RESÍDUOS CERÂMICOS DE BARRO VERMELHO João Silva, Eng.º Civil, Mestre em Construção, IST Jorge de Brito, Professor Associado c/ Agregação, IST Mª Rosário Veiga, Investigadora Principal, LNEC Os sectores da indústria cerâmica e da construção contribuem de forma significativa para a economia portuguesa. No entanto, são uma ameaça para o meio ambiente face ao elevado montante de subprodutos e resíduos por eles gerado, à consequente deposição em aterro, ao desperdício energético e à agressão causada pela exploração de matériasprimas que, embora existam ainda em quantidade e qualidade, são recursos esgotáveis. PRODUÇÃO DE RESÍDUOS DE BARRO VERMELHO O entulho possui características bastante peculiares. Por ser produzido num sector onde há uma gama muito grande de diferentes técnicas e metodologias de produção e cujo controlo da qualidade do processo produtivo é recente, características como a composição e a quantidade produzida dependem directamente do estágio de desenvolvimento da indústria da construção local (qualidade da mão de obra, técnicas construtivas empregues, adopção de programas de qualidade, etc.). Os resíduos provenientes da construção e demolição (Figura 1) são, talvez, os mais heterogéneos dos resíduos industriais. São constituídos por restos de praticamente todos os materiais de construção (argamassa, areia, cerâmicos, betões, madeira, metais, papéis, plásticos, tijolos, tintas, etc.). Figura 1 - Demolição de um edifício No processo de demolição de uma construção, a separação cuidada de todos os materiais envolvidos é uma condição relevante para a eficácia dos processos de britagem e de tratamento dos materiais cerâmicos, que devem estar isentos de impurezas para poderem ser incorporados como agregados na produção de novo betão ou nova argamassa. Para uma melhor compreensão das fontes geradoras de resíduos cerâmicos, apresenta-se na Figura 2 o ciclo de vida do produto cerâmico. Em muitas das etapas, são produzidos
resíduos, sendo que as fases de produção do produto cerâmico e da produção e da demolição das construções nas quais eles são utilizados, são aquelas que maior quantidade de resíduos produzem. Extracção de matérias-primas Processo de fabrico Agregados cerâmicos Produto final Transporte Resíduos limpos Britagem Colocação em obra Aplicação na construção Resíduos c/ impurezas Tratamento Demolição Figura 2 - Ciclo de vida do produto cerâmico QUANTIFICAÇÃO DE RESÍDUOS CERÂMICOS DE BARRO VERMELHO A alvenaria de tijolo de barro vermelho pode constituir até cerca de 50% da quantidade de material utilizada na construção de edifícios. Segundo a European Association of Clay Brick and Tile Manufacturers (TBE) e a Fédération des Fabricants de Tuiles et de Briques, é possível alcançar uma meta da reciclagem de 90% para este tipo de materiais (Pereira, 2002). Segundo dados obtidos através da APICER (Associação Portuguesa da Indústria Cerâmica), o número de empresas activas em Portugal na área de tijolos, abobadilhas e telhas cerâmicas de barro vermelho tem vindo a decrescer gradualmente. Nos últimos 20 anos, mais de 150 empresas encerraram. Apresenta-se em seguida a evolução do número de empresas entre os anos de 1996 e 2002 (Quadro 1). A indústria de produção de tijolos e telhas cerâmicas representa, aproximadamente, 5,3 milhões de toneladas das quais 4,5 milhões são tijolos e cerca de 0,8 milhões são telhas. Pode-se observar a evolução das vendas de tijolos e de telhas (entre os anos de 2000 e 2003), respectivamente nos Quadros 2 e 3.
Quadro 1 - Evolução do número de empresas de cerâmica estrutural (tijolos, abobadilhas e telhas de barro vermelho) em Portugal entre os anos de 1996 e 2002 (APICER) Evolução do 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 n.º de empresas 263 251 228 233 205 221 198 Quadro 2 - Evolução das vendas totais de tijolo cerâmico de barro vermelho em Portugal entre os anos de 2000 e 2003 (APICER) Tijolo cerâmico (barro vermelho) 2000 2001 2002 2003 Vendas (toneladas) 5.564.875 5.411.841 5.000.000 4.050.000 Quadro 3 - Evolução das vendas totais de telha cerâmica de barro vermelho em Portugal entre os anos de 2000 e 2003 (APICER) Telha cerâmica (barro vermelho) 2000 2001 2002 2003 Vendas (toneladas) 754.679 795.500 804.807 757.461 Analisando os quadros 1 a 3, observa-se que as vendas de tijolo têm vindo a decair nos últimos anos. Por seu lado, as telhas têm mantido um nível estável de vendas. Uma explicação possível para este facto deve-se à proliferação de alguns produtos concorrentes dos tijolos na indústria da construção, nomeadamente em paredes. Por seu lado, a telha tem mantido um nível crescente de vendas nos últimos anos, decaindo apenas um pouco do ano de 2002 para 2003, o que se pode explicar por algum decréscimo de obras (públicas e particulares) entre estes anos. Estima-se que o volume de perdas obtido durante o processo de fabrico (Figura 3) é, no máximo, cerca de 5% da produção total (Rosa, 2002), o que pode ser justificado pelo funcionamento não totalmente eficaz dos equipamentos (devido a falta de manutenção, etc.), acarretando custos devidos à remoção e transporte de desperdícios, necessidade de mais recursos naturais para compensar as perdas e consumo de horas-homem. Por sua vez, após o fabrico, estima-se que cerca de 12% do material transportado, armazenado e aplicado em obra resulta em perdas (Rosa, 2002). Neste percurso do local de armazenamento, quer este seja a própria fábrica, quer a empresa construtora, ao local da obra é frequente a quebra de algum material, devido a determinadas circunstâncias, como a deficiência na cintagem e compactação das paletes embaladas dentro do veículo de transporte, a falta de cuidado por parte daqueles que manobram o equipamento que
transporta as paletes do exterior ao interior do veículo de entrega e vice-versa, bem como as condições do pavimento rodoviário que podem também influir no estado físico em que será entregue o material ou a eventualidade de um acidente rodoviário. Figura 3 - Paletes de abobadilhas de barro vermelho Deste modo, somando a percentagem estimada de desperdícios deste material, envolvido em todo o seu ciclo de vida, ter-se-ão 17% (5% + 12%) de resíduos cerâmicos do total produzido. Assim, considerando um universo de 5,3 milhões de toneladas (já referidos), tem-se cerca de 900 mil toneladas de resíduos anuais de cerâmica estrutural de barro vermelho (tijolos + telhas). No entanto, prevê-se que o total de resíduos de cerâmica estrutural (de barro vermelho) gerados anualmente seja ainda maior, uma vez que nesta estimativa não se contabilizam as operações de reabilitação e de demolição de edifícios e obras de arte assim como os resíduos resultantes de catástrofes naturais (cheias, sismos, avalanches, incêndios) ou provocadas pelo Homem (guerras, fogos postos, desmoronamentos de estruturas). Assim, e não obstante haver alguma diminuição na produção de cerâmica estrutural (de barro vermelho), a quantidade produzida continuará a ser bastante significativa, pelo que se justificará sempre qualquer medida tomada para reduzir os desperdícios resultantes do fabrico, desde que seja vantajosa a nível ambiental e económico. CONCLUSÃO No presente artigo, a solução proposta é a de incorporar resíduos de barro vermelho na fabricação de argamassas e betões, tirando partido da experiência positiva acumulada (Rosa, 2002) (Silva, 2006) mas existirão outras soluções adicionais para reduzir, reciclar e reutilizar as 900 mil toneladas de resíduos de barro vermelho anualmente gerados. No entanto, como se sabe, o aproveitamento nunca é total, devido, essencialmente, à dificuldade inerente à separação dos diferentes tipos de resíduos, quando necessário.
Bibliografia Pereira, Luís; Reciclagem de resíduos de construção e demolição: aplicação à zona Norte de Portugal, Dissertação de Mestrado em Engenharia Civil, Escola de Engenharia do Minho, Guimarães, 2002 Rosa, Ana Sofia Pereira, Utilização de agregados grossos cerâmicos reciclados na produção de betão, Dissertação de Mestrado em Construção, Instituto Superior Técnico, Lisboa, 2002 Silva, João, Incorporação de resíduos de barro vermelho em argamassas cimentícias, Dissertação de Mestrado em Construção, Instituto Superior Técnico, Lisboa, 2006