OS JOGOS OLÍMPICOS NA ANTIGUIDADE

Documentos relacionados
Agrupamento de Escolas Pioneiros da Aviação Portuguesa. Educação Física 7º ano/turma 1ª. Professora: Carla Mendes Aluna: Matilde Filipe nº22

GRÉCIA ANTIGA. Prof. Bruno Pedroso

DA ANTIGUIDADE JOGOS OLÍMPICOS

DICAS DO PROFESSOR. História 6º Ano

O importante não é vencer mas competir com dignidade.

Olimpíadas. Origem dos Jogos Olímpicos

HISTÓRIA DO ESPORTE. Prof. Bruno Pedroso

Colégio Santa Dorotéia

Professor: TÁCIUS FERNANDES

Educação na Grécia. Fundamentos teórico-epistemológicos da educação I. PPGE UEPG Professoras Gisele Masson Patrícia Marcoccia

INSTRUÇÕES PARA A REALIZAÇÃO DA PROVA LEIA COM MUITA ATENÇÃO

Programa de Retomada de Conteúdo

Projeto Olímpio no Olimpo

Grécia Antiga: Prof. Filipe Carota

Ficha Formativa. Correção

PLANO DE FORMAÇÃO ARS SUB-14 ÉPOCA 2011/2012

Grécia Antiga: Prof. Filipe Carota

O texto e a imagem se referem às questões 1, 2, 3 e 4

OLIMPÍADAS 2016 BRASIL

INSTRUÇÕES PARA A REALIZAÇÃO DA PROVA LEIA COM MUITA ATENÇÃO

AULA DE HISTÓRIA PROFESSOR: MARCOS ROBERTO & ANA CRISTINA 6º ANO

Colégio Santa Dorotéia

ATLETISMO Nº 02 03/09/2015

XXXVI Mini Olimpíadas Concelhias de Santa Maria da Feira 2011

4ª FASE. Prof. Amaury Pio Prof. Eduardo Gomes

Ficha de História Define cidade-estado Apresenta o principal fator de separação da Grécia em cidades-estado.

Olimpíadas é tema da agenda do professor para 2016

XL Mini Olimpíadas Concelhias de Santa Maria da Feira 2016

O Sonho Olímpico Rio Por Juliana Bargas Huber

Conhece a Ana. // Perfil

Velocidade equilíbrio

2 os Jogos Desportivos Populares de Macau. Regulamento

GABARITO DO CADERNO DE ALUNO PARA O PROFESSOR

Campeonato Pernambucano de Atletismo Sub 16. 1ª Etapa Sábado (Manhã) - 13/07/2019 HORA ENTRADA PROVA CARATER SEXO

CARGO: GARI. Questões de Língua Portuguesa


sérgio franclim MITOS GREGOS O Triunfo dos Deuses e outras Histórias

A minha Filosofia de Treino em Atletismo

Contextualização histórica Grécia antiga

(Aberta ao Comércio, Rica, Dinâmica e Democrática) Trabalho realizado por: Jorge Oliveira

Regulamento Olimpíadas Intergeracionais Viana do Castelo VIANA DO CASTELO 2017

A vinda de uma atleta olímpica à nossa escola

Futebol nas Olimpíadas 2016 Autores: Antonio B, Rodrigo A, Gustavo S, Gustavo A, Lucas B Matheus G.

Ficha de História Define pólis Apresenta o principal fator de separação da Grécia em cidades-estado.

Dafaction e 6 de Maio

ENTENDENDO A MITOLOGIA GREGA

NORMAS ESPECÍFICAS ATLETISMO

Portal Society no Campeonato Brasileiro de Base 2013 CATEGORIA SUB 13

GRÉCIA ANTIGA. 6 ano CENSA 2009 PROF.: Aparecida Pedra

Jogos Olímpicos Vôlei. Jelena Bozovic, Ana Carolina Russo, Fernanda Verde, Carolina Bellato, Noemi da Silva, Rafaela Murbach

IV. GRÉCIA: FORMAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DAS CIDADES-ESTADOS

Página 2 - Pentatlo Moderno - (Leticia Tormente) Página 3 e 4 - Polo Aquático - (Isabelly do Patrocinio) Página 6 - Remo - (Bianca Almeida)

SECTORES INFANTIS INICIADOS JUVENIS Velocidade e Estafetas. Barreiras 60m barreiras 80m barreiras (F) 100m barreiras (M) 250m barreiras Meio-Fundo

II DX2 HALF TRIALQUEVA INTERNACIONAL (Olivenza-Elvas) 23 de Abril de A prova:

VII. GRÉCIA: ORGANIZAÇÃO DAS CIDADES-ESTADOS

Minoicos. Produção: jarros de cerâmica, vasos decorados, objetos refinados em ouro.

COLÉGIO SAGRADO CORAÇÃO DE MARIA

LIGA BS F7 Bárbara Silva Tel. (31) Tim / Sabrina Alves Tel. (31) Tim. Informativo

REGULAMENTO. Copa Santo Arnaldo Janssen de Futsal

Orientação de estudo

QUIZZ OLÍMPICO 2º ENCONTRO DO PROJETO LER...-LITERATURA E CIÊNCIA

COLÉGIO NOSSA SENHORA DE SION LIÇÕES DE PORTUGUÊS E HISTÓRIA - 2 ano Semana de 8 a 12 de agosto de 2016 SURGIMENTO DOS JOGOS

1. (1,0) EXPLIQUE o que era uma pólis grega, apontando claramente suas principais características.

ATLETISMO Nº 02 20/09/2016

ATLETISMO Nº 02 16/11/2017

Artigo 2.º (Tempo de Jogo) Os jogos terão a duração de 14 minutos (7 + 7 minutos).

Domínio 2: A HERANÇA DO MEDITERRÂNEO ANTIGO

As empresas poderiam ajudar com patrocínios e donativos para o desporto

Artigo 1.º (Regime supletivo) Ao Circuito Nacional Sevens feminino aplicam-se as normas do Regulamento Geral de Competições em tudo o que não seja

Relatório. Taça do Mundo. Madrid Espanha

ATLETISMO Nº 03 12/09/2017

AVALIAÇÃO DISCURSIVA DE HISTÓRIA

A CIVILIZAÇÃO CLÁSSICA: GRÉCIA

REGULAMENTO ESPECÍFICO LUTA OLÍMPICA/2018

GRÉCIA ANTIGA. Profa. Esp. Schirley Pimentel

2ª FEIRA 11 de março. INTENÇÃO DE ORAÇÃO DO PAPA

Associação de Atletismo do Distrito de Portalegre

Minoicos. Produção: jarros de cerâmica, vasos decorados, objetos refinados em ouro.

PROVAS A Performance B Participação 1) ATLETISMO Caminhada 25 metros - B Corrida 100 metros A

ATLETISMO Nº 02 12/11/2015

PLANO DE FORMAÇÃO ARS SUB-14 ÉPOCA 2013/2014

SOMOS VENCEDORES EM CRISTO JESUS. Quero usar a figura de um atleta - é alguém que sabe que tem um potencial pra vencer.

REGULAMENTO ESPECÍFICO ATLETISMO/2018

Os Festivais Áticos - Atena

Divinas e imperfeitas

REGULAMENTO OLIMPICO JOVEM DISTRITAL - 2ª JORNADA DE APURAMENTO Castelo de Vide, 29 de ABRIL de 2018

Avaliação de História 6º ano FAF *Obrigatório

olocar capa I V.6, No2, 2016

29 de Março de H00. Atletismo

formação da sociedade

GUERRAS HEGEMÔNICAS. Foi a disputa pelo poder entre as cidades-estados e outros povos

ATLETISMO Nº 01 11/11/2015

História do Desporto: Património e Cultura

JOGOS UC. Regulamentos Desportivos

10H00 AF Porto / AF Aveiro. 10H00 AF Braga/ AF Viana do Castelo. 15H45 Final

JOGO DE PERGUNTAS. 211 e 212 Prof. Tiago Nascimento

1 os Jogos Olímpicos da Juventude. Singapura 2010

PRO TOUR PORTO - itsf 08 DE MARÇO DE 2014 ACADEMIA SCORPION SPORT PRO TOUR PORTO ACADEMIA SCORPION SPORT 08 DE MARÇO DE 2014

Destino Rio 2016 UMA DESPEDIDA OLÍMPICA EM CASA. Marílson Gomes Dos Santos

Transcrição:

147 OS JOGOS OLÍMPICOS NA ANTIGUIDADE No âmbito da cadeira de Culturas Antigas, fomos incumbidos de elaborar um trabalho sobre os Jogos Olímpicos na Antiguidade. Não podíamos imaginar a descoberta que o destino nos tinha preparado... Começámos a nossa investigação bibliográfica no Instituto de Estudos Clássicos da FLUC; entre pilhas de informação para universitários encontrámos um documento fascinante e, para variar, não catalogado. Tratava-se de uma tábua inscrita oriunda da Grécia antiga, que permanecera escondida entre um acumulado de volumes da revista Humanitas. Motivados pelo sentimento principal que mora no fundo de qualquer estudante da UC, a preguiça, limitámo-nos a traduzir o texto do grego clássico para o latim erudito e depois para o português moderno. O resultado foi o texto que se segue, legado de um grego que não ficará no esquecimento. Eu sou Starpios de Atenas, Grego, cidadão e atleta. Dei glória à minha pólis e à minha família. Posso agora morrer em paz. Nestes meus derradeiros dias disponho-me a contar a minha história de atleta abençoado por Zeus e pelo Olimpo. Alcancei a mais alta honra que um Grego pode almejar e tenho certo que o meu nome será recordado quando eu morar no sombrio Hades. Desde os meus tempos de jovem rebento no nobre solo ateniense que me educaram segundo o ideal do homem bom e nobre, ou seja do Kalos e do Agathos. Rodeado de filósofos e oradores, cresci no Gimnásion, apurando o corpo e a mente, envolvido em música e canto. O meu objectivo: participar nos Jogos Olímpicos, primeiramente nas provas juvenis e mais tarde nas provas para adultos, para desse modo alcançar a glória no pentatlo e honrar os deuses. Os meus treinos consistiam em exercitar-me, saltando e correndo, juntamente com outros ambiciosos jovens, descendentes das mais nobres famílias de Atenas. Todos nos preparamos no sentido da perfeição, para, a cada quatro anos, medirmos forças, de modo a ser sempre o melhor e sobressair entre os outros - como disse Hipóloco ao seu filho Glauco, antes de este partir a bordo do Argos. Através de treinadores, professores e da minha própria família aprendi a ancestral história do mais grandioso dos festivais Pan-Helénicos. Estes

148 António Mira, Manuel Afonso, Sérgio Costa jogos começaram nos tempos mais longínquos e realizam-se todos os quatro anos, na primeira lua cheia, após o solstício de verão. Inicialmente consistiam em provas de corrida e, sucessivamente, foram-se acrescentando as exigentes provas físicas que hoje integram os jogos. Hoje, para além das várias provas de corrida, disputa-se a luta, o pugilismo, o pancrácio, as corridas hípicas e de quadriga e a mais exigente de todas as provas, o pentatlo (que consiste no lançamento do disco e do dardo, no salto em comprimento, na luta e na volta ao estádio). Aos dezasseis anos, sendo eu já um jovem atleta de corpo moldado à semelhança dos heróis antigos e mente serena e disciplinada como a dos filósofos, inscrevi-me nos Jogos Olímpicos, para concorrer nas provas juvenis. Estas deram-se no primeiro dia do festival, portanto tive oportunidade de assistir à beleza quase perfeita que se exibe nas provas adultas, decidindo, aí, dedicar-me a honrar os deuses através da prática de tão nobres provas. E desde logo antecipei o meu sucesso e glória, pois venci, em tão tenra idade, a competição de luta, numa final contra um jovem espartano, filho da cidade que incluiu as provas juvenis nos jogos. Quando o destino me chamou, quando o meu físico se comparava ao de Héracles e a minha mente era elevada como a dos mais sábios, dirigi-me ao sagrado recinto na planície de Olímpia. Um rio de almas ia desembocar a Olímpia. Os peregrinos eram diversos e com variadas intenções: os menos favorecidos caminhavam a pé, porventura desde a mais longínqua ponta do Peloponeso; os ricos seguiam em grandes carruagens, cómodas e adornadas eu fiz o caminho só. Rejeitei a companhia do meu pai, que partira integrado na comitiva Ateniense, a Theoria. Eu preferia fazer a minha peregrinação só. Na minha viagem para oeste partilhei o pó do caminho com filósofos, políticos, poetas, mas também com escravos, camponeses e Bárbaros. Muito aprendi, tanto com uns como com os outros. No caminho também encontrei velhos amigos e adversários. O jovem espartano que perdera a luta comigo anos atrás, tornara-se num temível atleta, que somava o seu treino à sua gana de vingança. Atenas e Esparta nunca tiveram muito boas relações. Pelo contrário, passaram uma boa parte da sua história em guerra. Mas as Olimpíadas obrigavam ao cessar temporário das hostilidades, desde uma semana antes até a duas semanas depois dos jogos, tréguas que se estendiam às execuções por pena de morte, em toda a Grécia. Em toda a minha vida, mesmo agora que as neves tomam o meu cabelo,

Os Jogos Olímpicos na Antiguidade 149 quase não posso recordar violações da chamada trégua olímpica, a Ekecheiría. Ao chegar apresentei-me no registo dos jogos e inscrevi-me como era tradição: o meu nome, o nome do meu pai e o nome da minha cidade de origem. Só aí me apercebi de que os jogos começavam no dia seguinte e de que o momento pelo qual tinha esperado tanto estava perto. No dia seguinte os jogos começaram como acontecia há séculos: com uma procissão em honra de Zeus e o acender da chama olímpica em frente à figura branca e dourada do pai dos Deuses do Olimpo. Seguiu-se o juramento dos atletas e a selecção dos trompetistas que anunciariam os vencedores. Lá estavam os juízes, cujo treino começara 10 meses antes, com o objectivo de os preparar para a selecção final de atletas, para a imposição de penalizações e até para a expulsão de atletas dos jogos - caso fosse necessário. As suas temidas decisões eram irrevogáveis. Mais tarde seria o ancião dos juízes a ter a honra de coroar os vencedores. Lá estavam também os atletas e os nossos treinadores. De seguida iniciaram-se as competições dos atletas mais novos. Mas, como estava nervoso, permaneci no ginásio a maior parte do tempo, preparando o meu corpo e a minha mente. Ao terceiro dia, começavam as competições hípicas, as mais espectaculares dos jogos, seguidas do pentatlo, a mais exigente e a que eu disputaria, ansioso por atingir a perfeição e a vitória. Todas as cinco provas foram duras. Mas quando chego à ultima, a luta, deparo-me com o meu adversário. E qual não é o meu espanto: é como se estivesse, de novo, na mesma final da minha juventude, diante do temível Espartano. Eis a minha chance de honrar Zeus e a minha cidade, derrotando o meu adversário, e de provar que era não só mais forte que ele, mas também mais astuto. A luta prolongou-se indefinidamente, pois não existe limite de tempo, e não escassearam golpes rudes, tanto legais como ilegais. Porém os juízes intervieram justamente. Estando, tanto eu como o meu adversário, já extenuados, mas motivados pela sede de vitória, consegui, num golpe heróico, deitar o Espartano ao chão pela terceira vez, vencendo por fim a prova. O Espartano debatera-se como um herói. Infortúnio dele: na Grécia não existe lugar para o segundo. No quarto dia, embebido pelo espírito da vitória, participei na hecatombe, no sacrifício dos cem touros a Zeus, no quinto assisti às competições na corrida do stadion, do diaulos e do dolichos. Assisti ainda às admiráveis provas de luta, de pugilismo, do pancrácio e do hoplitodromos. Porém a minha mente não estava em Olímpia, mas no Olimpo. No último dia seria a minha coroação.

150 António Mira, Manuel Afonso, Sérgio Costa No dia seguinte os deuses ofereceram ao recinto uma luz esplendorosa, que parecia querer iluminar a minha glória. Chegada a minha vez, ascendi ao pronaos, a entrada do templo de Zeus, e preparei-me para ser coroado pelo veterano árbitro. Quando a coroa de oliveira brava, cortada no recinto sagrado, me assentou na cabeça, senti-me imortalizado, escapando às malhas do esquecimento humano para me juntar aos deuses. O meu nome, juntamente com o dos outros vencedores, entrou nos arquivos, e ainda lá figura, repousando para a posteridade. Só o nome do vencedor do estádio teve, como sempre terá, a honra de dar o seu nome à Olimpíada. Mas eu não invejava tal feito, pois sabia que a vitória no pentatlo me garantia a eterna glória. Mas o melhor estava por chegar Atenas esperava por mim. Entrei na cidade erguido sobre uma imponente quadriga, não pela porta principal, mas por uma abertura feita nos invictos muros de Atenas, porque uma cidade com tão valorosos filhos não precisa da defesa de tais muralhas. Recepções triunfais, jantares comemorativos e sacrifícios aos deuses seguiram a minha entrada. Foi-me erguida uma estátua, que me representará após a minha partida. Os poetas compuseram odes, cantando a minha honra, e eu e a minha família fomos recompensados enormemente pela cidade. Passaram muitos anos e pouco resta de tão atlético Ateniense. Mas a glória permanece. Cesso aqui o meu testemunho e anseio que ele se prolongue doutra forma que não escrita, através dos feitos atléticos dos meus filhos e netos e concidadãos atenienses. Que estes possam honrar os deuses e a cidade como eu fiz em tempos. ANTÓNIO MIRA, MANUEL AFONSO, SÉRGIO COSTA, ALUNOS DA LICENCIATURA EM ESTUDOS ARTÍSTICOS, 1º ANO Bibliografia M. GOLDEN, Sport and Society in Ancient Greece (Cambridge 2000); W. SWEET, Sport and recreation in Ancient Greece. A source Book with translations (Oxford 1987); M. H. ROCHA PEREIRA, Estudos de História da Cultura Clássica. Vol. I - Grécia (Lisboa 2001);

Os Jogos Olímpicos na Antiguidade 151 GEORGIUS SOUVATZIS, Grecia e os jogos olimpicos (conferência apresentada na Universidade de Palermo, 1993).