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1 BETÕES COM AGREGADOS DE BORRACHA DE PNEUS USADOS PARTE I - PROGRAMA EXPERIMENTAL, APRESENTAÇÃO E ANÁ- LISE DOS RESULTADOS DOS ENSAIOS AOS AGREGADOS E DOS ENSAIOS AO BETÃO NO ESTADO FRESCO Miguel Bravo Filipe Valadares Jorge Brito Mestrado em Eng. Civil Mestrado em Eng. Civil Professor Catedrático IST IST IST/DECivil Lisboa Lisboa Lisboa SUMÁRIO Este artigo visa avaliar o desempenho dos betões com agregados de borracha de pneus usados (BAP). Deste modo, foi analisado o comportamento dos BAP em termos mecânicos e ao nível da durabilidade. Para isso, foram realizados ensaios de resistência à compressão, resistência à tracção por compressão diametral, módulo de elasticidade, resistência ao desgaste por abrasão, retracção, absorção de água por imersão, absorção de água por capilaridade, resistência à carbonatação e resistência à penetração de cloretos. Nesta investigação, efectuaram-se betões com 5, 10 e 15% em volume de substituição de agregados naturais por agregados de borracha de pneus usados, tendo-se estudado a substituição em agregados finos, em grossos e em ambos. Neste estudo, procedeu-se ainda à análise da influência do tipo de trituração da borracha, produzindo-se betões com agregados de borracha de pneus usados (AP) triturados pelo processo mecânico e criogénico. Na primeira parte deste artigo, começa-se por efectuar uma breve introdução à presente temática e descreve-se o programa experimental utilizado. Posteriormente, procede-se à apresentação e análise dos resultados obtidos nos ensaios aos agregados naturais (AN) e aos AP. Finalmente, avaliam-se os resultados verificados nos ensaios ao betão no estado fresco. 1. INTRODUÇÃO Neste artigo, é apresentado um resumo da investigação desenvolvida nas dissertações de mestrado de Filipe Valadares [1] e Miguel Bravo [2], respectivamente com os títulos Betões com agregados de borracha de pneus usados: Desempenho mecânico e Betões com agregados de borracha de pneus usados: Desempenho em termos de durabilidade. A reutilização da borracha de pneus usados é bastante benéfica para o meio ambiente, pois evita a colocação de pneus usados em aterros. Por outro lado, a população mundial começou a conscien-
2 cializar-se de que o elevado consumo de recursos naturais se estava a tornar insustentável. Esta conjuntura levou a que começassem a ser estudados na década de 1990 os betões com agregados de borracha de pneus usados (BAP). Eldin e Senouci [3] realizaram um dos primeiros estudos sobre BAP. Os autores verificaram que os BAP apresentam menor trabalhabilidade, menor resistência à compressão e à tracção e maior tenacidade. O decréscimo das propriedades mecânicas foi atribuído à falta de aderência entre a superfície da borracha e a matriz de cimento. Posteriormente, sucessivas publicações vieram estender e consolidar o conhecimento da trabalhabilidade, massa volúmica, resistência à compressão, resistência à tracção e módulo de elasticidade (colocar as outras já estudadas) deste compósito. Mais recentemente, novas questões relacionadas com a incorporação de borracha têm sido alvo de investigação: análise da influência da geometria dos agregados de borracha sob diversas formas; avaliação da influência do tratamento da superfície dos granulados de borracha; avaliação da sua resposta a acções dinâmicas (fadiga, módulo de elasticidade dinâmico, colisão); análise do desempenho em termos de durabilidade; comportamento ao fogo; condutividade térmica; entre outras. Em relação ao ensaio de módulo de elasticidade, o volume de dados disponíveis na bibliografia é consideravelmente menor comparativamente aos ensaios de resistência à compressão e à tracção. Assiste-se a um consenso generalizado no que respeita à redução do módulo de elasticidade com o aumento da percentagem de substituição de agregados, independentemente de esta ser feita nos finos ou nos grossos. Esta tendência pode ser facilmente explicada com base na forte correlação entre o módulo de elasticidade do betão e dos seus agregados. Assim, apresentando os agregados de borracha de pneus usados (AP) uma rigidez claramente inferior à dos agregados naturais (AN), é presumível que o módulo de elasticidade do betão sofra uma redução tanto maior quanto maior a substituição (Turatsinze e Garros [4]). Rosa et al. [5] estudaram a absorção de água de betões com substituição de 5, 10 e 20% da massa dos AN por AP finos e grossos. Os autores não obtiveram uma tendência contínua com o aumento da quantidade de AP. No entanto, puderam verificar que a absorção de água aumenta com o aumento da dimensão dos AP. Por sua vez, o estudo efectuado por Giacobbe [6] concluiu que a absorção de água era fortemente influenciada pela substituição de AN por AP. Neste estudo, obteve-se um aumento relativo de 114% no BAP com substituição de 14% do volume total dos agregados, nos finos. O autor justifica o resultado com a maior dificuldade de compactação dos BAP, provocada pela baixa massa volúmica da borracha. Gesoglu e Guneyisi [7] verificaram a diminuição da resistência à penetração dos iões cloreto com o aumento da quantidade de AP. No estudo efectuado por estes autores, a penetração dos iões cloreto, em betões com 28 dias de cura, aumentou aproximadamente 57% com a substituição de 25% do volume total de AN por AP. Refira-se que a generalidade dos autores aponta para uma diminuição da qualidade das características mecânicas dos betões, aquando da incorporação de agregados de borracha de pneus usados. Embora o estudo das propriedades mecânicas dos BAP já se encontre um pouco desenvolvido, os estudos existentes no que se refere às características de durabilidade são muito escassos e, relativamente a algumas propriedades, inexistentes. O objectivo desta investigação foi analisar diversas propriedades dos BAP, ao nível mecânico e de durabilidade, através da produção de betões com borracha em diferentes percentagens, dimensões e processos de trituração.
3 2. PROGRAMA EXPERIMENTAL 2.1. Materiais Nesta investigação, foram utilizados agregados naturais (AN) e agregados de borracha de pneus usados (AP). Relativamente aos AN, foram fornecidos agregados grossos britados e areias roladas de origem calcária. Um dos objectivos do presente estudo foi analisar a influência que o processo de trituração dos AP tem nas características dos BAP. Assim, foram produzidos betões com AP finos triturados pelos processos: mecânico e criogénico. Na produção dos betões, foram ainda utilizados cimento do tipo CEM II A-L 42,5 R e água potável Composições Foram produzidas 13 composições de betão: o betão de referência e betões com taxas de substituição de 5, 10 e 15% do volume total de agregados, de AN por AP. Para cada percentagem, produziram-se betões com substituição dos agregados totalmente nos finos, totalmente nos grossos e em finos e grossos, simultaneamente. Para os betões com substituição de AN por AP em finos, foram utilizados AP triturados pelo processo mecânico e AP obtidos pelo processo criogénico. Assim, produziram-se os seguintes betões: BR (betão de referência), B05F (betões com 5% de substituição de AN por AP, obtidos pelo processo mecânico, em finos), B05F* (betões com 5% de substituição de AN por AP, obtidos pelo processo criogénico, em finos), B05FG (betões com 5% de substituição de AN por AP em finos e grossos), B05G (betões com 5% de substituição de AN por AP em grossos), B10F, B10F*, B10FG, B10G, B15F, B15F*, B15FG e B15G. Consideraram-se agregados finos as partículas passantes no peneiro de malha 4 mm e agregados grossos as partículas retidas nesse peneiro. Foi considerada uma dimensão máxima das partículas de 25,4 mm. No entanto, no caso dos AP, apenas foram utilizados agregados até à dimensão de 11,2 mm, devido à indisponibilidade de AP de maiores dimensões. A substituição dos AN por AP foi efectuada por fracção granulométrica, de forma a manter para todos os BAP a curva granulométrica dos agregados do betão de referência. Nesta investigação, não foram utilizados adjuvantes nem adições. Todos os betões foram produzidos com um abaixamento igual a 80 ± 15 mm, de modo a possibilitar uma correcta comparação entre estes. Para isso, realizou-se uma fase experimental, na qual se ajustou, sempre que necessário, a quantidade de água colocada, para cada tipo de betão, de modo a cumprir a exigência referida (Quadro 1). Quadro 1 - Relação a/c dos diversos betões [2] BR B05F/B05F* B05FG B05G B10F/B10F* B10FG B10G B15F/B15F* B15FG B15G Relação a/c 0,43 0,43 0,43 0,44 0,45 0,45 0,46 0,47 0,47 0,48 A composição do betão de referência foi determinada através do método de Faury com o objectivo de que a sua resistência pertencesse à classe C30/37. As diferentes proporções, em volume, dos materiais podem ser observadas no Quadro 2.
4 Quadro 2 - Composição do betão de referência [2] Cimento 0,147 Agregados finos Agregados grossos 0-0,063 0,000 0,063-0,125 0,000 0,125-0,25 0,021 0,25-0,5 0,048 0,5-1 0, , , ,6 0,039 5,6-8 0, ,2 0,045 11,2-16 0, ,4 0,114 22,4-25,4 0,045 Água 0,197 Vazios 0,015 Total 1, Ensaios aos agregados Os agregados e granulados foram caracterizados com base nos seguintes ensaios: análise granulométrica - NP EN (2000) e NP EN (1999); massa volúmica e absorção de água - NP EN (2003); massa volúmica aparente - NP EN (2003); índice de forma - NP EN (2002) (apenas em agregados grossos); desgaste de Los Angeles - LNEC E237 (1970) (apenas em agregados grossos) Ensaios ao betão no estado fresco Os ensaios efectuados ao betão, no estado fresco, foram os seguintes: ensaio de abaixamento (cone de Abrams) - NP EN (2002); massa volúmica - NP EN (2002) Ensaios ao betão no estado endurecido Ao betão no estado endurecido, realizam-se os seguintes ensaios: resistência à compressão - NP EN (2003); resistência à tracção por compressão diametral - NP EN (2003); módulo de elasticidade - LNEC E397 (1993); resistência à abrasão - DIN (2002); retracção - especificação LNEC E-398 (1993); absorção de água por imersão - especificação LNEC E-394 (1993); absorção de água por capilaridade - especificação LNEC E-393 (1993); resistência à carbonatação - especificação LNEC E-391 (1993);
5 resistência à penetração de cloretos - especificação LNEC E-463 (2004). 3. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS DOS ENSAIOS AOS AGREGA- DOS De acordo com o esperado, os resultados do Quadro 3 indicam uma diferença substancial na massa volúmica dos materiais com origem distinta (agregados minerais e agregados de borracha). Consequentemente, como a baridade depende fortemente da massa volúmica, resultam registos paralelos para esta propriedade. A areia grossa destaca-se pelo seu valor elevado, o que deve ter sido provocado pela maior continuidade da sua curva granulométrica. Quadro 3 - Massa volúmica e absorção de água dos agregados [2] Agregados Bago Areia Areia Brita Brita Borracha Borracha de arroz fina grossa 1 2 triturada criogénica Massa volúmica das partículas secas em estufa (kg/dm 3 ) 2,61 2,40 2,39 2,44 2,60 1,01 1,07 Massa volúmica das partículas saturadas com superfície seca 2,62 2,42 2,42 2,48 2,63 1,03 1,09 (kg/dm 3 ) Absorção de água (%) 0,24 0,80 1,25 1,32 0,97 1,78 1,60 Baridade (kg/dm 3 ) 1,41 1,54 1,47 1,44 1,42 0,44 0,46 Desgaste de Los Angeles (%) ,8 28,6 30,7 0,0 - Índice de forma (%) ,5 18,3 14,0 15,4 / 7,5 - Nota: No ensaio do índice de forma, os dois valores referentes aos agregados de borracha de pneus usados (AP) correspondem aos AP com dimensão de 4-7 e de 7-9,5 mm, respectivamente. Quanto à absorção de água por imersão dos AN, os valores determinados, ao contrário do verificado para os AP, estão de acordo com o previsto (valores reduzidos - inferiores a 1,4%). Na borracha, os valores não nulos mostram que a metodologia de ensaio conduziu a resultados não condizentes com as propriedades hidrófobas do material. A causa para esta inconformidade está na metodologia seguida pela norma NP EN (2003), que prescreve um procedimento subjectivo e de difícil aplicação. A norma refere que a amostra deverá ser deixada ao ar até que desapareçam as partículas de água, mas sem que o material deixe de apresentar um aspecto húmido. No entanto, esta verificação é bastante complicada para o caso dos AP, o que leva a concluir que este ensaio não é adequado para determinar esta característica em AP. Os resultados do ensaio de desgaste de Los Angeles mostram que todos os materiais utilizados satisfizeram os limites impostos pela especificação LNEC E-373 (50%), para aplicação em betões estruturais. Os agregados minerais tiveram resultados entre 23 e 31%. Com outro comportamento, os agregados de borracha registaram um desgaste nulo devido à sua baixa rigidez. Esta possibilitou a dissipação da energia de impacto das esferas e, consequentemente, reduziu a sua acção de desgaste. Assim, conclui-se também que este ensaio não é adequado para avaliar os agregados de borracha. Relativamente à forma dos diversos agregados grossos utilizados na produção dos betões, pode-se constatar que a forma dos AP não é muito distinta da forma dos AN. No entanto, no que se refere
6 aos agregados de borracha com dimensões compreendidas entre 7 e 9,5 mm, a sua forma é significativamente mais arredondada do que a dos AN e do que a dos AP de menor dimensão. 4. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS DOS ENSAIOS AO BETÃO NO ESTADO FRESCO 4.1. Trabalhabilidade Como condição prévia, produziram-se betões com trabalhabilidades semelhantes (Figura 1), definindo-se 80 mm como o valor de abaixamento desejado com uma margem de tolerância de ±15 mm. Pode-se comparar os betões produzidos com AP obtidos através do processo mecânico com os betões com incorporação de AP produzidos pelo processo criogénico. Os betões com igual percentagem de substituição foram produzidos com a mesma constituição, ou seja, com a mesma relação a/c. A variação da trabalhabilidade deve-se apenas à diferente forma dos AP utilizados. Assim, conclui-se que os betões com AP triturados pelo processo mecânico possuem uma menor trabalhabilidade, quando comparados com os betões produzidos com AP obtidos pelo processo criogénico. Este era um resultado esperado devido à maior superfície específica e rugosidade dos AP obtidos pelo processo mecânico (Reschner [8]). Figura 1 - Abaixamento do cone de Abrams dos diversos betões [2] 4.2. Massa volúmica Os resultados obtidos (Figura 2) permitem observar que a massa volúmica no estado fresco dos diversos betões é tanto menor quanto maior a percentagem de substituição de AN por AP. Esta era uma situação previsível pois, tratando-se de betões com curvas granulométricas e trabalhabilidades semelhantes, a variação verificada nos valores das massas volúmicas assenta principalmente na diferença de massas volúmicas dos AN para os AP.
7 Figura 2 - Massa volúmica no estado fresco dos diversos betões [2] Na produção dos BAP, foi necessário avaliar-se o tempo estritamente suficiente de vibração para que os diversos constituintes do betão se misturassem de forma homogénea, mas sem ocorrência de segregação. Para tal, procedeu-se à realização de 2 provetes com o mesmo tipo de betão (B10FG), sendo que um dos provetes foi vibrado durante 15 segundos (Figura 3) e o outro durante 30 segundos (Figura 4). Como se pode observar, o provete de ensaio que foi vibrado durante 30 segundos apresentou segregação de forma bastante acentuada. Assim sendo, decidiu-se que o tempo de vibração utilizado para todos os BAP seria de 15 segundos. O menor tempo de vibração aplicado aos BAP também pode ter provocado menores valores de massa volúmica no estado fresco, em comparação com o BR. Figura 3 - BAP com 15 seg. de vibração [2] Figura 4 - BAP com 30 seg. de vibração [2]
8 Os resultados obtidos indicam que, quanto menor a dimensão dos AP, maior diminuição da massa volúmica no estado fresco dos BAP. Estas conclusões são corroboradas pelos estudos existentes. Nesta campanha, verificou-se também que, com a utilização dos AP obtidos pelo processo mecânico, se obtiveram betões com massas volúmicas no estado fresco menores do que nos betões com AP triturados pelo processo criogénico. Tal é provocado pela forma mais angulosa dos primeiros, que origina um maior volume de vazios dos betões e, consequentemente, uma menor massa volúmica. Através de uma análise dos resultados, verifica-se que a máxima diminuição da massa volúmica corresponde ao betão B15F e é de 8,1%. 5. REFERÊNCIAS [1] VALADARES, F. - Desempenho mecânico de betões estruturais com granulados de borracha provenientes de pneus usados. Dissertação de Mestrado em Engenharia Civil, IST, Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa 2009, 139 p.; [2] BRAVO, M. - Betões com incorporação de agregados provenientes da trituração de borracha de pneus usados. Desempenho em termos de durabilidade. Dissertação de Mestrado em Engenharia Civil, IST, Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa p.; [3] ELDIN, N.; SENOUCI, A. - Observations on rubberized concrete behavior. Cement, Concrete and Aggregates 15(1), 1993, pp ; [4] TURATSINZE, A; GARROS, M - On the modulus of elasticity and strain capacity of selfcompacting concrete incorporating rubber aggregates. Resources, Conservation and Recycling 52(10), 2008, pp ; [5] ROSA, D.; MORENO, A.; MARTINS, T. - Avaliação da influência da granulometria na incorporação de pneus pós-consumo em compósitos de concreto. Revista Brasileira de Aplicações de Vácuo 26 (2), pp ; [6] GIACOBBE, S. - Estudo do comportamento físico-mecânico do concreto de cimento Portland com adição de borracha de pneus. Tese de Mestrado em Engenharia de Construção Civil e Urbana, Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, São Paulo p.; [7] GESOGLU, M.; GUNEYISI, E. - Strength development and chloride penetration in rubberized concretes with and without silica fume. Materials and Structures 40(9), pp ; [8] RESCHNER, K. - Scrap tire recycling. A summary of prevalent disposal and recycling methods, Entire-Engineering, 2008.
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