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Transcrição:

Depoimento/Palestra de Stanley Gacek, Diretor Adjunto/Oficial Encarregado do Escritório da OIT no Brasil, sobre a PEC No. 18/2011, redução da idade mínima dos 16 para os 14 anos, 14 de julho de 2015, às 10 horas, Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados, República Federativa do Brasil. Vossa Excelência, o Deputado Federal Luiz Couto, Presidente dessa reunião extraordinária da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, Distinguidos Deputados e Deputadas da Comissão, Distinguidos Palestrantes, Senhoras e Senhores. Em nome do Escritório da OIT no Brasil, agradeço a oportunidade de comentar sobre a Proposta de Emenda à Constituição no 18/2011. Minhas observações serão focalizadas nas referências normativas da OIT de relevância, e especialmente a Convenção 138 sobre a Idade Mínima para Admissão ao Trabalho, aprovada pela CIT em 1973, e ratificada pelo Brasil em 2001. Mesmo com anos de contato com esse belo país e com quase quatro anos de residência, ainda falo um português bem puxado com um sotaque inteiramente perceptível de um estrangeiro/norte-americano. Gostaria de pedir-lhes desculpas de antemão pelo meu sotaque e por qualquer erro no meu segundo idioma. Também gostaria de reconhecer, como estrangeiro, o extraordinário compromisso do Brasil com o trabalho 1

decente, doutrina fundamental da OIT. Acredito que não há outro estado membro da OIT, dos 185, que tem feito tanto para incorporar trabalho decente como um norteamento e uma referência para políticas públicas e legislação num sistema federativo. E a erradicação do trabalho infantil é um fundamento imprescindível desse conceito. Convenção 138, já mencionada, uma das convenções fundamentais ratificadas pelo Brasil, exige que os países que a ratifiquem estabeleçam uma idade mínima (não inferior a 15 anos) para a entrada no mercado de trabalho em todos os setores. A única exceção, segundo o Artigo 4º da norma, seria no caso de países não desenvolvidos, produzindo todos os devidos comprovantes para mostrar de não ser suficientemente desenvolvidos. Eles poderiam temporariamente estabelecer a idade mínima de 14 anos apenas no início, ou seja, no momento da ratificação da norma, e após as devidas consultas às organizações de empregadores e de trabalhadores. Essas condições prévias e excepcionais do Artigo 4º não são realizadas no caso do Brasil, e, portanto, não são aplicáveis. A Convenção também estabelece que a idade mínima deva ser igual ou superior à escolaridade mínima obrigatória, e estipula que ela deve ser gradualmente incrementada. Vale ressaltar que em 2009, o Brasil elevou a escolaridade mínima de 14 para 17 anos, por meio da Emenda Constitucional 59. Portanto, deveríamos estar aqui 2

hoje analisando uma PEC para a elevação da idade mínima para 17 anos, e não uma redução para 14 anos. O Brasil também ratificou a Convenção 182 sobre a Proibição das Piores Formas de Trabalho Infantil no ano 2000. Segundo a norma, as piores formas são as situações que apresentam riscos à saúde, segurança ou moralidade das crianças, que são definidas por essa Convenção como qualquer pessoa com menos de 18 anos. Para a OIT, o Brasil é pioneiro e referência na comunidade internacional no que se refere aos esforços para a prevenção e eliminação do trabalho infantil. Desde meados da década de 1990, o País assumiu oficialmente a existência do problema e declarou sua disposição total de enfrentá-lo. A partir daí, o governo brasileiro, juntamente com trabalhadores, empregadores e sociedade civil, vem efetuando todas as disposições das ratificadas Convenções 138 e 182. A Emenda Constitucional noº 20 de 1998, proíbe o trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 anos, uma provisão que está inteiramente em conformidade, aliás, com o Artigo 6º da Convenção 138. Em função disso, o artigo 403 da CLT foi ajustado em 2000, que eleva a idade mínima para 16 anos. O artigo 2º do Decreto noº 4.143 de 2002, que promulgou a ratificada Convenção 138, prevê que a idade mínima para a admissão em emprego ou trabalho no Brasil é de 16 anos. 3

Como resultado desse amplo esforço nacional que contou com o engajamento direto do Estado e da sociedade brasileira, inclusive todas essas iniciativas legislativas e jurídicas já mencionadas, o número de meninos e meninas entre 5 e 17 anos que trabalham reduziu-se em mais de 58%, nas últimas duas décadas no país, com mais de 5 milhões de crianças a menos envolvidas no trabalho infantil do que em 1992. Quanto ao direito internacional, uma convenção da OIT, assim que ela for ratificada pelo estado-membro, terá uma força vinculante, significando sua incorporação e cumprimento inteiro em termos do sistema jurídico, legislativo, executivo e administrativo do país em questão. Segundo o direito internacional e o sistema normativo da OIT, não pode ter uma ratificação de uma convenção, e o devido cumprimento, pela metade. Segundo o Artigo 1º da Convenção 138, há a obrigação de seguir uma política nacional que assegure a efetiva abolição do trabalho infantil e eleve, progressivamente, a idade mínima. Sendo assim, um país que reduza a idade mínima, 14 anos depois da ratificação da Convenção 138, estaria em contravenção direta da norma. Infelizmente, a PEC no. 18/2011 faria exatamente isso. Como, atualmente, mais de 80% das crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil no Brasil encontra-se na faixa etária entre 14 e 17 anos, deve-se 4

priorizar o aperfeiçoamento dos processos de aprendizagem profissional, em conformidade com o Artigo 6º da Convenção 138, facilitando a transição dos adolescentes, em idade mínima de admissão ao trabalho, da escola para o mercado, em condições de trabalho decente com todas as adequadas proteções. Em termos do direito internacional da OIT, a solução não pode e não deve ser a redução da idade mínima, mesmo sob os regimes de tempo parcial. Para a OIT, o Brasil tem todas as condições de tornar-se um país inteiramente livre de trabalho infantil, pois ele tem, entre outros ativos e atribuições, estatísticas e informações como nenhum outro país, um Plano Nacional eficaz, uma Comissão Nacional de Prevenção e Erradicação, boas práticas e políticas públicas a replicar, e uma união forte de governo, empregadores, trabalhadores e sociedade civil. No começo desse mês, o Brasil foi o anfitrião e o coordenador da Mesa de Cooperação Sul-Sul para acelerar a redução do trabalho infantil na região da América Latina e o Caribe, e também foi o anfitrião e o coordenador da Terceira Conferência Global pela Erradicação do Trabalho Infantil em outubro de 2013. Também a ONU está propondo entre seus objetivos de desenvolvimento pós-2015, a promoção do trabalho decente, com a eliminação do trabalho infantil como meta central, contando inteiramente com a liderança do Brasil a respeito. Agora é a hora de avançar. Não é a hora de regredir. 5