A (RE) PRODUÇÃO DOS ESPAÇOS URBANOS E SUAS REPRESENTAÇÕES NOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO, SÃO PAULO UM ESTUDO DE CASO.

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Transcrição:

Autor: Paula Dagnone Malavski Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana (USP) Email: paula.malavski@usp.br A (RE) PRODUÇÃO DOS ESPAÇOS URBANOS E SUAS REPRESENTAÇÕES NOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO, SÃO PAULO UM ESTUDO DE CASO. Introdução Sobre história da cidade podemos afirmar que esta é tão antiga quanto à própria história das civilizações. Sob múltiplas e diversas mudanças (formas, paisagens, ritmos etc) as cidades sempre estiveram em transformação e, atualmente, dado os novos ritmos impostos pela globalização das informações e do capital surgem novas complexidades, cabendo a nós repensarmos quais são as atuais problemáticas urbanas e como administrar as cidades (sob o domínio do tecido urbano) e suas complexas relações. Uma das principais características a destacar sobre os atuais espaços urbanos é a sua tendência à homogeneização (pelos menos no plano das formas), à fragmentação (a crescente segregação socioespacial das classes sociais mais abastadas sob o apelo da violência urbana) e também à hierarquização (reforço ou criação de locais concentradores de poder e infra-estrutura). A partir de seu papel de mercadoria por meio da venda de suas vantagens locacionais para os interessados investidores, moradores e turistas, sejam eles nacionais ou estrangeiros, a cidade, com suas formas e conteúdos particulares estão subjugadas à especulação do mercado imobiliário e financeiro, e como mercadoria observa-se a produção de um jogo marketing sobre a imagem da cidade (city marketing) e a tentativa de criação consenso público sobre o destino dos vazios ou fragmentos de espaços obsoletos no espaço intra-urbano por meio de políticas públicas aliadas às classes sociais dirigentes. A venda das cidades, particularmente nos últimos anos, segundo David Harvey (1996) parece ter surgido de um consenso coletivo no mundo capitalista avançado e incorporado, como modelos pelos países periféricos do sistema, onde os resultados positivos a serem obtidos pelas cidades dependem de um comportamento agressivo de suas governanças em adotar o 1

planejamento estratégico empresarial em relação ao desenvolvimento econômico destas. Nestas novas empreitadas das municipalidades, a cidade, como produto histórico e social, passa por um processo de reificação (coisificação) (HARVEY, 1996) quando combinada com uma linguagem do marketing urbano, que vê o processo urbano mais como um aspecto ativo do que passivo do desenvolvimento político-econômico, ou seja, o processo de urbanização deixa de ser considerado como um processo social que ocorre no espaço e no tempo, o qual é resultante de uma complexidade de forças mobilizadas por diferentes sujeitos sociais em função de seus interesses, e esta, a cidade, passa a ser um objeto separado do seu processo de formação, passando, então a ser o objeto, a mercadoria atuante (uma forma) e não resultante (separada de seu conteúdo particular). Este processo de reificação das cidades, a cidade coisa e ativa tende a ter capacidade de atuação na consciência dos seus habitantes quanto à percepções, leituras simbólicas e aspirações para o espaço urbano, e assim, esta cidade concretiza-se a cidade associada à uma imagem à ser vendida para os potenciais investidores e também para seus habitantes, em contradição com o plano do vivido, do cotidiano. Segundo Otília Arantes (2002), a escolha racional das classes dirigentes, no poder local, pela venda da imagem simbólica das cidades, por meio de políticas públicas orientadas que negociam as imagens e objetos urbanos, o cenário mais típico deste processo vem a ser um movimento de volta à cidade, ao centro, o lócus da gênese urbana pro meio de projetos de requalificação urbana, já bem consolidado em algumas cidades norte-americanas e européias, e apontando como uma tendência aqui no Brasil. Objetivos Este artigo visa discutir brevemente como este novo paradigma de gerenciamento empresarial técnico-urbano e o marketing urbano e como estes tendem a interferir na reprodução do centro histórico, neste caso da cidade de São Paulo, como um estudo de caso, onde o papel da mídia televisiva, em especial da telenovela das dezenove horas Tempos Modernos (Rede Globo de Televisão) vende o centro histórico como uma mercadoria promovendo suas qualidades, suas disponibilidades, suas vantagens em consonância às atuais políticas públicas municipais e das intenções das classes dirigentes locais (sobretudo a Associação Viva o Centro). 2

A telenovela Tempos Modernos difunde globalmente, e em grande velocidade, o espaço central e histórico paulistano no mercado nacional, quiçá mundial, proporcionando uma leitura hegemônica deste espaço e orientando a opinião dos próprios cidadãos paulistanos quanto ao destino deste espaço e sua população local. Portanto, cabe pensar contraditoriamente o centro histórico de São Paulo, com sua historicidade, e sua venda como um discurso a partir de interesses da municipalidade e de agentes hegemônicos locais, pois, este lugaré, antes de tudo, produto de relações sociais, e seu espaço produzido é indissociável do modo de vida de sua população. Metodologias Para uma melhor compreensão da produção atual do centro histórico paulistano cabe destacar o processo, como tendência, de (re)valorização da área submetidas aos projetos municipais: Nova Luz, Praça da Sé, Praça da República, Praça Roosevelt e Rua 25 de Março. O poder público local busca captar novos tipos de empreendimentos comerciais e imobiliários por meio da requalificação do centro (para enobrecer este espaço e arrecadar mais impostos) tentando o consenso público que este espaço se encontra atualmente degradado e cabe ao Estado e seus aliados revitalizar (trazer uma nova vida) para estas áreas, cabendo à telenovela a reforçar e legitimar este discurso ideológico. Para os agentes privados do mercado imobiliário urbano esta é uma oportunidade de um investimento alternativo ao circuito de produção e acumulação do capital excedente em diferentes escalas (HARVEY, 2009). Outro setor de realização do capital no espaço central e histórico paulistano é o mercado turístico e seu desenvolvimento na cidade. A capital paulistana é o lugar no Brasil que recebe o maior número de turistas, porém de uma atividade associada às atividades econômicas (chamado turismo de negócios ) as quais demandam e produzem novos espaços e equipamentos para sua realização, enfatizando a produção de uma grande infraestrutura hoteleira. Os projetos de revitalização da área central e histórica paulistana, em parceria com seus parceiros (as parcerias público-privada), visam captar estes fluxos turísticos de negócios que somente passam por São Paulo, transformando e recriando suas paisagens materiais em diferentes perspectivas, destacando a perspectiva simbólica atrelada ao apelo do patrimônio edificado veiculadas nos meios midiáticos, assim como a sofisticação de serviços culturais e comerciais. 3

Portanto, a intenção do poder público municipal e de seus parceiros, por meio do marketing urbano difundido na mídia televisiva, é criar um consenso público da necessidade de transformação do centro histórico de São Paulo, assim como de toda a cidade, idéia vendida pela telenovela Tempos Modernos. A publicidade da cidade paulistana é feita por meio de imagens e flashes captados, registrados, selecionados e transformados pelas lentes da câmara de vídeo, e, através destes flashes é cumprida a importante função dissimuladora para o público (ALVES, 1992). Esta telenovela Tempos Modernos apresenta o centro histórico paulistano, a partir de imagens selecionadas, de um modo fragmentado e seccionado, visando introduzir um modo de vida sob a ideologia das classes sociais dirigentes onde o destino certo a ser dado à este espaço público (incluindo a Galeria do Rock, espaço de encontro e solidariedade de diferentes grupos urbanos), assim propiciando e reforçando a formação de um senso comum do que vem a ser um espaço público ideal, um modo de vida na cidade pós-moderna, ou mesmo, do que é a boa cidade (com o aval do discurso técnico-burocrático) e de como vivê-la. Resultados preliminares A televisão e as telenovelas aproximam os lugares pro meio de imagens selecionadas globalizando-as, mas como representações de um tipo de cidade idealizada pela municipalidade e seus parceiros sem dar aos telespectadores uma noção totalizadora dos fatos e divulgando uma visão e um modo de vida urbano idealizados. Esta São Paulo vendida pela telenovela Tempos Modernos, título muito sugestivo do tipo de cidade e modo de vida pós-modernos a serem buscados pelos seus cidadãos brasileiros no mundo global, representa como a cidade global paulistana deve se adaptar para o mundo globalizado caracterizado pela circulação acelerada de fluxos, da velocidade, do ritmo urbano e o consumo visual, a partir de uma São Paulo pós-moderna e global. A autora Sharon Zukin (1996) descreve a paisagem urbana pós-moderna, de um lado, em termos de torres altas e polidas dotadas de virtuosismo técnico para conter uma imensa massa de trabalhadores de escritórios, turistas e consumidores em uma visão panorâmica do bazar da vida urbana, e estas imagens são as mais veiculadas na telenovela. 4

Exemplo de imagens veiculadas pela telenovela Tempos Modernos fonte: <http:// w w w.grupoaudienciadatv.w ordpress.com/.../>. Acesso em Junho de 2010. As imagens acima extraídas da internet, são todas imagens panorâmicas do centro da cidade de São Paulo veiculadas pela telenovela Tempos Modernas, representam a São Paulo que os agentes hegemônicos e a municipalidade querem buscar: uma cidade cosmopolita, o lugar de concentração de diversos fluxos suscetíveis de gerar movimento econômico. A ideologia a ser veiculada e vendida pela telenovela para a população é um mecanismo habitual atual do marketing urbano pelo poder público para adaptar (através de flashes e imagens selecionadas) o espaço urbano aos potenciais consumidores e convertê-lo em uma mercadoria pronta para ser comprada e utilizada. Neste sentido, a telenovela, ou seja, a mídia televisiva é a principal disseminadora em território nacional de um ideal de cidade, tendo São Paulo, a maior metrópole brasileira, o coração financeiro do Brasil, como exemplo a ser buscado pelo poder público e seus parceiros. Assim, a ideologia do Neodirigismo urbano, o qual vê a cidade como uma empresa que visa estrategicamente buscar cada vez mais riquezas (LEFEBVRE, 2004), é vendida como o modelo de gestão urbana ideal na transformação do espaço urbano por meio da intervenção dos especialistas e dos tecnocratas do capitalismo de Estado. Enfim, a veiculação de uma imagem idealizada do centro histórico paulistano pela telenovela Tempos Modernos reforça a projeção do Estado (planificação e ordenação do espaço por meio de políticas públicas, neste caso, a 5

revitalização do centro) e das classes sociais dirigentes a um consenso da necessidade de transformação deste espaço (concreto, produzido e vivido pelos moradores, pelos pequenos comerciantes e pelos moradores de rua, ou seja, de um lugar marcado pela pobreza) para se transformar em um espaço turístico e de serviços altamente especializados. Portanto, este artigo buscou apontar brevemente a importância do papel da telenovela Tempos Modernos (da mídia televisiva) para a consolidação do marketing urbano para a promoção e venda de um ideal de cidade moderna, onde o centro histórico paulistano é mostrado como um cenário de um embate entre o antigo e o nostálgico (população moradora tradicional, a Galeria do Rock e sua comunidade) com o moderno, o inevitável e ideal para a inserção da cidade e do país na pós-modernidade, destacando o uso desejável para esta área (alto comércio, a moradia de classes sociais mais abastadas, o uso cultural) prevendo um desfecho que este destino é inevitável e bom para o centro histórico paulistano, onde a retomada do centro e de seu patrimônio são representados como um exercício cívico e de desenvolvimento para a cidade. Por mais que o desfecho seja favorável para os personagens tradicionais da área (moradores, comerciantes, a Galeria do Rock fica dado que este é o inevitável e até mesmo melhor destino para esta área e cabe a esta população negociar sua saída de maneira pacífica, pois eles são o impasse de modernização da área. Portanto, a venda e a promoção do centro histórico paulistano pela mídia (meio de propagação do marketing urbano da atual gestão municipal e seus parceiros) visam escamotear e alienar o processo de produção deste lugar com suas contradições, onde o recorte intencional da paisagem urbana tende a mascarar o processo e a temporalidade da produção deste espaço, assim como de suas particularidades. Assim é negada a cidade que se reproduz constantemente por meio de suas relações sócio-culturais e cotidianas, não podendo ser definida apenas por sua materialidade, muito menos por sua imagem vendida, pois estas não são capazes de revelar sua complexidade e suas teias de relações sociais que a constitui. Referências bibliográficas 6

ALVES, Glória da Anunciação. Cidade, como Te Ver? Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo: São Paulo, 1992.. Paisagens metropolitanas. In: CARLOS, Ana Fani A; e OLIVEIRA, Ariovaldo U. de (org.). Geografias de São Paulo: a metrópole do século XXI, São Paulo: Contexto, 2004, pp. 285-303. ARANTES, Otília. Uma estratégia fatal. In ARANTES, O; VAINER, C e MARICATO, E. A cidade do pensamento único, 3 ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2002, pp.11-74. CARLOS, Ana Fani Alessandri. A (re)produção do espaço urbano. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008.. O consumo do espaço. In: CARLOS, A. (Org.) Novos caminhos da geografia. São Paulo: Contexto, 1999, p. 173-186. HARVEY, David. Do gerenciamento ao empresariamento: a transformação da administração urbana no capitalismo tardio. Revista Espaço e Debates, nº 39, 1996, p. 48-64. LEFEBVRE, Henri. A revolução urbana. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004. SITE DA PREFEITURA DE SÃO PAULO < http://centrosp.prefeitura.sp.gov.br/projetos>. Acesso em Junho de 2010. ZUKIN, Sharon. Paisagens urbanas pós-modernas: mapeando cultura e poder. Revista do Patrimônio, IPHAN, nº 24, 1996, pp.205-219. 7