A pergunta na aprendizagem em Química: identificação de falhas conceituais na linguagem dos estudantes

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Transcrição:

A pergunta na aprendizagem em Química: identificação de falhas conceituais na linguagem dos estudantes The question on learning in chemistry: identification of conceptual flaws in the language of students Lorita Aparecida Veloso Galle PUCRS Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática loritaveloso@hotmail.com Juliana Grosze Nipper Carvalho PUCRS Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática junipper@gmail.com Marcus Eduardo Maciel Ribeiro PUCRS Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática profmarcus@yahoo.com.br Maurivan Güntzel Ramos PUCRS Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática mgramos@pucrs.br Resumo Esse trabalho relata uma investigação realizada com estudantes de escolas do Ensino Fundamental e Médio, tendo como questão central de pesquisa: Que falhas conceituais são identificadas nas perguntas dos estudantes em relação aos fenômenos observados na queima de uma vela? A investigação foi realizada com estudantes do 5º ano e do 9º ano do Ensino Fundamental e 3ª série do Ensino Médio, de quatro escolas, sendo duas da rede pública e duas da rede particular. As perguntas dos estudantes foram tratadas por meio da Análise Textual Discursiva. Os resultados contribuem no sentido de compreender as falhas conceituais mais evidentes nesses estágios de escolaridade, servindo como base para auxiliar o trabalho do professor em sala de aula. Palavras chave: perguntas dos estudantes, falhas conceituais, ensino de química, educação básica. Abstract This paper presents research conducted with students in the elementary and high teaching. The research intend identify gaps conceptual expressed from questions made by students themselves after the observation of the burning of a candle. The research was conducted with students in the 5th year and 9th year of Elementary School and 3rd grade of the High School, of two public schools and two private schools. The questions of the students were treated by means of Textual Discursive Ensino e aprendizagem de conceitos científicos 1

Analysis. The results may contribute to understand the conceptual failures more evident in these series, serving as the basis to assist the work of the teacher in the classroom. Key words: student s questions, conceptual flaws, chemical education, basic education. Introdução As perguntas dos estudantes, no espaço da sala de aula, representam um meio importante para que o professor possa compreender e avaliar os conhecimentos dos estudantes, o interesse deles em relação aos conteúdos e, ainda, possíveis falhas conceituais no seu modo de interpretar a realidade. As perguntas dos estudantes são base para a pesquisa em sala de aula, que consiste na promoção do questionamento dialógico e reconstrutivo, na reconstrução de argumentos e na comunicação dos conhecimentos emergentes (MORAES; GALIAZZI; RAMOS, 2004). Nessa perspectiva, na investigação descrita neste trabalho, buscou-se construir respostas à seguinte questão: Que falhas conceituais são identificadas nas perguntas dos estudantes em relação aos fenômenos observados na queima de uma vela? Assim, o foco da investigação realizada é a manifestação de fragilidades conceituais percebidas nas perguntas de estudantes sobre a combustão da vela em três diferentes estágios de escolaridade. A investigação é parte de um amplo trabalho de pesquisa 1, envolvendo ensino e aprendizagem de conceitos científicos. Constituíram o grupo de sujeitos dessa pesquisa, estudantes do 5º ano e 9º ano do Ensino Fundamental e 3ª série do Ensino Médio, de escolas da rede pública e particular de Caxias do Sul, Porto Alegre e Três Coroas, Rio Grande do Sul, Brasil. Esses estudantes observaram a queima de uma vela em uma de suas aulas. Após a observação, solicitou-se que apresentassem três perguntas sobre o que gostariam de aprender sobre esse fenômeno. O material coletado foi analisado por meio de Análise Textual Discursiva - ATD (MORAES; GALIAZZI, 2007). Fundamentação teórica A investigação teve como principal apoio metodológico o Educar pela Pesquisa. Por meio do Educar pela Pesquisa, consegue-se desenvolver o pensamento crítico e criativo como competência humana de modo reconstrutivo. O critério diferencial da pesquisa é o questionamento reconstrutivo, que envolve teoria e prática, qualidade formal e política, inovação e ética. (DEMO, 2007). Para fazer pesquisa, é necessário construir e reconstruir esse conhecimento permanentemente, e transformar a sala de aula em espaço de pesquisa é assumir que o conhecimento e a verdade estão em constante movimento de reconstrução. (MORAES, 2007). Assim, para pesquisar é necessário questionar. Isso é enfatizado por Freire quando afirma: Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade. (FREIRE, 2002, p. 32). 1 A pesquisa mais ampla tem como objetivo central compreender a evolução do conhecimento expresso em perguntas de estudantes sobre os fenômenos da queima de uma vela, em diferentes estágios de escolaridade. Foi realizada no âmbito do Grupo de Pesquisa Educação Química, vinculado ao LAPEQ Laboratório de Pesquisas em Educação Química, da Faculdade de Química e do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática, da Faculdade de Física da PUCRS. Ensino e aprendizagem de conceitos científicos 2

A pergunta no espaço da sala de aula, constitui-se em elemento importante para o processo de ensino e aprendizagem, possibilitando ao professor organizar as atividades de forma mais produtiva, compreendendo as interpretações dos estudantes acerca do real e dos conceitos científicos sobre determinado assunto, identificando seus interesses e as fragilidades conceituais. O termo perguntar, etimologicamente significa "inquirir, interrogar, questionar, sondar [...]" (MACHADO, 1997, p. 344). Culturalmente, no espaço da sala de aula, a pergunta pertence ao professor (RAMOS, 2008), restringindo ou limitando a participação dos estudantes. Nessa perspectiva, a pergunta parte do interesse do professor e não do interesse do estudante, tornando o questionamento algo descontextualizado da realidade do estudante e revelando, dessa forma, o professor como o detentor do conhecimento, aquele que determina as perguntas e as noções de maior relevância para serem aprendidas em sala de aula, noções essas que, muitas vezes, representam as organizações impostas pelo material didático disponível (ibid.) ou de conteúdos previamente determinados para aquele componente curricular e ano. Além disso, possivelmente, o desinteresse de muitos estudantes em aprender pode ter a sua origem no fato de o ensino estar dissociado do que gostariam de conhecer ou das respostas que gostariam de obter, conforme afirmam Pozo e Echeverria (1994, p. 6): Por desgraça, nas aulas é habitual que o aluno se vê submetido a uma avalanche de respostas definitivas a questões que nunca lhes tinham inquietado e sobre as quais nem sequer chegou realmente a perguntar-se.. Esse pensamento é corroborado por Antonio Faundez, quando, em diálogo com Paulo Freire, afirma: [...] o que o professor deveria ensinar porque ele próprio deveria sabê-lo seria, antes de tudo, ensinar a perguntar. Porque o início do conhecimento, repito, é perguntar. E somente a partir de perguntas é que se deve sair em busca de respostas, e não o contrário; estabelecer as respostas, com o que todo o saber fica justamente nisso, já está dado, é um absoluto, não cede lugar à curiosidade nem a elementos para descobrir. (FREIRE E FAUNDEZ, 1985, p.46). Para Freire e Faundez (ibid), durante o processo de buscar informações que contribuem para responder a essas perguntas, outras perguntas fundamentais podem emergir na constituição de um corpo coerente, lógico, rigoroso, que deve ser a tese. Assim, é possível desenvolver o questionamento reconstrutivo nos estudantes, estimular a sua curiosidade e despertar o interesse pela busca de respostas a outras perguntas que irão brotar desse processo. Ao trabalhar com a pergunta dos estudantes, levam-se em consideração os conhecimentos existentes dos alunos e, com isso, é possível que haja alguns conceitos equivocados. Tais fragilidades conceituais são derivadas em grande parte pelo fato de os estudantes limitarem-se a memorizar ou reproduzir esses conceitos, sem que haja a sua compreensão, o que exige um trabalho que supere a mera memorização e reprodução (POZO; CRESPO, 2009). Os autores também assinalam que é comum os estudantes apresentarem resistência em realizar a superação de conceitos que já trazem de suas vivências particulares. Sobre isso, Bachelard entende que essas resistências são obstáculos epistemológicos (LOPES, 1996, p.262), que representam conhecimentos não questionados que se cristalizam durante a jornada escolar do estudante e o impedem de avançar no processo de construção de um novo conhecimento. A linguagem expressa nas perguntas formuladas pelos estudantes pode apresentar fragilidades conceituais, que persistiram, mesmo após esses temas terem sidos trabalhados pelos professores em sala de aula. Tais fragilidades podem ser consideradas como ponto de partida para novas aprendizagens, subsidiando o trabalho do professor. Ensino e aprendizagem de conceitos científicos 3

Da análise criteriosa das falhas conceituais que podem emergir nas perguntas dos estudantes sobre um determinado tema, o professor pode encontrar matéria-prima para elaborar um trabalho, permitindo a sua superação por meio de atividades que possibilitem construir de forma uma rede significativa de conceitos. Nessa perspectiva, esta pesquisa se propôs a investigar possíveis falhas conceituais na linguagem expressa nas perguntas dos estudantes. Procedimentos Metodológicos A investigação se inseriu no contexto da participação ativa do pesquisador em turmas de estudantes de 5º e 9º anos do Ensino Fundamental, e do 3º ano do Ensino Médio em escolas de Porto Alegre e do interior do Estado do Rio Grande do Sul. Alguns dos participantes do grupo de pesquisa que promove essa investigação são professores nas escolas nas quais ocorreu a investigação. Inicialmente, os estudantes observaram a queima de uma vela e, em seguida, escreveram três perguntas cada um a respeito do interesse ou de dúvidas que pudessem ter em relação ao processo observado, mostrando também interesses sobre o que gostariam de aprender. As perguntas foram analisadas por meio da Análise Textual Discursiva (MORAES e GALIAZZI, 2007). Segundo Ribeiro e Ramos (2014), Nesse modo de tratamento analítico, selecionam-se os textos que constituem o corpus de análise (organização do material a ser analisado). A seguir, codificam-se e fragmentam-se os textos em unidades de significado (unitarização); na sequência, para cada unidade de significado identifica-se o seu sentido e escreve-se um título, interpretando assim a unidade; após, reúnem as unidades com significados semelhantes em categorias em um processo de emergência (categorias emergentes); por fim, com base no conteúdo de cada categoria, redigem-se textos descritivointerpretativos (metatextos). (RIBEIRO; RAMOS, 2014). A coleta de dados foi realizada nestas escolas pela facilidade de acesso dos pesquisadores. As séries foram escolhidas por contemplarem estudantes de faixas etárias distintas uma da outra, pois as formas de compreensão dos estudantes são diferentes. No total foram coletadas aproximadamente 1100 perguntas de um total de 523 estudantes. Neste processo foram analisadas todas as perguntas e apenas 44 apresentaram alguma falha conceitual. Para a análise das perguntas foi preservada a identidade dos sujeitos e das escolas que participaram desta investigação. Principais resultados da pesquisa A partir da análise das perguntas dos sujeitos, foram identificadas 44 questões que apresentaram alguma falha conceitual. Após análise, emergiram três categorias principais, a saber: Conceitos relacionados à constituição da vela, com 23 perguntas; Conceitos relacionados às substâncias envolvidas, com 13 perguntas; e Conceitos relacionados aos fenômenos físico-químicos presentes no processo, com oito perguntas. Conceitos relacionados à constituição da vela Essa categoria apresentou perguntas com falhas conceituais que poderiam ser interpretadas sob alguns aspectos diferentes. Em relação à composição química da vela foram encontradas 17 perguntas que demonstravam equívocos dos estudantes. A falha mais comum nas manifestações consiste na confusão envolvendo os conceitos de parafina e cera. Vários Ensino e aprendizagem de conceitos científicos 4

sujeitos fizeram perguntas no sentido de buscar esclarecimento sobre a participação das substâncias no fenômeno da combustão. Um exemplo é a pergunta 2 por que a cera da vela derrete em vez de queimar?. Nessa pergunta fica clara a dificuldade do estudante em identificar, em primeiro lugar, qual a composição da vela e, também, em compreender os fenômenos físico-químicos que se sucedem no processo de queima da vela, pois o modelo construído pelo estudante é de que a cera (ou parafina) apenas derrete (ou funde) e quem queima é o pavio. Outra pergunta reveladora da dificuldade na compreensão de conceitos científicos é Do que é feita a cera, para fazer com que ela não suma?. Nessa categoria também aparecem perguntas que fazem aproximações com outras categorias. Perguntas que mostram confusão entre queimar e derreter também foram encontradas. Nessa mesma categoria também foram identificadas perguntas que apresentavam falhas em relação à participação do pavio durante o processo de queima da vela. Determinadas questões abordam as dúvidas em relação à composição química do pavio, como por exemplo, qual o composto do pavio que causa a combustão?, enquanto outras demonstram outros equívocos, como por que o pavio não se corrói totalmente antes da vela acabar?. Também são vistas nessa categoria algumas perguntas que trazem ideias de outras categorias, como por exemplo, em algum momento após a queima inicial do pavio o fogo transmite mais energia?. Nesta questão, podem-se observar falhas nos conceitos de combustão e energia. Portanto, percebe-se que os modelos construídos pelos estudantes nas perguntas contendo falhas conceituais sobre a combustão da vela, especificamente na categoria Conceitos relacionados à constituição da vela, ficam restritos às aparências, ou seja, o que é observado no campo macroscópico tende a ser utilizado para dar conta da explicação do fenômeno em si e que pode conduzir a conhecimentos equivocados. Conceitos relacionados às substâncias envolvidas Na segunda categoria, estão contidas 13 perguntas que podem ser identificadas sobre diferentes abordagens. Identificam-se questões com falhas referentes ao modo de como a vela apaga, aos gases existentes na combustão, bem como se esses gases fazem parte da combustão. Há também dúvidas com relação à chama. Um sujeito perguntou, por exemplo, por que a vela não apaga com o ar, mas com o vento ela apaga?, enquanto outro questionou como acontece combustão nas células se não existe fogo?. Nessas manifestações percebem-se equívocos conceituais que remetem a um importante conhecimento já apropriado, embora apenas parcialmente: o processo de obtenção de energia a partir da respiração. Dessa forma, o estudante faz uma relação entre o processo observado a queima da vela e o fenômeno da respiração, usando para isso um fator que é a consequência desses fenômenos a energia liberada na forma de fogo e não a causa responsável pelo processo. Também nessa categoria pode ser encontrada uma questão que mostrou falha conceitual em relação aos conceitos de ligações químicas. Quatro sujeitos elaboraram uma mesma questão: Quais ligações são rompidas durante a combustão da vela?. Essa pergunta mostra que há compreensão sobre as modificações que acontecem nas substâncias durante todo o processo, mas também revela uma dificuldade na interpretação das modificações das ligações intramoleculares e intermoleculares. A pergunta mostra ainda a dificuldade no entendimento de que o processo não consiste apenas de uma combustão, mas que envolvem processos físicos anteriores. 2 As perguntas feitas pelos sujeitos de pesquisa estão escritas em caracteres em itálico para diferenciarem-se das citações de autores. Ensino e aprendizagem de conceitos científicos 5

Conceitos relacionados aos fenômenos físico-químicos envolvidos no processo A terceira categoria envolve oito perguntas que foram analisadas sob três enfoques. Um grupo de cinco perguntas apresenta equívocos sobre os conceitos de fusão, uma mudança de estado físico, com queima, um processo químico. Perguntas como qual a fusão que faz queimar?, por que quando está queimando a vela libera o líquido? e qual o tipo de reação que acontece para solidificar a vela? são reveladoras dessa falha. Ainda com relação ao estado físico das substâncias envolvidas neste experimento, foram verificadas falhas conceituais em perguntas dos estudantes. Em especial em relação à ideia de mudança de estado físico da parafina. Questões que mostram esse equívoco são por que ela solta água? e por que maior parte da vela derrete e depois volta a seu estado sólido, e o pavio desaparece, não sobrando nem cinza?. Além de, mais uma vez, poder notar-se a confusão entre os fenômenos físicos e químicos envolvidos, também se nota aqui falha no conceito do processo de combustão. Uma última variante das questões dessa categoria mostra inadequação em relação aos conceitos de calor, energia e catálise, o que se pode observar na pergunta: Se o calor é energia, poderíamos catalisar a energia do calor para usufruirmos da mesma?. A série escolar na qual se encontram os estudantes também revela informações sobre seu conhecimento científico. Entre os estudantes do 5º ano, percebeu-se que somente três perguntas apresentaram falhas conceituais. Isso pode ser interpretado pelo fato desses estudantes manifestarem nas perguntas a sua curiosidade e o desejo de compreender o fenômeno, ao invés de fazerem afirmações utilizando uma linguagem científica que ainda não foi apropriada. Já entre os estudantes do 9º ano, encontraram-se 13 perguntas apresentando falhas conceituais. Essas falhas foram observadas em questões que envolviam conceitos relacionados à composição da vela e ao próprio fenômeno da combustão. Em relação às questões dos estudantes do 5º ano, essas perguntas revelam uma maior quantidade de conceitos científicos, mesmo que empregados, eventualmente, de forma incorreta. A maior incidência de falhas, além de revelar a dificuldade na compreensão desses conceitos, também indica uma maior quantidade de conceitos científicos já vivenciados pelos estudantes em sua vida escolar. Do total de 44 questões com falhas conceituais, a maior parte, 28 perguntas, foi encontrada em manifestações dos estudantes da última etapa da pesquisa, o 3º ano do Ensino Médio. Esses alunos apresentam considerável quantidade de informações sobre os assuntos de Química que se relacionam ao processo estudado. Mostram, porém, dificuldade na elaboração dessas informações, na tentativa de transformá-las em conhecimento científico. Assim, na tentativa de elaborar perguntas sobre o processo de queima da vela, esses estudantes fazem referências a conteúdos de Química que são ensinados em diferentes séries de sua escolaridade, porém que ainda não estão suficientemente constituídos. Considerações finais As perguntas elaboradas pelos estudantes revelam o conhecimento que já foi construído ao longo de sua trajetória escolar, mesmo que essa ainda esteja se iniciando. As perguntas também podem ser indicativas de distorções que acontecem ao longo do processo, resultando em uma aprendizagem inadequada do estudante, em geral, marcada pela interpretação equivocada das situações da realidade e dos fenômenos observados ou até em função do modo transmissivo de ensino escolar anterior que privilegia o acúmulo de dados, fatos e conceitos, sem a devida compreensão. Quando o estudante elabora uma pergunta, ele mostra seu real Ensino e aprendizagem de conceitos científicos 6

desejo ou interesse de aprender sobre o tema central que o professor pretende tratar. Também mostra, eventualmente, aquilo que ainda não conseguiu compreender adequadamente. Quando a pergunta revela uma falha conceitual, serve de referência para que o professor tome providências na tentativa de pensar em atividades que contribuam para corrigir essas questões. Mesmo assim, a não ocorrência de falhas não é um indicativo de que os estudantes compreenderam tudo o que foi ensinado, mas que simplesmente não perguntaram aquilo que ainda não sabem. Na investigação de que trata esse trabalho, o índice de questões elaboradas que mostravam falhas conceituais foi baixo, cerca 4%, tendo as quantidades de questões aumentado em função do aumento da escolaridade dos sujeitos. Isso pode ser explicado pela complexificação do conhecimento, que apresenta ao estudante novos conceitos e os aprofunda, ao longo dos conteúdos estudados. Recomenda-se a continuidade de pesquisas com vistas a compreender mais bem as falhas conceituais dos estudantes expressas em suas perguntas, que visem a subsidiar as reflexões do professor, fazendo-o avançar como pesquisador e contribuindo para a melhoria de sua prática docente em Química. Referências DEMO, P. Educar pela Pesquisa. 8.ed. Campinas: Autores Associados, 2007. FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 22.ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002. FREIRE, P.; FAUNDEZ, A. Por uma pedagogia da pergunta. 2.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. LOPES, A. R. C. Bachelard: o filósofo da desilusão. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, Florianópolis, v. 13, n. 3, p. 248-273, jan. 1996. ISSN 2175-7941. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/fisica/article/view/7049>. Acesso em: 28 set. 2015. MACHADO, J. P. Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa Quarto volume. Lisboa: Livros Horizonte, 1997, p. 344. MORAES, R.; GALIAZZI, M.C. Análise textual discursiva. Ijuí: Ed. Unijuí, 2007. MORAES, R., GALIAZZI, M.C., RAMOS, M. G. Pesquisa em sala de aula: fundamentos e pressupostos. In: MORAES, R.; LIMA, V. M. R. Pesquisa em sala de aula: tendências para a educação em novos tempos. 2.ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004. p. 9-24. MORAES, R. Participando de jogos de aprendizagem: a sala de aula com pesquisa. In: Anais do VII Seminário Escola e Pesquisa um encontro possível. Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, out. 2007. POZO, J. I.; CRESPO, M.A.G. A Aprendizagem e o Ensino de Ciências: do conhecimento cotidiano ao conhecimento científico. 5.ed. Porto Alegre: Artmed, 2009. POZO, J. I.; PÉREZ ECHEVERRIA, M. P. La solución de problemas. Madrid: Santillana, 1994. RAMOS, M. G. A importância da problematização no conhecer e no saber em Ciências. In: GALIAZZI, M. C. et. al. Aprender em rede na educação em Ciências. Ijuí: Editora da UNIJUÍ, 2008. Ensino e aprendizagem de conceitos científicos 7

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