ATLAS DOS CONFLITOS FUNDIÁRIOS RURAIS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Autores: Diana da Silva Alves (Graduanda em Geografia pela UERJ/FFP) Renata Rodrigues Nunes (Graduanda em Geografia pela UERJ/FFP) Co-autor: Diogo Leonardo Carneiro da Cruz (Graduando em Geografia pela UERJ/FFP) e-mail: diana.salves@yahoo.com.br renatinha_rn988@yahoo.com.br diogo_ccruz@hotmail.com INTRODUÇÃO O espaço agrário brasileiro tem sido alvo de grandes modificações ao longo das últimas décadas. A ideia desenvolvimentista de modernização e mecanização do campo, somada à lógica neoliberal transforma o agronegócio em uma verdadeira indústria capitalista e o trabalhador camponês em assalariado, reforçando o poder do latifúndio e provocando grande aumento de conflitos pela posse da terra. No estado do Rio de Janeiro, mesmo com uma elevada urbanização, a questão agrária se mostra presente. Essa presença e importância é demonstrada através do Atlas dos Conflitos Fundiários Rurais do Estado do Rio de Janeiro, mapeando os conflitos pela terra rural no estado. Ao se revelar a espacialidade da luta pela terra no território fluminense, busca-se uma melhor compreensão, bem como contribuir para a transformação desta realidade. OBJETIVO Este projeto tem por objetivo analisar dos conflitos envolvendo a luta pela terra no Estado do Rio de Janeiro. Para isso, nos é de grande valia o mapeamento desses conflitos, de acordo com sua ocorrência nos municípios do Estado. Dessa forma é possível perceber como os mesmos se encontram distribuídos e suas possíveis alterações ao longo das décadas. É fundamental não só o mapeamento da ocorrência dos conflitos, como também a explicação das razões pelas quais eles ocorrem em determinado recorte temporal. Também é parte do trabalho analisar a atuação dos movimentos sociais. Sendo assim, a partir dos diversos dados apresentados pela Comissão Pastoral da Terra, temos o objetivo de elaborar um Atlas dos Conflitos Fundiários Rurais do Estado do 1
Rio de Janeiro. Metodologia Para realizar o mapeamento dos litígios pela terra no Estado do Rio de Janeiro, tomamos como base principal o levantamento do caderno de conflitos no campo, produzido e fornecido pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). Também houve a eventual necessidade da busca de informações complementares. Com base nestes dados, foram então elaborados os textos, tabelas e mapas. Evolução dos Conflitos por Década Os mapas com os conflitos pela terra no estado do Rio de Janeiro por década de 1950 a 2009 nos permitem visualizar a evolução dos conflitos no estado e identificar quatro momentos de luta no campo. Nas décadas de 1950 e 1960, os conflitos se concentravam no entorno da cidade do Rio de Janeiro, refletindo a resistência dos trabalhadores ao avanço da especulação urbana na franja metropolitana, responsável pela expulsão de um significativo contingente de posseiros e trabalhadores rurais, o que resultou em dois movimentos: agravamento dos conflitos pela posse na região da Baixada Fluminense, transferência da população expropriada para outras regiões do estado, rurais ou urbanas. O grupo dos trabalhadores que foram em direção a outras regiões se subdivide entre aqueles que se transformaram em trabalhadores urbanos e foram residir em favelas próximas à metrópole e aqueles que persistiram como camponeses e sustentam a luta pela terra no interior do estado. Na década de 1970, com a construção da rodovia Rio-Santos (BR-101), os conflitos se localizam, sobretudo, na Região da Baía da Ilha Grande onde Parati e Angra dos Reis se tornam o alvo da ação dos especuladores, devido à abrupta valorização das terras que margeiam a estrada, em função da expansão da atividade turística. O mesmo fenômeno se repete nas Baixadas Litorâneas, embora em escala mais restrita, facilitado pelo asfaltamento do trecho norte da BR-101 e pela construção da Ponte Rio - Niterói que facilita o acesso à Região dos Lagos. Na década de 1980 os conflitos voltam a se concentrar na Região Metropolitana. Contudo, há que se ressaltar a emergência de novos atores na luta pela terra, como desempregados e subempregados no meio urbano que estavam a procura de novas alternativas de sobrevivência em meio à crise econômica que provocou o crescimento do 2
desemprego e da miséria no Grande Rio, levando muitos trabalhadores a buscar o retorno ao campo, mediante a realização de ocupações de terra na periferia do Rio de Janeiro. A década de 1990 destaca-se pela interiorização da luta pela terra no Estado e pelo retorno do MST ao Rio de Janeiro, sendo relevantes as ocupações nas Baixadas litorâneas e Norte Fluminense. Nesta última, a falência de muitas usinas de açúcar e álcool no entorno de Campos, promove uma explosão do desemprego, se refletindo na disseminação dos conflitos no campo nesta região. Na atual década, além da intensificação dos conflitos na Região Norte, verifica-se também uma expansão destes nas regiões Sul e das Baixadas Litorâneas, resultado da crescente organização dos movimentos sociais no estado. 3
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TIPOS DE CONFLITO A análise das lutas pela terra no Estado do Rio de Janeiro mostra o predomínio dos casos de resistência à expulsão da terra e de ocupação de terras. Os casos de resistência ocorreram em maior número nas regiões Sul e das Baixadas Litorâneas. O Norte Fluminense, principalmente o município de Campos dos Goytacazes, é marcado pela grande quantidade de ocupações lideradas pelo MST e FETAG, que acontecem em menor proporção também em outras áreas. No caso das baixadas litorâneas, elas foram alvo da ação dos especuladores por conta da valorização das terras que margeavam o norte da BR-101 em função da atividade turística. Sendo assim, houve um movimento de expulsão dos posseiros e trabalhadores rurais, que resistiram a essa expulsão. No entanto, ao observar a evolução do conflito por décadas, percebemos que a década atual marca o retorno dos movimentos sociais a essa região. Já o aumento das ocupações em Campos dos Goytacazes, é em muito devido a modernização da agricultura, que expulsa os trabalhadores e outros produtores locais do campo em direção a periferia urbana. Essa mão-de-obra é recontratada na época de colheita 6
como bóia-fria, assim como ocorreu no auge do Proálcool. 7
ATUAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS RURAIS Os dados referentes às ocupações de terra indicam a concentração das ações dos dois principais movimentos sociais rurais atuantes no estado na região Norte Fluminense, sendo que das 50 ocupações realizadas pelo MST no estado do Rio de Janeiro, 21 (42%) foram feitas em Campos, ao passo que a FETAG fez 6 (37,5%) das 16 ocupações em Campos e Macaé. Vale lembrar que estamos considerando neste caso apenas as ocupações realizadas a partir de 1985, quando a CPT passou a registrar sistematicamente tais ações, embora haja notícias da ocorrência de ocupações de terra antes do Golpe Militar de 1964. 8
A partir da análise dos dados referentes à luta pela terra no Estado do Rio de Janeiro de 1950 a 2009, podemos constatar que este Estado foi e continua sendo palco de intensos conflitos fundiários, envolvendo uma gama de trabalhadores nas suas mais diversas formas de luta e de resistência. Participaram destes conflitos várias categorias de trabalhadores rurais como posseiros, sem terras, colonos, parceiros, arrendatários e outros, tendo como seus opositores grileiros, fazendeiros, o Estado, empresas privadas e usinas. 9
Os conflitos envolvendo posseiros foram os que registram o maior número de ocorrências, localizadas principalmente na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Já os conflitos envolvendo sem terras localizam-se principalmente no Norte Fluminense, com destaque para o município de Campos dos Goytacazes que possui quase sempre o maior número de ocorrências. Isto confirma a hipótese de que houve uma interiorização das lutas pela terra no Rio de Janeiro a partir dos anos 1990. O Norte Fluminense é particularmente importante em nossa pesquisa, isto porque apresenta a maior concentração de latifúndios e de trabalhadores rurais do estado. Esta situação é resultado, segundo Alentejano & Silva (2008), do processo de modernização do setor sucroalcoleiro realizado pelo Proálcool, onde os incentivos governamentais favoreceram o aumento da produção associada à modernização, que acarreta na expulsão da massa trabalhadora do campo. A modernização técnica das usinas levou à concorrência entre as mesmas na região, o que teve como resultado a falência das menores, tendo sido estas incorporadas pelas grandes, levando à crescente concentração fundiária e de capitais. Soma-se a isso o fato de que os trabalhadores empregados foram proibidos de cultivar gêneros alimentícios para sua subsistência no interior das fazendas. Atualmente, o que se percebe é que esta região vem se transformando em área de disputa entre projetos políticos territoriais e de desenvolvimento antagônicos, em que um projeto se 10
relaciona a agricultura popular e os projetos em moldes desenvolvimentistas associados à monocultura da cana-de-açúcar favorecida pela atual expansão do mercado dos agrocombustíveis. No entanto, essa relação se mostra bastante complexa quando observamos que em determinadas áreas dentro dos próprios assentamentos do MST há plantações de cana-de-açúcar destinadas às usinas, indo contra a política do movimento. O norte fluminense responde por 90% da produção estadual de cana, e o município de Campos contribui sozinho com 50% do montante (Medeiros et all, 1999). 11
CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir da realização desse trabalho, é notória a importância da compreensão de como ocorrem e como são distribuídos os conflitos por terras no espaço fluminense. Trata-se de um recurso de grande utilidade para o ensino e a pesquisa em geografia. Este é um projeto que também visa auxiliar na formação de opiniões com relação a um conflito direto entre modelos antagônicos na produção do espaço. Isso nos mostra que neste estudo o conceito de território a partir das relações de poder, se torna fundamental para compreender essa disputa. Atentando para toda a complexidade presente nessas relações, pois não há uma homogeneidade na ação dos movimentos, tendo em vista, por exemplo, a produção de cana nos assentamentos para comercialização direta com as usinas de açúcar e álcool. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALENTEJANO, Paulo. A Geografia das lutas pela terra no Rio de Janeiro. In: Reforma agrária, território e desenvolvimento no Rio de Janeiro. Tese de doutorado. CPDA, UFRRJ, 2003. A evolução do espaço Agrário Fluminense. In: Geographia, Niterói, v. 13, p. 49-70, 2005. 12
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