Incertezas das estimativas espaciais do teor de matéria orgânica do solo Daniel De Bortoli Teixeira 1, Ismênia Ribeiro Oliveira 2, José Marques Júnior 3, Angélica Santos Rabelo de Souza Bahia 4 & Gener Tadeu Pereira 5 1 Doutorando em Agronomia, UNESP/Jaboticabal/Depto. de Solos e Adubos, Via de Acesso Prof. Paulo Donato Castellane s/n 14884-900 Jaboticabal - SP, daniel.dbt@hotmail.com 2 Doutoranda em Agronomia, UNESP/Jaboticabal/Depto. de Ciências Exatas, ismenia.ribeiro. oliveira@gmail.com 3 Professor adjunto, UNESP/Jaboticabal/Depto. de Solos e Adubos, marques@fcav.unesp.br 4 Doutoranda em Agronomia, UNESP/Jaboticabal/Depto. de Solos e Adubos, angelicasantosrabelo@yahoo.com.br 5 Professor adjunto, UNESP/Jaboticabal/Depto. de Ciências Exatas, genertp@fcav.unesp.br Resumo A identificação dos teores de matéria orgânica (MO) do solo pode contribuir para a determinação de áreas de manejo especifico. No entanto as estimativas espaciais conduzidas neste processo apresentam incertezas e estas devem ser consideradas no processo de tomada de decisão. Neste estudo objetivou-se avaliar a incerteza na predição da variabilidade espacial do teor de MO em Argissolo sob o cultivo de canade-açúcar, utilizando técnicas de simulações estocásticas e krigagem ordinária. Uma malha amostral regular contendo 626 pontos distanciados 50 m entre si foi estabelecida em área sob o cultivo de cana-deaçúcar. A quantificação das incertezas foi realizada utilizando as técnicas de krigagem ordinaria (KO), e simulação sequencial gaussiana (SSG) e indicatriz (SSI), por meio da contabilização de 200 realizações em cada procedimento estocástico. Modelos esféricos foram ajustados aos variogramas utilizados na SSG e SSI. De forma geral as técnicas de simulações estocásticas (SSG e SSI) possibilitaram a identificação e a avaliação das incertezas presentes nos procedimentos de interpolação da MO, sendo que as maiores incertezas estiveram associadas aos maiores valores estimados. Palavras-chave: simulação sequencial gaussiana; simulação sequencial indicatriz; krigagem ordinária. Uncertainties of spatial estimates of soil organic matter content Abstract - The identification of soil organic matter content (OM) may contribute to the determination of specific management areas. However spatial estimates have uncertainties and these should be considered in the decision-making process. This study aimed to evaluate the uncertainty in predicting the spatial variability of OM in Ultisol under sugarcane area, using techniques of stochastic simulations and ordinary kriging (OK). A regular sampling grid containing 626 points spaced 50 m apart was established in the area under sugarcane cultivation. The quantification of uncertainties was performed using techniques of OK, sequential Gaussian simulation (SGS) and sequential indicator simulation (SIS), by accounting for 200 stochastic realizations in each procedure. Spherical model were fitted to variograms used in SGS and SIS. Generally the techniques of stochastic simulations (SGS and SIS) enabled the identification and evaluation of the uncertainties present in the OM interpolation procedures, with the largest uncertainties were related to higher estimates. Key words: sequential gaussian simulation; sequential indicator simulation; ordinary kriging. Introdução Os teores de matéria organica (MO) do solo são considerados indicadores de qualidade do solo, uma vez que estes apresentam relação direta com a agregação, fertilidade, emissão de CO 2 entre outros processos. No entanto, como muitas outras propriedades do solo a MO apresenta grande variabilidade no espaço, o que dificulta seus processos de estimativa. Embora inúmeros trabalhos utilizem de técnicas que promovam a identificação dos padrões espaciais de distribuição da MO (SANCHEZ et al., 2005; SOUZA et al., 2009), poucos trabalhos concentram-se na quantificação dos possíveis erros associados a estas estimativas (TEIXEIRA et al., 2012). Análises geoestatísticas têm sido utilizadas para a descrição da variabilidade espacial das propriedades do solo fornecendo, por meio de técnicas como a krigagem ordinária (KO) e simulações estocásticas III Simpósio de Geoestatística em Ciências Agrárias 1
(simulação Gaussiana - SSG e indicatriz - SSI), estimativas de valores em regiões não amostradas da área em estudo. Embora tais métodos produzam valores interpolados, ambos são considerados distintos procedimentos e apresentam objetivos e resultados diferentes. A KO objetiva fornecer a melhor, e portanto, a única estimativa de uma variável no local não amostrado, enquanto o objetivo da SSG é fornecer valores que reproduzam as características e o comportamento dos dados de origem (BASARIR et al., 2010). Outra importante particularidade da SSG é a avaliação das incertezas associadas às predições, realizada pela contabilização de múltiplas realizações estocásticas equiprováveis (TEIXEIRA et al, 2012). Diante da necessidade da quantificação dos erros e incertezas presentes nos processos de estimativa espacial, objetivou-se, com este trabalho, avaliar a incerteza na predição da variabilidade espacial do teor de MO em Argissolo sob o cultivo de cana-de-açúcar, utilizando técnicas de simulações estocásticas e krigagem ordinária. Material e Métodos A área de estudo localiza-se no município de Tabapuã, estado de São Paulo, nas coordenadas geográficas 21 o 05'57" latitude Sul e 49 o 01'03" longitude Oeste, com altitude média de 500 m. O clima da região, segundo a classificação de Köppen, é do tipo mesotérmico com inverno seco (Cwa), com precipitação pluvial média anual de 1.200 mm e chuvas concentradas no período de novembro a fevereiro. O solo foi classificado como Argissolo Vermelho-Amarelo eutrófico textura média/argilosa (EMBRAPA, 2006). O perfil e a forma do terreno foram classificados de acordo com o critério proposto por Troeh (1965), sendo identificadas duas pedoformas: côncava e convexa (SANCHEZ et al., 2012) (Figura 1a). A área utilizada contempla 200 hectares de cultivo de cana-de-açúcar sob o sistema de colheita pós-queimada, com um histórico de mais de 20 anos sob esta mesma cultura e manejo. Nesta área, foram retiradas amostras de solo na profundidade de 0 0,20 m em uma malha regular contendo 626 pontos espaçados 50 m entre si. Nestas amostras o teor de matéria orgânica (MO) foi determinado pelo método dicromato de potássio em meio sulfúrico (EMBRAPA, 1997) (Figura 1b). Figura 1. a) Malha amostral contendo 626 pontos. b) Distribuição dos teores medidos de matéria orgânica. A variabilidade da MO foi descrita por meio da geoestatística, utilizando-se a modelagem do variograma experimental (VIEIRA, 2000), que tem como base a teoria das variáveis regionalizadas e pode ser estimado por: N h 1 2 h Z x i Z xi h (1) 2N h i 1 em que: N(h) é o número de pares experimentais de observações Z(x i ) e Z(x i +h), separados por um vetor h. A escolha do melhor modelo ajustado ao variograma, baseou-se na soma do quadrado dos resíduos (SQR) e no coeficiente de determinação (R 2 ) obtidos no ajuste do modelo. Na SSI, o estimador da krigagem indicatriz (KI) é usado para modelar as fdac em cada ponto não amostrado (GOOVAERTS, 2001). Para o procedimentos foram seguidas as seguintes etapas: 1. discretização dos valores dos dados em (K+1) classes usando K valores de corte (z k ); 2. Transformação de cada valor observado em um vetor de indicatrizes (0 ou 1); 3. Cálculo e modelagem dos K variogramas indicadores, de acordo com os valores de corte z k ; 4. Estabelecimento de um caminho aleatório passando por todos os pontos a serem simulados; 5. Em cada ponto a ser simulado foram determinados a função de distribuição acumulada (fdac) e posteriormente, utilizando a fdac construida, foram selecionados III Simpósio de Geoestatística em Ciências Agrárias 2
aleatoriamente os valores de cada local a ser simulado; 6. Após a seleção outro ponto não amostardo é visitado e as etapas de de 4 a 5 são repetidas. Para obter várias realizações, o processo sequencial é repetido com diferentes caminhos aleatórios. Neste estudo os valores de corte utilizados correspondem ao percentis 0,2; 0,4; 0,6; 0,8. O procedimento de SSG distingue-se da SSI nas seguintes etapas: 1. Os dados são primeiramente normalizados (média e variância iguais a 0 e 1, respectivamente). 2. Apenas um único variograma é utilizado no procedimento. 3. Após a determinação dos valores simulados em todos os pontos realiza-se a transformação de volta para os valores originais. Para este estudo foram conduzidas 200 realizações em cada método avaliado. Estas 200 realizações foram utilizadas para o calculo pontual dos desvios padrão das estimativas, representando a quantificação da incerteza local dos métodos avaliados. Todos os procedimentos geoestatísticos foram realizados utilizando o software GSLib (DEUTSCH; JOURNEL, 1998) Resultados e Discussão Modelos esféricos foram ajustados aos variogramas utilizados nas estimativas por meio da SSG e SSI (Tabela 1). Souza et al. (2009) avaliando a variabilidade espacial da MO em Latossolos sob o cultivo de cana-de-açúcar, utilizaram modelos esféricos para a descrição desta propriedade nas camadas de 0-0,20 m e 0,20-0,40 m. O modelo esférico é o mais utilizado em ciências da natureza, sendo característico de variáveis que apresentam transição abrupta no espaço. O alcance do variograma utilizado para o procedimento de SSG (332,84 m) apresentou maior valor que os utilizados na SSI (175,75 291,89 m). Este fato deve-se a dicotomização dos dados a qual pode promover uma pequena perda da estrutura de variabilidade espacial dos dados. Os variogramas utilizados apresentaram estrutura de dependência espacial variando de moderada (SSI 0,40 e SSI 0,80 ) a fraca (SGS, SSI 0,20 e SSI 0,60 ) (CAMBARDELLA et al., 1994). Sanchez et al. (2005) verificaram estrutura de moderada dependência espacial na descrição do padrão espacial da MO em áreas de cafeicultura. Tabela 1. Modelo e parâmetros dos variogramas utilizados nos procedimentos de simulação sequencial gaussiana (SSG) e simulação sequencial indicatriz (SSI) do teor de matéria orgânica do solo. Modelo C 0 C 0 +C 1 A GDE SQR R 2 SSG Esférico 0,66 1,05 332,84 0,94 5,00E-03 0,97 SSI 0,20 Esférico 0,15 0,20 257,31 0,75 9,96E-04 0,83 SSI 0,40 Esférico 0,17 0,24 282,55 0,70 9,21E-04 0,84 SSI 0,60 Esférico 0,15 0,20 175,75 0,75 6,94E-04 0,80 SSI 0,80 Esférico 0,11 0,15 291,89 0,73 2,16E-04 0,78 (N=626); C 0 = efeito pepita; C 0+C 1=patamar; A=alcance; GDE=grau de dependência espacial (C 0/C 0+C 1); SQR=soma de quadrado dos resíduos; R 2 =coeficiente de determinação; SSI 0,20; SSI 0,40; SSI 0,60; SSI 0,80=simulação sequencial indicatriz utilizando os percentis 0,2; 0,4; 0,6 e 0,80 como valores de corte. Os padrões espaciais das estimativas E-type da SSG e SSI e da KO são apresentados na Figura 2. Nota-se que as estimativas E-type apresentam padrões mais semelhantes do que aqueles apresentados pela KO. No entanto, todos os procedimentos captaram a presença de maiores valores de MO nas porções esquerda e direita do mapa, em detrimento a menores valores estimados na porção central do mapa. Figura 2. Padrão espacial do teor de matéria orgânica do solo estimado por: a) SSG; b) SSI; c) KO. III Simpósio de Geoestatística em Ciências Agrárias 3
As incertezas produzidas pelas diferentes técnicas de interpolação são apresentadas na Figura 3. Devido a manutenção das estatísticas e dos valores observados por parte da simulações, nenhuma estimativa é produzida nos locais onde foram retiradas amostras de solo. Assim nestes locais os valores de desvios são iguais a 0. Comparando-se as Figuras 2 e 3, nota-se que os maiores desvios produzidos pelas simulações estiveram associados aos maiores valores estimados. Grunwald et al. (2007) também observaram a presença de maiores incertezas associadas aos maiores valores estimados de fósforo total do solo. Para a KO (Figura 3c) as maiores incertezas estiveram associadas às regiões das bordas, locais em que menor número de amostras são utilizados para as estimativas espaciais. Desta forma a utilização da KO como medida de incerteza torna-se inadequada uma vez que apenas o variograma e a configuração amostral dos dados são considerados na sua estimativa (TEIXEIRA et al., 2012). Figura 3. Mapas de desvio padrão das estimativas do teor de matéria orgânica do solo. a) Mapa gerado pela SSG; b) mapa gerado pela SSI; c) mapa gerado pela KO. Conclusão As técnicas de simulações estocásticas (SSG e SSI) possibilitam a identificação e a avaliação das incertezas presentes nos procedimentos de interpolação. As maiores incertezas estiveram associadas aos maiores valores estimados do teor de matéria orgânica do solo. Agradecimentos À CAPES pelo fornecimento de bolsa de doutorado ao primeiro autor. Referências BASARIR, H.; KUMRAL, M.; KARPUZ, C.; TUTLUOGLU, L. Geostatistical modeling of spatial variability of SPT data for a borax stockpile site. Engineering Geology, Amsterdam, v. 114, n. 3-4, p.154-163, 2010. CAMBARDELLA, C.A.; MOORMAN, T.B.; NOVAK, J.M.; PARKIN, T.B.; KARLEN, D.L.; TURCO, R.F.; KONOPKA, A.E. Field-scale variability of soil properties in central Iowa soils. Soil Science Society America Journal, Madison, v.58, n. 5, p. 1.501-1511, 1994. DEUTSCH, C. V.; JOURNEL, A. G. GSLIB: Geostatistical software Library and User s Guide, New York: Oxford University Press, p.369, 1998. EMBRAPA- Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, Centro Nacional de Pesquisa de Solos. Sistema Brasileiro de Classificação de Solos. Rio de Janeiro, 2006. 306 p. EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA - EMBRAPA. Manual de métodos de análise de solo. 2.ed. Rio de Janeiro, Ministério da Agricultura e do Abastecimento, 1997. 212p. GOOVAERTS, P. Estimation or simulation of soil properties? An optimization problem with conflicting criteria. Geoderma, Amsterdam, 97:165-186, 2000. GRUNWALD, S.; REDDY, K. R.; PRENGER, J. P.; FISHER, M. M. Modeling of the spatial variability of biogeochemical soil properties in a freshwater ecosystem. Ecological Modelling, Amsterdam, v. 201, n. 3-4, p. 521-535, 2007. SANCHEZ, R. B.; MARQUES JR., J.; PEREIRA, G. T.; NETO, J. B.; SIQUEIRA, D.S.; SOUZA, Z. M. Mapeamento das formas do relevo para estimativa de custos de fertilização em cana-de-açúcar. Engenharia Agrícola, Jaboticabal, v. 32, p. 280-292, 2012. SANCHEZ, R.B.; MARQUES JR., J.; PEREIRA, G.T.; SOUZA, Z.M. Variabilidade espacial de propriedades de Latossolo e da produção de café em diferentes superfícies geomórficas. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, v.9, n.4, p.489-495, 2005. SOUZA, Z.M.; MARQUES JR., J.; PEREIRA, G.T.; SÁENZ, C.M.S. Spatial variability of aggregate stability in Latosols under sugarcane. Revista Brasileira de Ciência do Solo, v. 33, p. 245-253, 2009. III Simpósio de Geoestatística em Ciências Agrárias 4
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