qwertyuiopasdfghjk lzxcvbnmqwertyuio pasdfghjkzxcvbnmq ÁGUA E VINHO wertyuiopasdfghjklz xcvbnmqwertyuiopa Obra Teatral de Carlos José Soares sdfghjklzxcvbnmqw 2012 - ACADOC Revisão Literária de Nonata Soares ertyuiopasdfghjklzx cvbnmqwertyuiopas dfghjklzxcvbnmqwe rtyuiopasdfghjklzxc vbnmqwertyuiopasd fghjklzxcvbnmqwert yuiopasdfghjklzxcvb nmqwertyuiopasdfg
ÁGUA E VINHO Uma Peça de Carlos José Soares DURANTE TODA A PEÇA, A FESTA DE VALQUÍRIA RONDA OS PERSONAGENS. A FESTA NÃO TEM DATA OU PERÍODO. ELA ACONTECE SIMULTANEAMENTE COM TODOS OS ACONTECIMENTOS. AO MESMO TEMPO ELA É O PASSADO E O FUTURO. E, É CLARO, SEMPRE O PRESENTE. HÁ UMA MESA COM VÁRIAS TAÇAS DE VINHO E DE ÁGUA. ALGUNS PEGAM A DE VINHO OUTROS AS DE ÁGUA. E ESSAS TAÇAS SÃO TROCADAS SIMULTANEAMENTE UNS COM OS OUTROS. OS PERSONAGENS CONVERSAM QUASE SEMPRE TROCANDO AS TAÇAS. OS PERSONAGENS MUDAM DE ACORDO COM A TAÇA QUE ESTIVEREM SEGURANDO. (ÁGUA PUREZA E BONDADE / VINHO A PERSONALIDADE FORTE E CONTRÁRIO DA ÁGUA). AS AÇÕES DESSES DIFERENCIAIS ESTARÃO NO DIÁLOGO. A IMPORTÂNCIA DA FESTA ESTÁ NO CONVÍVIO SOCIAL DOS PERSONAGENS, DENTRO DO PRECONCEITO QUE ENFRENTAM E DE TUDO O QUE
QUEREM SER. REPRESENTAR OU CONQUISTAR. VALQUÍRIA REPRESENTA A SOCIEDADE COMO UM TODO. COM AS LIMITAÇÕES E ABERTURAS CABÍVEIS A CADA SER HUMANO. SÉRGIO TEM UM RELACIONAMENTO NORMAL NO SEU DIA A DIA. PASSA UMA IMAGEM SANTIFICADA PARA MUITAS PESSOAS. POSSUI DESEJOS INFAMES COM SUA MÃE. TÊM O SEU LADO HOMESSEXUAL BASTANTE CONTUNDENTE, EMBORA DISFARCE TUDO ISSO COM PERFEIÇÃO. TEM UM RELACIONAMENTO APARENTEMENTE NORMAL COM AS PESSOAS DO TRABALHO. É NAMORADO DE ANA, FILHA DE PAULA. AS MÃES DELES POSSUEM UMA RELAÇÃO DE AMOR. APESAR DOS TEMPERAMENTOS, IDÉIAS E IDEAIS BEM DEFERENCIADOS, ELAS SE AMAM E LUTAM PELA ACEITAÇÃO DOS FILHOS, QUE POR VENTURA SE APAIXONARAM UM PELO OUTRO. SÉRGIO TEM UM FINAL TRÁGICO E SUICÍDA-SE. PORÉM, A MORTE DELE ABRIRÁ AS PORTAS PARA UMA NOVA FASE NA VIDA DE TODOS OS PERSONAGENS. A SOCIEDADE, REPRESENTADA PELA FESTA DE VALQUÍRIA, ACABA POR ACEITAR O
RELACIONAMENTO DE LEONOR E PAULA. ANA, SOLITÁRIA E INCONFORMADA COM O SEU DESTINO ENTRA EM UM CONVENTO. - Leonor, você é uma mulher linda! Jovem e atraente, você encontra uma dificuldade imensa de se relacionar com homens. Aos quinze anos, você descobre que sua sexualidade é comprometida com a sua incapacidade de abranger e reconhecer os seus próprios sentimentos. Não consegue se conhecer profundamente a ponto de se aceitar como lésbica. Casa-se aos dezoito anos e tem uma filha aos vinte anos. Infelizmente, passa a ser uma mulher infeliz e manipulada pelos seus pensamentos contraditórios. - Eu sei. Mas, não precisa ser tão contundente. Vamos á terapia.
- Eu não quero fazer terapia alguma. - Mas seria ótimo que fizéssemos! Eu sei que estamos precisando. Eu quero você por inteira. Acho que isso não está sendo possível... Literalmente. - Você é que está cheia de problemas. Eu não sei! Às vezes você me parece muito estranha. Muito estranha mesmo! Nada com você acontece de forma natural. Quer que eu seja uma santa? - Não! Quero apenas que você seja uma mulher decente e ao mesmo tempo apaixonada por mim.
- Para com isso! Você falando de decência! Você já teve vários homens! Já temos problemas demais. Eu creio que você deva mesmo se tratar. Há um mistério qualquer em você que eu não consigo compreender... Uma espécie de segredo doentio e neurótico! - Do que está falando? Neurótico? Bom, pode ser! Todos nós somos neuróticos. Todos nós, afinal, somos água e vinho. - Ah, se eu soubesse! Pelo amor de Deus! Se eu soubesse, tudo estaria sendo diferente! - Se arrepende de estar comigo? Bom, é melhor deixarmos tudo isso para lá! Eu não creio que seja suficientemente importante, ficarmos
mergulhando em nossas supostas neuroses. Isso não nos levará a nada! Deixe-me em paz, eu imploro! - Mas é você que não me deixa em paz! Não, eu não me arrependo de estar com você... Mas, você não se entende e passa também a não me entender! - Isso já está resolvido. Literalmente resolvido! - Como quiser! Quer me deixar, é isso? Se eu fosse você, me masturbaria mais! - Cala a boca! Pelo amor de Deus, Cala a boca! É indiferente eu te deixar?
TUDO ESCURO. A LUZ RETORNA. PAULA E LEONOR CONTINUAM NA CAMA E CONVERSAM: - Não! Não é indiferente! Eu agradeço estar sempre contigo. Precisamos conversar com os nossos filhos. - Eu é que agradeço. Achei muito oportuno estar aqui hoje. Precisamos conversar mais! - Talvez precisemos conversar menos! O que acha de minha filha? - Por que não me pergunta o que acho do meu filho?
- Nós falaremos sobre tudo, não se preocupe! Eu preciso compreender os nossos filhos para que possamos viver mais integralmente. - Bem, Sérgio é um rapaz sensível e inteligente. Possui uma situação de muitas e muitas controvérsias... Completamente apaixonado pela sua filha Ana. - Será? Eu sinto que ele vive em conflito, sem que possa entender o porquê do distanciamento de Ana. Ao mesmo tempo vive um conflito pessoal. Muitos dizem que é com a sua homossexualidade. Para ele não existe sexo sem amor. No entanto, não é assim que ele vive. Apesar de sofrer muito com as suas contradições. Acredita que ele seja gay?
- E como Ana não se entrega completamente às relações que o casal pratica, sente-se frustrado. Não consegue ter aventuras com outras mulheres. Então, acaba solitário e triste. Meu filho gay? Nunca! (...) (...) Tem na sua filha todo o seu fervor de viver... Contudo, com o tempo, torna-se carente e sem rumo. Acaba tendo que recorrer a um tratamento psicológico. Vivencia uma vida sexual problemática... Mas, com todo o fervor. Não consegue encontrar um rumo adequado para a sua mente. - Como pode saber tanto sobre o meu filho? Não consigo saber muito sobre a sua filha. - Eu sou muito observadora. É claro que eu tenho consciência de que eu não sei nada... Verdadeiramente! Quero dizer realmente, de
concreto. Mas eu sei que existem neuroses muito mais contundentes. Algo me diz que minha filha é muito solitária! E o seu filho também! Embora estejam juntos! -... Estou chocada com o seu posicionamento. Realmente. - Não fique assim. Somos mães e queremos a felicidade de nossos filhos. Precisamos ter sempre uma conversa franca e direta. Ou não concorda? - Claro que concordo. Mas eu não sei... Mas eu não sei... (Chora compulsivamente...)
- Desabafe! Sei que tem muito a me dizer... Você não pode ficar completamente calada o tempo todo. Precisa confiar em mim. Estamos juntas. Como pretende viver tão sufocada dessa forma? -... Não! Eu não tenho nada a lhe dizer! A não ser que eduquei meu filho com todo o carinho e esmero. Não tenho dúvidas sobre o seu caráter. O que está pensando? Aonde quer chegar? O que pretende com esse interrogatório? Eu não conheço meu próprio filho? Claro que conheço... - Mas eu não estou fazendo um interrogatório! Quero apenas conversar. Nossos filhos pretendem se casar! - Mas é claro que está. E eu estou farta. Pensei que fôssemos amigas. Muito mais amigas até do que amantes.
LEONOR SE RETIRA FURIOSA. PAULA ACHA ESTRANHO O COMPORTAMENTO DE LEONOR. (REAGE SILENCIOSAMENTE). ACABA DIZENDO: - Eu não sei como fazer para entender tudo isso! Mas, eu vou descobrir. Afinal, trata-se da minha filha. E eu não medirei esforços para encontrar um caminho! TUDO ESCURO. A LUZ RETORNA LENTAMENTE... PAULA E LEONOR, DISCUTEM NOVAMENTE... - Eu não entendo. Quero apenas vivenciar o quanto fomos declaradas incapazes. Aliás, eu me sinto incapaz como mãe. E você?
- Eu não me sinto capaz de nada. E acho que nem quero! Quando me sentir capaz, estarei morta! - Como assim? Como pretende viver? - Nem sei se pretendo. Alias, a morte tem o sabor de uma taça de vinho. A vida é água... Necessária, mas sem sabor! - Engraçado! Não sabe se pretende viver! Realmente não posso me fazer entender a natureza do seu coração. Eu gostaria muito que você fosse mais eficaz na sua postura humana, sobre todos os efeitos. Eu não sei qual pode ser o efeito dessa integridade. Eu não quero fugir das normas. Mas, veja bem! Eu sou apenas uma mãe. E isso não faz o menor sentido!
- O que não faz o menor sentido, é ficarmos aqui discutindo essas barbaridades! Nem quero parar para pensar no quanto isso é imbecil. - Acha que me ofendendo chegará algum lugar? Pare de me ofender. Eu sou sua mulher. Sua companheira. - Não tenho culpa que foi infeliz. Eu sei que é minha companheira. E eu também sou a sua. Não esqueça disso. - Mas, eu não fui infeliz!