Zen in Brazil: The Quest for Cosmopolitan Modernity

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Transcrição:

Ponto Urbe Revista do núcleo de antropologia urbana da USP 6 2010 Ponto Urbe 6 Zen in Brazil: The Quest for Cosmopolitan Modernity Sandra J Stoll Electronic version URL: http://pontourbe.revues.org/1596 DOI: 10.4000/pontourbe.1596 ISSN: 1981-3341 Publisher Núcleo de Antropologia Urbana da Universidade de São Paulo Electronic reference Sandra J Stoll, «Zen in Brazil: The Quest for Cosmopolitan Modernity», Ponto Urbe [Online], 6 2010, posto online no dia 01 Agosto 2014, consultado o 01 Outubro 2016. URL : http:// pontourbe.revues.org/1596 ; DOI : 10.4000/pontourbe.1596 This text was automatically generated on 1 octobre 2016. NAU

1 Zen in Brazil: The Quest for Cosmopolitan Modernity Sandra J Stoll REFERENCES ROCHA, Cristina Zen in Brazil. The quest for cosmopolitan modernity Honolulu, University of Hawai i Press 2006.256p.

2 1 Obscurecido nas estatísticas oficiais, na quais figura genericamente sob a rubrica religiões orientais ou outras religiões, o budismo tem encontrado na mídia (tanto impressa, quanto em filmes e sites da internet) um importante instrumento de produção de visibilidade social no Brasil. Nesta, um dos principais focos de atenção consiste no uso terapêutico de algumas de suas práticas rituais, em especial a meditação, tida como capaz de combater ou minimizar alguns dos males da vida moderna. 2 Essa ênfase marca, segundo os estudiosos do tema, o distanciamento de certas correntes contemporâneas em relação à tradição budista, prática pessoal e familiar associada ao culto aos antepassados. Cristina Rocha,em seu livro Zen in Brazil. The quest for cosmopolitan modernity chama atenção para o reducionismo dessa polarização, sugerindo, por meio de um estudo de caso seu foco é o zen-budismo a complexidade da dinâmica das relações envolvidas no processo de construção de identidades religiosas em situações de diáspora. 3 O Brasil, enquanto nódulo de um circuito internacional, que abarca, além do Japão, Estados Unidos e, secundariamente a Europa, tem lugar destacado no livro de Cristina Rocha como lócus etnográfico. É a partir deste ponto de fluxo que as rotas de circulação de pessoas, objetos, idéias, práticas rituais e tecnologia são apreendidas, sendo o objetivo apontar como operam as injunções entre fluxos globais e as formas locais de recepção, reprodução e reinterpretação do zen-budismo. A multiplicidade de escalas, constitutiva dessa abordagem, é construída simultaneamente na perspectiva temporal: combinando a estratégia etnográfica com a perspectiva histórica, a autora reconstitui através do relato de alguns eventos, episódios e da descrição de experiências pessoais e/ou familiares de alguns dos informantes como se deu a inserção do zen-budismo na sociedade brasileira e as reconfigurações produzidas nos últimos 100 anos. 4 A conflitiva recepção do zen-budismo no Brasil é o ponto de partida da discussão teórica, sendo opção da autora o uso dos conceitos indigenização e creolização, os quais segundo Cristina Rocha carregam, implicitamente, a idéia de conflito e negociação e,

3 também de agenciamento, como práticas inerentes a processos e situações de confronto cultural, perspectiva não contemplada por conceitos como sincretismo e hibridismo, de uso mais frequente nos estudos realizados no Brasil. 5 Originalmente utilizados para pensar relações de poder envolvidas no confronto cultural decorrente de processos de internacionalização, estes termos ganham um emprego mais alargado na medida em que a autora os utiliza não apenas para dar conta das injunções entre o global e o local, mas também para apreender como localmente são negociadas identidades religiosas diversas associadas ao zen-budismo. Identidades estas forjadas por meio de arranjos distintos, produzidos a partir das experiências religiosas e culturais de grupos diversos: os imigrantes japoneses, seus descendentes e brasileiros convertidos. 6 Tradição e modernidade se apresentam no contexto dessa discussão como categorias que assumem diferentes significados no processo de reconfiguração de identidades. Discussão que perde um pouco de sua vitalidade na medida em que a autora privilegia uma das configurações observadas, aquela em que modernidade se associa a cosmopolitismo. Esse imaginário zen é associado a práticas de distinção social de certos segmentos das classes médias, as quais parecem ter importância secundária no contexto mais complexo das relações que viabilizaram que o zen-budismo, religião originalmente associada a um enclave étnico, rompesse essa fronteira, assumindo distintas formas de expressão religiosa e inserção na sociedade brasileira. 7 Esta questão nos remete às condições de produção dos dados. O livro de Cristina Rocha é construído a partir de uma série de deslocamentos. Ela pesquisa no Brasil, em diferentes cidades (São Paulo, especialmente, mas também no Rio de Janeiro, Ouro Preto, Ibiraçu, no Espírito Santo e Porto Alegre) e, também, no Japão, onde residiu por alguns meses. Dessas experiências resultam condições distintas de produç ão de alteridade, visto que a autora ocupa nestes países, respectivamente, a condição de nativa e estrangeira. Estranhamento e familiaridade são experiências que variam, portanto, em grau e natureza, norteando diferentes condições de aproximação e distanciamento seja em relação à cultura japonesa, seja com relação às práticas do zen-budismo nos dois contextos. 8 É uma duplicidade que também vivencia o leitor brasileiro diante de seu texto: escrito em inglês, o livro se dirige especialmente a estrangeiros. É para estes que a autora escreve seguindo um itinerário histórico. A autora descreve basicamente dois movimentos de internacionalização do zen-budismo: o primeiro remete à sua entrada no Brasil, no final do século XIX, como decorrência de políticas de estímulo à entrada de mão-de-obra estrangeira em substituição à escrava, contexto em que a religião, assim como a língua, e outros elementos do habitus japonês são acionados como diacríticos de identidade étnica. O contexto da Segunda Guerra é, porém, o mais detalhado pois se trata do momento em que os imigrantes japoneses tiveram cerceadas as condições de reprodução de sua cultura no país como uma comunidade relativamente isolada. Já instalados em sua grande maioria em áreas urbanas, esses imigrantes foram obrigados a colocar seus filhos nas escolas brasileiras, o que dificultou a preservação do domínio da língua japonesa nas gerações que se sucederam. Normalmente oficiado em japonês, o zen-budismo tornou-se com o tempo uma religião dos mais velhos. Seus descendentes, em muitos casos, se tornaram católicos e/ou protestantes. O segundo movimento, mais recente, envolve rotas múltiplas de trânsito entre Brasil, Japão e Estados Unidos. No contexto dessa circulação novas correntes do zen-budismo surgidas na diáspora (em especial nos Estados Unidos) ingressam no Brasil, confrontando-se com correntes tradicionais (alimentadas por

4 mosteiros e escolas do Japão), situação em que de uma religião basicamente associada a um enclave étnico se produz o alargamento de sua inserção na sociedade brasileira. 9 Para o leitor brasileiro, essa primeira parte da história beira o lugar-comum. A leitura ganha interesse, porém, quando a pesquisa etnográfica entra em cena, trazendo uma série de dados sobre a contemporaneidade, isto é, como o zen-budismo se transforma numa prática de múltiplas vertentes, por meio das quais se reconfiguram suas relações, tanto no campo religioso como na comunidade de origem. 10 Esse segundo recorte temporal tem como marco os anos 90, período em que se observa a configuração de um ambiente de competição entre diferentes correntes/instituições preocupadas em difundir o zen-budismo no país. A globalização, contexto no qual esse novo cenário se consolida, promove a instituição de novas lideranças e dentre elas destacam-se brasileiros sem ascendência japonesa. Formados em escolas zen-budistas no Japão e/ou Estados Unidos, estes missionários brasileiros passam a atuar com ou em competição com missionários japoneses enviados ao Brasil para promover a propagação da doutrina. Atuando como mediadores em circuitos internacionais (Brasil-Japão e/ou Brasil- Estados Unidos), estes missionários brasileiros desempenham a função de mediação também no âmbito local, uma vez que tendo sido educados no exterior em japonês, eles se tornaram tradutores : especialistas bilíngues, falam japonês e português e têm trânsito nas duas culturas. Essa dupla posição de mediação lhes confere destaque no âmbito local, sendo estes tanto arautos da tradição, como da modernização da doutrina. É no contexto das disputas entre correntes diversas do zenbudismo atuantes no país que certas reconfigurações de identidade ganham relevância: refiro-me aqui aos descendentes de japoneses católicos, que retomam o contato com práticas budistas, assim como brasileiros sem ascendência japonesa que passam a buscar no zen-budismo novas formas de comprometimento religioso. 11 As distintas orientações de católicos de diferentes origens étnicas no universo zen-budista é um segundo aspecto salientado: enquanto para os nipo-brasileiros a aproximação ao zen-budismo implica incorporação de práticas associadas a tradições familiares em especial o cuidado dos altares domésticos e o culto aos antepassados, entre brasileiros sem ascendência japonesa a filiação ao zen-budismo (assim como a outras correntes do budismo) se concentra nas escolas e/ou correntes que privilegiam a prática da meditação. À disjunção das práticas se associam meios distintos de sua divulgação: entre os brasileiros sem ascendência japonesa o zen-budismo chega por meio de literatura, viagens internacionais e/ou participação de eventos que contam com a presença de personalidades de renome internacional desse meio. Já os descendentes de imigrantes japoneses, de 3ª e 4 ª e 5ª geração, geralmente assinalam como motivação para sua aproximação com o zen-budismo experiências de perda em geral, a morte de um familiar. Nestes casos a incorporação de práticas budistas é orientada pela matriz católica: uma vez realizada a missa de 7 dia, segue-se a cerimônia budista do 49 dia, período depois do qual o familiar se transforma em antepassado, sendo a partir objeto de culto no 3 ano etc... O cuidado do altar doméstico, transmitido entre gerações no interior das famílias de origem zen-budista, é outro fator que promove a aproximação dos descendentes de imigrantes japoneses do zen-budismo: a morte de um familiar (comumente os pais) implica na definição a quem se deve repassar essa obrigação. Em geral, as regras de transmissão e os cuidados diários são desconhecidos, o que faz da busca de orientação junto a algum monge mais um fator de aproximação do zen-budismo.

5 12 O mapeamento desses percursos religiosos das diferentes gerações dos descendentes de 13 imigrantes japoneses no Brasil e a interpretação das lógicas que orientam a reconfiguração de suas identidades no campo religioso é o aspecto mais interessante desta etnografia, constituindo, me parece, a principal contribuição do livro de Cristina Rocha. Esse foco, numa versão para brasileiros, mereceria mais espaço e maior ênfase. AUTHOR SANDRA J STOLL Universidade Federal do Paraná pt 31/07/2010