Reflexões sobre o Impacto da Catástrofe Japonesa na Política Internacional, por Yu Zhiming No mês de março de 2011, o mundo assistiu a um Japão em pane, inundado sob as águas e sob o perigo da radiação nuclear. Ondas de tsunami provocadas pelo terremoto litorâneo adentraram a ilha pela região nordeste do país (Tōhoku) no dia 11 de março, provocando a destruição de dezenas de milhares de vidas humanas e de toda a infraestrutura do local. Determinouse a pior catástrofe desde a Segunda Guerra. As conjeturas iniciais foram de choque e de preocupação. Contudo, as respostas do governo, da sociedade japonesa e da comunidade internacional se mostraram eficientes. Para a data atual, boa parte dos sistemas de infraestrutura voltou ao seu funcionamento, a escassez temporária de alimentos e de recursos de primeira necessidade já foi superada e as atividades se encaminham rapidamente para a normalização. Dois meses após a tragédia, a análise a seguir não se focará nas razões intrínsecas da tenacidade japonesa, mas apresentará uma avaliação das dinâmicas internacionais nas crises japonesas e os impactos da crise na política global. Em primeiro lugar, a atenção e a resposta humanitária internacional ao Japão foram rápidas e eficazes. Ajudas financeiras e recursos foram imediatamente mobilizados e equipes de resgate internacionais chegaram a 500 pessoas já na primeira semana. Até o final de março, 134 países e 39 organizações internacionais ofereceram ajuda ao Japão. Os fundos gerais e especiais de ajudas civis internacionais ainda estão recebendo crescentes doações para o Japão.
É válido observar três aspectos peculiares na dinâmica de respostas humanitárias. Primeiro, os países vizinhos formam os maiores e mais imediatos ofertantes de ajudas. Entre eles, os vizinhos como as equipes sul-coreanas que chegaram à manhã seguinte e os recursos chineses que na primeira semana chegaram a mais de 10 milhões de dólares e mais de 30 milhões em formas de equipamentos de resgates, artigos de primeiro socorro e 20 mil toneladas de combustíveis. Não persistiram aqui os antecedentes de antipatia política. As doações não foram de forma alguma de maneira simbólica. Segundo, revelou-se mais uma vez o firmemente instalado relacionamento entre os EUA e o Japão. Os Estados Unidos se demonstraram como o mais tradicional e natural prestador de auxílio para o Japão. No tsunami, o Japão solicitou ajuda dos EUA, cujos soldados em terra e porta-aviões no mar se destacaram nos resgates enquanto foi gentilmente recusado o navio hospital ofertado pela marinha chinesa. Terceiro, cem mil soldados japoneses, quase um quarto do exército total do país, participaram das atividades de socorro, resgate e transporte dos recursos. A Força de Autodefesa do Japão mais uma vez mostrou-se útil e necessária embora para modalidades não militares de auxílio ao país frequentemente assolado por movimentos tectônicos. Em relação às respostas humanitárias internacionais se verificou o que os antropólogos chamam de princípio de dádiva, pelo qual o Japão, tradicional e generoso país humanitário, principalmente na vizinhança asiática, é retribuído por países como a China e do Leste e Sudeste Asiático. O Japão é o quinto maior fornecedor de assistências do mundo e o maior patrocinador, em termo de ajuda externa, do desenvolvimento chinês. Porém, mesmo na situação de calamidade, está claro o alinhamento japonês com os EUA, que se evidencia tanto no natural pedido de auxílio quanto na rejeição do gesto chinês de aproximação.
A permanência americana sempre foi um alvo de duras críticas e tem dividido a política japonesa em torno do eixo da questão da base americana. Entretanto, sacrifícios japoneses parecem ver sua compensação em soldados americanos que carregavam os recursos de auxílio a Tōhoku. Certamente tal cena abrandaria os argumentos antiamericanos futuramente, o que conta a favor da parceria geoestratégica EUA-Japão. Contudo, o exército americano não foi a única força armada que atuou no pós-catástrofe. A Força de Autodefesa também marcou sua presença e admiração popular no Japão, tendo sua atuação observada internacionalmente. Para o meio internacional, principalmente da região da Ásia, a militarização do Japão sempre foi uma sensibilidade por meio da qual vigoram argumentos de rejeição. Porém, a funcionalidade da Força de Autodefesa dará apoio à continuação do projeto japonês de fortalecimento militar. Uma vez que a Força de Autodefesa já participa dos projetos antiterroristas americanos na Ásia Central, os soldados japoneses se farão mais presentes no cenário global de segurança. Somando a dinâmica da política internacional das respostas humanitárias, pode-se perceber primeiramente a comprovação da importância do Japão no meio internacional e da resistência desse país a eventos inoportunos. A relevância do país na política internacional é evidente. Além disso, o atual governo japonês conseguiu administrar o pós-crise com ganho de popularidade e confiança. De forma interessante às relações internacionais, talvez o Partido Democrático do Japão conseguisse reverter o quadro instável dos governos anteriores e persistir na liderança do Japão para a sociedade internacional. Entretanto, o impacto da crise nuclear na política internacional já não é tão previsível. Embora se tenha desmentido a gravidade do perigo atômico dos reatores de Fukushima, as explosões estruturais se relacionam, após estudos, com falhas técnicas iniciais já na construção das
usinas, envolvendo tecnologias ocidentais, principalmente da França. As consequências, associadas a fatores históricos, se estendem para uma tendência emocional de rejeição da sociedade civil mundial à energia nuclear. Pode-se dizer que o transbordamento japonês coloca o mundo a fazer escolha quanto a sua segurança energética. Apesar da comprovada baixa probabilidade de acidentes, é a reação civil que define os cursos energéticos. Por exemplo, o acidente de Chernobyl, de 1986, estagnou o desenvolvimento, então em ápice, da energia nuclear. Retornou tardia, porém vigorosamente em 2005, o desenvolvimento da energia nuclear, contando com ativa participação dos emergentes como a China e a Índia, mas parece ver seu limite no fechamento de Fukushima. Embora defendida firmemente por Rússia, EUA e França, que resistiram às vozes da sociedade, manifestações em diversas partes do mundo empurraram políticas que defendem nova estagnação da energia nuclear. Há os exemplos da China que anunciou a paralisação de mais de 40 usinas em construção para revisões mais criteriosas e a suspensão de novos projetos da Alemanha, cujo governo declarou o fim de construção de novas usinas e retomou o plano de fechar todas as usinas instaladas. Além disso, ambientalistas também se chocaram com o despejo e vazamento de 12000 toneladas de águas contaminadas no mar, usadas para a refrigeração das unidades destruídas de Fukushima. Estudos sobre o impacto ambiental da irradiação nas águas já estão em andamento e se o resultado for abominável, como provavelmente será, poderá servir de um argumento concreto para apoiar a resistência à energia nuclear. Voltando para Japão, onde aconteceu o incidente de Fukushima, onde 20% da matriz provem da energia nuclear, é ainda mais árduo o futuro da segurança energética. Já existem planos de fechamentos de usinas de tecnologias semelhantes à de Fukushima e prevê-se a exploração de gás natural e de fontes renováveis. O que colocará Japão como líder de novas políticas energéticas para os países assolados pelo temor da radiação
nuclear. Yu Zhiming é membro do Programa de Educação Tutorial em Relações Internacionais da Universidade de Brasília PET-REL e do Laboratório de Análise de Relações Internacionais LARI (yu_zhiming@yahoo.com).