A CONTRATAÇÃO PÚBLICA ELECTRÓNICA A PERSPECTIVA DO TRIBUNAL DE CONTAS INTERVENÇÃO DE S.EXª O CONSELHEIRO PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE CONTAS, DOUTOR GUILHERME D OLIVEIRA MARTINS PROFERIDA NO ENCERRAMENTO DA SESSÃO DE ABERTURA DO 5º CONGRESSO NACIONAL DA CONTRATAÇÃO PÚBLICA ELECTRÓNICA Lisboa, Auditório da Faculdade de Medicina Dentária, 16 de Novembro de 2011
A CONTRATAÇÃO PÚBLICA ELECTRÓNICA A PERSPECTIVA DO TRIBUNAL DE CONTAS por: Guilherme d Oliveira Martins Introdução Iniciados os trabalhos deste 5º Congresso Nacional da Contratação Pública Electrónica, gostaria de começar por felicitar os seus organizadores em especial, o Professor Luis Valadares Tavares por mais esta iniciativa e pela oportunidade que novamente nos proporciona de reflectir sobre uma temática tão abrangente e profícua como é a da contratação pública. Especialmente num tempo marcado por grandes reformas e importantes alterações legislativas, é fundamental que se mantenham activos estes momentos de reflexão partilhada. 2
Gostaria por isso de aproveitar esta oportunidade para reflectir convosco sobre esta temática, tendo especialmente em conta o Memorando de Entendimento e as medidas nele preconizadas em matéria de contratação pública. 1. Medidas preconizadas pelo Memorando de Entendimento em matéria de contratação pública Nos pontos 7.22 a 7.27 do Memorando de Entendimento ficou estabelecido que O Governo irá modificar o enquadramento jurídico-nacional da contratação pública e melhorar as práticas de adjudicação, no sentido de assegurar um ambiente de negócios mais transparente e competitivo e de melhorar a eficiência da despesa pública. Para o efeito, determina o Memorando que sejam eliminadas as isenções que permitem a adjudicação directa de contratos de montantes inferiores aos limiares comunitários, que seja alterado o regime jurídico dos trabalhos a mais e dos erros e omissões e, por último, que sejam reforçados os 3
poderes de fiscalização do sobre a contratação pública, no sentido de os tornar mais abrangentes e eficazes. 2. Posição do sobre as medidas constantes do Memorando em matéria de contratação pública Sobre a primeira das medidas assinaladas limitação da utilização da figura do ajuste directo gostaria de sublinhar que o há muito que vem particularmente sancionando com a recusa do visto, como nos dá conta o Relatório de Actividades do Tribunal, o recurso a procedimentos por ajuste directo sem que estejam reunidos os pressupostos legais que o justifiquem, assim como a contratação de serviços com recurso à excepção contratação in house sem que se encontrem preenchidos os respectivos pressupostos legais. 4
Em bom rigor, a jurisprudência do Tribunal tem sido unânime em considerar que o procedimento concorrencial aberto garante, em boa medida, a salvaguarda dos princípios da igualdade e da concorrência e, ainda, os princípios da transparência e da publicidade. Por outras palavras, só através de procedimentos concorrenciais abertos, e respeitando princípios como os da igualdade e da concorrência, é que se garante, a todos os potenciais interessados em contratar, quer o mais vasto acesso aos procedimentos, quer a mais ampla observância de outros princípios que estão intimamente relacionados com aqueles: o da transparência e o da publicidade. Também em sede de auditoria o tem dado particular atenção à temática da contratação pública. E também neste âmbito o Tribunal tem vindo a sublinhar, como prática de boa gestão, a consulta alargada ao mercado, recomendando que seja sustado o recurso à criação de regimes de excepção, a não ser em casos limite devidamente justificados. Aliás, na auditoria efectuada às Derrapagens em 5
Obras Públicas, que deu origem ao Relatório n.º 17/2009 2ª Secção, o Tribunal observou uma fuga frequente ao Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas, através da publicação avulsa de diplomas alternativos de excepção, que permitiram o recurso ao ajuste directo. Porém, constatou-se que os investimentos públicos que foram objecto do regime de excepção acabaram por ser precisamente os que apresentaram maiores desvios face ao inicialmente contratado. Em relação à segunda das medidas referidas no Memorando - alteração do regime jurídico dos trabalhos a mais e dos erros e omissões gostaria de recordar a vastíssima jurisprudência da 1ª e 2ª Secções sobre a matéria e a preocupação manifestada pelo Tribunal quanto à permissividade do Código dos Contratos Públicos no que se refere à admissibilidade de trabalhos para suprimento de erros e omissões (cujo conceito foi amplamente alargado), e respectivo limite quantitativo (que foi aumentado para 50% do preço contratual). 6
Permitam-me, por isso, que evoque o Relatório produzido pela 1ª Secção do Tribunal (Relatório n.º 8/2010 ) que procedeu à análise dos adicionais a contratos de empreitada visados e, nomeadamente, às principais causas de desvios financeiros resultantes dos mesmos. Na sequência do observado, o Tribunal recomendou à Assembleia da República e ao Governo que, no quadro das respectivas competências, fosse reponderada a amplitude do regime de suprimento de erros e omissões do projecto constante do CCP, assim como o respectivo limite quantitativo. 3. O reforço dos poderes de fiscalização do Tribunal de Contas A última medida constante do Memorando o reforço do controlo financeiro na área da contratação é a que muito particularmente vem atribuir especiais responsabilidades ao, ao mesmo tempo que apela ao reforço do sistema de controlo existente. 7
Cabe ao o acompanhamento de matérias tão importantes como o rigoroso cumprimento do regime jurídico dos contratos públicos e da concorrência e a salvaguarda do respeito pelo interesse público e pela legalidade nas concessões e parcerias público-privadas. É fundamental cometer a um órgão de soberania estas tarefas, o que corresponde a um sinal de confiança perante as instituições constitucionais portuguesas e a independência do Estado. De facto, o papel insubstituível do corresponde à exigência de confiar a uma instituição dotada de autoridade pública os poderes de defesa e salvaguarda dos legítimos direitos, deveres e responsabilidades dos cidadãos contribuintes no prosseguimento escrupuloso do interesse público e do bem comum. Nesta circunstância, e porque estamos no domínio da contratação pública, a fiscalização prévia assume especial 8
importância, não como instrumento de controlo formal mas como garante da equidade e como factor de limitação do endividamento. Ao mesmo tempo, esta última medida anunciada no Memorando aponta para a necessidade de reforço do sistema de controlo existente, o que também corresponde a uma preocupação já sentida e manifestada pelo Tribunal. Recordese, desta feita, o entendimento do, expresso no Acórdão nº 12/2010, que vai no sentido de considerar que nos grandes investimentos, envolvendo avultados compromissos para o futuro, devem passar a ser submetidos à fiscalização prévia as minutas dos contratos, antes, portanto, das respectivas assinaturas e produção de efeitos, de modo a prevenir a assunção de relevantes compromissos financeiros por contratos aos quais pode vir a ser recusado o visto. Esta preocupação do Tribunal parece estar reflectida no Memorando de Entendimento, assim como está também bem 9
presente no processo legislativo em curso, que tem em vista, em especial: Rever o regime relativo à execução dos contratos antes do visto; Clarificar o âmbito de aplicação subjectiva da fiscalização prévia; Reforçar a responsabilidade financeira de todos os que estão subordinados ao regime constante do Código dos Contratos Públicos. Para já, e independentemente da consolidação de qualquer alteração legislativa nesta matéria, gostaria de deixar registo do que foi actuação do em matéria de contratação pública durante o ano de 2010. 10
4. A relevância da actividade contratual pública durante o ano de 2010 Em 2010, foram objecto de fiscalização prévia 1906 actos, contratos e outros instrumentos geradores de encargos remetidos por 833 entidades, envolvendo uma despesa de 10,1 mil milhões de euros. Foi alcançada maior transparência contratual o que, nalguns casos, foi acompanhada de uma redução dos encargos assumidos pelas respectivas entidades, em resultado da devolução, pelo Tribunal, dos respectivos contratos para complemento de instrução e/ou esclarecimento de dúvidas (2655 devoluções). Foi impedida a realização de despesa pública em desconformidade com as leis em vigor, sem cabimento orçamental ou ultrapassando os limites legais de endividamento, correspondente a 53 actos e contratos aos 11
quais foi recusado o Visto, no montante de 131,1 milhões. Esta acção do Tribunal teve ainda um efeito dissuasor de se cometerem semelhantes ilegalidades em futuros actos e contratos. Em sede de fiscalização concomitante, foram concluídas 27 auditorias que permitiram detectar a realização de despesa irregular no montante de cerca de 45 milhões. Foram também analisados 828 contratos adicionais entrados no Tribunal, cujo volume financeiro ascendeu a 9 978,7 milhões de euros, equivalente a 146 vezes o volume financeiro dos entrados em 2009. 5. Conclusão O que acabamos de referir é suficientemente demonstrativo da total sintonia existente entre as medidas preconizadas pelo 12
Memorando de Entendimento e aquela que desde há muito constitui a posição defendida pelo em matéria de contratação pública. Existe, de facto, pleno consenso em que a defesa dos princípios gerais inerentes à actividade contratual pública é a melhor salvaguarda da correcta gestão dos dinheiros públicos. Pela nossa parte, apenas acrescentamos ao que ficou dito que, ao ver reconhecida a sua função no âmbito da superação da actual crise económica e financeira, o está, assim, perante responsabilidades acrescidas, a que procurará corresponder positivamente. Muito obrigado! 13