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Transcrição:

1 CARLOS INTERROGA AO ANALISTA: COMO DAR VOZ AO DESEJO? Bela Malvina Szajdenfisz A passagem da vida infantil à adulta é uma experiência em que a força pulsional ultrapassa a capacidade de simbolização, de historicização, de representação. A reativação do complexo edipiano coloca o adolescente frente a questões sobre sua identidade, seu corpo, seu lugar, provocando-lhe um mal-estar com fenômenos que o aproximam de uma psicose. Carlos, o adolescente que trago à cena, é um jovem de 19 anos até então um filho carinhoso, prestativo e estudioso. Cursava o quarto período do curso de Economia de uma universidade pública, tinha amigos e namoradinha. De repente algo o assola, destruindo tudo que julgara ter construído até então. Refere-se a esse real como sendo da ordem de uma explosão interna, algo inexplicável. Sentindo-se em desamparo, completamente perdido, Carlos se envolve com drogas, deixando a todos impactados. Excedido por seu corpo, surpreendido com seu ato, ele se desespera e promete aos pais ir buscar ajuda profissional. Indignado consigo, pergunta ao analista: O que está acontecendo comigo, doutora? Estou enlouquecendo! Cito Lacan em O Seminário livro 7, A ética da psicanálise (1959-1960): Todo aquele que se aplica em submeter-se à lei moral sempre vê reforçarem-se as exigências, sempre mais minuciosas, mais cruéis de seu supereu. Faz-se necessária a transgressão como uma forma de aceder a seu desejo. (1) Carlos desvela um real impossível de dizer. Atua explodindo, o que o deixa perplexo a ponto de recuar frente à interdição do Outro. Esse jovem, como todo neurótico, ocupa o lugar de quem sofre da estrutura. Seu desejo se mostra no sintoma, cuja sobredeterminação é inconsciente. A que esse sintoma está respondendo? A adolescência implica uma travessia de identificações, experimentações, buscas,

2 descobertas e escolhas. Trata-se, segundo Freud, de um trabalho psíquico difícil e complexo que traz no desligamento dos pais - ainda que fundamental para a evolução da cultura- uma passagem com perdas seguidas de elaborações de lutos com que se defrontam não só os adolescentes, mas também seus pais. Isto, evidentemente, pode trazer como conseqüência, conflitos, baixos desempenhos, desencontros. (2) O desinvestimento nos pais de infância joga o sujeito na busca por novos referenciais, com identificações imaginárias temporárias e necessárias para a construção de sua identidade. Cito Alberti: Ao construir suas próprias referências, o sujeito precisa abandonar as referências infantis, o que acarreta perdas. [...] Ao fazer uma escolha, o sujeito abandona as outras possibilidades, o que implica um ponto de basta. É preciso coragem para escolher porque cada escolha necessariamente rompe com desígnios e ditames do Outro. (3) É justamente a inconsistência do Outro que vai permitir ao adolescente deparar-se com sua verdade e dar voz a seu desejo, através de um trabalho de separação desse Outro barrado e da busca de novos laços sociais. Lacan considera o laço social como uma das maiores causas do sofrimento humano, o que já vinha sendo apontado por Freud, desde 1914 e de uma forma definitiva em O Mal-estar na Civilização, em 1930, quando coloca o laço social como a terceira fonte do sofrimento humano ao afirmar que o mal-estar do sujeito está também na sua relação com o outro (4). Considera-se o encontro com o real do sexo outra passagem difícil para o adolescente. Isto porque ele precisa de um outro para a realização do ato. Essa busca de satisfação sexual, do sexo compartilhado, vem carregada de angústia, tendo em vista que o desejo passa a ser um imperativo desafiante e mostra como está apenso ao desejo do Outro. No dizer de Lacan, as vias do que se deve fazer como homem ou como mulher são inteiramente abandonadas ao drama, ao roteiro que se coloca no campo do Outro. (5) Nesse sentido, há uma retomada do mito individual de cada sujeito, levando-o a escolhas

3 singulares que se relacionam com sua própria história. Do mesmo modo, o momento de uma primeira escolha de profissão pode estar permeado pela busca do olhar do Outro. A escolha de um referente profissional é a busca de algo que signifique o sujeito, mas o referente é inerente ao próprio sujeito. Cabe ao sujeito perceber, a partir da falta, que ele é quem vai poder dizer sobre seus referentes, buscando algo que diga sobre si mesmo, o que, às vezes, só é possível no percurso de uma análise. A separação dos pais infantis, o encontro com o real do sexo e a escolha profissional são três processos que exigem um intensa elaboração frente aos impasses que se colocam diante desses sujeitos. Mas são as referências primordiais - de duas dimensões inerentes à vida psíquica - amor e ódio- que apontam para uma ambivalência não dialetizada. Esta é uma situação fronteiriça que transborda o psiquismo do sujeito, podendo provocar uma explosão, como ocorreu com Carlos, o que não significa estar no campo da psicose. Freud, ao tratar da técnica psicanalítica (6) nos faz saber das razões para termos cuidado em iniciar o tratamento sem uma definição do diagnóstico estrutural, um trabalho fundamental para o analista no início do tratamento. Segundo ele, o analista tem motivos para evitar equívocos no diagnóstico diferencial entre neurose e psicose, uma vez que a psicose não se presta à psicanálise, no ponto de vista freudiano da época. Para Lacan o dispositivo analítico também pode ser aplicado no psicótico, porém de uma forma diferente. Segundo ele, três são os registros que permitem compreender a experiência analítica: o real, o imaginário, o simbólico. Num acidente de registro e do que nele se realiza, Lacan aponta a falha que confere à psicose sua condição essencial, com a estrutura que a separa da neurose: o fracasso da entrada na lei simbólica, a não inclusão na norma edipiana. O seu efeito é o sujeito fora da partilha do sexo. (7) O sujeito da psicose fica alienado à imagem do Outro como forma totalizante, congelada. Ele cola no Outro - um Outro absoluto, não barrado. Nesse caso, o sujeito permanece na posição

4 de objeto de gozo do Outro, submetido à sua onipotência e a seus imperativos. Evidentemente esse não é o caso de Carlos. Durante o processo de análise, Carlos se mostra um típico adolescente em conflito. Fala sobre sua irmã, mais velha, que está namorando, concluindo um curso superior e se preparando para o mestrado, dos amigos que já estão estagiando. Sente-se meio excluído da galera. Ter que voltar para cursinho... tentar outra universidade... O pai de Carlos é um sujeito jovem, duas vezes por semana joga futebol com os amigos e depois sai para beber. Não raro se infiltra na turma do filho. Sua mãe é uma pessoa autoritária, muito rígida e preocupada. Isto porque seu tio materno a deixou com uma enorme dívida para pagar, em consequência de uma sociedade falida. Quando Carlos faz qualquer coisa que a desagrada, a mãe o compara logo ao irmão, o que o deixa triste. A adolescência é um momento de ressignificação da metáfora paterna decorrente do impacto, no sujeito, do encontro com o real da puberdade. A falência de uma identificação simbólica conduz a mudanças de valores, transgressões de regras, chegando a práticas de uma crueldade, por vezes, contra si próprio. Nessas situações, os sujeitos repetem angústias não elaboradas com atos que não podem ser significados, atos que invadem suas subjetividades pela satisfação sádica da violência - uma emergência do real na vida do sujeito, um real que não cessa de não se escrever. Quando os adolescentes percebem estarem sob os grilhões dessa ordem que excede a seus pais, quando percebem estarem presos a essa estrutura a qual se vêem assujeitados, quando os veem faltosos, fazem cair por terra os pais que supunham poderosos, infalíveis. Como efeito rebelam-se, subvertem a ordem e saem em busca de novos referenciais, de um discurso em que possam se engajar, um discurso de liberdade, o que na realidade não existe a não ser a liberdade de escolhas a partir do próprio desejo, uma escolha forçada.

5 Se tomarmos como referência O Seminário, livro 17: O Avesso da Psicanálise (1969), Lacan nos fala do campo do gozo antes localizado no objeto a, agora como linguagem constitutiva do sujeito. Identifica, em sua teoria, os laços sociais que ele estrutura nos quatro discursos. Estes nos ajudam a pensar a questão dos adolescentes nos laços sociais.( 8) Lacan toma de Hegel o discurso do poder que é o discurso do mestre, aquele que inaugura a civilização. É o discurso próprio das instituições. Nele, o escravo tem o saber fazer, mas o gozo é privilégio do senhor, um sistema do qual ninguém se apropria e que pertence à ordem social. No discurso universitário, por sua vez, quem agencia é o saber dos significantes mestres. Estes também tem o poder. O sujeito agenciado por esse saber é um a-estudante, ou melhor, é o sujeito que fica numa posição de objeto de gozo do Outro. O sujeito, ao buscar uma análise, supõe um saber ao analista sobre seu sintoma: O que eu tenho, doutor? Mas o analista não pode responder desse lugar. Ele não sabe! O seu lugar é outro. No discurso do analista, o saber (S2) funciona no lugar da verdade. Por isso, o dispositivo analítico provoca a histerização do discurso, conduzindo o sujeito à verdade como saber, essencial para determinar a posição do sujeito frente ao enigma do desejo do Outro. Com o gozo do Outro suspenso pela presença do analista, o sujeito é deslocado do lugar de objeto de gozo- de onde responde como sintoma da família. Carlos quer saber o que o outro quer dele e o que ele quer de si. Mas a doutora não sabe! O psicanalista responde à pergunta acolhendo o sintoma do sujeito em sofrimento, sustentando sua demanda, dirigindo seu tratamento, de modo a que o próprio sujeito possa se deparar com sua verdade. Para tanto, o analista não pode ficar na posição do mestre, pois seu discurso é avesso à dominação, à segregação, à violência. O seu lugar é de rebotalho, uma vez que sua ética se pauta no desejo do analista. Este precisa abdicar do seu ser como sujeito, do seu gozo para poder sustentar esse lugar. O seu ouvir é o da enunciação e não atender à demanda é a única possibilidade de fazer aflorar o desejo.

6 O discurso do analista é o único laço social que trata do sujeito do desejo, o único discurso em que o saber está no lugar da verdade, uma verdade não-toda. Ao ser incluído no sintoma do analisando para ele endereçado, o analista vai ocupar o lugar de objeto (a), causa de desejo, provocando o sujeito que sofre ($) a produzir seus próprios significantes mestres (S1) que o alienam como sujeito. Desse lugar, o analista vai poder responder ao interrogar de Carlos, permitindo que ele produza suas próprias respostas às questões que lhe dizem respeito. As respostas se encontram no seu próprio texto, razão porque uma das respostas do analista à demanda do sujeito é: Fale. Ao deparar-se com um real que aponta para um furo no simbólico, ao deixar cair a fantasia de que o Outro é completo, Carlos poderá fazer o giro nos discursos saindo desse lugar de objeto de gozo do Outro e passando a ocupar outras posições como sujeito do desejo. No percurso de sua análise, algumas retificações subjetivas se fizeram anunciar, retificações estas que se deram desde uma decisão em plantar maconha até a a escolha de uma carreira profissional na área das Ciências Ambientais. Referências Bibliográficas (1) LACAN, Jacques. O Seminário livro 7: A ética da psicanálise (1959-1960). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,1997, p.216. (2) SZAJDENFISZ, Bela Malvina & SADALA, Gloria. O Adolescente e Suas Escolhas. Revista Educação & Realidade vol. 35 n.1 /abr. Porto Alegre, 2010, p.258. (3) ALBERTI, Sonia. O adolescente e o Outro. Rio de Janeiro:Zahar, 2004. (4) FREUD, Sigmund. O mal-estar da civilização (1930). Em: Edição Standard Brasileira das Obras psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol. XXI, Rio de Janeiro: Imago, 1974. (5) LACAN, Jacques. O Seminário, livro 11:os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,1998. (6) FREUD, Sigmund. O caso de Schreber, artigos sobre técnica e outros trabalhos (1911-1913):Em: Edição Standard Brasleira das Obras psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol.xii, Rio de Janeiro: Imago, 1969. (7) LACAN, Jacques. O Seminário, livro 3: as psicoses(1955-1956). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,1985.

7 (8) LACAN, Jacques. O Seminário, livro17: O avesso da psicanálise (1969-1970). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1992. Bela Malvina Szajdenfisz Psicanalista. Membro participante de Formações Clínicas do Campo Lacaniano, Membro do Fórum do Campo Lacaniano- RJ / Mestre profissional em Psicanálise, Saúde e Sociedade pela Universidade Veiga de Almeida-RJ / bmal.trp@terra.com.br