IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA - ANPUH-BA HISTÓRIA: SUJEITOS, SABERES E PRÁTICAS. 29 de Julho a 1 de Agosto de 2008. Vitória da Conquista - BA. A HISTÓRIA DO TEMPO PRESENTE EM ÉLIO GASPARI Wlamir N. dos Santos Júnior Graduando em História pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) E-mail: wlamirjunior@yahoo.com.br Palavras-chave: Élio Gaspari. Ditadura militar. História do tempo presente. Fontes. Introdução As Ilusões Armadas e O Sacerdote e o Feiticeiro são um conjunto de obras do jornalista que aborda o período militar ocorrido no Brasil de 1964 a 1985. O autor começou a trabalhar no projeto em 1984, decidido a escrever um ensai o de 100 páginas, no máximo, sobre o motivo de Ernest Geisel e Golbery do Couto e Silva, que ajudaram o regime a se estabelecer entre 1964 e 1967, resolveram começar a transição (ainda que de forma lenta e gradual) para um regime democrático quando Geisel tornou-se presidente em 1974. Entretanto, Gaspari percebeu que teria de escrever muito mais se fosse fazer algo bom dessa forma, considerou em fazer um livro, que longo do tempo em função da necessidade do trabalho, transformou -se em cinco livros. Para escrever esta obra, o autor utilizou de depoimentos e conversas com o próprio Geisel e Golbery, civis e militares da ativa e da reserva que participaram dos governos militares. Golbery cedeu seu arquivo conjunto com Heitor Ferreira (secretário), que cedeu seu diário, no qual registrou eventos relevantes para se entender a história do período. História do presente e o sucesso editorial Vivemos atualmente um boom historiográfico em obras que abordam a história recente, mas em nosso caso discutirem os apenas as obras que abrangem o tema da ditadura militar no Brasil. Tivemos logo após o golpe de 1964, diversos personagens que viveram o momento e se interessaram em registrar suas memórias ou escrever uma interpretação do que havia acontecido. E entre 2002 e 2004 foram publicados as obras As Ilusões Armadas e O Sacerdote e o Feiticeiro cuja repercussão foi enorme e acarretando em um sucesso de vendas. Um dos motivos do sucesso das obras de Gaspari é o interesse dos leitores no que tange a história do T empo Presente. E a grande procura por esse tipo de livros é uma
2 necessidade de respostas, já que como exemplo a ditadura militar no Brasil deixou diversas lacunas. E a procura dessas obras se dá pela tentativa de preenchimento destas lacunas. Segundo Jean- François Sirinelli, o historiador trabalha sobre o passado, mesmo que próximo, isto é, sobre o que está abolido. O historiador do presente trabalha sobre um passado mais próximo, com os acontecimentos indefinidos ou até mesmo no meio dele (SANTOS, 2008). De acordo com o historiador Antônio Fernando de Araújo Sá (2006), a questão da história do Tempo Presente é um debate em aberto, e a idéia de história do tempo presente, considerando-a como um conceito em construção, que, por sua vez, expressa uma hist ória também em construção. Bédarida (1996, p. 221) propõe que o caráter inacabado e em constante movimento é, mais do que qualquer outra, constitutivo da história do tempo presente e é esse o desafio que temos que enfrentar quando nos deparamos com a quest ão da responsabilidade social do historiador na abordagem de temas controversos e que ainda tocam indelevelmente a vida das pessoas, em nosso caso podemos citar a ditadura militar. Ainda na obra de Sá (2006) o autor expõe um debate acerca da História do Tempo presente, de forma que o autor afirma que a história do presente se identifica aqui como a história escrita por historiadores que testemunharam os acontecimentos do seu tempo e que esta participação nos acontecimentos é enriquecedora. E segundo o Araújo Sá (2006), Mateos (2000) distingue a história do tempo presente da história do passado recente ou da história imediata. Pois para ele, a história do tempo presente estuda preferencialmente processos históricos que, ainda que sejam recentes, estão já encerrados ou para os quais existe uma mínima distância cronológica. Já Mudrovic (2000) entende por história do tempo presente aquela historiografia que tem pó objeto acontecimentos ou fenômenos sociais que constituem recordações de pelo menos três gerações que compartilham o mesmo presente histórico. Na mesma direção, Frank (1999, p. 117) também critica a noção de história imediata, pois se há imediatismo entre o historiador do presente e a testemunha, é necessária uma mediação na qual passa a reflexão crítica sobre o tempo e pela colocação do depoimento na perspectiva da espessura da duração, tanto do passado próximo, quanto longínquo. Segundo ele, essa é a diferença fundamental entre a história do presente e o trabalho sobre a atualidade, entre o h istoriador e o jornalista. Não entraremos aqui no debate entre história imediata e a do Tempo Presente, pois entedemos neste trabalho como conceitos semelhantes que tratam de uma história recente. O Tempo presente propõe um outro grande debate que é a c onfusão entre jornalistas e historiadores, a briga é sobre a invasão de território. E esta obra de Gaspari pode ser um
3 exemplo deste debate, pois historiadores como Marcos Napolitano (2004) apesar de elogiar o jornalista Élio Gaspari em sua intensa pesquis a sobre a ditadura militar e o seu talento narrativo de recompor os detalhes da vida palaciana durante o regime militar, o jornalista quase não problematiza e suas preciosas fontes são transformadas em monumento, conforme a expressão de Jacques Le Goff, sendo pouco problematizadas pelo autor. Observamos que a história após um longo diálogo com as Ciências Sociais, a partir dos Annales agora se vê dialogando com o Jornalismo, de forma que está sendo um intercâmbio bastante proveitoso no que tange a inter disciplinaridade na qual tem sido uma das principais bases para a história do presente e a produção bibliográfica. E esse diálogo com o jornalismo, ainda segundo Araújo S á (2006) confluem ante ao mesmo fato, porém muitas vezes seus métodos são distintos. C omo podemos observar a metodologia de Gaspari com as fontes as quais teve acesso, pois o autor ao que parece nas obras aqui explicitadas, não coteja as fontes de modo a ter uma visão crítica e proporcionar ao leitor um debate teórico, o que difere totalmente do historiador que tem como um dos ofícios vê a legitimidade das fontes e cotejá-las. A história da ditadura militar do Brasil podemos dizer que ainda são veias abertas e que o os respingos de sangue ainda jorram até hoje, de forma que diversos pro tagonistas dessa recente história ainda estão vivos e suas memórias acerca do evento permanecem. E isso dá a peculiaridade da história imediata ou do Tempo Presente, onde uma das suas principais fontes é a história oral, já que é um complemento que pode substituir as fontes que ainda não foram liberadas ou que outras fontes como o escrito, gravado, etc. não conseguiu representar. Observamos que a memória é um fator extremamente presente nesse tipo de História onde os seus personagens vivenciaram essa histór ia e produzem acerca de sua experiência e isso cada vez mais está freqüente no mercado editorial. O autor das obras As Ilusões Armadas e O Sacerdote e o Feiticeiro logo no prefácio expõe as impressionantes fontes ao qual teve acesso e isso em nosso po nto de Vista é um dos principais fatores que diferenciam essas obras de outras do mesmo período. As fontes orais foram preciosicissimas para a realização destas obras, de forma que segundo o autor Somam-se cerca de duzentas as pessoas com as quais busquei informações ao longo de dezoito anos. Algumas em demoradas conversas, outras em telefonemas breves. GASPARI, 2002, pg. 16 E o que é mais interessante nestas obras é que as fontes são todas citadas, nome por nome. Realmente o acervo de fontes a qual o j ornalista Gaspari teve acesso é incrível. Mas de todas as fontes orais, a mais importante foram as longas entrevistas e conversas com o
4 General Geisel e o general Golbery do Couto e Silva, cuja longa convivência com ambos, talvez tenha tornado a narrativa muito tendenciosa no que tange ao papel desses militares na ditadura militar. Pois Gaspari mostra os generais Geisel e Golbery como quem fizeram o que deviam ter feito para devolver o povo a democracia e os seus exageros são justificáveis por um bem maior. Observamos a partir das fontes orais tão utilizadas por Gaspa ri, que nenhum outro documento daria ao pesquisador a subjetividade que a que ela propicia. E que ela deve ser tratada com todos os cuidados da profissão por bons historiadores, o depoimento é a arma por excelência do historiador do tempo presente (SANTOS, 2008). Segundo Napolitano (2004), ele argumenta que apesar de Gaspari tratar com estilo o tema do golpe e do regi me militar no debate público, os livros, no entanto, correm o risco de ensejar uma leitura acrítica e cheia de armadilhas metodológicas. Ocupando, de maneira legitima o vácuo deixado pela historiografia política que abriu mão de contar a história em prol de uma hiper teorização nem sempre acessível ao leitor cul to, mas leigo, As Ilusões Armadas e O Sacerdote e o Feiticeiro demandam uma leitura crítica que faça saltar, da bela articulação narrativa, os problemas teórico -metodológica e as escolhas ideológicas do autor, cuja força sedutora da narrativa consegue ocultar. Considerações finais Os fatores do sucesso das obras de Gaspari se dá por diversos outros motivos, que devem ser analisados crite riosamente, tais como a narrativa jornalística cuja produção tem sido vista como mais atraente por apresentar uma narrativa de leitu ra mais agradável e de mais fácil compreensão, a intensa publicidade feita acerca das obras e isso gera uma curiosidade do público, o papel da Editora, que no caso das obras de Gaspari a Companhia das Letras que é uma das maiores do Brasil deu um grande su porte e finalmente o interesse do público que é nos últimos tempos tem sido crescente a demanda pela história vivida recentemente e a valorização do Tempo Presente. Referências BÉDARIDA, François. Tempo presente e presença na histór ia. In: FERREIRA, Mar ieta de M.; AMADO, Janaína (Org.). Usos e abusos da História Oral. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 1996. p. 221.
5 FRANK, Robert. Questões para as fontes do presente. In: CHAVEAU, A. ; TÉTARD, Ph. (Org.). Questões para a história do presente. Bauru/SP: EDUSC, 1999. p. 117. GASPARI, E. A ditadura envergonhada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. (Coleção As Ilusões Armadas, v. 1).. A ditadura escancarada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. (Coleção As Ilusões Armadas, v. 2).. A ditadura encurralada. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. (Coleção O Sacerdote e o Feiticeiro, v. 3).. A ditadura derrotada. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. (Coleção O Sacerdote e o Feiticeiro, v. 4). MATEOS, Abdón. Hist ória, memória, tempo presente. Hispania Nova: Revista de História Contemporánea. Disponível em: <http://hispanianova.rediris.es >. Acesso em: 13 abr. 2000. MUDROVCIC, Maria In és. Alguns consideraciones epistemológicas para una Historia Del Presente. Hispania Nova: Revista de H istória Contemporánea, Madri, 1998-1999, n. 1. Disponível em: <http://hispanianova.rediris.es >. Acesso em: 13 abr. 2000. NAPOLITANO, Marcos. Historiografia, memória e história do regime militar brasileiro. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, n. 23, p. 193-196, nov. 2004. SÁ, Antônio Fernando de A. A história do presente como tempo da memória. Semina, Passo Fundo/RS, v. 4, p. 1-14, 2006. SANTOS, Jean Mac Cole Tavares. Es posible una historia inmediata? História Imediata/Debates. Disponível em: <http://www.h-debate.com/spanish/debateesp/hinmediata/tavares.htm >. Acesso em: 12 abr. 2008.