O ESTADO DA ARTE DAS PESQUISAS SOBRE A EMOÇÃO - AS CONCEPÇÕES HEGEMÔNICAS E O ENFOQUE DA PSICOLOGIA HISTORICO-CULTURAL. *Renata da Silva (Mestre em Psicologia pela UEM; Maringá-Pr, Brasil). Contato: refenix@yahoo.com.br. Silvana Calvo Tuleski (PPI;UEM; Maringá-Pr, Brasil). Palavras-chave: Emoções. Biologização. Teoria Histórico-cultural. Na sociedade contemporânea ocorre uma intensa busca por explicações naturalistas para os problemas emocionais que afetam as pessoas. Sintomas de ordem afetiva são cada vez mais caracterizados como patologias intrínsecas ao indivíduo, sendo o tratamento, na maioria das vezes, relacionado a diagnóstico médico e prescrição farmacológica. Moyses e Colares (2012) pesquisam sobre o crescente processo de patologização e medicalização na atualidade. Ao considerar tais pressupostos, foi realizada pesquisa bibliográfica sobre o tema emoções, como subsídio para a pesquisa de mestrado da primeira autora, sob orientação da segunda. Para isso foi realizado levantamento de artigos e resumos em periódicos indexados nas bases Scientific Electronic Library Online (Scielo) e Index Psi, e trabalhos acadêmicos desenvolvidos em programas de pós-graduação, por meio do banco de dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), na área de Psicologia. Tal busca compreendeu o período entre 2005 e 2009, com a utilização dos descritores: afeto, afetividade, sentimentos e emoções, foi possível obter os números e os principais temas abordados em artigos e resumos, apresentados na tabela a seguir: Tabela 1 - Quantidade de artigos e resumos - bases Index Psi e Scielo Psicometria Psicanálise Outros Emoção 15 4 10 Sentimento 5 3 1 Afeto 2 10 2
Afetividade 1 10 2 Total 23 27 15 Observa-se que há um predomínio na compreensão das emoções com base na Psicometria, cujos trabalhos referem-se à aplicação e validação de instrumentos na mensuração de aspectos emocionais específicos, como a dificuldades de identificá-los ou expressá-los; a prevalência de transtornos emocionais, como depressão; relações entre emoções e cognições, etc., como em Hernandez e Hutz (2008). Identificou-se também a prevalência da abordagem psicanalítica na discussão do tema, como nos trabalhos de Soussumi (2006). Em outros constam as discussões com base nas teorias piagentiana, representações sociais, inteligência emocional, psicologia ambiental, os aspectos biológicos da emoção, etc. No que se refere às pesquisas de pós-graduação, o levantamento utilizando a palavra emoção resultou em resumos e palavras-chave, que foram analisados para identificar as abordagens predominantes. Tabela 2 - Quantidade de pesquisas resultantes de levantamento na base de dados da CAPES de acordo com a abordagem. Psicometria Psicanálise Outras 2005 5 0 9 2006 3 0 4 2007 6 1 11 2008 2 1 10 2009 11 1 4 Total 27 3 38
Neste levantamento também observa-se que a Psicometria formou a base da pesquisa desenvolvida por muitos autores, como Bueno (2008). Em sua maioria as pesquisas envolveram a validação de instrumentos direcionados à mensuração de fatores emocionais em crianças ou grupos específicos. A categoria outras refere-se a trabalhos que compreendem as emoções por meio de metodologias como: pesquisa qualitativa, análise teórico-conceitual, como nos trabalhos de Vianna (2005) e Toassa (2009), entre outros. A realização destes levantamentos permitiu conhecer que, tanto em artigos científicos, como em pesquisas realizadas em programas de pós-graduação, a ênfase maior que é dada aos aspectos emocionais refere-se às formas desvinculadas do contexto social e histórico em que o indivíduo vive. A emoção é apresentada como expressões individualizadas, em que técnicas de mensuração são utilizadas para medir sua ocorrência e intensidade. Porém, são desconsiderados os fatores associados a esses acontecimentos, o que nos remete às formas mecanicistas de conceber as emoções desenvolvidas por James e Lange, que foram criticadas por Vigotski (2004) como limitadas, devido à ênfase nas emoções elementares e em suas manifestações orgânicas, sem a compreensão da historicidade que as envolve. A psicometria, empregada em grande parte das pesquisas, contém semelhanças com as formas de mensuração empregadas nos testes de inteligência, com a utilização de percentuais que possam indicar um maior ou menor desenvolvimento do sentimento de moralidade, de felicidade, de satisfação, entre outros. Vigotski (1997), em texto de 1931 em que discutiu procedimentos de avaliação com crianças, posicionou-se contra a investigação pedológica moderna, que se baseava na metodologia de Binet (1857-1911), que por meio de atuações mecânicas elaborou números e índices acerca do desenvolvimento, mas deixava de lado o pensamento e a totalidade em que este é formado. Para Moysés e Collares (1997), a padronização presente nos testes de inteligência tem como pressuposto a existência de um determinismo biológico, que estabelece a ideologia de que existem indivíduos que possuem habilidades inatas que os tornam mais inteligentes do que outros. No que se refere às emoções, que algumas pessoas se tornam emocionalmente mais adequadas, mais ou menos amadurecidas emocionalmente, sendo aceitável medir e quantificar os aspectos emocionais e intelectuais, como também o nível de relação entre eles e do afeto com a cognição. As autoras ressaltam que o uso desses instrumentos possibilita apenas o
acesso às formas de expressão do objeto avaliado - o que se dá de forma indireta, embora haja o pressuposto de que é possível o acesso ao objeto em si. Elas apontam que os testes de inteligência - assim como a padronização das escalas que medem as emoções e sentimentos - partem de uma naturalização dos processos psíquicos fundamentada na Biologia e na Genética, o que se deve à transposição da teoria darwinista para a compreensão dos aspectos humanos. Esta ideologia foi muito difundida nas práticas eugenistas, que buscam no determinismo biológico a explicação para elementos que são, em sua realidade concreta, fenômenos sociais e históricos. Di Loreto (1997) apresenta posicionamento semelhante, ao argumentar que os fatores biológicos e genéticos são secundários na determinação dos aspectos que caracterizam as patologias psíquicas. Também afirma que não há, nem pode haver hereditariedade para as emoções, devido ao fato de que elas acompanham o conhecimento e a vivência dos indivíduos. Ao observarmos as publicações e pesquisas na área da Psicologia, nos pareceu que alguns objetivos acerca das emoções e sentimentos se modificaram ao longo do tempo, mas em grande parte delas, os métodos e instrumentos da ciência psicológica continuam sendo utilizados de forma descontextualizada da vida dos indivíduos, o que faz com que a visão biologicista seja mantida como forma de explicar as funções psíquicas humanas. No entanto, outras possibilidades de compreensão do ser humano e dos fatores que envolvem o seu psiquismo são apresentadas pela Psicologia Histórico-Cultural. Esta tem nos fundamentos sociais e históricos da sociedade as bases para a compreensão do homem e de sua personalidade, como ser singular que se relaciona com o contexto em que vive, contribuindo para transformá-lo e, ao mesmo tempo, transformar-se. Referências: Bueno, J.M.H. (2008). Construção de um Instrumento para Avaliação da Inteligencia Emocional em Crianças. Tese (Doutorado em psicologia). Universidade São Francisco, Itatiba.
Di Loreto, O.D.M. (1997, julho/dezembro). Em defesa do meu direito de ser triste. Revista Psicologia em Estudo, 2 (3), pp 1-52. Hernandez, J. A. E. & Hutz, C. S. (2008, junho). Gravidez do primeiro filho: papéis sexuais, ajustamento conjugal e emocional. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 24 (2). Recuperado em 12 de janeiro de 2010, da Scielo (Scientific Electronic Library On Line): www.scielo.br. Moysés, M. A. A. & Collares, C.A.L. (1997). Inteligência abstraída, crianças silenciadas: as avaliações de inteligência. Psicologia USP, 8 (1). Recuperado em 11 de setembro, 2010, da Scielo (Scientific Electronic Library On Line): www.scielo.br. Moysés, M. A. A.; Collares, C. A. L. (2012). O lado escuro da dislexia e do TDAH. In: Facci, M. G.; Meira, M. E. M.; Tuleski, S. C. (Orgs.). A exclusão dos incluídos : uma crítica da Psicologia da Educação à patologização e medicalização dos processos educativos. 2ª ed. Maringá: EDUEM, p.107-156. Toassa, G. (2009). Emoções e vivências em Vigotski: investigação para uma perspectiva histórico-cultural. Tese (Doutorado em Psicologia). Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Soussumi, Y. (2006). Tentativa de integração entre algumas concepções básicas da psicanálise e da neurociência. Psicologia clínica, 18 (1). Recuperado em 11 de janeiro, 2010, da Scielo (Scientific Electronic Library On Line): www.scielo.br. Vianna, F.R.L. (2005). A Representação da Felicidade no Pensamento Ocidental. Tese (Doutorado em Psicologia). Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. Vigotski, L. S. (1997). Obras escogidas. Volume 5. Madri: Visor Distribuciones. Vigotski, L.S. (2004). Teoría de las emociones Estudio histórico-psicológico. Madrid: Ediciones Akal.