Aplicação de Técnicas Termoanalíticas na Caracterização, Determinação da Pureza e Cinética de Degradação da Zidovudina (AZT)

Documentos relacionados
Determinação de Parâmetros Cinéticos na Caracterização do Envelhecimento Acelerado do PBX (Plastic-Bonded Explosive)

ESTUDO DO COMPORTAMENTO TÉRMICO DO FÁRMACO PROPRANOLOL

Análise Térmica. Universidade Federal de Juiz de Fora. Instituto de Ciências Exatas Departamento de Química. Metodologia Analítica

Análise Termogravimétrica da Bioespuma Poliuretana do Projeto de Produto Gasolimp como Agente Cogerador de Energia

Análise da estabilidade oxidativa por termogravimetria (TGA) do sebo bovino e óleo visceral de Tilápia para produção de biodiesel de 2º geração

Desenvolver formas farmacêuticas sólidas e avaliar a estabilidade térmica por DSC e TG.

Princípios e Aplicaçõ

TERMOGRAVIMETRIA A análise termogravimétrica (TG) é uma técnica térmica onde a massa da amostra é registada em função da temperatura ou do tempo.

Aplicação da Calorimetria Exploratória Diferencial (DSC) para Determinação da Pureza de Fármacos

Eclética Química ISSN: Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Brasil

DEPENDÊNCIA DA VELOCIDADE COM A TEMPERATURA Camilo Andrea Angelucci

IX Congresso Brasileiro de Análise Térmica e Calorimetria 09 a 12 de novembro de 2014 Serra Negra SP - Brasil

ANÁLISE TÉRMICA. Prof. Dr. Estéfano A. Vieira

CARACTERIZAÇÃO TÉRMICA DA ARGILA DE ANGÉLICA/MS. Km 12 Cx. P. 351; CEP Dourados MS;

A nomenclatura em análise térmica - Parte II

Capítulo 2. A 1ª Lei da Termodinâmica

Estudo Cinético da Cura de Resina Fenólica por DSC e DMTA

Separação de Misturas

LEI DE OHM. Professor João Luiz Cesarino Ferreira. Conceitos fundamentais

Escola de Engenharia de Lorena USP - Cinética Química Capítulo 05 Reações Irreversiveis a Volume Varíavel

2 o CONGRESSO BRASILEIRO DE P&D EM PETRÓLEO & GÁS

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA DE ALIMENTOS ANÁLISES TÉRMICAS DE ALIMENTOS

FATORES QUE AFETAM AS VELOCIDADES DAS REAÇÕES. 2. As concentrações dos reagentes. 3. A temperatura na qual a reação ocorre.

Início Final Interrupções Fev

Caracterização Termofísica de Materiais por Calorimetria Diferencial de Varredura (DSC)

CALORIMETRIA, MUDANÇA DE FASE E TROCA DE CALOR Lista de Exercícios com Gabarito e Soluções Comentadas

ESTUDO TERMOGRAVIMÉTRICO DA POLIACRILONITRILA COM O PLASTIFICANTE GLICEROL

Curso de Farmácia. Operações Unitárias em Indústria Prof.a: Msd Érica Muniz 6 /7 Período DESTILAÇÃO

RELAÇÃO DO TEMPO DE SINTERIZAÇÃO NA DENSIFICAÇÃO E CONDUTIVIDADE ELÉTRICA EM CÉLULAS À COMBUSTÍVEL. Prof. Dr. Ariston da Silva Melo Júnior

INFLUÊNCIA DE ALGUNS PARÂMETROS EXPERIMENTAIS NOS RESULTADOS DE ANÁLISES CALORIMÉTRICAS DIFERENCIAIS - DSC

Cinética Química. Professora (Estagiária): Magda Vieira Professora Supervisora: Kátia Aquino. Profa. Kátia Aquino

ESTABILIDADE TÉRMICA DE NANOCOMPOSITOS DE POLI (FLUORETO DE VINILIDENO) E POSS

DANIEL BATISTA SEGOVIA WAGNER EMMERICH DUTRA

CARACTERIZAÇÃO DO COMPÓSITO DE POLIURETANO DERIVADO DO ÓLEO DE MAMONA (PUR) COM SÍLICA OBTIDA DA PLANTA CAVALINHA.

Módulo VIII Princípios da Psicrometria. Bulbo Seco e Úmido. Cartas Psicrométricas.

IV Seminário de Iniciação Científica

03) João, chefe de uma oficina mecânica, precisa encaixar um eixo de aço em um anel de latão, como mostrado nesta figura.

CARACTERIZAÇÃO TÉRMICA DE NANOPARTÍCULAS DE QUITOSANA

Sandra Heidtmann 2010

Resolução: 0,86ºC. x = 0,5 mol etanol/kg acetona. 0,5 mol 1000 g de acetona. 200 g de acetona. y = 0,1 mol de etanol. 1 mol de etanol (C 2 H 6 O) 46 g

IX Congresso Brasileiro de Análise Térmica e Calorimetria 09 a 12 de novembro de 2014 Serra Negra SP - Brasil

Ciclo: 3º Ano: 7º Disciplina: Físico-Química. Atividades / Estratégias. Nº aulas previstas. Avaliação

EQUIVALÊNCIA E A MATRIZ COMPANHEIRA P

Calibração de Equipamentos

CALORIMETRIA - TEORIA

Cálculo de potência; Limites de confiança; Análise estatística (ANOVA).

ESCOLA SECUNDÁRIA DR. SOLANO DE ABREU ABRANTES TURMA: I ANO: 12º ANO LETIVO 2011/2012 ATIVIDADES ESTRATÉGIAS. Diagnose da turma. Trabalho individual

LISTA DE EXERCÍCIOS ESTUDO DOS GASES

Estudo da emissão veicular de Gases de Efeito Estufa (GEE) em veículos movidos à DIESEL. Prof. Dr. Ariston da Silva Melo Júnior

IX Congresso Brasileiro de Análise Térmica e Calorimetria 09 a 12 de novembro de 2014 Serra Negra SP - Brasil

P2 - PROVA DE QUÍMICA GERAL - 11/10/08

Termodinâmica Química Lista 2: 1 a Lei da Termodinâmica. Resolução comentada de exercícios selecionados

FUNÇÃO DE 1º GRAU. = mx + n, sendo m e n números reais. Questão 01 Dadas as funções f de IR em IR, identifique com um X, aquelas que são do 1º grau.

ANÁLISE QUÍMICA INSTRUMENTAL

- A velocidade da reação direta (V1) é igual à velocidade da reação inversa (V2) V 1 = V 2

CINÉTICA QUÍMICA. QUÍMICA 1 2º ANO Prof.ª ELAINE CRISTINA. Educação para toda a vida. Colégio Santo Inácio. Jesuítas

Alternativa C é correta.

Departamento de Matemática - UEL Ulysses Sodré. Arquivo: minimaxi.tex - Londrina-PR, 29 de Junho de 2010.

O EMPREGO DA TERMOGRAVIMETRIA PARA DETERMINAR A ENERGIA DE ATIVAÇÃO DO PROCESSO DE COMBUSTÃO DE ÓLEOS COMBUSTÍVEIS

PROF. KELTON WADSON OLIMPÍADA 8º SÉRIE ASSUNTO: TRANSFORMAÇÕES DE ESTADOS DA MATÉRIA.

1 Fundação Centro Universitário Estadual da Zona Oeste UEZO, Rio de Janeiro RJ;

Disciplina de Didáctica da Química I

Aplicação do algoritmo genético na otimização da produção em indústrias de açúcar e álcool

MF-0584.R-1 - MÉTODO DE MEDIÇÃO DOS GASES EMITIDOS PELO ESCAPAMENTO DOS VEÍCULOS AUTOMOTORES DO CICLO OTTO

Leonnardo Cruvinel Furquim TERMOQUÍMICA

UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA FACULDADE DE MATEMÁTICA 4 a LISTA DE EXERCÍCIOS GBQ12 Professor: Ednaldo Carvalho Guimarães AMOSTRAGEM

Métodos de determinação da Massa Molecular

P2 - PROVA DE QUÍMICA GERAL - 18/10/04

Quantidade de calor, calorimetria e mudanças de fase

Controle II. Estudo e sintonia de controladores industriais

Herramientas inteligentes para el diagnóstico de transformadores sometidos a esfuerzos electromagnéticos severos

Reações a altas temperaturas. Diagrama de Equilíbrio

ESTUDO COMPARATIVO DA INFLUÊNCIA DO ANTIOXIDANTE NA ESTABILIDADE OXIDATIVA DO BIODIESEL POR TERMOGRAVIMETRIA E PETROOXY

Universidade de Coimbra. Biosensores e Sinais Biomédicos ( )

ANÁLISE COMPARATIVA DA DEGRADAÇÃO TÉRMICA DE COMPÓSITOS DE MATRIZ POLIMÉRICA DESENVOLVIDOS EM LABORATÓRIO COM O INDUSTRIALIZADO

Conteúdo. Disciplina: INF Engenharia de Software. Monalessa Perini Barcellos

DISTRIBUIÇÃO DE WEIBULL CONCEITOS BÁSICOS APLICAÇÕES

EQUIVALÊNCIA FARMACÊUTICA

CAPACIDADE TÉRMICA E CALOR ESPECÍFICO 612EE T E O R I A 1 O QUE É TEMPERATURA?

PROVA DE QUÍMICA Segunda Etapa

ESTUDO DO COMPORTAMENTO TÉRMICO DA LIGA Cu-7%Al-10%Mn-3%Ag (m/m)

SUBÁREA DE FÍSICA E QUÍMICA PLANEJAMENTO ANUAL PARA A DISCIPLINA DE FÍSICA 2ª SÉRIE DO ENSINO MÉDIO Identificação e Conteúdo Programático

AMOSTRAGEM AMOSTRAGEM

Degradação de Polímeros

Bebida constituída de frutos de açaí e café: Uma alternativa viável

Método analítico para o traçado da polar de arrasto de aeronaves leves subsônicas aplicações para a competição Sae-Aerodesign

DETERMINAÇÃO DA INCERTEZA DE MEDIÇÃO EM DURÔMETROS PARA PESQUISA METROLÓGICA

Compensação. de Factor de Potência

GERAÇÃO DE VIAGENS. 1.Introdução

Programa de Revisão Paralela 4º Bimestre

Inovação tecnológica em DSC e hifenações

Aluno (a): Nº. Disciplina: Química Goiânia, / / 2014

SISTEMA DA QUALIDADE. Garantia da Qualidade Controle de Qualidade Rastreabilidade Não conformidade

5. Resultados e Análises

Introdução ao Projeto de Aeronaves. Aula 39 Relatório de Projeto Técnicas de Estruturação

VALIDAÇÃO DE MÉTODOS DE ANÁLISE QUÍMICA

Análises Térmicas. Sandra Maria da Luz

Transcrição:

Acta arm. Bonaerense 24 (3):383-7 (2005) Recibido el 24 de enero de 2005 Aceptado el 10 de abril de 2005 Trabajos originales Aplicação de Técnicas Termoanalíticas na Caracterização, Determinação da Pureza e Cinética de Degradação da Zidovudina (AZT) Patrik Oening RODRIGUES 1 *, Teófilo ernando Mazon CARDOSO 1, Marcos Antonio Segatto SILVA 1 & Jivaldo do Rosário MATOS 2 1 Programa de Pós-Graduação em armácia, Laboratório de Controle de Qualidade, Universidade ederal de Santa Catarina (USC). 2 Instituto de Química, Laboratório de Análise Térmica Prof. Ivo Giolito, Universidade de São Paulo (USP). RESUMO. Com o objetivo de determinar os parâmetros térmicos do antiretroviral zidovudina (AZT) foram empregados a Calorimetria Exploratória Diferencial (DSC) e a Termogravimetria (TG). A curva DSC do fármaco indicou uma temperatura de fusão de 122,13 ºC ( H = 103,71 J g 1 ), confirmando a identidade da amostra. A curva TG apresentou três eventos de perda de massa indicando que o AZT é estável até 185 ºC. Através da DSC e tomando como base a equação de Van t Hoff foi estabelecida uma pureza de 99,20% para a zidovudina. O estudo cinético isotérmico através da equação de Arrhenius permitiu o cálculo do tempo de estabilidade do AZT, quantificado em 427 dias. SUMMARY. Aplication of Thermal Analytical Techniques on Characterization, Purity Determination and Degradation Kinetic of Zidovudine (AZT). With the objective of to determine the thermal parameters of zidovudine (AZT) in regards to its thermal characteristics, purity, kinetic and stability, were used Differential Scanning Calorimetry (DSC) and Thermogravimetry (TG). DSC curve of drug indicated the fusion temperature of 122.13 ºC ( H = 103.71 J g 1 ), confirming the sample identity. The TG curve showed three events of weight loss indicating that AZT is stable at 185 ºC. Through the DSC study was established the AZT purity of 99.20%. The isothermal kinetic study although Arrhenius s equation allowed to calculate the stability time of AZT, quantified in 427 days. INTRODUÇÃO O conhecimento das propriedades físico-químicas de fármacos é fator indispensável durante o desenvolvimento de medicamentos. O planejamento racional de uma forma farmacêutica deve, portanto, iniciar com a caracterização do princípio ativo em questão, de modo a otimizar parâmetros de qualidade da forma farmacêutica final. O termo análise térmica refere-se a um grupo de técnicas nas quais propriedades físicoquímicas de uma substância são mensuradas em função do tempo ou da temperatura enquanto a amostra é submetida a um programa controlado de temperatura 1. A Calorimetria Exploratória Diferencia (DSC) e a Termogravimetria (TG) são as técnicas termoanalíticas mais difundidas e empregadas para o desenvolvimento de diferentes estudos sendo aplicadas a uma grande variedade de materiais farmacêuticos 2. A aplicação de métodos térmicos de análise, em especial o DSC e a TG tem sido de fundamental importância no estudo de caracterização, desenvolvimento e controle de qualidade de produtos farmacêuticos 3. As principais aplicações nessa área têm visado a caracterização de matérias-primas e produtos acabados 4,5, a determinação do grau de pureza 6 e a realização de ensaios de estabilidade e cinética de decomposição 7,8. Sob esta perspectiva, o objetivo deste trabalho foi determinar através da Calorimetria Exploratória Diferencial e Termogravimetria os parâmetros térmicos de caracterização do antiretroviral zidovudina (AZT), bem como sua pureza, estabilidade e cinética de decomposição térmica. PALAVRAS CHAVE: Análise térmica, DSC, TG, Zidovudina. KEYWORDS: DSC, TG, Thermal analysis, Zidovudine. * Autor para correspondência. E-mail: patrikoening@yahoo.com.br ISSN 0326-2383 383

RODRIGUES P.O., CARDOSO T..M., SILVA M.A.S. & MATOS J. do R. MATERIAIS E MÉTODOS O padrão secundário de AZT (SQR) foi doado pelo Laboratório ar-manguinhos (undação Oswaldo Cruz), de acordo com a descrição: AZT20105, grau de pureza 99,5%, data 09/08/02, certificado analítico para substância química de referência SQRZID-010702. A zidovudina matéria-prima foi doada pela mesma fundação, de acordo com a descrição: nº registro 23795, lote AZT030405, N 0306913415, data 04/09/2003, fabricante Xiamen Mchem Laboratóries Ltda, certificado analítico AZT030405. Calorimetria Exploratória Diferencial (DSC) Para caracterização termoanalítica as curvas DSC foram obtidas em uma célula DSC-50 da Shimadzu utilizando cápsulas de alumínio parcialmente fechadas com ~2 mg de amostra sob atmosfera dinâmica de N 2 (100 ml min 1 ) e razão de aquecimento de 10 C min 1 na faixa de temperatura de 25 a 500 C. O equipamento foi previamente calibrado com índio (pf 156.6 C; H fusão = 28.54 J g 1 ) e zinco (pf 419.6 C). Para determinação do ponto de fusão e da pureza da zidovudina utilizou-se as mesmas condições acima, exceto na razão de aquecimento que foi realizada a 2 C min 1, na faixa de temperatura de 25 a 160 C. As determinações foram realizadas em triplicata. Termogravimetria (TG) A caracterização termoanalítica através da termogravimetria foi realizada em uma termobalança TGA-50 da Shimadzu. oram utilizados cadinhos de platina com massa de amostra de ~4 mg sob atmosfera dinâmica de N 2 (50 ml min 1 ), com razão de aquecimento de 10 C min 1 na faixa de temperatura de 25 a 900 C. Antes dos ensaios verificou-se a calibração do instrumento empregando-se uma amostra de oxalato de cálcio monoidratado com perdas de massa definidas. Para o estudo cinético isotérmico, as curvas TG foram obtidas a partir do aquecimento das amostras até as temperaturas de 160, 170, 180, 190 e 200 C, e mantidas em condições isotérmicas em atmosfera de N 2 (50 ml min 1 ) durante o tempo necessário para uma perda de massa superior a 5%. RESULTADOS E DISCUSSÃO Caracterização termoanalítica do AZT Os métodos termoanalíticos vêm sendo amplamente aplicados ao estudo de fármacos. Mesmo não constituindo técnicas oficiais, são muitos os trabalhos que se utilizam dessas metodologias como alternativas na caracterização e controle de qualidade de materiais farmacêuticos 9-14. A zidovudina foi caracterizada termicamente através de DSC e TG. A curva DSC do AZT (ig. 1) demonstra um primeiro evento endotérmico, na faixa de temperatura de 114 C a 134 C, com um consumo de energia de 103,71 J g 1, característico do processo de fusão da substância. A curva termogravimétrica demonstra que a substância apresenta uma temperatura onset de fusão de ~122 C, confirmando o preconizada na literatura 15,16. O processo de decomposição tem início na temperatura de 177 C, sendo evidenciado por dois eventos consecutivos. O primeiro, exotérmico, ocorreu na faixa de temperatura de 177 e 251 C ( H= 876,74 J g 1 ) com temperatura de pico em 234 C. O segundo endotérmico e de menor intensidade entre 251 e 350 C ( H= 286,06 J g 1 ) representado por dois pequenos picos em 261 C e 289 C. igura 1. Curva DSC do AZT obtida em atmosfera de N2 (50 ml min 1 ) a 10 C min 1. A curva termogravimétrica da zidovudina (ig. 2) apresenta três eventos bem definidos. O primeiro ocorre entre 185 e 254 C com perda de massa ( m) de 25,6%. O segundo evento ocorre entre 256 e 336 C com m = 46,6%. O último evento está relacionado à carbonização e eliminação do material carbonáceo do AZT ocorrendo na faixa de 333 a 889 C com perda de massa de 29%. De acordo com Araújo e colaboradores (2003) 17, estes eventos são decorrentes da degradação da zidovudina levando a formação de timina e 2-furanometanol. Determinação da pureza do AZT por DSC A determinação do ponto de fusão utilizando métodos calorimétricos vem sendo bastante empregada como método de avaliação do grau de 384

acta farmacéutica bonaerense - vol. 24 n 3 - año 2005 ( ) x 2 RT 2 0 T f = T 0 x (3) H f igura 2. Curva termogravimétrica e derivada primeira do AZT em atmosfera de N 2 (50 ml min -1 ) e razão de aquecimento de 10 C min -1. pureza de fármacos 6,18. Através da DSC pode-se determinar a faixa de fusão de uma substância e, baseando-se na equação de van t Hoff (1) é possível determinar a fração molar de impurezas contidas neste material. RT 2 ( 0 ) T f = T 0 X x (1) H f onde: T f representa a temperatura de fusão das impurezas no processo de fusão, T 0 o ponto de fusão do maior componente expresso em Kelvin (K), R a constante dos gases (8,3143 J K 1 mol 1 ), a concentração molar das impurezas na fase líquida e H f o calor de fusão do maior componente expresso em J mol 1. Quando uma substância é submetida a um aquecimento, o conjunto das impurezas é fundido formando no sistema uma fase líquida. Acima desta temperatura então, a fase sólida consiste somente em substância pura 19. Quando a fase eutética das impurezas é formada a temperatura decresce fazendo com que a fração molar das impurezas na fase líquida seja constantemente diminuída desde que a substância pura dissolva na solução eutética. A equação (2) descreve esta relação. x 2 X = (2) X 2 onde: é a fração molar das impurezas na fase líquida. A equação (2) pode ser substituída na equação (1) dando origem a uma expressão (3) que descreve a relação linear entre temperatura de fusão das impurezas (T f ) e fração molar das impurezas: x 2 ( ) A determinação da pureza por DSC é explicada pela teoria da não linearidade, ou seja, a área onde normalmente é iniciado o evento é decorrente da fusão das impurezas, justificando um processo não linear. O evento de fusão corresponde à porção endotérmica da curva DSC que se afasta da linha base, retornando posteriormente à mesma. A temperatura de fusão é obtida pelo início extrapolado da curva, sendo definida pelo ponto de intersecção da tangente com o ponto máximo de inclinação, do lado principal do pico com a linha base extrapolada. A ig. 3 apresenta a endoterma de fusão do AZT obtida numa razão de aquecimento de 2 C min 1. De acordo com a curva, pode-se inferir que a endoterma de fusão do AZT inicia em torno de 120 C consumindo 102,60 J g 1. A pureza da zidovudina foi calculada através da aplicação da equação 3 na linearização do evento de fusão, verificado em triplicata. Neste modelo a pureza é determinada através do desvio da linearidade do evento de fusão, o qual ocorre pela presença de impurezas. Conhecendo-se o desvio da linearidade, pode-se inferir sobre o fator de correção na linearização da reta (para 100 % de pureza, o que está diretamente associado à presença de impurezas. Logo, a pureza do AZT mostrou-se em torno de 99,20% ± 0,03 %, com um fator de correção calculados para as impurezas de 8,30% (ig. 4). igura 3. Curva DSC do AZT matéria-prima sob atmosfera de N 2 (100 ml min 1 ) e razão de aquecimento de 2 C min 1, evidenciando o evento de fusão. Estudo Cinético de Decomposição do AZT A literatura relata inúmeros estudos cinéticos baseados em termogravimetria (TG) com o intuito de elucidar mecanismos de reação no estado sólido, tais como: decomposição térmica, 385

RODRIGUES P.O., CARDOSO T..M., SILVA M.A.S. & MATOS J. do R. igura 4. Gráfico de linearização de van t Hoff obtido a partir da curva DSC do AZT. oxidação, redução, cristalização e outros 20-22. Um dos métodos empregados no estudo cinético de fármacos é o que utiliza um platô de aquecimento constante, próximo da temperatura de decomposição da amostra, dito método isotérmico. No método isotérmico o cálculo da energia de ativação é baseado na equação de Arrhenius (4). E k(t) = A x e RT (4) onde: A representa o fator freqüência, E a energia de ativação, R a constante geral dos gases e T a temperatura absoluta. A ig. 5 demonstra as isotermas utilizadas na determinação da energia de ativação (E) do AZT. Esta foi realizada utilizando-se os dados referentes ao tempo necessário para que houvesse uma perda de massa mínima de 5%. igura 5. Curvas isotérmicas do AZT em diferentes temperaturas na atmosfera de N 2 (50 ml min -1 ). A ig. 6 apresenta o gráfico de regressão linear da perda de massa relacionando tempo (t) e temperatura (T). A inclinação da reta é definida pelo coeficiente angular (a), onde a energia de ativação pode ser definida multiplicando-se igura 6. Linearização da razão tempo (t) e temperatura (T) utilizando dados das isotermas para 5% de perda de massa. (a) pela constante geral dos gases R (8,314 J mol 1 K 1 ). A regressão linear calculada para os dados cinéticos do AZT da origem a uma equação (5), com coeficiente de correlação linear de 0,9952 (r 2 ). y = 12,71767x + 24,16053 (5) A energia de ativação calculada para o AZT foi de 105,74 KJ mol 1. Sendo o tempo de estabilidade de um fármaco aquele onde no máximo 10 % da substância esteja na forma degradada 23 calculou-se a estabilidade (em dias) da zidovudina com base na equação (5), utilizando 25 C como padrão de temperatura ambiente. Dessa forma, e levando-se em consideração que a equação fornece o resultado em tempo (min) para que 5% do fármaco tenha sido degradado, calculou-se através da linearidade que a equação permite, uma diminuição de 10%. O resultado foi um tempo estimado de estabilidade térmica de 427 dias, ou seja, aproximadamente 14 meses a partir da data da análise. CONCLUSÕES As técnicas termoanalíticas empregadas no presente trabalho forneceram parâmetros acerca da zidovudina que são de extrema importância quando na identificação e controle de qualidade de fármacos. A calorimetria exploratória diferencial permitiu identificar o AZT através de sua faixa e entalpia de fusão, fornecendo ainda dados quantitativos sobre sua pureza. A DSC é considerada uma técnica rápida e confiável na determinação da pureza em sistemas onde a fusão não é acompanhada da decomposição do material. O estudo cinético por TG não objetiva a substituição ou a isenção dos estudos de estabilidade comumente realizados, no entanto possui vantagens relacionadas à simplicidade e ra- 386

acta farmacéutica bonaerense - vol. 24 n 3 - año 2005 pidez da técnica, em detrimento dos onerosos estudos de estabilidade. Desta forma a utilização da análise térmica traduz uma alternativa de indubitável interesse no campo farmacêutico. Agradecimentos. Os autores agradecem o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoa de Nível Superior (CAPES) pelas bolsas de mestrado. Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ), a Universidade ederal de Santa Catarina (USC) e a Universidade de São Paulo (USP) pelo apoio logístico. REERÊNCIAS BIBLIOGRÁICAS 1. Giron, D. (2002) J. Therm. Anal. Calorim. 68: 335-57. 2. Ozawa, T. (2000) Thermochim. Acta. 355: 35-42. 3. Buckton, G., S.J., Russel & A.E. Beezer (1991) Thermochim. Acta 193: 195-214. 4. Brown, M.E., E.M.Antunes, B.D.Glass, M.Lebete & R.B. Walker (1999) J. Therm. Anal. Calorim. 56: 1317-22. 5. Thompson, K.C. (2000) Thermochim. Acta 355: 83-7. 6. Ksiqzczak, A., T. Ksiqzczak & T. Zielenkiewicz, (2004) J. Therm. Anal. Calorim. 77: 233-42. 7. Iglesias, R., C. Taboada, S. Souto, R. Martinez- Pacheco, J.L. Gómez-Amoza & A. Concheiro (1998) Drug Dev. Ind. Pharm. 24: 835-40. 8. Medeiros, A.C.D., N.A.B. Cervantes, A.P.B. Gomes & R.O. Macêdo (2001) J. Therm. Anal. Calorim. 64: 745-50. 9. Bond, L., S. Allen, M.C. Davies, C.J. Roberts, A.P.Shivji, S.J.B. Tendler, P.M.Williams & J. Zhang (2002) Int. J. Pharm. 243: 71-82. 10. Giron, D. (2003) J. Therm. Anal. Calorim. 73: 451-7. 11. Moneghini, M., I. Kikic, B. Perissutti, E. ranceschinis & A. Cortesi (2004) Eur. J. Pharm. Biopharm. 59: 637-44. 12. Vecchio, S., A. Catalani, V. Rossi & M. Tomassetti, (2004) Thermochim. Acta. 420: 99-104. 13. Bán, M., J. Madarász, P. Bombicz, G. Pokol & S. Gál, (2004) Thermochim. Acta. 420: 105-9. 14. Yuexian,., L.Junfen & D. Chuan (2005) Spectrochim. Acta A. 61: 135-40. 15. Deutsches Arzneibuch 10 (1996) Eschborn: Govi. 16. The United States Pharmacopoeia (2003) 26 Ed. Rockville. 17. Araújo, A.A.S., S.Storpirtis, L.P. Mercuri,.M.S. Carvalho, M.S. ilho & J.R. Matos (2003) Int. J. Pharm. 260: 303-14. 18. Widmann, G. & O. Scherrer (1991) J. Therm. Anal. Calorim. 37: 1957-64. 19. ord, J.L & P. Timmins (1989) Pharmaceutical Thermal Analysis. John Wiley & Sons, New York. 20. Giron, D. (1998) PSTT 1: 191-9. 21. Huang, Y., Y.Cheng, K.Alexander & D. Dollimore (2001) Thermochim. Acta. 367: 43-58. 22. Byrn, S.R., W. Xu & A.W. Newman (2001) Adv. Drug Deliver. Rev. 48: 115-36. 23. Nudelman, N.E.S. (1975) Estabilidad de Medicamentos. El Ateneo: Buenos Aires. 387