AS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS NA PERSPECTIVA DO SISTEMA NACIONAL DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO (SINASE) 1

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Transcrição:

AS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS NA PERSPECTIVA DO SISTEMA NACIONAL DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO (SINASE) 1 AVILA, Lisélen 2 ; DRUZIAN, Andressa 3 ;AGUINSKY, Beatriz 4 1 Trabalho do tipo bibliográfico 2 Assistente Social, Mestranda em Serviço Social pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) 3 Assistente Social da Prefeitura Municipal de São João do Polêsine/RS, Especializanda em Gestão Pública Municipal pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) 4 Assistente Social, Doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Diretora da Faculdade de Serviço Social da PUCRS E-mail: lis_avila@yahoo.com.br; asdruzian@yahoo.com.br; aguinsky@pucrs.br RESUMO Este trabalho pretende discutir acerca das medidas socioeducativas e sua relação com o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), explicitando as principais determinações contidas nesta relação. As medidas socioeducativas, previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), constituem sanções aplicadas por ordem judicial a adolescentes que tenham praticado um ato infracional. Estas, para além de medidas sancionatórias e restritivas de direitos, possuem finalidades educativas e pedagógicas, respeitando o princípio da dignidade humana e considerando o estágio peculiar de desenvolvimento integral destas pessoas. O SINASE, ao determinar diretrizes claras e específicas que envolvem desde o processo de apuração do ato infracional até a execução das medidas socioeducativas, vem para reforçar e complementar os dispositivos contidos no ECA. Este sistema objetiva, essencialmente, o desenvolvimento de uma ação socioeducativa baseada nos princípios dos direitos humanos. Neste sentido, o SINASE constitui um importante instrumento para a transformação da realidade da socioeducação no Brasil. Palavras-chave: Adolescente em conflito com a lei; Ato infracional; Medidas Socioeducativas; SINASE. 1. INTRODUÇÃO O presente trabalho objetiva abordar a relação existente entre as medidas socioeducativas e o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE). Apresentará, de forma clara e sintética, as múltiplas determinações e implicações contidas 1

neste processo socioeducativo e que incidem na realidade dos adolescestes em conflito com a lei. As medidas socioeducativas, conforme dispostas no ECA, são aplicadas a adolescentes por determinação judicial quando verificada a prática de ato infracional, e possuem caráter sancionatório, restritivo de direitos, educativo e pedagógico. Devem respeitar o princípio da dignidade humana, considerando o estágio peculiar de desenvolvimento no qual se encontram estes adolescentes. O SINASE, nesta perspectiva, ao determinar princípios, normas e regras que envolvem desde a apuração do ato infracional até a execução das medidas socioeducativas, busca fortalecer e complementar os dispositivos elencados no ECA, com vistas a garantir e preservar os direitos humanos destas pessoas. Nesse sentido, este sistema constitui um importante instrumento para a transformação da realidade da socioeducação no Brasil. 2. MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS X SINASE As medidas socioeducativas consistem em medidas sancionatórias, educativas, pedagógicas e restritivas de direitos, aplicáveis, por ordem judicial, a adolescentes que tenham praticado ato infracional. O Estatuto da Criança e do Adolescente ECA - (BRASIL, 1990) define o ato infracional como sendo a conduta descrita como crime ou contravenção penal praticada por criança ou adolescente. Segundo Saraiva (2006, p. 66), a Medida Socioeducativa é uma resposta do Estado diante de um fato a que a Lei define como crime ou contravenção. Em se tratando da normatização das condutas humanas, o Estatuto reservou as crianças e adolescentes o que chamamos de responsabilização estatutária sempre que ocorrer a prática de ato infracional, e essa responsabilização se materializa no cumprimento pelos adolescentes das medidas sócio-educativas (LIMA; VERONESE, 2008, p. 14). Estas sanções não são as mesmas aplicadas a pessoas maiores de 18 (dezoito) anos de idade. O ECA obriga e responsabiliza condutas contrárias, adversas ao ordenamento jurídico através das medidas socioeducativas. O tratamento dado pelo Estado é diferenciado, já que o adolescente ainda está formando sua personalidade e necessita de cuidados especiais. Por isso as medidas socioeducativas são aplicadas considerando-se a vulnerabilidade do público a qual se destina, devendo ser levada em conta a capacidade do 2

adolescente em cumprir determinada medida, as circunstâncias que sucedeu o suposto ato infracional e a gravidade deste. Ao adolescente, a submissão a uma medida socioeducativa, para além de uma mera responsabilização, deve ser fundamentada não só no ato a ele atribuído, mas também no respeito à eqüidade (no sentido de dar o tratamento adequado e individualizado a cada adolescente a quem se atribua um ato infracional), bem como considerar as necessidades sociais, psicológicas e pedagógicas do adolescente. O objetivo da medida é possibilitar a inclusão social de modo mais célere possível e, principalmente, o seu pleno desenvolvimento como pessoa (BRASIL, 2006, p. 30). Compreendem o conjunto de medidas socioeducativas: a advertência, a obrigação de reparar o dano, a prestação de serviços à comunidade (PSC), a liberdade assistida (LA), a inserção em regime de semiliberdade, a internação em estabelecimento educacional e qualquer uma das medidas previstas no art. 101 I a VI do ECA. Conforme Lima e Veronese (2008, p. 5), as seis medidas sócio-educativas previstas no Estatuto devem ser aplicadas em respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana e observar o estado peculiar que se encontram os adolescentes enquanto pessoas em desenvolvimento. A aplicação das medidas sócio-educativas deve ter caráter pedagógico e promover o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. O atual sistema de medidas socioeducativas prevê a superação das antigas concepções autoritárias de defesa social e de caráter retributivo, visto que, a melhor alternativa para a superação da violência è a emancipação humana e somente a promoção de alternativas educativas e sociais são capazes de apresentar novos horizontes. Segundo Prates (2002, p. 35): [...] as medidas socioeducativas se bem aplicadas, ou seja, não com o escopo exclusivamente punitivo e sim com o objetivo pedagógico, poderão auxiliar sensivelmente na ressocialização e inibição à reincidência do jovem infrator. 3

O ECA tratou da questão do ato infracional, chamando a atenção para um atendimento diferenciado, sem qualquer forma de repressão, sem descaracterizar, contudo, o processo de responsabilização que emerge das práticas delituosas. Pois, o Estatuto acredita que a melhor forma de intervir nesse adolescente em conflito com a lei é incidir positivamente na sua formação, servindo-se, para tanto, do processo pedagógico, como um mecanismo efetivo, que possibilite o convívio cidadão desse adolescente autor de ato infracional em sua comunidade. Pretendem, pois, tais medidas, educar para a vida social (LIMA; VERONESE, 2008, p. 8). O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) complementa e fortalece o ECA ao determinar diretrizes claras e específicas para a execução das medidas socioeducativas. O SINASE se constitui num conjunto ordenado de princípios, regras e critérios, de caráter jurídico, político, pedagógico, financeiro e administrativo, que envolve desde o processo de apuração do ato infracional, até a execução da medida socioeducativa. Objetiva, fundamentalmente, o desenvolvimento de uma ação socioeducativa baseada nos princípios dos direitos humanos (BRASIL, 2006). É um documento que normatiza a forma como devem atuar as entidades de atendimento ao adolescente em conflito com a lei. Compreende desde a forma política de traçar as diretrizes pedagógicas de cada programa de atendimento até o quadro de profissionais que deve atuar em conjunto nos programas específicos. Normatiza, ainda, sobre os parâmetros arquitetônicos das unidades de atendimento socioeducativo, especialmente em relação ao espaço físico, infraestrutura e capacidade/vaga. Dispõe, também, sobre a previsão orçamentária para a execução e manutenção das medidas socioeducativas. O SINASE foi aprovado na assembléia do CONANDA em 13 de julho de 2006 e representou um grande avanço em termos de políticas públicas voltadas para os adolescentes autores de ato infracional. Em 13 de julho de 2007, o SINASE foi apresentado como projeto de lei (PL 1.627/2007) ao Plenário da Câmara dos Deputados. Em 9 de novembro do mesmo ano, por Ato da Presidência da Câmara foi criada uma Comissão Especial para analisar o projeto de lei [...] Finalmente, no dia 29 de abril de 2009, a Comissão Especial instalada na Câmara dos Deputados aprovou por unanimidade o projeto de Lei 1.627/2007 que foi, em seguida, 4

encaminhado ao Plenário da Câmara. Em discussão no Plenário da Câmara o projeto original do SINASE ganhou duas Emendas e o substitutivo foi aprovado no dia 2 de junho de 2009 e encaminhado para apreciação do Senado Federal sob o nº PL 1.627-B/2007 (VERONESE; LIMA, 2009, p. 37-41). Este sistema, que tem como parâmetros legais os dispositivos da Constituição Federal de 1988 e do ECA, além de respeitar os tratados e convenções internacionais, reafirma a natureza pedagógica e educativa da medida socioeducativa. Prioriza a implantação de medidas socioeducativas em meio aberto, como a PSC e a LA, em detrimento das medidas privativas de liberdade (semiliberdade e internação), visto que as mesmas não estão sujeitas aos princípios de excepcionalidade e brevidade. Busca-se, desta forma, reverter a tendência crescente de internação dos adolescentes, pois constata-se que a elevação do rigor das medidas não tem melhorado a inclusão social dos egressos do sistema socioeducativo (BRASIL, 2009). O SINASE é fruto de uma construção coletiva envolvendo diversos segmentos do governo, representantes de entidades de atendimento, especialistas na área e sociedade civil que promoveram intensos debates com a finalidade de construir parâmetros mais objetivos no atendimento ao adolescente autor de ato infracional. Trata-se de uma política pública que verdadeiramente procura atender aos preceitos pedagógicos das medidas socio-educativas conforme dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente (VERONESE; LIMA, 2009, p. 37). Enquanto sistema integrado, o SINASE articula e especifica as competências das três instâncias federativas para o atendimento socioeducativo no Brasil, considerando a intersetorialidade das políticas sociais e a co-responsabilidade entre a família, o Estado e a sociedade. Para Veronese e Lima (2009, p. 41), O SINASE é um instrumento jurídico-político que complementa o Estatuto da Criança e do Adolescente em matéria de ato infracional e medidas socioeducativas. É um documento que impõe obrigações e a coresponsabilidade da família, da sociedade e do Estado para a efetivação dos direitos fundamentais dos adolescentes autores de ato infracional. E ao 5

Estado, principalmente, cabe a função de investir em políticas sociais que facilitem a concretização desse importante instrumento normativo. Outra característica destacada pelo SINASE refere-se à participação da família e da comunidade no processo de socioeducação, de forma a fortalecer os vínculos e garantir o direito dos adolescentes ao convívio familiar e comunitário. O sistema trabalha, também, com o conceito de Plano Individual de Atendimento (PIA). Devem estar estabelecidos no PIA as potencialidades, capacidades e limitações dos adolescentes, de modo a assegurar e preservar sua individualidade e singularidade. Por fim, o SINASE prioriza a municipalização dos programas de execução de medidas socioeduvativas em meio aberto, mediante a articulação de políticas intersetoriais em nível local, e a constituição de redes de apoio nas comunidades. O atendimento às medidas socioeducativas em meio aberto deve ocorrer no âmbito municipal, sendo da competência desta esfera a criação e a manutenção de programas de atendimento para execução dessas medidas, de modo a fortalecer o contato e o protagonismo da comunidade e das respectivas famílias. 3. CONCLUSÃO O presente estudo, ao abordar considerações a respeito das medidas socioeducativas e do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo - SINASE, proporcionou a compreensão acerca da forma como se articulam e se relacionam estes elementos no processo de socioeducação. Processo este, que envolve sujeitos que se encontram num estágio peculiar de desenvolvimento físico, psíquico, mental, espiritual e social, necessitado assim, de cuidados especiais. As medidas socioeducativas, para além da responsabilização do adolescente em conflito com a lei, devem possuir caráter social, educativo e pedagógico no sentido de proporcionar a este sujeito a (re)inserção social e o acesso e/ou ampliação da cidadania. A aplicação destas medidas deve respeitar o princípio da dignidade humana e preservar os direitos humanos, de forma a garantir o desenvolvimento saudável e integral destas pessoas. Nesta perspectiva, o SINASE, ao estabelecer princípios, normas e regras que envolvem o processo de socioeducação na sua integralidade, busca fortalecer, complementar e consolidar os dispositivos elencados no ECA, com vistas a proteger, 6

garantir e efetivar os direitos humanos destas pessoas. Representa assim, um importante instrumento para a transformação da realidade da socioeducação em nosso País. REFERÊNCIAS BRASIL. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 13 jul. 1990. BRASIL. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo SINASE. Brasília: CONANDA, 2006. BRASIL. Ministério Público de Minas Gerais. Medidas Socioeducativas: apontamentos sobre a política socioeducativa segundo as diretrizes estabelecidas no Estatuto da Criança e do Adolescente ECA. Minas Gerais: Central de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça da Infância e da Juventude, 2009. Disponível em: <www.mp.mg.gov.br/portal/public/interno/arquivo/id/3838>. Acesso em: 03 jun. 2010. CARVALHO, D. B.B. Criança e adolescente. In: Capacitação em serviço social e política social. Brasília: UnB-Cead, 2000. LIMA. F.S.; VERONESE, J.R.P. Medidas sócio-educativas: a responsabilização estatutária como antagônica da visão penal. In: FREIRE, S.M (Org.). Anais do II Seminário Internacional Direitos Humanos, Violência e Pobreza: a situação de crianças e adolescentes na América Latina hoje. Rio de Janeiro: Rede Sírius/UERJ, 2008. PRATES, F. C. Adolescente infrator: a prestação de serviços à comunidade. Curitiba: Juruá, 2002. SARAIVA, J. B. C. Compêndio de direito penal juvenil: adolescente e ato infracional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. VERONESE, J.R.; LIMA, F.S. O sistema nacional de atendimento socioeducativo (SINASE): breves considerações. Revista Brasileira Adolescência e Conflitualidade, Florianópolis, 1(1): 29-46, 2009. Disponível em: <periodicos.uniban.br/index.php/rbac/article/.../38/41>. Acesso em: 15 out. 2010. 7