POLINIZAÇÃO DE MACRÓFITAS AQUÁTICAS DA FAMÍLIA PONTEDERIACEAE

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8 1 POLINIZAÇÃO DE MACRÓFITAS AQUÁTICAS DA FAMÍLIA PONTEDERIACEAE ALVES DOS SANTOS, I. Departamento de Ecologia Geral / IB-USP, Cidade Universitária São Paulo, 05508-900/SP. E-mail: isabelha@usp.br RESUMO: Polinização de macrófitas aquáticas da família Pontederiaceae. Eichhornia azurea, o aguapé de baraço, é uma espécie tristílica de Pontederiaceae. Espécies tristílicas possuem três morfas florais e para a polinização legítima dependem que a transferência do pólen entre as 3 morfas seja feita por um agente polinizador da seguinte maneira: pólen das anteras longas, médias ou curtas devem ser transferidos para os estigmas longo, médio ou curto, respectivamente. Somente polinizadores especializados conseguem atingir os diferentes níveis de anteras das flores tristílicas e efetuar a polinização legítima. Palavras-chaves: Eichhornia; heterostilia; reprodução sexual; aguapé; abelha polinizadora. ABSTRACT: Pollination of one Pontederiaceae species. Eichhornia azurea is a tristylous species of Pontederiaceae. Tristylous species have three floral morphs and for the legitimate pollination need a pollen vector (pollinator) that transfer the pollen between the morphs in the following way: pollen from the long, mid or short anthers must be transfer to the long, mid and short styles respectively. Only specialized pollinators can reach the different anthers levels of the tristylous flowers and mediate the legitimate pollination. Key-words: Eichhornia; heterostyly; sexual reproduction; waterhyacinth; bee-pollinator. A FAMÍLIA PONTEDERIACEAE As Pontederiáceas são herbáceas aquáticas ou palustriais, que compreendem cerca de 30-35 espécies. São plantas muito abundantes em beiras de lagos, canais ou campos permanentemente alagados. Suas flores são vistosas e atraentes para muitos insetos, e são primariamente polinizadas por abelhas e borboletas. A maioria das espécies de Pontederiaceae é nativa dos trópicos do Novo Mundo (Castellano, 1959). Pontederia e Hydrothrix ocorrem naturalmente somente no Novo Mundo. Eichhornia e Heteranthera são predominantemente Neotropicais. Algumas espécies de Pontederiaceae propagaram-se como plantas ornamentais ou invasoras, superando seus limites naturais. Eichhornia crassipes tornou-se uma praga nociva em várias partes do mundo tropical. A propagação vegetativa é uma forma de crescimento bastante comum entre os aguapés, mas o crescimento também pode se processar via reprodução sexuada. A polinização legítima das flores de algumas espécies de Eichhornia e Pontederia apresenta um dos mais sofisticados mecanismos de polinização cruzada entre as angiospermas, que é a heterostilia. Pompêo, M. L. M. (Ed.) Perspectivas na Limnologia do Brasil.

2 SISTEMA REPRODUTIVO DE PLANTAS HETEROSTÍLICAS Populações de plantas heterostílicas (distílicas ou tristílicas) são compostas por flores de diferentes morfas (2 ou 3), que diferem no comprimento do estigma, estames, tamanho do pólen e apresentam sistema de auto-incompatibilidade (Barrett, 1985). A polinização legítima nas espécies tristílicas ocorre quando flores com estigma longo, médio ou curto recebem pólen compatível proveniente das anteras longas, médias ou curtas, respectivamente (Fig. 1). O fenômeno da heterostilia foi registrado em 24 famílias de plantas com flores, das quais somente 3 contém espécies tristílicas: Lythraceae, Oxalidaceae e Pontederiaceae (Ganders, 1979). Pontederiaceae é a única família de monocotiledôneas tristílica, representada neste aspecto por 2 gêneros: Eichhornia e Pontederia. Muitos estudos sobre as plantas heterostílicas foram feitos devido ao interessante mecanismo genético desse especializado sistema reprodutivo. Segundo Barrett (1988) existe uma tendência evidente no sistema reprodutivo de Eichhornia, em quebrar o polimorfismo e evoluir para populações monomórficas. A condição trirmórfica parece ser ancestral, pois populações invasoras longe do local de origem tendem a ter altas taxas de auto-compatibilidade e de conter muitas vezes populações monomórficas (Charlesworth, 1979). FUNCIONAMENTO DA HETEROSTILIA Para o sistema da tristilia funcionar efetivamente, as populações devem conter as 3 morfas florais e providenciar pólen e néctar suficiente para atrair os polimizadores especializados com longa probóscide (Barrett, 1988). De certa forma, a planta controla os movimentos dos polinizadores e do fluxo de pólen. Pólen dos diferentes níveis de anteras aderem em partes do corpo do inseto correspondendo a posição onde o estigma compatível será contatado por tal visitante. Devido a própria arquitetura da flor, a polinização do estigma curto é mais difícil, pois este encontra-se inserido no fundo do tubo da corola. Para atingir as anteras curtas, o estigma curto ou a base do tubo da corola, o visitante deve possuir estruturas finas e longas capazes de penetrar e atingir o fundo do tubo da corola. Figura 1: Esquema da posição relativa de estigmas e estames nas morfas florais de espécies tristílicas. A polinização legítima é indicada por setas.

3 A BIOLOGIA REPRODUTIVA DE Eichhornia O gênero Eichhornia compreende 8 espécies. Com exceção de E. natans, encontrada na África, todas demais espécies são nativas da região Neotropical. Três espécies são primariamente trimórficas: E. azurea, E. crassipes e E. paniculata. Alguns estudos foram feitos sobre a polinização de Eichhornia em populações naturais: Barrett & Husband (1990) encontraram como polinizadores de E. paniculata no nordeste do Brasil, abelhas solitárias com longa probóscide e borboletas. O sistema reprodutivo nesta espécie varia dentro e entre as populações. Populações de E. paniculata freqüentemente contém uma mistura de variantes autocompatíveis e incompatíveis. Populações da Jamaica são mais autocompatíveis e aquelas do nordeste brasileiro são mais incompatíveis, refletindo possíveis contrastes na atividade dos polinizadores, na demografia e em fatores genéticos ou ambientais. A produção de cápsulas e de E. crassipes é mais alta nas populações tropicais do que nas regiões temperadas, provavelmente devido aos altos índices de visitação de insetos (Barrett, 1980). A biologia floral de E. azurea foi estudada por Barrett (1979) na Costa Rica e Amazônia e por Alves dos Santos & Wittmann (in press) no sul do Brasil. Nas populações naturais destas duas regiões, as 3 morfas florais de E. azurea foram localizadas. Figura 2: Inflorescências de duas morfas florais de Eichhornia azurea: a esquerda morfa L com estigma longo em evidência, a direita morfa C com anteras longas em evidência. POLINIZAÇÃO LEGÍTIMA DE Eichhornia azurea NO SUL DO BRASIL Eichhornia azurea é comumente conhecida como aguapé de baraço (Fig. 2). Trata-se de uma espécie abundante em áreas alagadas da restinga e de fácil distinção devido aos seus longos rizomas que aderem ao substrato. E. azurea possui uma distribuição geográfica ampla dentro da região Neotropical. Com cerca de 5 cm de comprimento e coberta por pêlos hialinos, as flores de E. azurea são zigomórficas, lilás com uma mancha amarela guiar de néctar. Estames são concrescidos com as tépalas inseridos na parte superior do tubo da corola. As flores de E. azurea abrem por um dia. Em dias quentes e ensolarados abrem entre 6:00-7:00h, em dias nublados entre 8:00-9:00h. A deiscência da antera ocorre 2 horas após a abertura da flor. As inflorescências produzem cerca de 18 flores, com média de 5 flores abertas por dia no pico da floração. No sul do Brasil o período de floração totaliza aproximadamente 5 meses, de outubro a fevereiro.

No Rio Grande do Sul, as flores de E. azurea são visitadas com alta freqüência por Ancyloscelis gigas, uma abelha solitária da família Anthophoridae (Alves dos Santos, 1997). Esta espécie de abelha é especializada em flores de E. azurea. Fêmeas de A. gigas possuem uma longa probóscide (cerca de 14,5mm) coberta por cerdas com ganchos, presentes na altura dos palpos labiais e no prementum (Fig. 3). As cerdas da probóscide são utilizadas para coletar pólen, principalmente das anteras curtas, onde nenhum outro visitante pode alcançar. As fêmeas visitam 4 a 5 flores por inflorescência. Depois de visitarem cerca de 20 flores pousam sobre a folhagem para retirar o pólen preso entre as cerdas da probóscide e transferi-lo para a escopa nas pernas posteriores. A taxa de reprodução vegetativa em E. azurea é consideravelmente mais baixa que a encontrada em E. crassipes, o que provavelmente explica a retenção das 3 morfas na maioria das populações (Barrett, 1978). A compatibilidade das morfas florais de E. azurea na região sul foi testada para avaliar a contribuição dos visitantes na reprodução da planta, ou seja, a sua efetividade na transferência legítima do pólen (Tabs. 1-3). As letras C, M e L correspondem a abreviação utilizada na literatura para as morfas com estigmas curto, médio e longo respectivamente. 4 Figura 3: a) Probóscide pilosa da fêmea de Ancyloscelis gigas (1 mm); b) Detalhe dos palpos labiais com alguns grãos de pólen presos entre as cerdas (1,9µm).

A produção de em E. azurea é menor do que o seu potencial reprodutivo. Nos testes de polinização manual cruzada a produção de atinge valores entre 52,6 e 76,6% em relação ao número de óvulos que as plantas produzem (Tab. 1). A produção de nas condições naturais é bastante variável, atingindo valores entre 7,9 e 75,8%. Por exemplo, flores com estigma médio (morfa M) de Viamão produziram 75,8% de, valor semelhante ao da polinização manual cruzada legítima. Enquanto que, flores da mesma morfa (M) em Terra de Areia produziram apenas 20,1% de (Tab. 1). A produção de foi praticamente zero em condições não naturais (plantas transferidas para o campus universitário), excluindo a presença de A. gigas (Tab. 2); bem como em flores ensacadas (nos testes de autogamia) nos locais de ocorrência (Tab. 3). 5 Tabela 1: Potencial reprodutivo de Eichhornia azurea e produção de em três localidades do Rio Grande do Sul (Alves dos Santos & Wittmann, in press). Morfa floral Produção de óvulos Polinização Manual* por fruto Produção Local Condições Naturais** por fruto Produção de T. Areia 15,7 ± 18,72 14% C 112 ± 7,0 59,1 ± 26,1 52,6% Viamão 23,4 ± 15,9 20,9% Guaíba 30,2 ± 10,18 26,7% T. Areia 15,8± 17,35 20,1 M 78,6 ± 5,7 60,2 ± 18,1 76,6% Viarnão 59,6 ± 2,8 75,8% Guaíba 38,1 ± 17,9 48,5% T. Areia 37,6 ± 16,46 35% L 107,4 ± 16,8 60,7 ± 10,7 56,7% Viamão 8,5 ± 1,8 7,9% Guaíba 30,6 ± 16,4 28,5% *seguindo o esquema da polinização cruzada legítima. **com presença do polinizador - Ancyloscelis gigas. Análise do carregamento de pólen das fêmeas de A. gigas revelaram 100% de pólen dos 3 níveis de anteras de E. azurea. Devido ao tamanho diferencial dos grãos de pólen nas plantas heterostílicas, foi possível avaliar a quantidade de pólen que as fêmeas coletaram de cada nível de antera. De um total de 2500 grãos de pólen (nº = 10 fêmeas): 62,33% provieram das anteras curtas, 27, 47% das anteras médias e 10,18% das anteras longas. Tabela 2: Produção de em Eichhornia azurea na ausência do polinizador Ancyloscelis gigas (Alves dos Santos & Wittmann, in press). Local Morfa floral Flores examinadas Flores com por fruto Produção de Campus C 15 0 -- -- da M 13 1 2,0 0,15% Universidade L 33 4 8,2 ± 7,3 1%

Examinando minuciosamente flores de E. azurea e fêmeas de A. gigas nas 3 populações da Planície Costeira do Rio Grande do Sul, constatou-se uma coadaptação morfológica da posição das anteras e estigma curtos dentro da flor e posição dos pêlos na probóscide da abelha (Fig. 4). Para que a coleta de pólen da abelha se efetive e para que uma polinização eficiente do estigma curto ocorra, a posição dos órgãos reprodutivos curtos da flor (estigma e antera) devem ser mantida na altura dos pêlos da probóscide das abelhas. Em benefício ao visitante que esteja funcionando como vetor eficiente, a planta "oculta" o pólen em partes florais, onde apenas aquele agente consegue alcançálo. Por sua vez, o visitante polinizador se adaptou e respondeu a esta estratégia da planta, especializando-se em coletar pólen desta fonte que é restrita aos outros visitantes. Caso ocorra modificações em um dos organismos, podemos esperar uma contrapartida tendenciosa no parceiro, remodelando-se à tal alteração, de modo a não prejudicar a interação entre eles. 6 Tabela 3: Produção de em flores ensacadas de Eichhornia azurea no Rio Grande do Sul (Alves dos Santos & Wittmann, in press). Tratamento Morfa flora Flores examinadas Flores com por frutos Produção de C 32 0 -- -- Autogamia * M 22 6 23,6 ± 17,1 1,4 % L 20 0 -- -- * Autogamia espontânea, flores ensacadas evitando qualquer visitante. Figura 4: Esquema de Ancyloscelis gigas e das três morfas florais de Eichhornia azurea. O investimento morfológico mútuo entre estes organismos resulta dos interesses que ambos possuem no seu sucesso reprodutivo. Para a planta interessa transferir o gameta masculino para o estigma das flores de outros indivíduos. O agente polinizador busca na flor o alimento para sua prole. Em muitos casos as adaptações recíprocas entre um certo polinizador e uma planta tornam-se tão especializadas e subordinadas, que se uma das partes estiver ausente a outra será afetada.

O sistema reprodutivo de uma espécie tristílica como E. azurea só pode ser mantido na evolução se houver pelo menos um polinizador adaptado para a transferência legítima. Na ausência do polinizador, uma das morfas pode diminuir a freqüência ou até mesmo ser excluída da população (Wolf & Barrett, 1989). Na ausência de A. gigas por exemplo, a polinização das flores de morfa com estigma curto, pode ficar prejudicada e em gerações consecutivas pode diminuir a representatividade da morfa na população, quebrando assim o sistema da polinização tristílica. O comportamento de A. gigas durante visita às flores, bem como a morfologia da sua probóscide, faz desta abelha uma polinizadora extremamente adaptada a polinização legítima das flores de E. azurea nas populações do Rio Grande do Sul. 7 AGRADECIMENTOS Este trabalho foi desenvolvido no Laboratório de Pesquisas Biológicas da Universidade de Tübingen localizado na PUCRS, Porto Alegre. Agradeço as valiosas sugestões de Dieter Wittmann na elaboração deste trabalho. A contribuição de Alice Grossman, Mardiore Pinheiro dos Santos, Paulo Milani e Rodrigo Cunha foi fundamental nos trabalhos de campo. Este estudo foi financiado pelo DFG (Deutsch Forschung Gemeinschaft), CNPq e Fapergs. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Alves dos Santos, I. (1997). Melittophilous Plants, Their Pollen and Flower Visiting Bees in Southern Brazil: 3. Pontederiaceae. Biociências, 5 (2), p. 3-18. Alves dos Santos, 1. & Wittmann, D. (in press). Legitimate pollination of the trimorphic flowers of Eichhornia azurea (Pontederiaceae) by Ancyloscelis gigas bees (Anthophoridae, Apoidea). Submetido: Plant Systematic and Evolution. Barrett, S. C. H., (1978). Floral biology of Eichhornia azurea (Swartz) Kunth (Pontederiaceae). Aquatic Botany, 5: 217-228. Barrett, S. C. H., (1979). The Evolutionary breakdown of tristyly in Eichhornia crassipes (Mart.) Solms Water Hyacinth. Evolution, 33: 499-510. Barrett, S. C. H., (1980). Sexual reproduction in Eichhornia crassipes (Water Hyacinth) II. Seed production in natural populations. J. Appl. Ecology, 17: 113-124. Barrett, S. C. H., (1985). Floral trimorphism and monomorphism in continental and island populations of Eichhornia paniculata (Spreng.) Solms. (Pontederiaceae). Biol. J. Linn. Soc., 25: 41-60. Barrett, S. C. H., (1988). Evolution of Breeding Systems in Eichhornia (Pontederiaceae): a Review. Ann. Miss. Bot. Gard., 75 (3): 741-760. Barrett, S. C. H. & Husband, B. (1990). Variation in outcrossing rates in Eichhornia paniculata: the role of demographic and reproductive factors. Plant Species Biology, 5: 41-55. Castellano, A. (1959). Las Pontederiaceae de Brasil. Ibidem, 16: 149-218. Charlesworth, D. (1979). The evolution and breakdown of tristyly. Evolution, 33 (1): 486-498. Ganders, F. R. (1979). The biology of heterostyly. New Zeal. J. Botany, 17: 607-635. Wolfe, L. M. & Barrett, S. C. H. (1989). Patterns of pollen removal and deposition in tristylous Pontederia cordata L. (Pontederiaceae). Biol. J. Linn. Soc., 36: 317-329.