UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO. André Machado Locoselli



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Transcrição:

UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO André Machado Locoselli RESPONSABILIDADE PENAL,DOLO EVENTUAL OU CULPA CONSCIENTE, DOS PRATICANTES DE RACHA. Rio de Janeiro Junho/2011

UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO André Machado Locoselli RESPONSABILIDADE PENAL,DOLO EVENTUAL OU CULPA CONSCIENTE, DOS PRATICANTES DE RACHA. Monografia apresentada como pré-requisito de conclusão do curso de Direito da Universidade Veiga de Almeida, orientado pelo Prof. Marcelo Nogueira. Rio de Janeiro Junho/2011

À minha querida mãe, à minha família de um modo geral e à minha noiva que sempre estiveram presentes, me fortalecendo e acreditando no meu potencial.

AGRADECIMENTOS potencial. Agradeço a minha mãe que sempre me incentivou e acreditou no meu Agradeço à minha noiva que sempre esteve ao meu lado compreendendo as ausências para que esse trabalho pudesse se concretizar. Em especial, agradeço a Prof. Marcelo Nogueira, orientador deste trabalho monográfico, uma pessoa amiga e com grande profissionalismo. Agradeço aos meus colegas de faculdade e também os professores, os quais estarão sempre guardados na minha lembrança pelos anos de convivência. E agradeço a todas as pessoas que de forma direta ou indireta contribuíram para o meu sucesso.

RESUMO O presente trabalho visa elucidar as nuances do resultado concreto (morte ou lesão corporal) no delito de participação em competição automotiva não autorizada (racha) faz-se necessária uma análise do elemento subjetivo incidente. Inúmeras conseqüências jurídicas derivam da interpretação adotada, seja ela pró-dolo eventual ou pró-culpa consciente, com reflexos na competência, tipo penal, pena cominada, entre outros. Com foco no tênue limite existente entre o dolo eventual e a culpa consciente, o presente artigo parte de uma caracterização do delito do art. 308 do CTB para analisar o posicionamento doutrinário e jurisprudencial na hipótese de ocorrência de acidente com morte ou lesão corporal e suas implicações jurídicas. Palavras-Chave: Elemento subjetivo Dolo eventual Culpa consciente Racha Crime.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. TIPO, OBJETIVO E ELEMENTO SUBJETIVO; 2.1. Dolo; 2.1.1. Teorias do Dolo 2.1.1.1. Teoria da Vontade (Teoria Clássica); 2.1.1.2. Teoria do Assentimento (Teoria da Aceitação); 2.1.1.3. Teoria da Representação; 2.1.1.4. Teoria da Probabilidade; 2.1.1.5. Teorias Adotadas pelo Código Penal brasileiro; 2.2. Espécies de Dolo; 2.2.1. Dolo Direto ou Imediato; 2.2.2. Dolo Indireto; 2.2.2.1. Dolo Alternativo; 2.2.2.2. Dolo Eventual; 2.3. Modalidades de Culpa; 2.3.1. Culpa Inconsciente; 2.3.2. Culpa Consciente ou Culpa com Previsão; 2.4. Diferenças entre Culpa Consciente e Dolo Eventual; 2.4.1. Importância da Correta Capitulação do Tipo Penal; 2.4.2. Método para Identificação do Dolo Eventual; 2.4.3. Provas de Dolo Eventual; 3. CARACTERIZAÇÃO DO DELITO DO ART. 308 DO CTB E O ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO; 4. SUPERVENIÊNCIA DE RESULTADO CONCRETO EM CRIME DE RACHA ; 4.1. Homicídio e Lesão Corporal Culposos no Trânsito; 5. POSICIONAMENTO DOUTRINÁRIO PRÓ-DOLO EVENTUAL;

6. POSICIONAMENTO DOUTRINÁRIO PRÓ-CULPA CONSCIENTE; 7. POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL; 8. CASOS CONCRETOS; 9. CONSIDERAÇÕES FINAIS; 10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

1. INTRODUÇÃO Com a desenfreada evolução da indústria automobilística, que cada dia que passa, produz cada vez mais veículos potentes e mais velozes, e a produção de estórias sobre pessoas bem sucedidas burlando os ditames da lei, o trânsito se transformou no responsável pela maioria absoluta de óbitos por causas externas e este na sua quase totalidade esta vinculado à imprudência e imperícia dos condutores traz a tona o mal denominado pega. A criação do Código de Trânsito Brasileiro, que entrou em vigor em 1998, com penas mais rigorosas para crimes e infrações de trânsito, já é resultado dessa constatação, acrescido da Lei 11.705/2008, também conhecida com Lei Seca, que tornou ainda mais grave os crimes de transito com envolvimento de bebida alcoólica e que definiu como dolo eventual, ou seja, caracterizado pelo fato do agente prever como possível o resultado e, estando consciente da iminência de causá-lo, assume o risco e segue na execução do iter crimines, para participantes de pegas. O mundo inteiro se preocupa com as conseqüências danosas dos delitos de trânsito. Até mesmo a Organização Mundial da Saúde dá ao tema o status de epidemia. Uma prova de que este não é um problema recente é que já no final do século XIX, em 1900, Viveros de Castro dizia que os acidentes automobilísticos eram uma verdadeira epidemia, tão mortífera quanto à febre amarela, que assolava o mundo todo, e que consome cifras enormes dos cofres públicos. O Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97) veio como resposta do legislador aos anseios de uma sociedade que sente, no trânsito, uma situação de medo constante. Uma das condutas inconseqüentes que geram este estado de medo é a pratica de delito de participação em competição não autorizada, popularmente conhecida como racha ou pega, em geral por jovens buscando auto-afirmação e popularidade. 8

Um dos conceitos doutrinários utilizados para justificar a majoração das punições dos envolvidos em crimes de trânsito é o da incidência do dolo eventual, mormente nos crimes de homicídio. O pega é reprimido pelo Código de Trânsito Brasileiro em seu art. 308, que diz: Participar, na direção de veículo automotor, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística não autorizada pela autoridade competente, desde que resulte dano potencial à incolumidade pública ou privada: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. Tal conduta é, sem duvida, extremamente reprovável, pois expõe a perigo concreto a incolumidade publica e, por extensão, a privada. Resta saber, e é isto que se busca com tal tarefa, o que pensam os participantes e a sociedade envolvida. O clima de impunidade resultante desta equação (crimes bárbaros x punições brandas) gera reflexos nos órgãos do poder judiciário que, para não caírem em descrédito perante a população, buscam atender aos anseios populares através do aumento quantitativo das condenações dos envolvidos em delitos de circulação. Por conta desta sensação o Legislador modificou o Código de Trânsito Brasileiro através da Lei 11.705 de 2008, afastando a possibilidade de enquadramento em consonância com a Lei 9.099, que trata de lesão culposa, modificando o artigo 291, 1º e seus incisos e 2º. Neste sentido, a correta capitulação do autor à conduta por ele praticada, pode representar a diferença entre uma condenação de até quatro anos (aplicável ao homicídio culposo na direção de veículo automotor), ou por uma de até trinta anos (pena prevista para o crime de homicídio doloso qualificado). Dada a freqüência com que o assunto é submetido ao judiciário, o domínio do tema torna-se exigência imprescindível aos profissionais do direito que atuem ou pretendam militar na área penal, que também sofrem pela dificuldade na obtenção de material de qualidade sobre o assunto, eis que a produção literária é escassa. Mas não se restringe a área penal, tal conduta, mas também a área civil no que diz respeito à reparação pelo dano causado. 9

2. TIPO, OBJETIVO E ELEMENTO SUBJETIVO. Existem diversos sinônimos para a palavra crime, contudo para que um agente através de sua ação ou omissão produza conseqüência jurídica, há a necessidade que, anteriormente, o agente tenha pensando nisso. Os aspectos subjetivos e psicológicos representam aquilo que se passam dentro da cabeça do agente quando ele dirige e sua conduta de modo a enquadrá-la em um dos tipos penais previstos no ordenamento jurídico. O tipo objetivo nada mais é do que a exteriorização da vontade que concretiza o tipo subjetivo. O elemento psicológico normativo da tipicidade diz respeito ao agente e sua ação (ou omissão), que se enquadra na prescrição legal proibitiva e se manifesta na forma de dolo ou culpa. O que vai determinar a caracterização de um ou de outro é a maior ou menor atuação da consciência e da vontade. Para entender as conseqüências práticas desta diferenciação, e para exemplificar que o dolo é a mais grave forma de culpabilidade, vale expor o seguinte: a) Um homicídio cometido com dolo tem numa pena que varia de 6 (seis) a 20 (vinte) anos, podendo ser de 12 (doze) a 30 (trinta) anos, na hipótese de homicídio qualificado. b) Por sua vez, um homicídio culposo na direção de veículo automotor tem suas penas previstas no Art.302 do CTB: Penas detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor É possível observar que, apesar do tênue limite subjetivo que separa as duas espécies, há uma enorme disparidade de penas. Esta linha de separação torna-se ainda mais frágil em se tratando das modalidades de dolo eventual e culpa consciente, conforme veremos. Outra conseqüência prática da determinação do tipo de culpa (lato sensu) é a determinação da competência e do rito processual a ser seguido. O Tribunal do Júri tem 10

constitucionalmente previsto a sua competência para julgar os crimes dolosos contra a vida, em acordo com o previsto no art.5º em seu inciso XXXVIII. Se o crime contra a vida (homicídio, por exemplo) der-se na modalidade culposa, a competência para conhecer da ação será do juiz singular. 2.1-DOLO. Para se falar de dolo, e principalmente atingir o ideal deste estudo que é dolo eventual, primeiramente deve se levar em conta as teorias que discursam a respeito do dolo, que de modo simples, em direito penal, é a deliberação de violar a lei, por ação ou omissão, com pleno conhecimento da criminalidade do que se está fazendo. Este conceito é positivado no ordenamento jurídico através do art. 18, caput do Código Penal, o qual define que o crime será doloso (...) quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo. Objetivando um respaldo a respeito da existência de dolo na atitude do homem, a doutrina efetivou quatro teorias distintas que buscam, através da análise do fato, e de elementos distintos, explicar sua incidência na prática. 2.1.1.- Teorias do Dolo O dicionário Houaiss apresenta uma definição de fácil percepção de dolo: em direito penal, a deliberação de violar a lei, por ação ou omissão, com pleno conhecimento da criminalidade do que se está fazendo. Este conceito é positivado no ordenamento jurídico através do art. 18, caput do Código Penal, o qual define que o crime será doloso (...) quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo. Com o intuito de analisar a existência de dolo nas ações humanas a doutrina criou quatro teorias distintas que buscam, através da análise do fato, e de elementos distintos, explicar sua incidência na prática. 11

2.1.1.1. Teoria da Vontade (Teoria Clássica) Levando-se em conta os assentamentos de Mirabete 1, esta teoria adota a idéia de que o dolo ocorrerá sempre que o agente tiver vontade de praticar a ação, e que o resultado desta seja por ele desejado. Não é exigida a consciência da ilicitude da conduta, pois esta consciência irá afetar apenas o juízo de culpabilidade do agente, que influenciará tão somente ao cálculo de sua pena, não tendo a função de descaracterizar a ocorrência do crime propriamente dito. Cezar Roberto Bitencourt 2, explica em sua obra que a essência do dolo deve estar na vontade, não de violar a lei, mas de realizar a ação e obter o resultado. Essa teoria não nega a existência da consciência do fato, que é indispensável, mas destaca, sobretudo, a importância da vontade de causar o resultado. 2.1.1.2 Teoria do Assentimento (Teoria da Assunção) Desfolhando a obra de Damásio 3 observa que, na teoria do assentimento, o dolo ocorrerá quando o agente, prevendo um possível resultado danoso proveniente de sua conduta, mantém-se indiferente e executa-a, aceitando assim o risco de produzi-lo. Ele não busca o resultado danoso, mas aceita com indiferença o risco de vir a produzi-lo. Tal indiferença que faz com que o agente aceite as possíveis conseqüências oriundas de sua conduta é o elemento essencial para que fique caracterizado o dolo através desta teoria. Se ficar comprovado que o agente agiu de determinada forma não por indiferença ao resultado produzido, mas por acreditar sinceramente que teria condições de evitar sua produção (por acreditar excessivamente em sua perícia ou na sorte, por exemplo), então não há que se falar em dolo. O professor Julio Fabbrini Mirabete explica, de forma sintetizada, que (...) existe dolo simplesmente quando o agente consente em causar o resultado ao praticar a conduta. 2010. 1 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. Parte geral. 1 vol. 27 ed. São Paulo: Atlas, 2011. 2 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. parte geral. 1 vol. 15 ed. São Paulo: Saraiva, 3 JESUS, Damásio E. de. Direito penal: parte geral. 32 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. 12

2.1.1.3 Teoria da Representação Mirabete 4 em sua obra relata que a teoria da representação guarda certa semelhança com a do assentimento, pois assim como naquela, entende que subsistirá o dolo quando o agente tiver mera previsão da possibilidade de ocorrência do fato danoso e, ainda assim, opte pela continuidade de seu procedimento. Diverge da teoria anterior porque, para os adeptos desta teoria, não se leva em consideração se o agente agiu de forma indiferente à possibilidade da ocorrência do efeito danoso ou se simplesmente acreditava que este não iria ocorrer. Este juízo subjetivo realizado pelo agente é irrelevante para a teoria da representação, pois, com base em seus fundamentos, para que o dolo subsista, bastará que o resultado danoso seja previsível à época da execução da ação. 2.1.1.4 Teoria da Probabilidade O jurista Cezar Roberto Bitencourt 5 descreve que, na teoria da probabilidade, a análise da possibilidade de ocorrência do evento danoso é realizada com base na probabilidade baseada em levantamentos estatísticos. Assim, se estatisticamente for comprovado que a prática de determinada conduta tende a ocasionar um resultado danoso, sempre que alguém incorrer naquela mesma conduta e obtiver aquele mesmo resultado terá agido com dolo, indiferente ao chamado juízo de aceitação ou não do resultado provável feito pelo agente no momento em que executa a ação. Neste sentido, poder-se-ia afirmar que todo indivíduo que conduz veículo automotor participando de corrida clandestina em vias públicas e se envolve em acidente agirá com dolo, eis que é comprovado estatisticamente que a grande parte dos acidentes, nestas condições são ocasionados por pessoas em estado de plena consciência do que estão fazendo. Esta teoria não obteve muita aceitação no meio jurídico e acadêmico, pois, assim como na teoria da representação, descarta a análise do elemento volitivo, baseando-se apenas nos elementos intelectivos. 2010. 4 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. Parte geral. 1 vol. 27 ed. São Paulo: Atlas, 2011. 5 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. parte geral. 1 vol. 15 ed. São Paulo: Saraiva, 13

2.1.1.5 Teorias adotadas pelo Código Penal brasileiro Mirabete 6 nos ensina que o Código Penal brasileiro adotou a Teoria Finalista da Ação, que tem como principal fundamento o preceito de que todo comportamento humano tem uma finalidade, ou seja, (...) não se concebe vontade de nada ou para nada, e sim dirigida a um fim. A conduta realiza-se mediante a manifestação da vontade dirigida a um fim. Desta forma, o dolo subsistirá apenas quando o agente tiver a intenção de realizar a conduta efetivamente. O professor Seixa Santos aborda a matéria da vontade dirigida à prática do ato criminoso de forma bastante elucidativa: A vontade criminosa, a vontade de prejudicar, enfim, a vontade é sempre uma faculdade de querer, quer contra a lei penal, quer criminosamente. Denuncia um querer criminoso. Revela uma faculdade de tender conscientemente a um fato ilícito. Age, portanto, com vontade. (...) A vontade revela a existência de critério de escolha ou axiológico. O bem é um valor positivo, para o qual o homem deve tender, o crime é um fato negativo que cumpre evitar. Não querer o crime é, também como o querer, um ato da vontade, ou volição. (...) A volição, como ato da vontade, faz parte do processo deliberativo... A vontade do agente é elevada à condição de elemento sine qua non para caracterização da conduta típica penal. Mesmo nos crimes culposos, aonde o agente não tem sua conduta direcionada à produção do resultado, haverá responsabilização criminal quando este não empregar o mínimo de diligência necessária. Para que seja caracterizado o dolo, deverá ser analisado tanto o elemento cognitivo (intelectual) quanto o volitivo (vontade) que envolviam o agente no momento do cometimento da ação. O elemento cognitivo diz respeito à consciência do ato que é praticado e de suas conseqüências. Bitencourt 7 explica com maestria o conceito em sua obra: A previsão, isto é, a representação, deve abranger correta e completamente todos os elementos essenciais do tipo, sejam eles descritivos, normativos ou subjetivos. Enfim, a consciência (previsão ou representação) abrange a realização dos elementos descritivos e 2010. 6 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. Parte geral. 1 vol. 27 ed. São Paulo: Atlas, 2011. 7 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. parte geral. 1 vol. 15 ed. São Paulo: Saraiva, 14

normativos, do nexo causal e do evento (delitos materiais), da lesão ao bem jurídico, dos elementos da autoria e da participação, dos elementos objetivos das circunstâncias agravantes e atenuantes que supõem uma maior ou menor gravidade do injusto (tipo qualificado ou privilegiado) e dos elementos acidentais do tipo objetivo. Além do conhecimento dos elementos positivos exigidos pelo tipo objetivo, o dolo deve abranger também o conhecimento dos caracteres negativos, isto é, de elementos, tais como sem consentimento de quem de direito (art. 164 do CP), sem licença da autoridade competente (art. 166 do CP), da inexistência de nascimento (art. 241 do CP) etc. Por isso, quando o processo intelectual-volitivo não atinge um dos componentes da ação descrita na lei, o dolo não se aperfeiçoa, isto é, não se completa. O elemento volitivo refere-se à vontade do agente em realizar (ou não) o tipo penal, à indiferença (ou não) quanto à produção do resultado danoso quando opta pela execução de um comportamento que importe em risco a outrem. O Código Penal brasileiro em seu artigo 18, I, adotou as teorias da vontade (primeira parte do art. 18, I) e do assentimento (segunda parte do art. 18, I) por serem as que levam em consideração tanto a representação como a vontade do agente. Desta forma, é possível afirmar que enquanto o dolo direto é delineado pela teoria da vontade, o dolo eventual tem seus contornos definidos pela teoria do assentimento. As teorias da previsão e da probabilidade não foram recepcionadas em nosso ordenamento jurídico porque excluem a apreciação do elemento volitivo, ou seja, não há análise da vontade do agente ao percorrer a conduta. 2.2 ESPÉCIES DE DOLO Bitencourt 8 afirma que a doutrina subdivide o conceito de dolo em duas espécies: dolo direto (ou imediato) e dolo indireto (novamente subdividido em dolo alternativo e dolo eventual). Esta classificação doutrinária se dá (...) pela necessidade de a vontade abranger o 2010. 8 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. parte geral. 1 vol. 15 ed. São Paulo: Saraiva, 15

objetivo pretendido pelo agente, o meio utilizado, a relação de causalidade, bem como o resultado. Note-se que esta diferenciação do dolo em diversos tipos é apenas doutrinária e não acarreta em nenhum efeito prático direto, eis que o Código Penal brasileiro não positivou as diversas hipóteses de dolo, equiparando todas em seu artigo 18, I. Desta forma, pouca diferença faz se o crime foi cometido com dolo direto ou indireto (seja ele eventual ou alternativo), pois, qualquer que seja a hipótese, será reprimida com a mesma intensidade, eis que o dispositivo incriminador será o mesmo. 2.2.1 Dolo Direto ou Imediato Encontra previsão legal no art. 18, I, primeira parte do Código Penal: diz-se o crime doloso, quando o agente quis o resultado (...). Neste caso, o agente efetivamente deseja o resultado danoso e utiliza dos meios necessários para atingi-lo. É o caso do indivíduo que, durante a condução de seu veículo avista seu desafeto transitando a pé sobre o passeio e arremessa propositalmente o veículo de encontro a este, causando-lhe a morte. Não há que se falar em crime culposo ou dolo eventual, o objetivo do agente era efetivamente causar a morte de seu inimigo, utilizando-se para isso do veículo que conduzia, tratando-se portanto, inequivocamente de dolo direto. Bitencourt 9 em seu Tratado de Direito Penal refere-se a uma subdivisão do dolo direto, entre de primeiro e de segundo grau. Segundo o autor, dolo direto de primeiro grau seria referente ao dano que se pretende gerar (dano desejado e provocado pelo autor), já o dolo direto de segundo grau seria relativo aos outros danos provocados em função do meio de execução escolhido pelo agente que, embora não sejam desejados pelo agente, fazem-se necessários para a consecução de seu objetivo final. Podemos exemplificar com situação similar àquela descrita no parágrafo anterior, supondo que um indivíduo conduzindo um ônibus avista seu desafeto transitando no passeio acompanhado por sua família. O condutor imediatamente projeta o veículo contra o seu inimigo, causando a morte não só deste como também de toda a sua família. Neste caso, haverá dolo direto de primeiro grau com relação ao desafeto (objetivo da ação delituosa) e 2010. 9 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. parte geral. 1 vol. 15 ed. São Paulo: Saraiva, 16

dolo direto de segundo grau com relação aos demais vitimados, pois detinha o intuito inicial de matar apenas seu desafeto, porém assumiu a produção da morte dos demais em função do meio escolhido para cometer o crime. Na realidade, esta diferenciação quanto ao dolo de primeiro e segundo graus não é comumente utilizada pela doutrina, tendo sua aplicação limitada à dosimetria da pena, eis que, em ambos os casos, tratar-se-á de dolo direto. 2.2.2 Dolo Indireto Damásio E. de Jesus 10 descreve que o dolo indireto ocorre quando a vontade do sujeito não é direcionada à produção de um resultado determinado, sendo este subdividido em dolo alternativo e dolo eventual. 2.2.2.1. Dolo Alternativo No dolo alternativo o agente possui a vontade de causar dano a outrem, porém este dano pode ser orientado alternativamente em relação ao resultado ou em relação à pessoa. No primeiro caso o agente é indiferente ao dano produzido na vítima, satisfazendo-se tanto com o resultado mais grave quanto com o menos grave, e no segundo caso, o agente é indiferente a quem será vitimado pela sua conduta (sendo esta dirigida a um grupo, estará satisfeito com a produção do resultado danoso em qualquer um daquele grupo). Exemplo típico de dolo indireto alternativo com relação ao resultado é o do indivíduo que atira contra seu desafeto, satisfazendo-se tanto com a morte quanto com a mera lesão, já o dolo indireto alternativo com relação à pessoa ocorrerá na hipótese em que o agente efetua disparo de arma de fogo contra aglomeração de pessoas, dando-se por satisfeito com a morte de qualquer um dos envolvidos. 10 JESUS, Damásio E. de. Direito penal: parte geral. 32 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. 17

2.2.2.2. Dolo Eventual No dolo eventual, o agente sabe que o resultado lesivo pode vir a ocorrer, mas age com indiferença, aceitando-o e assumindo o risco de sua produção. Note-se que para que subsista o dolo eventual é essencial que o agente anteveja a possibilidade do evento danoso (previsibilidade do resultado) e que, ainda assim, demonstre-se indiferente à sua possível produção, como já foi explicado na teoria do assentimento (teorias do dolo). Algumas decisões judiciais identificam o dolo eventual em situações em que não existe o aspecto volitivo de aceitação do dano. Estas decisões tentam amparar-se nas teorias da representação ou da probabilidade, que não foram recepcionadas no nosso Código Penal. O professor Bitencourt 11 narra de forma extremamente didática as diferenças entre as teorias da probabilidade e da vontade: Para a primeira, diante da dificuldade de demonstrar o elemento volitivo, o querer o resultado, admite a existência do dolo eventual quando o agente representa o resultado como de muito provável execução e, apesar disso, atua, admitindo ou não a sua produção. No entanto, se a produção do resultado for menos provável, isto é, pouco provável, haverá culpa consciente. Para a segunda é insuficiente que o agente represente o resultado como de provável ocorrência, sendo necessário que a probabilidade da produção do resultado seja incapaz de remover a vontade de agir. Haveria culpa consciente se, ao contrário, desistisse da ação, estando convencido, calcula mal e age, produzindo o resultado. Como se constata, a teoria da probabilidade desconhece o elemento volitivo, que é fundamental na distinção entre dolo eventual e culpa consciente, e que, por isso mesmo, é melhor delimitado pela teoria do consentimento. Jesus 12 assevera que o dolo eventual caracteriza-se pela presença de duas características elementares, a saber: a previsibilidade objetiva, que é a possibilidade do agente antever que a conduta a ser percorrida poderá produzir um resultado danoso (devendo esta previsibilidade se nortear pelo discernimento que um cidadão comum teria na mesma situação); e a anuência do autor para com este possível resultado (indiferença). Saraiva, 2010. 11 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. parte geral. 1 vol. 15 ed. São Paulo: 12 JESUS, Damásio E. de. Direito penal: parte geral. 32 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. 18

O ilustre promotor Sznick defende entendimento um pouco diferente. Segundo ele, no dolo eventual, o agente efetivamente quer a produção do resultado, pois, ao antever a possibilidade de sua ocorrência e, ainda assim insistir na conduta demonstra desejo pela produção do resultado. Em suas próprias palavras, No dolo eventual, o agente quer o evento, mesmo que este não seja o objetivo principal de sua conduta, mas o é secundariamente querido, porque consentido. (...) No dolo eventual o resultado é previsto pelo agente não como fim, mas como objetivo secundário, que pode resultar da ação criminal e, inobstante isso, não deixa de realizar a ação. (...) O dolo não é eventual; eventual é o resultado, na sua ocorrência; isto porque o agente ao prever e admitir o resultado, implicitamente o quis. Note-se que os entendimentos descritos apresentam uma pequena, mas importante diferença. Enquanto a doutrina majoritária defende que existirá dolo eventual quando o agente mostrar-se indiferente à produção do resultado, a interpretação defendida por Sznick sustenta que, mais que mera indiferença, o resultado produzido também será desejado pelo agente, praticamente equiparando-o ao dolo direto. O dolo eventual, espécie do gênero dolo indireto, caracteriza-se quando o agente prevê como possível o resultado e, estando consciente da iminência de causá-lo, assume o risco e segue na execução do iter criminis. Assim, o dolo eventual, ocorre quando o agente assume o risco de produzir um resultado que por ele foi previsto. Houve, portanto, a visualização da possibilidade da ocorrência do ato ilícito e, mesmo assim, o agente não interrompeu sua ação, admitindo, anuindo, aceitando, concordando com o resultado. 2.3.- MODALIDADES DA CULPA As modalidades da culpa ou formas de manifestação da falta do cuidado objetivo são descritas no art. 18, II do Código Penal, a saber: imprudência, negligência e imperícia. A imprudência traduz-se pela precipitação, falta de cautela na prática de determinada ação, como por exemplo, conduzir um automóvel através de um cruzamento desrespeitando as normas de preferência ou desrespeitando a sinalização de Parada Obrigatória. 19

A negligência diz respeito à prática de uma ação com a falta das precauções normais por displicência, descuido, como por exemplo, abster-se deixar o veículo estacionado devidamente freado. A imperícia refere-se à prática de determinada conduta com a falta de conhecimentos técnicos para sua segura e correta execução, como por exemplo, não saber conduzir um veículo automotor. 2.3.1. Culpa Inconsciente Mirabete explica que a culpa inconsciente, juntamente com a culpa consciente são espécies de culpa. Nesta, embora o resultado seja previsível (condição sine qua non para o juízo de culpabilidade do crime, como já descrito), o agente não antevê a possibilidade do resultado por mera displicência. Sobre a culpa inconsciente, Oliveira 13 define-a através da afirmativa de que, (...) o agente não prevê o resultado negativo para a sua ação ou omissão, porque incompetente para tanto, muito embora tal resultado seja absolutamente previsível. A título de ilustração é possível citar o caso de indivíduo que abandona arma de fogo displicentemente em local com fácil acesso a crianças. Embora este indivíduo não deseje patrocinar um homicídio, sua conduta torna este resultado possível por puro desleixo. Note-se que o resultado continua não sendo desejado pelo agente, ocorre por mera desatenção. 2.3.2. Culpa Consciente ou Culpa com Previsão De acordo com Bitencourt, na culpa consciente o agente prevê a possibilidade da produção do resultado ilícito, todavia, acredita sinceramente que este não venha a ocorrer. Note-se que não bastará apenas a previsibilidade do resultado para que se configure a culpa consciente, será também forçoso que o agente não o deseje e se esforce para que este não ocorra. Luzzatto, 2005. 13 OLIVEIRA, Frederico de Abrahão de. Dolo e culpa nos delitos de trânsito. Porto Alegre: Sagra 20

A previsão cobrada do agente é a chamada de objetiva, ou seja, a que se seria de esperar de um cidadão de raciocínio mediano que se encontrasse nas mesmas condições que ele. Em sua obra explica que A previsibilidade objetiva se determina mediante um juízo levado a cabo, colocandose o observador (por exemplo, o juiz) na posição do autor no momento do começo da ação, e levando em consideração as circunstâncias do caso concreto cognoscíveis por uma pessoa inteligente, mais as conhecidas pelo autor e a experiência comum da época sobre os cursos causais. Damásio E. de Jesus exemplifica com a hipótese do caçador que avista sua caça próxima a um confrade e percebe que, atirando no animal poderá acertar em seu companheiro. Confiando em sua pontaria e acreditando que não o atingirá, dispara sua arma, matando-o. Perceba-se que o agente não assumiu a possibilidade da produção do resultado porque acreditava que sua habilidade seria suficiente para afastá-lo. Sintetizando, Jesus relata que, para que se configure a culpa consciente devem estar presentes: 1º) vontade dirigida a um comportamento que nada tem com a produção do resultado ocorrido (...); 2º) crença sincera de que o evento não ocorra em face de sua habilidade ou interferência de circunstância impeditiva, ou excesso de confiança (...); 3º) erro de execução. Ressalva ainda que a culpa consciente seja equiparada à inconsciente, sendo a pena in abstract igual para as duas espécies, pois, tanto vale não ter consciência da anormalidade da própria conduta, quanto estar consciente dela, mas confiando, sinceramente, em que o resultado lesivo não sobrevirá. Pode-se dizer que a culpa (em sentindo escrito) é a forma mais branda de culpabilidade, sendo menos grave do que o dolo. Na culpa o resultado ilícito de dano ou perigo não é previsto, mas previsível, e se for previsto de algum modo, não é aceito pelo agente que acredita que tal não ocorra. Dentro das modalidades culposas tem-se, como subdivisão doutrinária, a culpa consciente, ou com previsão. Trata-se do mais elevado grau de culpa, por aproximar-se do conceito de dolo eventual. Ela estará caracterizada quando o agente previr um resultado que não deseja e agir apesar desta previsão. O agente não quer o resultado nem assume o risco de produzi-lo; não quer, sinceramente, que o resultado venha a ocorrer. 21

2.4-DIFERENÇA ENTRE CULPA CONSCIENTE E DOLO EVENTUAL. Alguns autores posicionam-se sobre a diferenciação entre os dois tipos de elementos subjetivos que são objetos desta pesquisa dolo eventual e culpa consciente, a saber: - Cezar Roberto Bittencourt: Os limites fronteiriços entre o dolo eventual e a culpa consciente constituem um dos problemas mais tormentosos da Teoria do delito. Há entre ambos um traço em comum: a previsão do resultado proibido. Mas, enquanto no dolo eventual o agente anui ao advento desse resultado, assumindo o risco de produzi-lo, em vez de renunciar à ação na culpa consciente, ao contrário, repele a hipótese de superveniência do resultado, na esperança convicta de que este não ocorrerá. - Fernando Capez: A culpa consciente difere do dolo eventual, porque neste o agente prevê o resultado, mas não se importa que ele ocorra (se eu continuar dirigindo assim, pode vir a matar alguém, mas não importa; se acontecer, tudo bem, eu vou prosseguir). Na culpa consciente, embora prevendo o que pode vir a acontecer, o agente repudia essa possibilidade (se eu continuar dirigindo assim, pode vir a matar alguém, mas estou certo de que isso, embora possível não ocorrerá). O traço distintivo entre ambos, portanto, é que no dolo eventual o agente diz: não importa, enquanto na culpa consciente supõe: é possível, mas não vai acontecer de forma alguma. - Júlio Fabbrini Mirabete: A culpa consciente avizinha-se do dolo eventual, mas com ela não se confunde. Naquela (na culpa consciente), o agente, embora prevendo o resultado, não a aceita como possível. Nesse (no dolo eventual), o agente prevê o resultado, não se importando que venha ele a ocorrer. 2.4.1. Importância da Correta Capitulação do Tipo Penal O entendimento da correta adequação do tipo penal à conduta percorrida pelo agente é de suma importância à prática forense uma vez que, usualmente o instituto da culpa consciente é confundido com o dolo eventual (erro comum até a experientes operadores do direito). 22

Esta pequena confusão pode trazer graves conseqüências para o autor de um delito de trânsito, eis que dependendo da capitulação dada pelo magistrado ao fato, a repressão estatal se manifestará de forma mais ou menos severa a uma mesma conduta praticada pelo autor (que pode se dar através de penas privativas de liberdade ou outras formas de penalização previstas em lei). O agente que responder a processo em função de crime praticado com culpa consciente, responderá pela modalidade culposa do mesmo (ou nem mesmo será acusado de crime algum, caso exista previsão expressa da modalidade culposa do crime). Se, contudo, for processado por crime praticado com dolo eventual, responderá pela modalidade dolosa, o que resultará em substancial aumento da pena in abstract, além do seguimento do processo pelo rito especial do Tribunal do Júri (nos casos de crimes contra a vida). No caso específico do homicídio praticado com o uso de veículo automotor sendo este capitulado na forma culposa a pena a ser imposta variará entre dois a quatro anos de detenção (artigo 302 da Lei 9503/97), enquanto que, sendo feito o enquadramento com base no dolo eventual (artigo 121, caput do Código Penal), a pena irá variar de seis a vinte anos de reclusão (além de seguir a tramitação específica do Tribunal do Júri). 2.4.2.- Provas de Dolo Eventual Nos delitos de trânsito, como já mencionado, o dolo, embora possível, é de difícil comprovação. É necessária a prova do animus do landi. Ocorrido o acidente com vítima, para que se reconheça o dolo eventual é necessária a prova do elemento subjetivo que informou a conduta do agente, o que se poderia colher através das circunstâncias do fato, visto que não se pode ingressar na dobra da psicologia do agente. Assim, a apuração do dolo vai depender de cada caso. E daí a prova demonstrará se houve dolo eventual ou culpa consciente 23

3. CARACTERIZAÇÃO DO DELITO DO ART. 308 DO CTB E O ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. O racha, Sempre que se falar em racha ou pega, leia-se participação em competição não autorizada, ou seja, o delito do art. 308 do Código de Trânsito Brasileiro, é uma espécie de disputa, corrida, competição, de veículo em desabalada carreira com intenção de exibição ou demonstração de sua potência. Antes de o Novo Código de Trânsito entrar em vigor, o racha ou pega caracterizava a contravenção penal de direção perigosa de veículo na via pública. Não há dúvidas de que o elemento subjetivo da participação em competição não autorizada, previsto no ordenamento jurídico seja o dolo. Essa certeza decorre do simples fato de inexistir previsão legal de modalidade culposa. A discussão quanto à incidência de dolo eventual ou de culpa consciente só surge quando a partir da prática do racha sobrevém um resultado danoso tal como o homicídio. 24

4. SUPERVENIÊNCIA DE RESULTADO CONCRETO EM CRIME DE RACHA. Se o comportamento imprudente ocasiona acidente que tem como conseqüência morte ou lesão corporal de terceiro, o entendimento do Des. Maurílio Moreira Leite, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, é de que o delito de homicídio ou lesão absorve o crime de participação em competição não autorizada, que prevê tão só a conduta potencialmente danosa. Surge, então, a dúvida: O crime de homicídio ou o de lesão corporal, decorrente da prática do racha, pertence à modalidade dolosa ou culposa? É inquestionável que o praticante de racha prevê o resultado antijurídico (lesão ou morte de terceiro) como possível. A dúvida reside em determinar se o agente presta anuência para que este resultado sobrevenha (dolo eventual) ou se repele a idéia de advento do resultado e acredita veemente que, em função de sua habilidade, tal resultado não virá a ocorrer (culpa consciente). Em se tratando da superveniência do resultado morte, o art. 308 do CTB ficará absorvido ou pelo art. 302 do CTB, ou pelo art. 121 do CP? É crucial a compreensão de que o que irá determinar se a absorção dar-se-á pelo art. 302 do CTB ou pelo art. 121 do CP será o entendimento de que o resultado morte deriva de culpa consciente do autor, no primeiro caso, ou de dolo eventual, no segundo. A interpretação pró-culpa consciente é, sem dúvida, o entendimento mais benéfico para o agente que ficará sujeito a uma sansão menor: a prática de homicídio culposo na direção de veículo automotor tem uma pena cominada pelo CTB de detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir. Por outro lado, o entendimento mais gravoso para o autor é o de que este agiu com dolo eventual, assumindo o risco e anuindo previamente na superveniência do resultado morte. Tratar-se-ia de absorção pelo art. 121 16 do Código Penal Brasileiro que comina pena de reclusão de 6 (seis) a 20 (vinte) anos para homicídio simples e de 12 (doze) a 30 (trinta) na hipótese de homicídio qualificado. Art. 121. Matar alguém: Pena: reclusão de 6 (seis) a 20 (vinte) anos. Caso de diminuição de pena, 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor 25

social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. Homicídio qualificado. 2º Se o homicídio é cometido: I mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; II por motivo fútil; III com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; IV à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido; V para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime. Pena: reclusão de 12(doze) a 30 (trinta) anos. 4.1- HOMICÍDIO E LESÃO CORPORAL CULPOSOS NO TRÂNSITO. No Código Penal, o homicídio culposo tem uma pena cominada de detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos. Em 1997, com o advento do Código de Trânsito, passou a existir uma previsão específica no art. 302 da prática de homicídio culposo na direção de veículo automotor, com uma pena cominada superior à anterior do Código Penal, qual seja detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor, podendo ser aumentada de um terço à metade nas hipóteses previstas no parágrafo único. Alguns doutrinadores, como Rui Stoco, defendem a inconstitucionalidade do art. 302 do CTB por ofensa ao princípio constitucional da isonomia e ao direito subjetivo do réu a um tratamento igualitário. Este entendimento de Rui Stoco segue a linha da dogmática clássica, para a qual a antijuridicidade está limitada à desvaloração do resultado. Por este entendimento, sendo o resultado o mesmo (homicídio culposo), não haveria razão para a cominação de penas diametralmente desproporcionais para alguém que, desavisadamente, joga um vaso de flor em cima de um prédio e acaba matando um infeliz transeunte (detenção de 1 a 3 anos) e outrem que, praticando corrida não autoriza em via pública, atropela e mata um pedestre (detenção de 2 a 4 anos, podendo ser aumentada de um terço a metade, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor). 26

Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: Penas: detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. Parágrafo único. No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de um terço à metade, se o agente: I não possuir permissão para dirigir ou carteira de habilitação; II praticá-lo em faixa de pedestres ou na calçada; III deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do acidente; IV no exercício de sua profissão ou atividade estiver conduzindo veículo de transporte de passageiros. 27

5- POSICIONAMENTO DOUTRINÁRIO PRÓ-DOLO EVENTUAL. - Júlio Fabbrini Mirabete: Querer o perigo ou aceitar o risco de sua ocorrência equivale a consentir no risco do resultado (morte ou lesão corporal). - José Marcos Marrone: Se da corrida, disputa ou competição não autorizada resultar evento mais grave (lesão ou morte), configura-se o dolo eventual (art.18, 1, 2ª parte do Código penal), respondendo o condutor pelo delito de homicídio doloso ou lesão corporal dolosa. Fica absorvido o crime do art. 308 do CTB. Reforçando o mesmo entendimento o autor continua: Efetivamente, aquele que participa de racha, em via pública, tem consciência dos riscos envolvidos, aceitando-os, motivo pelo qual merece ser responsabilizado por crime doloso. 28

6. POSICIONAMENTO DOUTRINÁRIO PRÓ-CULPA CONSCIENTE. - Cezar Roberto Bittencourt: Por fim, a distinção entre dolo eventual e culpa consciente resume-se à aceitação ou rejeição da possibilidade de produção do resultado. Persistindo a dúvida entre um e outro, dever-se-á concluir pela solução menos grave: pela culpa consciente. - Edmundo José de Bastos Jr. 14 : Quando a atitude psíquica do agente não se revelar inequívoca, ou se há inafastável dúvida se houve, ou não, aceitação do risco do resultado, a solução deve ser baseada no princípio in dúbio pro reo, vale dizer, pelo reconhecimento da culpa consciente. (...) Nos delitos de trânsito, há um decisivo elemento de referência para o deslinde da dúvida entre dolo eventual e culpa consciente: o risco para o próprio agente. Com efeito, é difícil aceitar que um condutor de veículo, na plenitude de sua sanidade mental, seja indiferente à perda de sua própria vida e, eventualmente, de pessoas que lhe são caras em desastre que prevê como possível conseqüência de manobra arriscada que leva a efeito (...). 14 BASTOS JÚNIOR, Edmundo José de. Código Penal em Exemplos Práticos. 5ª Ed. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2006. 29

7. POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL. Na década de 1990, como parte de uma política criminal do terror, observou-se o nascimento no Rio Grande do Sul e fortalecimento em todo o território nacional de uma corrente jurisprudencial que passou a reconhecer, indiscriminadamente a existência de dolo eventual nos acidentes automobilísticos, decorrentes ou não de racha, com repercussão social. Entretanto, decisões isoladas para um ou outro lado continuam a ser prolatadas pelos Tribunais Brasil a fora. É da visão da grande maioria que existe o risco assumido, logo o motorista que mata em racha responde por crime doloso. Motorista que mata em competição conhecida como racha responde por crime doloso, ou seja, com intenção de matar. O entendimento é da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal. Por unanimidade, o STF negou Habeas Corpus a Ismael Keller Loth. Ele queria ser julgado por um juiz singular e não pelo Tribunal do Júri. Ismael Keller Loth responde pelas mortes de cinco pessoas da mesma família, em Bicas (MG). A ministra Ellen Gracie, relatora do processo, explicou a diferença entre dolo, dolo eventual e culpa consciente. Segundo ela, no dolo direto o agente produz sua ação para ter o resultado. No eventual, contudo, o agente considera seriamente a possibilidade de realização do tipo objetivo e se conforma com ela. No caso em questão, ainda que a pessoa não quisesse diretamente a realização do tipo penal, aceitou a hipótese como possível ou provável. Assim, assumiu o risco da produção do resultado. O ministro Celso de Mello lembrou a teoria da imputação objetiva. Nessa teoria constata-se que o agente criou, com o seu comportamento, uma situação de risco absolutamente ilícito, afirmou. Ellen Gracie descartou a possibilidade de ter havido culpa consciente, o que ela acredita ser incompatível com o sistema jurídico brasileiro devido à previsão contida no artigo 18. O dispositivo diz que o dolo acontece quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo. 30

A defesa de Ismael Loth quis evitar que o crime fosse considerado doloso, um dos prérequisitos para julgamento pelo Tribunal do Júri. Em primeira instância, o juiz reconheceu dolo eventual, já que o réu tinha a noção do risco e o assumiu. Por isso, deveria ser julgado por populares. Ismael foi submetido ao Tribunal do Júri, em 23 de abril de 2007, que o condenou a cumprir 12 anos de prisão, inicialmente em regime fechado. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, ao analisar um recurso da defesa, desclassificou os crimes considerando-os como homicídios culposos com os agravantes de meio cruel de perigo comum, sem oportunidade de defesa das vítimas. O MP, então, apresentou Recurso Especial ao STJ. O recurso foi aceito por maioria. A defesa, então, apresentou HC ao Supremo. Afirmou que não havia provas de que os dois colegas de racha agiram com a intenção de provocar as mortes. Os advogados alegam a culpa consciente de Ismael. Essa modalidade tem em comum com o dolo eventual o fato de o agente considerar o risco e assumi-lo como possível ou provável. No caso de culpa consciente, o réu seria julgado por um só juiz e não pelo Tribunal do Júri. O Superior Tribunal de Justiça já tem entendido que a morte provocada por motorista que participa de racha é homicídio doloso e o réu deve ser julgado pelo Tribunal do Júri. 31

8. CASOS CONCRETOS Enquanto andava de skate no túnel acústico da Gávea, que estava interditado por estar em obras, o jovem de 18 anos Rafael Mascarenhas foi atingido por um carro em alta velocidade. No momento em que o adolescente praticava o esporte dois condutores imprudentes tiravam um racha na via interditada, um dos carros colidiu com o garoto. Rafael Mascarenhas era filho caçula da atriz e apresentadora Cissa Guimarães, que trabalha a anos na rede globo de televisão. Os condutores foram liberados pela polícia que só foi atrás deles novamente após saber de quem o garoto era filho, isso mostra o quão condicional foi o trabalho da polícia no caso. Tirar pegas na cidade é algo realmente que deve ser criminalizado, é óbvio que a pratica das corridas de velocidade quando não são feitas em lugares próprios como circuitos coloca a vida de muitas pessoas em risco. Rafael Mascarenhas, de 18 anos, filho da atriz da TV Globo Cissa Guimarães com o músico Raul Mascarenhas, morreu atropelado. A informação foi confirmada pela Secretaria municipal de Saúde do Rio. Segundo bombeiros da Gávea, que socorreram o rapaz por volta de 1h50, ele foi atropelado por um motorista que trafegava no Túnel Acústico, na Gávea, Zona Sul, na pista sentido Gávea. De acordo com bombeiros, ele ainda foi levado com vida para o hospital Miguel Couto, no Leblon, também na Zona Sul. De acordo com a secretaria, o jovem chegou à unidade com politraumatismos na cabeça, no tórax, nos braços e nas pernas. Rafael chegou a ser operado, mas faleceu por volta de 8h desta terça. De acordo com a 15ª DP (Gávea), que investigava o caso, Rafael estava andando de skate no túnel, que estava interditado para manutenção. A polícia faz buscas pelo motorista que teria atropelado o jovem. De acordo com a polícia, dois carros estariam dentro do túnel na hora do atropelamento. Segundo a CET-Rio, a pista ficou fechada ao tráfego de 1h10 as 4h10. Os motoristas que estavam no túnel não teriam furado o bloqueio da via. A companhia informou que dentro 32

do túnel há uma passagem usada somente em casos de emergência, e que os motoristas dos veículos teriam usado esse local. O jovem foi atropelado, de acordo com a CET-Rio, já na descida do túnel, criando assim um embate de como comprovar o animus do motorista, haja vista o órgão responsável dizer que o tráfego ser permitido. 33

9. CONSIDERAÇÕES FINAIS. A idéia inicial motivadora desta pesquisa foi procurar investigar a incidência de dolo eventual ou de culpa consciente nos delitos de lesão corporal e homicídio decorrente da prática do racha. A partir de uma conceituação dos tipos de elementos subjetivos, com ênfase na diferenciação entre dolo eventual e culpa consciente, passou-se a uma caracterização do delito do art. 308 do CTB, para só então analisar a incidência do elemento subjetivo quando superveniência de resultado concreto no crime de racha. A doutrina brasileira divide-se quanto ao reconhecimento de dolo ou culpa. Juridicamente, a interpretação dos dispositivos legais em vigor aponta que a intenção do legislador de levar o interprete para a culpa consciente. Isso porque o Código de Trânsito Brasileiro, que é o instituto legal destinado a regular os crimes cometidos no trânsito, só prevê a modalidade culposa de lesão corporal e homicídio quando sobreviverem como resultado concreto em crime de racha. O aprofundamento da análise da superveniência de resultado concreto em crime de racha instiga a investigação, pois é justamente quando ocorre à absorção do delito de participação em competição não autorizada pelo homicídio ou lesão corporal, que surge a discussão sobre a incidência de dolo eventual ou culpa consciente. Em se tratando de delimitação de conceitos, o mais interessante foi observar que, apesar do tênue limite subjetivo que separa as duas espécies de culpabilidade de que tratou esta pesquisa (dolo eventual e culpa consciente), há uma enorme disparidade de penas entre uma e outra: no caso de um homicídio ocorrido durante a prática de racha, se a opção for Pelo dolo, aplica-se o Código Penal (art.121), e a pena pode variar de 6 (seis) a 20 (vinte) anos, podendo ser de até 12 (doze) a 30 (trinta) anos, na hipótese de homicídio qualificado; entretanto, se a opção for pela culpa consciente, a pena a ser aplicada é a cominada para o homicídio culposo na direção de veículo automotor (art.302 do CTB), qual seja a detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. 34