Comportamento de alarme em corujas buraqueiras (Athene cunicularia) durante o período reprodutivo no sudeste do Brasil. Giuliano Buzá Jacobucci 1

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Comportamento de alarme em Athene cunicularia durante o período reprodutivo.145 Revista Brasileira de ZOOCIÊNCIAS 9(2): 145-150, dezembro 2007 ISSN 1517-6770 Comportamento de alarme em corujas buraqueiras (Athene cunicularia) durante o período reprodutivo no sudeste do Brasil Giuliano Buzá Jacobucci 1 1 Instituto de Biologia, Universidade Federal de Uberlândia, 38402-400, Uberlândia, Minas Gerais, Brasil. jacobucci@inbio.ufu.br Abstract. Alarm behaviour of burrowing owls (Athene cunicularia) during the breeding period in southeastern Brazil. During the nesting period, burrowing owls produce alarm calls to warn the young of danger. The study of this behaviour was performed for 44 burrows. To simulate a potential predator, an observer approached the nests walking into the burrow entrances in three periods: early morning, middle of the day and late afternoon. The distance from the intruder to the burrow entrance at the moment of first alarm calls and the behaviour of owls after the alarm were recorded. Most alarm calls were produced by females (50%), followed by males (38%) and by couple (18%). The alarm call distances from the observer varied from 0 to 90 m. No significant differences of distance were detected among periods of the day (F 1,32 = 2.036; p = 0.152) and between male and female (F 1,33 = 0.385; p = 0.561). Smaller distances were recorded for higher circulation sites (F 1, 33 = 25.261; p = 0.0008) and the post-alarm behaviour varied with adult location and juvenile age. Alarm call seems to be effective to warn owlets of danger even in urban areas where human and dogs could represent important threats for burrowing owl survival. Key words: Strigiformes, Strigidae, agonistic behaviour, alarm calls. Resumo: Durante o período de nidificação, as corujas buraqueiras emitem sinais de alarme para alertar os filhotes sobre perigos. O estudo desse comportamento foi realizado em 44 tocas. Para simular um potencial predador, um observador se aproximou das tocas, caminhando em direção a suas entradas em três períodos: início da manhã, meio do dia e final da tarde. A distância do intruso à entrada da toca no momento dos primeiros sinais de alarme e o comportamento das corujas após o alarme foram registrados. A maioria dos sinais de alarme foi produzida apenas por fêmeas (50%), seguidas por vocalizações de machos (38%) e do casal (18%). As distâncias do observador variaram de 0 a 90 m. Não foram detectadas diferenças significativas nas distâncias entre períodos do dia (F 1,32 = 2,036; p = 0,152 ) e entre machos e fêmeas (F 1,33 = 0,385; p = 0,561). Distâncias menores foram registradas para locais de maior circulação (F 1, 33 = 25,261; p = 0,0008) e o comportamento pós-alarme variou com a localização dos adultos e idade dos jovens. A emissão de alarme parece ser eficaz para alertar os juvenis do perigo mesmo em áreas urbanas, onde pessoas e cães podem representar importantes ameaças à sobrevivência das corujas buraqueiras. Palavras-chave: Strigiformes, Strigidae, comportamento agonístico, sinais de alarme. INTRODUÇÃO A coruja buraqueira Athene cunicularia (Molina, 1782) ocorre no sudoeste do Canadá, oeste e sul dos Estados Unidos, América Central e do Sul, sendo uma das corujas mais abundantes em várias localidades (SICK, 1997; HÖFLING & CAMARGO, 1999). É encontrada principalmente em locais com vegetação rasteira, como campos naturais e savanas, ocupando também ambientes modificados como pastagens, e em áreas urbanas, parques, terrenos e aeroportos (THOMSEN, 1981; HAUG & OLIPHANT, 1990; MILLSAP & BEAR, 2000). No Brasil, a dieta dessa espécie já foi razoavelmente estudada (MARTINS & EGLER, 1990; SOARES et al., 1992; MOTTA-JUNIOR, 2006) e seu repertório alimentar é bastante amplo, incluindo desde artrópodes e pequenos vertebrados como roedores, aves, anuros, lagartos (MARTINS & EGLER, 1990), até jararacas (VALDUJO & NOGUEIRA, 2000) e sagüis (STAFFORD & FERREIRA, 1995). Revista Brasileira de Zoociências 9 (2):143-148. 2007

146. JACOBUCCI Dados acerca da biologia reprodutiva da espécie também são encontrados na literatura (RODRÍGUEZ- ESTRELLA & ORTEGA-RUBIO, 1993; MILLSAP & BEAR, 2000). No período reprodutivo, essas aves ocupam tocas abandonadas por outros animais, como tatus (HÖFLING & CAMARGO, 1999), marmotas, raposas e cães das pradarias (DESMOND et al., 2000) ou cavam suas próprias tocas. Estas consistem em um túnel que termina em uma câmara de ovipostura, geralmente forrada de capim, esterco ou mesmo restos de papel e outros resíduos encontrados em ambiente urbano. A fêmea põe até quatro ovos, que são incubados durante 23 ou 24 dias (SICK, 1997; HÖFLING & CAMARGO, 1999). Dez a doze dias após a eclosão, os filhotes iniciam sua incursão gradual para fora da toca. Inicialmente chegam apenas até a entrada, em seguida realizam breves saídas nas proximidades da entrada da toca até que, cerca de quatro semanas após a eclosão, já estão voando próximo da toca e começando a se alimentar sozinhos (THOMSEN, 1981). Durante o período de nidificação, os adultos apresentam defesa da área ao redor da toca (MOULTON et al., 2004), ficando empoleirados nas proximidades da toca e emitindo vocalizações típicas que indicam aos filhotes a presença de perigo (THOMSEN, 1981). Neste trabalho, descreve-se o comportamento de alarme de Athene cunicularia, procurando avaliar quais indivíduos do casal montam guarda e emitem o sinal de alarme e verificar se existe alguma relação entre o início da vocalização e a distância de um predador potencial à toca. Para tanto, avaliou-se o comportamento de alarme em função do período do dia, do sexo do indivíduo emissor do sinal e da localização das tocas. MATERIAL E MÉTODOS Área de Estudo As observações comportamentais foram realizadas em outubro de 2001 e outubro de 2002 no campus da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), localizado no município de Campinas, São Paulo, e em bairros periféricos do município de São João da Boa Vista, São Paulo. O campus universitário apresenta diversas áreas gramadas, nas quais casais de corujas buraqueiras podem ser freqüentemente encontrados no período reprodutivo. Foram realizadas observações em áreas próximas à guarita de entrada da área médica, ao Hospital Universitário, ao Instituto de Estudos da Linguagem e à FUNCAMP (Fundação de Desenvolvimento da Universidade Estadual de Campinas) (22 o 48 44-22 o 49 55 S; 47 o 03 36-47 o 04 03 W). Em São João da Boa Vista, o estudo foi conduzido em bairros mais afastados do centro da cidade, com grande quantidade de terrenos ainda não ocupados, geralmente recobertos por gramíneas rasteiras, e nas proximidades do aeródromo municipal (21 o 57 53-22 o 01 09 S; 46 o 45 25-46 o 50 30 W). Procedimentos de observação Durante duas semanas de outubro de 2001, foram realizadas incursões às áreas de estudo para localização de tocas e corujas em período reprodutivo. Diariamente, foram percorridas, com um veículo, as vias de acesso às áreas selecionadas. Uma vez encontradas as corujas, realizou-se o georeferenciamento das tocas para facilitar sua localização durante as observações comportamentais. Ao longo de duas semanas em outubro de 2001 e em outubro de 2002, foram realizadas observações diárias em três períodos do dia: início da manhã (entre 7:00 e 9:00 h), meio do dia (entre 12:00 e 14:00 h) e final da tarde (entre 17:00 e 19:00 h). Em cada um dos períodos, foram realizadas observações para avaliar a presença e localização de adultos e juvenis e simulações de aproximação de um potencial predador terrestre, caminhando-se em direção à entrada da toca até o momento em que pelo menos uma das corujas emitisse o alarme. Quando isso ocorria, media-se a distância entre o predador e a entrada da toca. Para padronizar as aproximações, o observador utilizou roupas de coloração semelhante e a mesma velocidade de caminhada em todas as observações. As tocas encontradas foram separadas em dois grupos, em função da circulação de pessoas em sua proximidade. Áreas em que foi registrada a passagem de pedestres nas proximidades das tocas em mais Revista Brasileira de Zoociências 9 (2):145-150. 2007

Comportamento de alarme em Athene cunicularia durante o período reprodutivo.147 de 50% dos períodos de observação foram consideradas de grande circulação e as demais de baixa circulação. Registrou-se a seqüência comportamental dos adultos e juvenis após o sinal de alarme por meio de amostragem de varredura ( scan sampling ) (MARTIN & BATESON, 1996). Para minimizar a possibilidade de que as corujas se habituassem ao observador, foi realizada apenas uma observação por dia em cada toca, no mínimo de três em três dias. Ainda assim, as observações eram estatisticamente dependentes. Desse modo, para comparar a distância de alarme entre períodos do dia, locais e sexo da coruja emissora do alarme realizou-se análise de variância unifatorial, utilizando-se apenas uma distância medida em cada toca. A análise estatística foi realizada utilizando-se o pacote BIOESTAT 3.0 (AYRES et al., 2003), considerando-se um nível de significância de 5%. A distinção de sexo entre os indivíduos adultos foi feita com base na coloração da plumagem da face. O macho apresenta face mais clara (MARTIN, 1973; MARTINS & EGLER, 1990). RESULTADOS Em 2001, foram encontradas 15 tocas em São João da Boa Vista e sete tocas no campus da UNICAMP. Já em 2002, 14 tocas em São João da Boa Vista e oito no campus da universidade. Os registros comportamentais totalizaram 37 h de observação, 20 h em 2001 e 17 h em 2002. Das 44 tocas observadas, registrou-se alarme após a aproximação do observador em 35 (79,5%). Em seis locais não foi emitido o alarme e a presença de filhotes não foi registrada. Em três locais observouse que as corujas ainda estavam construindo a toca. Na maioria das tocas em que houve vocalização de alarme, verificou-se que tanto o macho quanto a fêmea se encontravam empoleirados nas proximidades da toca montando guarda. Nos casos em que ambos estavam montando guarda, a maioria das vocalizações foi realizada apenas pela fêmea (Fig.1). A distância de emissão de alarme não variou significativamente entre períodos do dia (F 2,32 = 2,036; p = 0,152) (Fig.2a). Também não foi verificada diferença na distância de emissão de alarme em função do sexo da coruja (F 1,33 = 0,385; p = 0,561)(Fig.2b). No entanto, foram registradas distâncias significativamente menores em tocas com maior circulação de pessoas (F 1,33 = 25,261; p = 0,0008) (Fig.2c). A seqüência comportamental de adultos e filhotes quando da aproximação de um predador potencial foi avaliada qualitativamente. A partir de uma determinada distância da entrada da toca, os indivíduos adultos emitiam um sinal de alarme. Estes indivíduos mantinham-se em seus poleiros iniciais ou, no caso de maior proximidade do predador, afastavam-se voando para poleiros mais distantes. O alarme era emitido seqüencialmente, de forma praticamente ininterrupta, havendo, geralmente, aumento da freqüência de emissão e maior agitação dos indivíduos com a aproximação do predador. Quem monta guarda? 8% Quem emite alarme? 18% 68% 24% macho fêmea casal 50% 38% Figura 1. Freqüência de indivíduos que foram observados empoleirados montando guarda (n = 35) e que emitiram alarme (n = 24). Revista Brasileira de Zoociências 9 (2):143-148. 2007

148. JACOBUCCI distância média (m) 50 40 30 20 10 A distância média (m) 50 40 30 20 10 B 0 0 manhã meio do dia tarde machos fêmeas períodos sexo 50 C distância média (m) 40 30 20 10 0 grande pequena circulação de pessoas Figura 2. Distância média (+ desvio padrão) em relação ao observador de emissão da vocalização de alarme. Não foi registrada vocalização durante o vôo aos poleiros. Em nenhuma das aproximações, as corujas investiram contra o predador. Em muitos casos, as corujas retornavam aos seus poleiros iniciais, quando o predador se afastava. Os filhotes apresentaram dois tipos de comportamento. Indivíduos pequenos entravam na toca imediatamente após a emissão do primeiro sinal de alarme. Indivíduos maiores, que já exploravam o entorno da toca, voavam para poleiros afastados. DISCUSSÃO A ausência de diferença na distância de alarme indica que o padrão de emissão é o mesmo, independente do sexo do indivíduo que vocaliza e do período do dia. Em nenhum caso foi observada ausência de ambos os adultos em tocas com filhotes. Mesmo durante os períodos de maior atividade alimentar, ao amanhecer e ao entardecer (MARTINS & EGLER 1990), pelo menos um dos indivíduos adultos foi observado empoleirado próximo à toca. Embora FISHER et al. (2004) não tenham evidenciado mudança no comportamento de defesa após visitas sucessivas dos pesquisadores à mesma toca, as menores distâncias de alarme em áreas com maior circulação de pessoas, registradas no presente estudo, indicam que as corujas podem apresentar habituação à presença humana. Este resultado corrobora os dados obtidos por SILVA (2002), que observou uma relação direta entre a distância de vocalização e a distância de uma área com grande circulação de carros e pessoas. Por outro lado, em uma área da Califórnia com reduzida presença humana (COULOMBE, 1971), o comportamento de alarme ocorreu em distâncias superiores a 40 m. A habituação à presença do homem pode favorecer a presença da espécie em áreas urbanas, visto que permite a sobrevivência e reprodução em ambientes Revista Brasileira de Zoociências 9 (2):145-150. 2007

Comportamento de alarme em Athene cunicularia durante o período reprodutivo.149 inacessíveis a outras espécies de corujas. Athene cunicularia é uma espécie generalista, que consome presas em função de sua disponibilidade (SILVA PORTO & CERQUEIRA, 1990), característica que pode facilitar sua sobrevivência em cidades, onde normalmente há menor variedade de recursos alimentares. Embora existam até relatos de utilização de quintais de residências para a construção de tocas na Flórida, nesses locais a freqüência de abandono de tocas é maior e o número de filhotes, quando produzidos, tende a ser inferior ao de locais com menor influência antrópica (MILLSAP & BEAR, 2000). O sucesso reprodutivo das populações urbanas que têm se estabelecido pode não ser suficiente para garantir a permanência da espécie em determinados locais, pois nos ambientes naturais a destruição de tocas na preparação do solo e os pesticidas utilizados na lavoura vêm reduzindo significativamente o número de corujas (HAUG & OLIPHANT, 1990). Os resultados obtidos indicam que o comportamento de alarme pode ser eficiente para alertar os filhotes quanto à presença de predadores terrestres. Em ambientes urbanos, esse mecanismo pode ser particularmente importante no alerta dos filhotes à presença de cães, fato observado em uma das incursões durante o estudo, ou até de outros potenciais predadores comuns em áreas menos urbanizadas, como gambás e quatis. AGRADECIMENTOS Agradeço ao Prof. Dr. Ivan Sazima pelos comentários e sugestões quando da elaboração deste trabalho. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS AYRES, M.; AYRES JR, M.; AYRES, D.L. & SANTOS, A.A.S. 2003. BioEstat 3.0: aplicações estatísticas nas áreas de Ciências Biológicas e Médicas. Belém, Sociedade Civil Mamirauá, 290p. COULOMBE, H.N. 1971. Behavior and population ecology of the Burrowing owl, Speotyto cunicularia, in the Imperial Valley of California. The Condor 73: 162-176. DESMOND, M.J.; SAVIDGE, J. A. & ESKRIDGE, K.M. 2000. Correlations between Burrowing owl and Black-tailed prairie dog declines: a 7-year analysis. Journal of Wildlife Management 64 (4): 1067-1075. FISHER, R.J.; POULIN, R.G.; TODD, L.D. & BRIGHAM, R.M. 2004. Nest stage, wind speed, and air temperature affect the nest defence behaviours of Burrowing owls. Canadian Journal of Zoology 82 (5): 707-713. HAUG, E.A. & OLIPHANT, L.W. 1990. Movements, activity patterns, and habitat use of burrowing owls in Saskatchewan. Journal of Wildlife Management 54 (1): 27-35. HÖFLING, E. & CAMARGO, H.F.A. 1999. Aves no campus. 3 a edição. São Paulo, EDUSP, 163p. MARTIN, P. & BATESON, B. 1996. Measuring behaviour: an introductory guide. 2 nd edition. Cambridge, Cambridge University Press, 222p. MARTIN, D.J. 1973. Selected aspects of Burrowing Owl ecology and behavior. The Condor 75: 446-456. MARTINS, M. & EGLER, S.G. 1990. Comportamento de caça de um casal de corujas buraqueiras (Athene cunicularia) na região de Campinas, São Paulo, Brasil. Revista Brasileira de Biologia 50 (3): 579-584. MILLSAP, B.A. & BEAR, C. 2000. Density and reproduction of Burrowing owls along an urban gradient. Journal of Wildlife Management 64 (1): 33-41. MOTTA-JUNIOR, J. C. 2006. Relações tróficas entre cinco Strigiformes simpátricas na região central do Estado de São Paulo, Brasil. Revista Brasileira de Ornitologia 14 (4): 359-377. MOULTON, C.E.; BRADY, R.S.; RYAN, S. & BELTHOFF, J.R. 2004. Territory defense of nesting Burrowing owls: responses to simulated conspecific intrusion. Journal of Field Ornithology 75 (3): 288-295. RODRÍGUEZ-ESTRELLA, R. & ORTEGA-RUBIO, A. 1993. Nest site characteristics and reproductive success of Burrowing owls (Strigiformes: Strigidae) in Durango, Mexico. Revista de Biología Tropical 41 (1): 143-148. STAFFORD, B.J. & FERREIRA, F.M. 1995. Predation attempts on callitrichids in the Atlantic coastal rain forest of Brazil. Folia Primatologica 65: 229-233. SICK, H. 1997. Ornitologia Brasileira. 2 a edição. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 912p. SILVA, R.V.L. 2002. Influência da ação humana no comportamento agonístico da coruja buraqueira. Ararajuba 10 (2): 237-240. SILVA PORTO, F. & CERQUEIRA, R. 1990. Seasonal variation in the diet of the Burrowing owl (Athene cunicularia) in a restinga of Rio de Janeiro. Ciência e Cultura 42: 1182-1186. SOARES, M.; SCHIEFLER, A.F. & XIMENEZ, A. 1992. Hábitos alimentares de Athene cunicularia (Molina, 1872) (Aves: Strigidae) na restinga da praia da Joaquina, Ilha de Santa Revista Brasileira de Zoociências 9 (2):143-148. 2007

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