável Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. 1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. 2º A pena é aumentada da metade se há concurso de quem tenha o dever de cuidado, proteção ou vigilância. (Vetado) 3º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave: Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos. 4º Se da conduta resulta morte: Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. DA SEDUÇÃO E DA CORRUPÇÃO DE MENORES Estupro Art. 213. Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. Atentado Violento ao Pudor Art. 214. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. (Revogado pela Lei nº 12.015/2009) Presunção de Violência Art. 224. Presume-se a violência, se a vítima: a) não é maior de 14 (catorze) anos; (Revogado pela Lei nº 12.015/2009) Presunção de Violência Art. 224. Presume-se a violência, se a vítima: (...) b) é alienada ou débil mental, e o agente conhecia esta circunstância; c) não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência. (Revogado pela Lei nº 12.015/2009) Aumento de Pena Art. 226. A pena é aumentada: (...) II - de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela; Formas qualificadas Art. 223. Se da violência resulta lesão corporal de natureza grave: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. (Revogado pela Lei nº 12.015/2009) Formas qualificadas Art. 223. (...) Parágrafo único. Se do fato resulta a morte: Pena - reclusão, de 12 (doze) a 25 (vinte e cinco) anos. (Revogado pela Lei nº 12.015/2009) negrito e sublinhado nossos O delito de estupro de vulnerável, antes da vigência da Lei nº 12.015/2009, correspondia, conforme cada situação, ao estupro (art. 213 do CP) ou ao atentado violento ao

14 pudor (art. 214 do CP), mesmo que sem a presença de violência real em sua execução, pois era presumida, na forma do art. 224 do CP, hoje, revogado. Nesse sentido, a Lei nº 8.072/90 (Lei de Crimes Hediondos), em seu art. 9º, previa o aumento da pena pela metade, para prática dos crimes de estupro e de atentado violento ao pudor, se a vítima se enquadrasse em qualquer uma das práticas previstas no art. 224 do CP. Como tal artigo fora revogado, presume-se sem efeito a norma de aumento citada. Trata-se o tipo em análise de crime comum, podendo ser cometido por qualquer pessoa. Embora, se o agente, nos moldes do art. 226, inciso II do CP, for ascendente, padrasto, madrasta, irmão, cônjuge, companheiro, tutor/curador, preceptor/empregador da vítima ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção/vigilância, a pena será majorada de metade. Já a vítima somente pode ser pessoa com menos de 14 (catorze) anos (caput), ou portadora de enfermidade ou deficiência mental ou incapaz de discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não tenha condições de oferecer resistência. ( 1º). Antes da Lei nº 12.015/2009, se havia violência real, não ocorria a incidência penal do art. 224 do CP, respondendo o agente pelo crime do art. 213 ou do art. 214, a depender da situação, e a pena era aumentada pela metade, conforme o previsto no art. 9º da Lei de Crimes Hediondos, o que resultava em uma cominação punitiva de 9 (nove) a 15 (quinze) anos. Agora, a nova Lei prevê uma pena de 8 (oito) a 15 (quinze), devendo retroagir na forma do art. 2º do CP. Se da conduta resultar lesão corporal de natureza grave, culposa, a pena será de reclusão de 10 (dez) a 20 (vinte) anos ( 3º); se resultar morte, culposa, 12 (doze) a 30 (trinta) anos ( 4º). O dolo no crime de estupro de vulnerável deve estar acompanhado da ciência pelo agente de que está atuando em face de pessoa vulnerável. Na hipótese da enfermidade ou deficiência mental, permanece atual a doutrina de Hungria quando alerta que a qualidade da vítima deve ser, quando não espetacular, pelo menos aparente, reconhecível por qualquer leigo em psiquiatria (Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1974. v. 8. p.226). 15 Em regra, o erro que induz o sujeito ativo a desconhecer a vulnerabilidade da vítima o isenta da pena, excluindo o crime, nos moldes do art. 20 do CP. 15. Apud GOMES, Luiz Flávio; SANCHES CUNHA, Rogério; MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Comentários à Reforma Criminal de 2009 e à Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 51.

15 Por fim, o delito se consuma com a prática do ato libidinoso, sendo perfeitamente possível a tentativa no momento em que, dado início à execução, o ato sexual visado não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. 2. ARTIGO 218 DO CÓDIGO PENAL CP DEPOIS DA LEI Nº 12.015/2009 CP ANTES DA LEI Nº 12.015/2009 DOS CRIMES SEXUAIS CONTRA VULNERÁVEL DO LENOCÍDIO E DO TRÁFICO DE PESSOAS Art. 218. Induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos. Mediação para Servir a Lascívia de Outrem Art. 227. Induzir alguém a satisfazer a lascívia de outrem: Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos. (...) 2º Se o crime é cometido com emprego de violência, grave ameaça ou fraude: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência. Art. 232. Nos crimes de que trata este Capítulo, é aplicável o disposto nos arts. 223 e 224. (Revogado pela Lei nº 12.015/2009) Parágrafo único. Se o crime é cometido com o fim de Sem correspondência (negrito e sublinhado nossos) obter vantagem econômica, aplica-se também multa. (Vetado). Antes da Lei nº 12.015/2009, o crime de lenocínio encontrava-se previsto tão somente no art. 227 do CP, e era punido com reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos em se tratando de vítima adulta (art. 227, caput do CP); reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, quando a vítima era adolescente maior de 14 (catorze) anos (art. 227, 1º); e reclusão de 2 (dois) a 8 (oito) anos, com presunção de violência (art. 224, alínea a do CP), se menor de 14 (catorze) anos. Com a edição da nova Lei, o crime cometido contra vítima menor de 14 (catorze) anos tornou-se crime autônomo (art. 218 do CP), sendo punido com reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, mudança benéfica e que pode retroagir para abarcar fatos pretéritos. O crime tipificado pelo art. 218 do CP pode ser praticado por qualquer pessoa, isolada ou associada, tratando-se de crime comum. Faz parte do tipo a mediação/triangulação formada pelo sujeito ativo (mediador), o ofendido (menor de 14 anos) e o destinatário da atividade, que cuja lascívia quer ter satisfeita. O destinatário/consumidor não pode ser considerado co-autor, mesmo que tenha incentivado o autor a assim proceder, posto que a lascívia a ser satisfeita deve ser a de

16 outrem e não a própria. Ademais, por não ter a Lei definido o sexo da vítima, qualquer um que se enquadre na idade exigida pode ser utilizado para satisfazer os desejos de um terceiro. Ressalte-se que, bem como no crime de lenocínio comum (art. 227 do CP), o delito não se configura quando a vítima já é dada à vida promíscua, posto que a elementar do tipo é induzir. Ocorre o crime quando o autor induz, alicia ou persuadi adolescente menor de 14 (catorze) anos com o fim de satisfazer a lascívia, libidinagem ou desejos sensuais de terceiro, sem exigir habitualidade. Aqui, a espécie de lascívia deve ser distinta da pratica da conjunção carnal e de atos libidinosos, pois se configuraria estupro de vulnerável (art. 217-A do CP), e distinta da presença a tal prática, pois se configuraria o delito do art. 218-A do CP. Ainda, o agente deve induzir a vítima a satisfazer a lascívia de um número certo de pessoas, do contrário, o crime configurado seria o de favorecimento da prostituição (art. 218- B do CP). O tipo subjetivo do crime em comento corresponde ao dolo, determinado pela intenção do sujeito ativo ciente de induzir o ofendido a satisfazer a lascívia de outrem, certo de que o faz em face de menor de 14 (catorze) anos. O Projeto de Lei (PL) nº 253/2004, convertido na Lei nº 12.015/2009, previa, no parágrafo único, a majorante do lenocínio questuarium (ou mercenário), isto é, quando praticado o crime com o intuito de lucro. Ao ser vetado, nada impede que o juiz considere essa circunstância na fixação da pena. 16 O tipo penal do art. 218 do CP, consuma-se com a prática do ato que visa satisfazer a luxúria de terceiro, não importando para tanto se o mesmo se considera satisfeito ou não, sendo plenamente cabível a tentativa e plenamente dispensável a habitualidade. 3. SATISFAÇÃO DE LASCÍVIA MEDIANTE PRESENÇA DE CRIANÇA OU ADOSLECENTE CP DEPOIS DA LEI Nº 12.015/2009 CP ANTES DA LEI Nº 12.015/2009 DOS CRIMES SEXUAIS CONTRA VULNERÁVEL DA SEDUÇÃO E DA CORRUPÇÃO DE MENORES 16. GOMES, Luiz Flávio; SANCHES CUNHA, Rogério; MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Comentários à Reforma Criminal de 2009 e à Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 54.

17 Satisfação de lascívia mediante presença de criança ou Corrupção de Menores adolescente Art. 218. Corromper ou facilitar a corrupção de Art. 218-A. Praticar, na presença de alguém menor de pessoa maior de 14 (catorze) e menor de 18 (dezoito) 14 (catorze) anos, ou induzi-lo a presenciar, conjunção anos, com ela praticando ato libidinoso, ou carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer induzindo-a a praticá-lo ou presenciá-lo: lascívia própria ou de outrem: Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. (negrito Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos. e sublinhado nossos) Anteriormente à Lei nº 12.015/2009, o art. 218 do CP, tratava da corrupção de menores, ou seja, do precoce início da vida sexual dos adolescentes maiores de 14 (catorze) anos e menores de 18 (dezoito). A corrupção sexual de menores de 14 (catorze) anos tipificada estupro (art. 213 do CP) ou atentado violento ao pudor (art. 214 do CP), com violência presumida (art. 224 do CP). Mas, induzir tal menor a presenciar atos libidinoso, sem deles participar ativa ou passivamente, era fato atípico. Assim, a Lei nº 12.015/2009 preencheu referida lacuna ao criar o art. 218-A do CP. Agora, as elementares/condutas em face do maior de 14 (catorze) e menor de 18 (dezoito) anos, presentes no antigo caput do art. 218 do CP, foram abolidas, devendo retroagir na forma do art. 2º do CP. Ainda, as condutas de praticar ou induzir a praticar atos libidinoso, envolvendo menor de 14 (catorze) anos, caracteriza, agora, estupro de vulnerável (art. 217-A do CP), como já visto. A satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente é crime comum, podendo ser cometido por qualquer pessoa. Embora, se o agente, nos moldes do art. 226, inciso II do CP, for ascendente, padrasto, madrasta, irmão, cônjuge, companheiro, tutor/curador, preceptor/empregador da vítima ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção/vigilância, a pena será majorada de metade. No entanto, a vítima, independente do sexo, precisa, necessariamente, ser menor de 14 (catorze) anos. O crime admite duas modalidades de execução: praticar, na presença da vítima, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, querendo ou aceitando ser observado. Nesta hipótese, o agente não interfere na vontade do menor, mas aproveita-se da sua presença para realizar o ato sexual, visando, desse modo, satisfazer lascívia própria ou de outrem; induzindo a vítima a presenciar conjunção carnal ou outro ato libidinoso, hipótese em que o agente faz nascer na criança ou no adolescente (menor de 14 anos) a ideia de presenciar o ato

18 libidinoso. 17 Ressalte-se que a vítima nunca participa do ato, mas somente o observa, pois, do contrário, configurar-se-ia a hipótese do estupro de vulnerável. É punível no tipo o proceder doloso, com a finalidade especial de satisfazer o desejo sexual, próprio ou de terceiro, devendo a idade do ofendido ser conhecida pelo sujeito ativo, senão, exclui-se o crime (Erro de Tipo art. 20 do CP). Já a sua consumação varia de acordo com a conduta do agente. Se pratica, na presença do menor, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, o crime se consuma com a realização do ato. Se induz o menor a presenciar o ato sexual, o delito se consuma com a própria indução, não importando se o ato veio a se concretizar. 4. FAVORECIMENTO DA PROSTITUIÇÃO OU OUTRA FORMA DE EXPLORAÇÃO SEXUAL DE VULNERÁVEL CP DEPOIS DA LEI Nº 12.015/2009 CP ANTES DA LEI Nº 12.015/2009 DOS CRIMES SEXUAIS CONTRA VULNERÁVEL Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável Art. 218-B. Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone: Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos. 1º Se o crime é praticado com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa. 2º Incorre nas mesmas penas: I - quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 e maior de 14 anos na situação descrita no caput deste artigo; II - o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifiquem as práticas referidas no caput deste artigo. DO LENOCÍDIO E DO TRÁFICO DE PESSOA PARA FIM DE PROSTITUIÇÃO OU OUTRA FORMA DE EXPLORAÇÃO SEXUAL E ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA) ECA - Art. 244-A. Submeter criança ou adolescente, como tais definidos no caput do art. 2 o desta Lei, à prostituição ou à exploração sexual: Pena - reclusão de quatro a dez anos, e multa. CP - Art. 228. Induzir ou atrair alguém à prostituição, facilitá-la ou impedir que alguém a abandone: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos. 1º Se ocorre qualquer das hipóteses do 1º do artigo anterior: Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos. ECA - Art. 244-A. (...) 1º Incorrem nas mesmas penas o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifique a submissão de criança ou adolescente às práticas referidas no caput deste artigo. 17. GOMES, Luiz Flávio; SANCHES CUNHA, Rogério; MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Comentários à Reforma Criminal de 2009 e à Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 56.

19 3º Na hipótese do inciso II do 2º, constitui efeito obrigatório da condenação a cassação da licença de localização e de funcionamento do estabelecimento. ECA - Art. 244-A. (...) 2.o Constitui efeito obrigatório da condenação a cassação da licença de localização e de funcionamento do estabelecimento. (negrito e sublinhado nossos) A Lei nº 12.015/2009 uniu no art. 218-B do CP, os artigos 244-A do Estatuto da Criança e do Adolescente, e 228, 1º do CP, criando, assim, o crime de favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável. Embora não seja jurista, é pertinente o conceito de Eva Faleiros acerca da exploração sexual, por ser estudiosa na área, definindo-a como uma dominação e abuso do corpo de crianças, adolescentes e adultos (oferta), por exploradores sexuais (mercadores), organizados, muitas vezes, em rede de comercialização local e global (mercado), ou por pais ou responsáveis, e por consumidores de serviços sexuais pagos (demanda). A autora admite quatro modalidades de exploração sexual: prostituição (atividade na qual são negociados atos sexuais em troca de pagamento); turismo sexual (comércio sexual, bem articulado, em cidades turísticas, envolvendo turistas nacionais e estrangeiros); pornografia (produção, exibição, distribuição e venda de material pornográfico); tráfico para fins sexuais (movimento clandestino de pessoas através de fronteiras, como o objetivo de explorar sexualmente pessoas). 18 O crime de favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável é comum, podendo ser cometido por qualquer pessoa. Entretanto, se o agente, nos moldes do art. 226, inciso II do CP, for ascendente, padrasto, madrasta, irmão, cônjuge, companheiro, tutor/curador, preceptor/empregador da vítima ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção/vigilância, a pena será majorada de metade. O sujeito passivo corresponde à pessoa menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tenha discernimento para a prática do ato, não importando o sexo. A pessoa entregue à vida promíscua só será abarcada pelo tipo se for impedida de abandonar tal prática, do contrário não poderá ser vítima do delito. O tipo penal consta de 6 (seis) núcleos: submeter (sujeitar), induzir (instigar), atrair (aliciar) a vítima à prostituição ou outra forma de exploração sexual, facilitá-la (proporcionar meios ou afastar dificuldades), impedir (opor-se) ou dificultar (criar obstáculos) que alguém a abandone. Ainda, pode ocorrer por ação ou por omissão Antes da nova Lei, os núcleos induzir, atrair, facilitar ou impedir menor de 18 18. FALEIROS, Eva T. Silveira. Publicação resultante de pesquisa sobre os conceitos de violência, abuso e exploração sexual de crianças e de adolescentes, realizada em 1998. Brasília: CECRIA, 2000.

20 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos configurava o previsto no art. 228, 1º do CP, com pena de 3 (três) a 8 (oito) anos. Agora, o CP prevê pena de 4 (quatro) a 10 (dez) anos para a mesma prática, não podendo, assim, retroagir. Incorrem nas mesmas penas os sujeitos elencados nos 2º e 3º do art. 218-B do CP. O dolo, aqui, é caracterizado pela vontade do autor em induzir ou atrair alguém para a prostituição, facilitá-la ou impedir que alguém a abandone. Nesse ponto, a discussão se revela sobre a necessidade de finalidade específica do agente. Bento de Faria entendia ser indispensável a pretensão especial de satisfazer a lascívia de outrem. 19 Heleno Fragoso, por sua vez, tinha entendimento diverso, importante ser citado muito embora sua morte: O dolo é, na espécie, genérico. Consiste na vontade consciente de praticar qualquer das ações incriminadas pela lei (introduzir, atrair, facilitar, impedir), para levar a vítima à prostituição (ou para que nela permaneça). ( ) Não se percebe, entretanto, como seja exigível dolo específico em, face da disposição legal em exame. O crime independe de qualquer especial fim de agir e estará perfeito qualquer que seja o propósito do agente. 20 A Lei nº 12.015/2009 não traz solução a essa discussão, mas determina que, havendo intenção de lucro pelo agente, deve ser aplicada multa além da pena privativa de liberdade (PPL) - 1º do art. 218-B do CP. Já para as situações previstas nos 2º e 3º, são necessárias, respectivamente, a ciência da idade da vítima e a ciência das práticas elencadas no artigo dentro do estabelecimento. Para os núcleos elementares submeter, induzir, atrair e facilitar, o delito se consuma no instante em que a vítima passa a exercer a prostituição, pondo-se, com habitualidade, à disposição dos clientes, mesmo que ainda não tenha atendido nenhum. Para os núcleos impedir e dificultar, o crime se configura quando a vítima é obstruída de deixar à prostituição, prolongando-se por todo o tempo de discussão, tratando-se de crime permanente. A tentativa pode ocorrer em todos os tipos nucleares, bastando a frustração do intento sexual por circunstâncias alheias à sua vontade. 5. AÇÂO PENAL 19. FARIA, Bento de. Código Penal brasileiro. Rio de Janeiro: Livraria Jacintho Editora, 1943. v. 5. p. 118. 20. FRAGOSO, Heleno. Lições de direito penal: parte especial. São Paulo: José Bushatsky, 1959. v. 3. p. 519.