RESISTÊNCIA À COMPRESSÃO DE BETÕES PRODUZIDOS COM AGREGADOS GROSSOS RECICLADOS DE BETÃO
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- Liliana Lemos Malheiro
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1 RESISTÊNCIA À COMPRESSÃO DE BETÕES PRODUZIDOS COM AGREGADOS GROSSOS RECICLADOS DE BETÃO A. P. GONÇALVES Jorge de BRITO J. R. DOS SANTOS F. A. BRANCO Engª Civil, Mestre em Professor Associado Assistente Professor Catedrático Construção - IST IST/ICIST IST/ICIST IST/ICIST Lisboa Lisboa Lisboa Lisboa SUMÁRIO Esta comunicação apresenta os resultados de uma campanha de ensaios para a avaliação da tensão de rotura à compressão de séries consecutivas de cubos de betão produzidos com agregados grossos reciclados a partir de séries anteriores de que se conhece-se a resistência à compressão. Para manter a trabalhabilidade e simultaneamente a durabilidade, adicionam-se plastificantes, em vez de se aumentar a quantidade de água de amassadura. 1. INTRODUÇÃO Nos últimos quinze anos, o crescimento da atenção das autoridades públicas em relação aos resíduos produzidos pela indústria da construção reflectiu-se no surgimento de um grande número de grupos de trabalho, conferências, encontros e planos de acção estratégicos na temática da construção civil e o meio ambiente. Isto repercutiu-se também na aprovação de legislações específicas, no aparecimento de recursos financeiros para investigação e em investimentos na indústria de reciclagem dos resíduos de construção e demolição (RCD) [4]. De acordo com o relatório de um trabalho efectuado pelo grupo SYMONDS (Reino Unido), apresentado em 1999, a produção de RCD na União Europeia alcança aproximadamente 180 milhões de toneladas por ano. Deste total, somente 28 % é reciclado, sendo a percentagem restante directamente lançada a vazadouro. Em Portugal, segundo aquele relatório, menos de 5 %
2 da quantidade total de RCD produzida é reciclada, o mesmo acontecendo na Espanha, Grécia e Irlanda [2]. Em países como a Holanda, o Reino Unido, a Bélgica, a Alemanha e a Noruega, existem exemplos de aplicação de agregados grossos reciclados de betão na produção de um novo betão para moldagem de elementos estruturais. Na maior parte dos casos, tratou-se da substituição, na composição do betão, de uma parcela dos agregados naturais pelos reciclados. Existem, no entanto, referências a um bom desempenho do betão aquando da aplicação de 100 % de agregados grossos reciclados [3]. Esta comunicação apresenta os resultados iniciais de uma investigação em curso no Instituto Superior Técnico (IST) em que se procurou avaliar a resistência à compressão de séries consecutivas de cubos de betão contendo na sua composição agregados grossos reciclados de séries anteriores. 2. INVESTIGAÇÃO NO ÂMBITO DA RECICLAGEM DOS RCD NO IST Em Portugal, a grande extracção de agregados naturais e a descarga desordenada a vazadouro dos RCD, tem originado diversos problemas ambientais (ou mesmo acidentes, como em Entre-os- Rios) e já deveria ter levado à criação de legislação específica para incentivo da reciclagem dos detritos da construção / demolição. Para o desenvolvimento da reciclagem dos RCD dentro da indústria da construção, é de extremo interesse a avaliação da actual produção de resíduos, das tendências evolutivas existentes, das propriedades e campo de aplicação de agregados reciclados na construção, das técnicas de demolição mais apropriadas para a reciclagem e de até onde e de que forma se poderá chegar no consumo de agregados reciclados. Ciente da carência de pesquisa no nosso país no âmbito da reciclagem dos RCD, o grupo de Gestão e Tecnologia da Construção, do Departamento de Engenharia Civil do IST, formou um grupo de trabalho para investigação nesta área que já conduziu a uma dissertação de mestrado intitulada Análise do Desempenho de Betões Produzidos a Partir de Inertes Reciclados Provenientes de Resíduos da Construção, cujo trabalho experimental é apresentado nesta comunicação. Foi também já apresentada uma dissertação de mestrado intitulada Gestão de Resíduos na Construção, em que é apresentada uma visão estratégica da implementação de políticas de desenvolvimento sustentável aplicadas a Portugal. No âmbito deste tema e desde há cerca de um ano, está também em curso um trabalho de investigação com vista à elaboração de uma tese de doutoramento, abordando os seguintes aspectos: resistência à compressão de betões produzidos com diferentes percentagens de agregados grossos reciclados de betão e alvenaria de tijolo de barro vermelho; aspectos relacionados com a deformabilidade (módulo de elasticidade, retracção e fluência) dos mesmos materiais;
3 aspectos relacionados com a durabilidade (absorção de água, índice de vazios, porosidade, resistividade, avanço da frente de carbonatação, reacção álcali-agregados e penetração de cloretos) dos mesmos betões. Um outro trabalho de investigação no âmbito de uma dissertação de mestrado está também em curso, envolvendo a reciclagem e reutilização de resíduos cerâmicos (oriundos da indústria cerâmica, dos desperdícios na construção e ainda da triagem dos detritos da demolição) em argamassas e betões. O Departamento de Engenharia Civil e Arquitectura do IST envolveu-se também em projectos de investigação relacionados directamente com esta temática e submetidos a concurso para financiamento no âmbito do apoio dado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, num dos quais em parceria com o Departamento de Engenharia Civil da FEUP. Está ainda em curso a segunda fase da candidatura a um projecto Europeu de investigação (de acrónimo OPTIDEBRIS), no âmbito da optimização da selecção e reutilização dos resíduos de construção e demolição. 3. ENSAIOS DE LABORATÓRIO 3.1. Considerações Gerais O betão representa cerca de 75% de todos os materiais estruturais da construção (em peso) e é responsável por uma grande percentagem de resíduos resultantes de demolições. Milhões de toneladas de escombros de betão são também gerados por catástrofes naturais. A exploração excessiva de fontes naturais, uma legislação ambiental progressivamente mais rigorosa e problemas com a deposição de resíduos em aterro são factores que contribuem para que a reutilização de resíduos de betão tome proporções interessantes. O betão, após ser triturado, pode ser utilizado como agregado grosso para um novo betão. No entanto, e apesar de nem todo o cimento do betão antigo ter sido hidratado, é necessário utilizar a mesma quantidade ou mesmo uma maior quantidade de cimento do que se se estivesse a produzir um betão com agregados naturais. No estudo que se apresenta, e por ter ainda um carácter inicial, os resíduos de betão utilizados no primeiro ciclo de ensaios foram os provenientes de cubos de ensaio que foram cedidos pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil. Não era conhecida a maioria das propriedades destes cubos, tais como a trabalhabilidade e a relação água / cimento. Tinha simplesmente sido determinada a sua resistência à compressão e o respectivo valor característico f ck. O facto de não se conhecerem as propriedades acima referidas não permite estabelecer comparações com um betão feito com agregados naturais. Este desconhecimento faz, no entanto, com que se simule uma situação real, pois, quando se está a demolir uma estrutura, também não se tem o conhecimento destas propriedades (frequentemente, nem sequer se conhece a resistência do betão). O principal objectivo foi analisar qual a resistência do betão produzido com agregados grossos reciclados. O betão inicial tinha sido sujeito a ensaios de compressão, de modo a se determinar
4 qual a sua resistência. Posteriormente, os cubos utilizados nos ensaios foram triturados para a obtenção de novos agregados reciclados e assim sucessivamente º ciclo de ensaios Como referido em 3.1, os agregados grossos a utilizar no primeiro ciclo de ensaios a realizar foram obtidos a partir de cubos, de betão produzido com agregados naturais, cedidos pelo LNEC. Estes cubos foram levados posteriormente para uma central de reciclagem (Lobbe) onde foram triturados e transformados em agregados (Fig. 1). Fig. 1 - Transformação dos cubos em agregados No Laboratório de Construção do IST, este material foi peneirado de modo a serem retirados os finos, uma vez que foi decidido desde o princípio que estes não seriam reaproveitados. Foram retirados manualmente alguns materiais residuais. Todos os elementos de maiores dimensões e que não são aproveitados foram retirados e pesados, assim como os finos. A composição do betão produzido no 1º ciclo de ensaios, para o qual obteve-se um slump de 2,8 cm, foi a seguinte: cimento: 450 kg/m 3, areia: 730 kg/m 3, brita: 1040 kg/m 3, a/c: 0,45, adjuvante: 2,4 l/m 3 Concluída a amassadura e tendo-se aceite o valor do abaixamento obtido, começou-se por preencher 30 moldes com o material produzido. Antes de se proceder à betonagem dos moldes, estes tiveram de ser devidamente limpos e pulverizados com óleo descofrante para facilitar a descofragem. Este procedimento deve ser sempre seguido após a descofragem, de modo a que estes estejam em boas condições nas próximas utilizações. Os cubos foram introduzidos na câmara de cura à temperatura de 20ºC, e com um teor de humidade de cerca de 100%, durante 27 dias. Ao fim deste tempo, foi determinada a resistência à compressão (Fig. 2). Dos ensaios de resistência à compressão, obteve-se uma resistência característica (f ck) de 42 MPa, concluindo-se então tratar-se de um betão C32/40.
5 Fig. 2 - Ensaios à compressão dos cubos º ciclo de ensaios Para o betão do 2º ciclo de ensaios, utilizou-se a mesma dosagem do 1º ciclo, sendo que os agregados grossos utilizados foram obtidos através da trituração dos cubos do 1º ciclo (Fig. 3, à esquerda). Como o slump obtido foi 5,5 cm, um valor inesperadamente elevado quando comparado com o do 1º ciclo, passou-se a utilizar 1,6 l/m 3 de adjuvante, ao invés dos 2,4 l/m 3 utilizados no 1º ciclo. Obteve-se em duas amassaduras um abaixamento médio de 5,3 cm (Fig. 3, à direita), valor superior ao obtido no primeiro ciclo, o que poderá ter sido devido ao maior teor de humidade ambiente durante este 2º ciclo de amassaduras, ou à utilização de areia com maior teor em humidade. Ao fim de 28 dias, foram realizados ensaios à compressão em 30 cubos moldados, obtendo-se uma resistência característica de 38 MPa, o que nas classes de resistência à compressão corresponde a um betão C30/37. Fig. 3 - À esquerda, agregados resultantes da trituração dos cubos do 1º ciclo e, à direita, abaixamento do cone de Abrams referente ao 2º ciclo 3.3 3º ciclo de ensaios No terceiro ciclo de ensaios, diminuiu-se o consumo de cimento e, consequentemente, a quantidade de adjuvante em relação à composição do primeiro ciclo. A dosagem utilizada, com a qual se obteve um abaixamento de 1 cm, foi a seguinte:
6 cimento: 400 kg/m 3, areia: 730 kg/m 3, brita: 1040 kg/m 3, a/c: 0,45, adjuvante: 2,13 l/m 3 Foram utilizados agregados grossos reciclados a partir dos cubos do 2º ciclo. Neste terceiro ciclo de ensaios, era de esperar piores resultados quando comparados com os do segundo ciclo. Esta diferença prende-se fundamentalmente com a menor dosagem de cimento e adjuvante e com a maior percentagem de agregados grossos de granulometria mais fina resultante do processo de trituração utilizado que foi diferente do utilizado nos dois ciclos anteriores. Para este terceiro ciclo, os agregados foram triturados numa pequena estação de trituração de agregados (naturais) do Departamento de Minas do IST. Dadas as características do equipamento, em alguns casos foi necessário recorrer a uma segunda trituração, pelo que o produto final continha uma maior percentagem de agregados grossos mais finos, quando comparado com o produto obtido no segundo e primeiro ciclos. Ao fim de 28 dias, foram realizados ensaios à compressão aos provetes moldados, obtendo-se uma resistência característica de 46 MPa, o que nas classes de resistência à compressão corresponde a um betão C35/ ANÁLISE DOS RESULTADOS De modo a sistematizar os ciclos de ensaios descritos anteriormente, apresenta-se na Tabela 1 os principais resultados obtidos. CICLO Tabela 1 - Quadro resumo dos resultados obtidos nos três ciclos de ensaios ABAIXAMENTO RESISTÊNCIA À COMPRESSÃO CLASSE DO BETÃO ABSORÇÃO DOS AGREGADOS GROSSOS 1º 2,8 cm 42 MPa C32/40 6,3 % 2º 5,3 cm 38 MPa C30/37 7,6 % 3º 1,0 cm 46 MPa C35/45 8,5 % A ligeira redução da resistência entre o primeiro e o segundo ciclos de betonagens pode ser explicada pelos seguintes factores: dada a diferença de condições atmosféricas, entre o primeiro e segundo ciclo de ensaios, os agregados encontravam-se mais húmidos, eventualmente por terem sido retirados de camadas menos superficiais; no primeiro ciclo de betonagens, o processo decorreu de uma forma algo lenta, aspecto que neste segundo ciclo foi bastante melhorado; o cimento utilizado no 2º ciclo provavelmente não se encontraria nas condições ideais, uma vez que já se encontrava há já algum tempo armazenado. No que diz respeito aos valores obtidos de resistência a compressão no 3º ciclo, estes foram algo diferentes do esperado pois, uma redução da dosagem de cimento (50 kg/m 3 ) e proporcionalmente de adjuvante não resultou em perda de resistência aos 28 dias como se pode constatar na Tabela 1.
7 É sabido que cerca de 20% a 30% do cimento não é hidratado durante a amassadura. Tal facto pode revestir-se de alguma importância na produção de betão com agregados reciclados a partir de betão demolido, uma vez que a trituração poderá libertar partículas de cimento não hidratadas anteriormente, algumas das quais poderão vir a reagir numa betonagem subsequente. Este fenómeno poderá, em parte, justificar os valores de resistência à compressão obtidos no terceiro ciclo. Outra razão provável foi a variação da curva granulométrica resultante do diferente tipo de trituração dos agregados. No entanto, crê-se que estas pequenas flutuações na resistência do betão nos diversos ciclos, em relação à classe C32/40, se devem meramente à dificuldade de nesses ciclos se manter constantes determinadas características, tais como o teor de humidade dos agregados grossos e finos, a humidade relativa ambiente, a qualidade do cimento, o tempo de amassadura, a curva granulométrica, entre outros. Para além daqueles resultados, existem ainda outras constatações que se podem retirar de uma análise global aos três ciclos de ensaios realizados, nomeadamente: a absorção de água pelos agregados grossos é um aspecto fundamental a ter em consideração na produção de um novo betão; a maior ou menor absorção condicionará a trabalhabilidade, que, no âmbito deste trabalho, se procurou corrigir com a adição de adjuvantes e com uma dosagem de cimento elevada; a quantidade de adjuvantes utilizada tem influência directa, ainda que não muito pronunciada, na resistência do betão obtido; a utilização de um cimento do tipo I, em vez do cimento de tipo II usado nos ensaios, poderá conduzir a melhores resultados, uma vez que, em média, se poderia ter reduzido cerca de 30 kg de cimento em cada metro cúbico de betão; ao utilizar um cimento de melhor qualidade, faria sentido utilizar um adjuvante de alto desempenho; tudo indica que o processo de reciclagem integral e sucessiva de agregados grossos reciclados de betão demolido é sustentável em termos de resistência; em termos económicos, haverá no entanto as desvantagens associadas ao facto de se ter que recorrer a adjuvantes, para manter a trabalhabilidade sem aumentar a relação água / cimento, e também, em princípio, a uma maior dosagem de cimento no 1º ciclo (passagem do betão feito com agregados naturais para betão feito com agregados reciclados). Estes três ciclos de ensaios realizados terão de ser encarados como uma base de partida. Com efeito, o número relativamente limitado de cubos e de ciclos, e a variação das condições atmosféricas impõem a necessidade de realizar um trabalho mais vasto que confirme e consolide as principais conclusões aqui obtidas e que procure explicar alguns resultados não esperados, como os que a seguir se apresentam: a redução de adjuvante no 2º ciclo não teve como resultado a perda de trabalhabilidade como era expectável; para uma mesma posologia, verificaram-se oscilações de trabalhabilidade, as quais poderão ter tido origem na alteração das condições atmosféricas entre os vários ciclos de ensaios e, consequentemente, no estado dos próprios materiais (areia e cimento);
8 no terceiro ciclo, uma redução de dosagem de cimento (50 kg/m 3 ) e de adjuvante não resultou em perda de resistência aos 28 dias. 5. CONCLUSÕES No que diz respeito aos resultados experimentais, pode concluir-se que o processo de produção de agregados grossos reciclados de betão demolido é, basicamente, auto-sustentável. De facto, foi possível manter as características de resistência e trabalhabilidade em sucessivos ciclos de fabrico de novo betão com agregados reciclados obtidos de demolição de betão. Para tal, recorreu-se apenas a pequenas alterações de dosagem de cimento e à introdução de adjuvante / plastificante. Refira-se ainda que a manutenção da relação água / cimento, apesar do aumento da absorção dos agregados grossos reciclados, permite prever que a durabilidade do betão fabricado com estes agregados não será inferior à do betão original. Um aspecto a explorar em trabalhos subsequentes refere-se à hidratação do cimento aderente aos agregados reciclados. Os ensaios experimentais realizados não permitiram determinar qual a extensão deste fenómeno, pelo que não foi aqui contabilizado, mas será interessante dedicar-lhe futuramente uma atenção acrescida. 6. REFERÊNCIAS [1] Gonçalves, A. P.; Análise do Desempenho de Betões Obtidos a Partir de Inertes Reciclados Provenientes de Resíduos da Construção, dissertação de mestrado, IST, DECIVIL, Dezembro de 2000, Lisboa. [2] Use of Recycled Materials as Aggregates in the Construction Industry, European Thematic Network in Construction, ed. Johan Vyncke, vol. 1, 1999, Brussels. [3] Use of Recycled Materials as Aggregates in the Construction Industry, European Thematic Network in Construction, ed. Johan Vyncke, vol. 2, 2000, Brussels. [4] Vasquez, E. V.; Recycling of Aggregates in the Construction Industry, 1 st ETNRecy.net/RILEM Workshop, proceedings, Setembro de 2000, Paris.
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