Turismo e mudanças socioambientais: um estudo no entorno do Reservatório. Micheli Kowalczuk Machado a*, Jussara Cristina Reis b, João Luiz Hoeffel c,

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Transcrição:

1 Turismo e mudanças socioambientais: um estudo no entorno do Reservatório dos Rios Jaguary/ Jacareí São Paulo Micheli Kowalczuk Machado a*, Jussara Cristina Reis b, João Luiz Hoeffel c, Almerinda Antonia Barbosa Fadini d a Programa de Pós Graduação Interunidades em Ecologia Aplicada, Universidade de São Paulo (USP), Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ), Avenida Centenário, 303. Caixa Postal 96. CEP, 13400-970. Piracicaba, São Paulo. Brasil. michelimkm@yahoo.com.br b Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista "Julio de Mesquita" (UNESP), Av. Hygino Muzzi Filho, 737, Cx.P. 181, CEP: 17525-900 - Marília / SP Brasil. jussara_christina@yahoo.com.br c Centro de Estudos Ambientais Sociedades e Naturezas, Universidade São Francisco, Campus Bragança Paulista. Av. São Francisco de Assis, nº 218, Jd. São José, Prédio Central, sala 146. Bragança Paulista - SP, CEP 12916-900. jlhoeffel@yahoo.com.br d Centro de Estudos Ambientais Sociedades e Naturezas, Universidade São Francisco, Campus Bragança Paulista. Av. São Francisco de Assis, nº 218, Jd. São José, Prédio Central, sala 146. Bragança Paulista - SP, CEP 12916-900. almerinda@hotmail.com * Autor para corresnpondência: 55 11 9630-6775 Palavras-chave: Comunidade local, Usos da Terra, Percepção. Título Abreviado: Turismo e mudanças sociambientais

2 ABSTRACT The Jaguary and Jacareí Rivers Reserve, in Bragantina Region, is included inside Cantareira System Environmental Protection Area. This region has been through several transformations that had created various socio environmental problems, like real state speculation and the disarticulation of the local community. This work aimed to understand how the formerly residents understand the changes occurred in the region, considering this analysis as a strong tool to proposal development to this research area, since there is a deep relation between the way they understand the environment they are in and the way they maintain their social relations with its attitudes and actions, that could interfere positively or negatively. To this purpose, there were made sixteen interviews with traditional residents of Lopo Neighborhood, in Vargem town and in Serrinha Neighborhood in Bragança Paulista town. From these perceived changes analysis, it is possible to conclude that the traditional residents from both neighborhoods, despite the changes, had been maintaining, the belonging feeling to the place they live in. This is positive, since it could help in the building of a new touristic experience in the region, based on effective participation of all who are involved in the developing and implementation process of an appropriate touristic plan that respect the local communities. RESUMO O Reservatório dos Rios Jaguary/Jacareí, localizado na Região Bragantina, está integrado na Área de Proteção Ambiental do Sistema Cantareira. Esta região vem passando por várias transformações que têm gerado diversos problemas socioambientais, entre eles pode-se destacar a especulação imobiliária e a desarticulação da população local. Este trabalho buscou

3 compreender como os moradores antigos percebem a mudanças ocorridas na região, considerando esta análise como um forte instrumento para a elaboração de propostas para a área de estudos, na medida em que existe uma relação profunda na forma como os indivíduos percebem o ambiente no qual estão inseridos e mantêm suas relações sociais com suas atitudes e ações, que podem interferir positiva ou negativamente neste espaço. Para isso foram realizadas dezesseis entrevistas com moradores tradicionais do Bairro do Lopo, em Vargem e do Bairro da Serrinha, em Bragança Paulista. Por meio das análises das mudanças percebidas pelos entrevistados, pode-se concluir que os moradores tradicionais tanto no Bairro do Lopo como no Bairro da Serrinha têm mantido, mesmo com tantas transformações, um sentimento de pertencimento com o local em que vivem fato que pode colaborar para o início de uma nova experiência turística na região, baseada na participação efetivada de todos os envolvidos na elaboração e implementação de um planejamento turístico adequado que respeite as comunidades locais. INTRODUÇÃO A área de estudo escolhida para este trabalho é entorno do Reservatório dos Rios Jaguary/ Jacareí que está inserido na Área de Proteção Ambiental do Sistema Cantareira. Este reservatório é o maior contribuinte do Sistema Cantareira, assim as diferentes alterações que este venha a sofrer irão se refletir no Sistema como um todo e no abastecimento de água das Regiões Metropolitanas de São Paulo e Campinas. A região apresenta uma problemática ambiental singular, centrada na conservação de recursos hídricos, pois possui áreas de nascentes e pontos de captação de importância regional e apesar de sua proximidade com a Região

4 Metropolitana de São Paulo, ainda encontram-se remanescentes significativos de Mata Atlântica. Foi esta preocupação que levou o governo do estado a designar a região como Área de Proteção Ambiental. Para Hoeffel et al. (2005) apesar de tal medida ter propósitos altamente justificáveis do ponto de vista da conservação, para as comunidades locais determinou restrições econômicas significativas, como por exemplo, em relação ao uso da terra e de práticas agrícolas que se tornaram desafios a serem resolvidos. A duplicação das rodovias Dom Pedro I e Fernão Dias podem ser considerada um agravante para esta situação já que tem determinado um acréscimo significativo de visitantes, aumentando ainda mais as ameaças ao ecossistema local. Estes fatores têm colaborado, junto com as dificuldades econômicas vividas pelos moradores locais, para um processo que se caracteriza pela venda das propriedades dos proprietários rurais para especuladores imobiliários e turistas de fim de semana, o que tem causado um aumento considerável dos danos ambientais, já que os novos moradores não têm ligação direta com a terra e acabam causando impactos irreversíveis (Hoeffel et al. 2005). Este não pertencimento com o lugar, ou como apontado por Machado (1996) esta relação com a paisagem de forma não-vivida, pode ser observada não só entre os novos moradores, mas entre os turistas que fazem diferentes usos o local. Neste sentido Tuan (1980, p.74) mostra que a avaliação do meio ambiente pelo visitante é essencialmente estética. É a visão de um estranho. O estranho julga pela aparência, por algum critério formal de beleza.

5 Costa (2002) reforça esta visão e a direciona especialmente as áreas protegidas quando diz que a riqueza ambiental existentes nestas localidades vem despertando casa vez mais o interesse não só de pesquisadores, mas também de curiosos, estudantes, aventureiros e contempladores. Embora estas questões sejam preocupantes e venham determinando a construção de uma nova realidade para a área de estudo, vê-se que o incentivo a uma ocupação sem planejamento e sem participação popular é o enfoque dado para o desenvolvimento do turismo na região. Esta perspectiva considera especialmente os benefícios econômicos potencialmente gerados pela atividade turística e os interesses dos turistas, marginalizando as percepções das comunidades sobre esta questão. No entanto, ao considerar somente os interesses econômicos e os anseios dos turistas a área de estudo pode vir a gerar futuramente não-lugares, negando as características sociais, culturais, ambientais e históricas do local, nesse caso o turista viaja falsamente, sem sair do seu lugar, quase nada acrescentando à sua experiência pessoal (Rodrigues, 1997; Barbosa, 2001). Esta nova concepção do Reservatório dos Rios Jaguary/ Jacareí como um não-lugar, embora ainda não tenha se concretizado, caminha a passos largos. Este processo pode ser observado no apelo das propagandas elaboradas por diversos empreendedores espalhados pela região, onde frases do tipo Venha para o paraíso ou Fuga do estresse procuram descrever os loteamentos, condomínios, pousadas, marinas, entre outros, como o lugar dos sonhos como paraíso. Nota-se um apelo ao imaginário humano que direcionase a natureza do turismo contemporâneo em que estão envolvidos o sonho e o

6 desejo de novas experiências diferentes daquelas da vida cotidiana, uma fuga (Krippendorf, 2000; Urry, 1996). Também pode-se analisar esta questão, considerando o desejo antagônico de se sentir próximo de algo ou de algum lugar, na medida em que o turista ao procurar estes espaços de sonhos tenta transformar sua experiência em algo familiar, conhecido, que possa estar entrelaçado à sua rotina. Só que neste processo, por trazer consigo o estilo de vida diário, hábitos, exigências e comportamentos, os turistas estão na verdade longe no local que visitam, pois pouco conhecem as características locais e desta forma, não podem se integrar realmente com a localidade e com seus moradores. Diferente dos turistas as populações mais antigas que residem na área de estudo têm pelo local onde moram um sentimento de pertencimento vinculado ao enraizamento com o espaço e ao sentimento de inserção num todo, não apenas na dimensão concreta, mas também abstrata e objetiva (Lestinge, 2004). Pode-se dizer ainda, que estas comunidades têm uma relação com a paisagem de uma forma vivida como proposto por Machado (1996) onde as pessoas nascem, crescem, se locomovem e se orientam, tocam, cheiram, ouvem e sentem, gostam e desgostam, passam toda a sua vida. Estes sentimentos e valores podem ser atribuídos às características sócio-culturais das populações antigas remanescentes no entorno do Reservatório dos Rios Jaguary/ Jacareí, quem têm passado por profundas mudanças. Neste sentido, tornam-se muito relevantes estudos baseados nas percepções dos moradores locais para compreender melhor como tem de dado este processo.

7 Neste contexto, este trabalho busca compreender como os moradores antigos percebem a mudanças ocorridas a região, considerando esta análise como um forte instrumento para a elaboração de propostas para a área de estudos, na medida em que existe uma relação profunda na forma como os indivíduos percebem o ambiente no qual estão inseridos e mantêm suas relações sociais com suas atitudes e ações, que podem interferir positiva ou negativamente neste espaço. METODOLOGIA A técnica de observação simples (Richardson, 1999) foi escolhida para este trabalho como análise exploratória inicial procurando identificar moradores antigos com trinta ou mais anos de moradia na área de estudo. O levantamento das percepções foi realizado por meio da utilização da técnica de entrevista semi-estruturada proposta por Laville & Dionne (1999) composta por uma série de perguntas abertas, feitas verbalmente com a possibilidade de o entrevistador acrescentar mais perguntas de esclarecimento. Os principais aspectos abordados no roteiro de entrevistas foram as mudanças ocorridas na comunidade com relação ao fomento do turismo. As entrevistas ocorreram nas áreas núcleo: Bairro do Lopo no município de Vargem, São Paulo e Bairro da Serrinha em Bragança Paulista, São Paulo. A escolha destas áreas núcleo deve-se a sua significativa representatividade com relação aos aspectos sociais, ambientais, históricos e econômicos de todos os municípios (Bragança Paulista, Vargem, Joanópolis e Piracaia) localizados no entorno do Reservatório Jaguary/ Jacareí.

8 RESULTADOS E DISCUSSÃO O levantamento realizado com dezesseis moradores antigos residentes a mais de 30 anos no Bairro do Lopo e no Bairro da Serrinha verificou como os fenômenos de mudança socioambiental foram registrados pelos entrevistados e como os diferentes usos turísticos têm afetado o modo de vida da comunidade. De acordo com a percepção dos entrevistados, houve uma grande transformação com relação às relações de trabalho que eram baseadas na ajuda mútua, na forma de mutirão e passaram para uma relação de parceria e em seguida de trabalho assalariado. As relações de trabalho estão diretamente ligadas à sociabilidade dos moradores assim, o mutirão como uma forma de troca de dias de serviço e outras formas de auxílio mútuo se tornava uma maneira de congregar os habitantes do bairro. Já a acentuada substituição das formas desinteressadas pelas que envolvem retribuição como o sistema de parceria, onde o proprietário sede a terra e em troca fica com parte da produção, e a instituição do trabalho assalariado vem fazendo com que as os moradores tenham uma relação social cada vez mais distanciada (Queiroz, 1973; Cadido, 2001). Nos Bairros do Lopo e da Serrinha os proprietários que adquirem pequenas propriedades para construção de casas de veraneio, são os responsáveis pela nova relação de trabalho, onde antigos camponeses/ lavradores passam a trabalhar principalmente como caseiros. A aquisição dessas propriedades direciona para outra mudança percebida pelos entrevistados, o valor da terra. As terras agricultáveis que restaram após o alagamento para a construção do Reservatório dos Rios

9 Jaguary/ Jacareí foram sendo totalmente comercializadas em pequenas frações pelo mercado imobiliário, valorizando áreas para chácaras de lazer, e como conseqüência obrigando os moradores locais a deixar suas terras (Fadini, 2005; Hoeffel, 2005). Neste contexto cabe ressaltar que a fragmentação das terras é um processo que tende a ocorrer invariavelmente, no entanto pode acontecer de formas distintas. Em uma família que vive na área rural é bastante comum a família submeter-se às normas legais para efetuar o inventário e a sucessão e, num segundo momento, tomar uma série de decisões que, contornando ou adaptando as prescrições do código civil procuram poupar o patrimônio territorial de uma fragmentação excessiva. Em outras palavras, a fragmentação ocorre, mas num ritmo mais lento. No entanto esta prática de evitar a excessiva fragmentação da terra é prejudicada por poderosos mecanismos coercivos, como por exemplo, a especulação imobiliária na área de estudo, que acabam por submeter o morador da área rural às necessidades do capital (Moura, 1988). Esta situação possibilita visualizar uma transformação no valor da terra. O que antes possuía um valor de uso passa a ter também um valor de troca. Para Logan & Molotoch (1987) o valor de uso está associado à representação do lugar como uma residência ou local de produção e no valor de troca o local passa a ser uma mercadoria para comprar, vender ou alugar para outra pessoa. Essas mudanças nas relações de trabalho, na sociabilidade e no valor atribuído a terra têm gerado também, uma nova relação da comunidade local com o meio ambiente. Desta forma, deve-se considerar que a relação pessoal

10 do morador rural com o meio ambiente têm se perdido dentro da nova configuração da área de estudo, baseada no crescimento desordenado e sem controle do turismo. Esse desligamento com o meio ambiente pode trazer conseqüências diretas e negativas no que diz respeito à conservação da área, pois enquanto mantinham uma relação ser humano/ natureza mais próxima e inter-relacionada com seu cotidiano o termo conservação poderia não fazer parte do seu vocabulário, mas estava expresso no seu modo de vida e nas suas percepções (Gomez-Pompa & Kaus apud Diegues, 1997). Como forma de intensificação deste processo de desligamento pode-se acrescentar ainda o reajuste ou perda das tradições culturais dos moradores locais entrevistados, influenciados direta ou indiretamente pela introdução de novos costumes, crenças e valores trazidos pelas diversas atividades turísticas que vêm se desenvolvendo na região tais como: os excursionistas, os visitantes de que freqüentam as marianas e as pousadas, os escaladores e os turistas de segunda residência. Embora, os entrevistados mencionem na maioria das vezes que os turistas não influenciam seu modo de vida e seus costumes nota-se uma contradição nestas afirmações, principalmente no que se refere às mudanças descritas acima e relacionadas pelos próprios moradores com o fomento do turismo na área de estudos, principalmente após a construção do reservatório. Outra característica que reforça esta visão é que os entrevistados costumam chamar os turistas de segunda residência de doutores, de gente rica, demonstrando assim, que há uma estratificação social se acentuando na região. Os entrevistados mencionaram também fatos que acentuam esta

11 estratificação, como por exemplo, ao descreverem as relações de vizinhança no bairro. Para os moradores de um modo geral a convivência entre vizinhos continua a mesma, porque as antigas amizades se mantêm, mas dizem ao mesmo tempo, que não têm amizade com os moradores de segunda residência, somente relações comerciais, porque estes são ricos e estudados ao contrário dos entrevistados que são pessoas simples, caipiras. Um dos entrevistados chega a comentar ainda que quando convidado a visitar um turista em sua casa de veraneio costuma recusar o convite por vergonha e por saber onde é o seu lugar. Nesta perspectiva deve-se observar que na sociedade tradicional reinava certa indiferenciação social, ao lado da homogeneidade de cultura, e que ela vem se alterando principalmente pela emergência econômica e ecológica dos turistas pertencentes a uma classe social mais elevada. As condições subseqüentes desta nova realidade não apenas acentua a estratificação, como a diferenciação propriamente dita, mas dá lugar à formação de novos tipos humanos mais modestos (Candido, 2001). Embora, durante as entrevistas tenham surgido entre as percepções dos entrevistados várias mudanças no seu modo de vida atribuídas às atividades turísticas que ocorrem nos bairros, nota-se, também, a importância do prestígio associado às práticas de usos de caráter urbano. É interessante observar neste sentido, que o respeito às comunidades nativas é algo extremamente difícil de se realizar. Estas comunidades têm o direito a modernizar-se, e modificar seus padrões comportamentais, mas também têm o direito de manter e reproduzir seus valores tradicionais. Para

12 Mendonça (1996) essa é a diferença no desenvolvimento do turismo, que na maioria dos casos não têm possibilitado nestas comunidades a conservação dos seus valores culturais. O respeito à diversidade cultural, especialmente na área de estudo, é um fator essencial para a conservação do meio ambiente dentro da ótica no novo naturalismo proposto por Moscovici apud Diegues (1997), que propõe o respeito à diversidade cultural como base para a manutenção da diversidade biológica, uma nova aliança entre o ser humano e a natureza, e a necessidade da participação democrática da gestão dos espaços territoriais. CONCLUSÕES Por meio das análises das mudanças percebidas pelos entrevistados, pode-se concluir que os moradores antigos tanto no Bairro do Lopo como no Bairro da Serrinha têm mantido, mesmo com tantas transformações, um sentimento de pertencimento (Lestinge, 2004), de espaço vivido (Machado, 1988 e 1996) e de topofilia (Tuan, 1980). O sentimento de pertencimento na área de estudo está vinculado ao espaço territorial, ligado, portanto a realidade política, étnica, social e econômica, o que pode-se chamar de enraizamento; e também, compreendida a partir do sentimento de inserção, onde os entrevistados percebem-se como integrados a um todo maior, numa dimensão não apenas concreta, mas também abstrata e subjetiva (Lestinge, 2004). Soma-se ao sentimento de pertencimento dos moradores dos Bairros do Lopo e da Serrinha a percepção do local onde vivem como espaço vivido. Onde a paisagem também é um cenário em que as pessoas nascem, crescem,

13 se locomovem e se orientam, tocam, cheiram, ouvem e sentem, gostam e desgostam; enfim passam ali toda a sua vida. Assim, para os entrevistados o local onde vivem é a um só tempo, um meio, um ambiente, um sistema de relações e um espaço vivido (Machado, 1996). Além de terem um sentimento de pertencimento, de espaço vivido os moradores antigos apresentam também um elo afetivo com o lugar de história e vivência, a topofilia, tendo como elemento importante nesta relação à consciência do passado (Tuan, 1980). Observa-se também que ao mesmo que os moradores perceberam uma série de mudanças ocorridas no local em que moram, dentro de um período histórico marcado principalmente pela construção do Reservatório dos Rios Jaguary/Jacareí e posterior incremento do turismo, a comunidade local foi apenas uma espectadora passiva destas transformações. Esta reflexão demonstra que existe na região uma grande desarticulação das comunidades locais. Estabelece-se assim uma problemática ambiental na área de estudo que vai além de questões essencialmente biológicas ou de um modelo de desenvolvimento econômico predatório. Neste sentido deve-se considerar os valores culturais dos moradores locais e a implantação de um processo de planejamento turístico no Reservatório dos Rios Jaguary/ Jacareí que inclua um processo educativo, como um instrumento essencial na formação de cidadãos capazes de entender a complexidade dos problemas ambientais e de propor e executar soluções igualmente complexas para estas questões.

14 REFERÊNCIAS BIIBLIOGRÁFICAS Barbosa Y M. 2001. O despertar do turismo: um olhar crítico sobre os nãolugares. Aleph, São Paulo, Brasil: 102 p Candido A. 2001. Os parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira paulista e a transformação dos meios de vida. Duas Cidades, 34 ed, São Paulo, Brasil: 376p Costa PC. 2002. Unidades de Conservação: matéria-prima do ecoturismo. Aleph, São Paulo, Brasil: 164 p Diegues A C. 1997. As Áreas Naturais Protegidas, o turismo e as populações tradicionais. In: Serrano C & Bruhns HT (orgs). Viagens à natureza: turismo, cultua e ambiente. Papirus, Campinas, Brasil: 85-102 Fadini AAB. 2005. Sustentabilidade e identidade local: pauta para um planejamento ambiental participativos em sub-bacias hidrográficas da região Bragantina. Tese de Doutorado em Organização do Espaço do Instituto de Geociências e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Rio Claro, Brasil: 204 p Hoeffel JL, Machado MK & Fadini AAB. 2005. Múltiplos olhares, usos conflitantes: concepções ambientais e turismo na APA do Sistema Cantareira. OLAM Ciência e Tecnologia, 5: 119-145 Krippendorf J. 2000. Sociologia do turismo: para uma nova compreensão do lazer e das viagens. Aleph, São Paulo, Brasil:198 p Laville C & Dionne J. 1999. A construção do saber: manual de metodologia da pesquisa em ciências humanas. Artmed, UFMG, Porto Alegre, Belo Horizonte, Brasil: 340 p

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