I-045 INFLUÊNCIA DO PRÉ-TRATAMENTO QUÍMICO NO DESEMPENHO DE UNIDADES DE FLOTOFILTRAÇÃO E DE FILTRAÇÃO DIRETA DESCENDENTE Valter Lúcio de Pádua (1) Engenheiro Civil pela UFMG, mestre e doutor em Hidráulica e Saneamento pela EESC- FOTO USP, atualmente participa do programa de desenvolvimento científico regional do CNPq junto a UFC. NÃO Manuel do Vale Sales DISPONIVEL Engenheiro Civil com mestrado pela UFPB, gerente de produção da Companhia de Água e Esgoto do Ceará. Régis Espíndola Freire Assistente técnico da Companhia de Água e Esgoto do Ceará. Responsável pelo controle de qualidade da ETA Gavião. Endereço (1) : Universidade Federal do Ceará Dep. de Engenharia Hidráulica e Ambiental - Campus do Pici - Bloco 713 - Pici - Fortaleza - CE - CEP: 60.451-970 - Brasil - Tel: (85) 288-9774 - e-mail: paduavl@ufc.br RESUMO Os resultados apresentados neste trabalho têm como base catorze carreiras de filtração realizadas em duas instalação-piloto com escoamento contínuo que tratavam por meio da filtração direta e da flotofiltração a água bruta proveniente do açude Gavião, localizado na Região Metropolitana de Fortaleza CE. Na instalação de flotofiltração promoveu-se a floculação em meio granular, enquanto a filtração direta era feita sem floculação. As carreiras de filtração foram conduzidas simultaneamente nas duas instalações, com a mesma água coagulada. As dosagens de coagulante (cloreto de polialumínio) foram de 2, 5, 10 e 30 mg/l. Para as três primeiras dosagens foram realizados experimentos sem e com pré-oxidação (5 mg/l de cloro). No ensaio com 2 e 30 mg/l utilizou-se polímero como auxiliar de floculação. Durante os ensaios foram determinadas a cor aparente e a turbidez das águas coagulada, flotada e filtrada e medida a perda de carga na unidade de flotofiltração. Os resultados obtidos durante a investigação experimental mostraram que o prétratamento químico exerceu papel preponderante no desempenho das unidades de flotofiltração e de filtração direta. O emprego de polímero possibilitou melhorar o desempenho da unidade de floculação em meio granular e, conseqüentemente, da unidade de flotofiltração. O meio granular do floculador atuou também como pré-filtro, principalmente quando foi utilizado polímero, tendo-se observado situações em que a turbidez da água floculada era da ordem de 2 ut enquanto a água bruta apresentava 4,0±0,3 ut. Embora tal fato fosse vantajoso do ponto de vista da qualidade da água final, a retenção excessiva de impurezas no interior da unidade de floculação dificulta a limpeza da mesma. Os estudos em bancada e na instalação-piloto mostraram que a pré-oxidação possibilitou a obtenção de água com menor cor aparente. Concluiu-se que a água estudada podia ser eficientemente tratada tanto pela flotofiltração quanto pela filtração direta. Em geral foi obtida água filtrada de melhor qualidade no tratamento por filtração direta, o que deve ser atribuído principalmente ao fato da espessura do meio filtrante ser de apenas 0,30 m na unidade de flotofiltração, enquanto na unidade de filtração direta ele possuía 0,70 m. PALAVRAS-CHAVE: Tratamento de Água, Flotação, Filtração Direta, Tamanho de Partículas. INTRODUÇÃO A escolha da tecnologia de tratamento de água para consumo humano deve ser feita levando-se em consideração diversos aspectos, tais como qualidade da água bruta, custo de operação e de manutenção e características sócio-econômicas e culturais da comunidade onde ela será instalada. Dentre as tecnologias mais comumente empregadas destacam-se a filtração lenta, a filtração direta e o tratamento de ciclo completo (ou tratamento convencional). As duas primeiras são mais indicadas especialmente para o tratamento de ABES Trabalhos Técnicos 1
águas com cor e turbidez relativamente baixas. No caso do tratamento de ciclo completo existe uma unidade a montante dos filtros que destina-se à remoção preliminar de impurezas contidas na água. Em geral essa função cabe aos decantadores, mas nos últimos anos têm sido projetadas diversas ETAs com unidades de flotação e outras têm passados por reformas e adequações destinadas a viabilizar o emprego da flotação. Usualmente o desempenho dos flotadores é avaliado comparando-os com os decantadores de estações de tratamento de água (ETAs). De modo geral, pode-se citar como desvantagens da flotação a necessidade de operadores mais qualificados, a necessidade de cobertura dessas unidades e o maior consumo de energia elétrica. Como vantagens, menciona-se: i) são unidades mais compactas; ii) produzem lodo com maior teor de sólidos; iii) possibilitam a redução do consumo de coagulante primário; iv) possibilitam a redução do tempo de floculação; v) possibilitam a redução do volume de água descartada junto com o lodo, em relação à porcentagem da vazão total tratada na ETA; vi) facilita o air stripping de substâncias voláteis porventura presentes na água e promovem certo grau de oxidação de algumas substâncias, facilitando a remoção de metais solúveis. Quanto ao tratamento de água por meio da filtração direta, esta tecnologia é indicada especialmente para o tratamento de águas que apresentam cor verdadeira e turbidez relativamente baixas, sem variações significativas desses parâmetros ao longo do ano. Tais exigências geralmente são atendidas nos casos em que construídos açudes destinados à captação e armazenamento de água para abastecimento público, alternativa adotada tipicamente no Nordeste brasileiro em decorrência da necessidade de armazenar águas para os períodos de seca. O principal objetivo do presente trabalho foi avaliar a eficiência do tratamento de uma água natural proveniente de um açude. Nos ensaios realizados em instalação-piloto foram estudadas a flotofiltração e a filtração direta descendente, com o intuito de avaliar a influência da dosagem de coagulante e da préoxidação na qualidade da água filtrada obtida por meio dessas duas tecnologias. FLOTAÇÃO Na sedimentação, a força de gravidade faz com que as partículas presentes na água se depositem no fundo do decantador, enquanto na flotação a clarificação é conseguida por meio da produção de (micro) bolhas que se aderem aos flocos ou partículas em suspensão, aumentando-lhes o empuxo e provocando sua ascensão até a superfície do flotador, de onde são removidas. Na Tabela 1 são apresentadas as principais técnicas de flotação. Tabela 1: Classificação das técnicas de flotação Nome da técnica Modo de geração das bolhas Flotação por ar disperso ou Em geral por meio de agitação, usualmente através de rotores, ou por ar induzido passando o gás por placa porosa Flotação eletrolítica Eletrólise da água Flotação por ar dissolvido a Dissolução do ar na água à pressão atmosférica e sua posterior vácuo liberação numa câmara com pressão negativa Flotação por ar dissolvido Dissolução do ar na água sob pressão e sua posterior liberação à por pressurização pressão atmosférica O tamanho das bolhas é um dos principais aspectos que deve ser considerado no sistema de flotação, sendo mais adequadas as bolhas menores, uma vez que elas deslocam menos líquido da superfície das partículas às quais se aderem e por isso apresentam maior facilidade de adesão com as impurezas. Adicionalmente, a velocidade terminal de ascensão das bolhas, que pode ser estimada pela equação 1 quando se considera o líquido em repouso e bolhas com diâmetro inferior a 140µm, é influenciada pelo tamanho delas. Bolhas menores apresentam menor velocidade ascensional, de modo que resulta maior tempo de detenção e, conseqüentemente, maior oportunidade de contato com as partículas a serem removidas. 2 ABES Trabalhos Técnicos
2 g. db V a = equação (1) 18γ em que: V a : velocidade ascensional da bolha [LT -1 ] g: aceleração da gravidade [LT -2 ] d b : diâmetro da bolha [L] γ: viscosidade cinemática do líquido [L 2 T -1 ] Geralmente, na flotação por ar disperso, são formadas bolhas com diâmetro de 0,4 a 2,0 mm, as quais não apresentam desempenho satisfatório no tratamento de água para abastecimento público. As bolhas geradas na flotação eletrolítica normalmente são menores que as conseguidas na flotação por ar disperso e na flotação por ar dissolvido, de modo que a pequena turbulência resultante torna a flotação eletrolítica vantajosa para a remoção de flocos frágeis e pouco densos. Contudo, a taxa de aplicação superficial usualmente requerida na eletro-flotação é muito baixa, 1 a 4 m/h, se comparada com a empregada na flotação por ar dissolvido, 8 a 12 m/h. Além disso, na flotação eletrolítica ocorre dissolução do material dos eletrodos, o que pode acarretar problemas de contaminação da água com metais pesados e inviabilizar seu emprego na clarificação de água destinada ao abastecimento público. A flotação por ar dissolvido por pressurização (FAD) é subdividida em: a) flotação por ar dissolvido com pressurização total do afluente, b) flotação por ar dissolvido com pressurização parcial do afluente, e c) flotação por ar dissolvido com recirculação pressurizada. Esta última técnica é a mais apropriada no tratamento de afluentes que contêm flocos frágeis, tais como no tratamento de água, e corresponde à recirculação de uma parecela (usualmente entre 4 e 10%) do efluente dos flotadores ou dos filtros e sua pressurização por meio de bombas centrífugas. Geralmente a pressão na câmara de saturação é mantida entre 250 e 500 kpa, a taxa de aplicação superficial varia de 1000 a 2000 m 2 m -2 d -1 e o tempo médio de detenção é inferior a 5 min. Na entrada do flotador, o líquido proveniente da câmara de saturação é despressurizado em dispostivos especiais e misturado à água pressurizada, ocorrendo então a liberação de microbolhas que promovem a flotação de grande parte do material particulado presente na água. Na FAD geralmente são formadas bolhas com diâmetro na faixa de 20 a 100 µm. Os principais aspectos a serem considerados no projeto de sistemas de flotação por ar dissolvido estão relacionados à quantidade de ar fornecido (g ar/m 3 de água ), tamanho das bolhas, pressão de trabalho na câmara de saturação, taxa de recirculação e taxa de aplicação superficial. A otimização destes parâmetros deve ser feita por meio de ensaios em escala piloto, pois dependem fundamentalmente das características do afluente, principalmente do grau de hidrofilia, dosagem e tipo de produtos químicos utilizados no prétratamento, concentração e tamanho dos flocos (ou partículas) em suspensão. Embora, assim como a sedimentação, geralmente a flotação também requeira coagulação e floculação prévia como etapas do tratamento de água, o tamanho dos flocos necessários é usualmente inferior ao da sedimentação, o que possibilita a construção de unidades de floculação com menores tempos de detenção (em geral de 8 a 25 min) do que os normalmente projetados para ETAs com decantadores (comumente da ordem de 20 a 40 min). A flotação é mais eficiente na remoção de flocos com maior grau de hidrofobicidade. Se a floculação resultar na formação de flocos grandes e abertos, com maior área interfacial e baixa densidade, a existência de apenas alguns pontos de hidrofobicidade pode ser suficiente para permitir a adesão com microbolhas e a ascensão do conjunto floco + microbolha, ao passo que flocos de dimensões menores exigem, proporcionalmente, maior número de pontos de hidrofobicidade. No caso de sólidos hidrófilos, tais como óxidos, é necessário o emprego de agentes tensoativos denominados collectors para aumentar a eficiência da flotação. Na prática, tem-se observado que a relação entre a quantidade de ar e a quantidade de sólidos é geralmente muito alta para flotar partículas primárias não floculadas, podendo inviabilizar, por razões econômicas, o emprego da flotação por ar dissolvido no tratamento de água. ABES Trabalhos Técnicos 3
Teoricamente, a quantidade máxima de ar capaz de ser dissolvido na câmara de saturação é definida pela Lei de Henry: C=K H.P equação (2) em que: C: concentração do gás [ML -3 ] K H : coeficiente que depende da temperatura do líquido [L -2 T 2 ] P: pressão parcial do gás [ML -1 T -2 ] Ou seja, quanto maior a pressão, maior a concentração de ar dissolvido, e quanto maior a temperatura, menor essa concentração. Uma unidade de geração de microbolhas convencional é composta basicamente de um conjunto moto-bomba para pressurização da água de recirculação, de uma câmara de saturação que recebe ar de um compressor e de um dispositivo de despressurização que geralmente é responsável também pela mistura da recirculação com a água bruta afluente à câmara de flotação. A câmara de saturação também deve conter dispositivos de segurança (válvulas de alívio e válvulas de retenção), de controle de vazão e de controle do nível de água. Nos sistemas de FAD, a pressão aplicada na câmara de saturação e o valor da taxa de recirculação definem a quantidade de ar fornecida ao sistema para a geração das microbolhas. Para águas de abastecimento, estimação que a relação de 7 a 8 g de ar/m 3 de água bruta é suficiente para a otimização do processo, independentemente dos valores individuais de taxa de recirculação e da pressão de saturação adotados e da concentração de sólidos suspensos, desde que esta seja inferior a 1000 mg/l. Contudo, a relação entre a quantidade de ar necessária por m 3 de água bruta deve ser preferencialmente estabelecida com base em ensaios em instalação-piloto. Conforme comentado anteriormente, a eficiência da flotação está relacionada com o tamanho das bolhas geradas no sistema, o qual sofre influência também da pressão de dissolução do ar e do ph da água. Embora o aumento da pressão de dissolução do ar possibilite a geração de bolhas com menor tamanho, o que é favorável à eficiência da FAD, na prática tem sido observado que pressões superiores a 550 kpa conduzem ao aumento da taxa de aglutinação das microbolhas a partir do momento em que o líquido sofre despressurização, o que diminui a produção efetiva de bolhas adequadas à flotação. De modo geral, pode-se dizer que o fenômeno da aglutinação depende basicamente de dois aspectos: taxa de colisões entre as bolhas características da superfície das bolhas e do líquido em torno delas Assim, fatores tais como temperatura do líquido, presença de agentes tensoativos e tipo de dispositivo utilizado na liberação do ar (bocal difusor, orifício, etc) exercem grande influência na taxa de aglutinação das microbolhas. Prevê-se aumento desse fenômeno à medida que a carga superficial das bolhas aproxima-se de zero, pois isso reduz a força de repulsão eletrostática. Para minimizar a taxa de aglutinação, é importante que a redução da pressão ocorra próximo ao fluxo da água floculada. Para se conseguir liberação efetiva do ar dissolvido, a pressão deve ser reduzida bruscamente, de modo que deve existir elevados níveis de turbulência no dispositivo de despressurização. Contudo, a velocidade do fluxo que sai do dispositivo deve ser baixa o suficiente para não promover quebra excessiva dos flocos. Deve-se prever mecanismos de captura e de expulsão das bolhas grandes, a fim de evitar as perturbações hidráulicas que elas provocam devido sua alta velocidade de ascensão. O sucesso da flotação depende também da distribuição uniforme das bolhas na água floculada. Nas unidades retangulares de FAD em escala real usualmente se empregam vários dispositivos de despressurização espaçados entre si cerca de 0,30 m ao longo da seção transversal da câmara de flotação. Estes dispositivos são alimentados por um manifold. O conjunto bolhas+flocos não deve sofrer colapso ao atingir a superfície da câmara de flotação, ou seja, deseja-se que o material flotado seja estável. Para atender a este quesito, nos processos industriais é comum fazer uso de agentes escumantes ( frothers ). 4 ABES Trabalhos Técnicos
O dimensionamento da câmara de flotação é feito com base na taxa de escoamento superficial (TAS) necessária para atingir a eficiência desejada. Quanto menor a TAS, mais clarificado será o efluente e maior a área em planta da câmara de flotação. Recomenda-se que a TAS seja sempre estabelecida a partir de ensaios realizados em instalação-piloto. É recomendada a instalação de uma válvula redutora de pressão entre a câmara de pressurização e a de flotação, para possibilitar o ajuste da vazão de recirculação e a pressão a ser mantida na câmara de pressurização. Deve-se evitar turbulência excessiva na mistura das duas águas para que os flocos da água floculada não sejam rompidos. Outro aspecto muito importante que deve ser levado em conta no projeto de unidades de FAD é o dispositivo de raspagem e de coleta de lodo flotado. Deve-se permitir a maior acumulação possível de lodo na superfície, a fim de se obter maior tempo de drenagem da parte emersa. Por outro lado, o lodo deve ser raspado antes que a quantidade de ar escapada seja de tal ordem a ponto de provocar a sedimentação do lodo desaerado, em forma de placas, no momento em que ele for solicitado pelas lâminas do raspador. A remoção do lodo acumulado na superfície do reator pode ser efetuada continuamente ou de forma intermitente, utilizando-se raspadores superficiais mecanizados ou por inundação. Esta última consiste no aumento do nível de água no interior da câmara de flotação, através do fechamento da canalização de saída da mesma, até ocorrer o extravasamento da água superficial juntamente com o lodo para o interior de canaletas de coleta. O método de inundação não requer equipamentos especiais e minimiza os efeitos da raspagem do lodo sobre a qualidade da água tratada, mas provoca maior gasto de água (acima de 2% da vazão afluente) e o lodo removido apresenta baixa concentração de sólidos (menos de 0,2%). Quanto aos raspadores mecanizados, os mais utilizados em unidades de flotação retangulares são: rapadores para a extensão total ou parcial do flotador raspadores de borda Os raspadores de borda, especialmente se operados continuamente, reduzem a quebra de flocos durante a remoção do lodo e também apresentam como vantagem o fato de possuírem menor quantidade de peças móveis que o primeiro. A câmara de flotação pode ser circular ou retangular, em planta. No caso de câmara retangular, a largura depende do tipo de equipamento de raspagem do material flotado e raramente excede 8m. O comprimento em geral está compreendido na faixa de 4 a 12m. Nas unidades de decantação convencionais, as taxas de escoamento superficial em geral são menores que 50 m 3 m -2 d -1 e inferiores a 150 m 3 m -2 d -1 mesmo nas unidades de alta taxa, em quanto os flotadores são comumente projetados para operar com taxas na faixa de 120 a 300 m 3 m -2 d -1 ou até superiores. Além disso, como já comentado, a flotação pode possibilitar a redução do consumo de produtos químicos destinados à coagulação da água, de modo que deve ser feito um estudo econômico para avaliar se essa economia compensa o aumento do consumo de energia elétrica associado à flotação por ar dissolvido. É fundamental também que se leve em consideração a capacidade de operação do sistema por parte dos funcionários da ETA, uma vez que a FAD requer cuidados maiores do que o necessário à operação de unidades de decantação. Nas ETAs, a flotação ocorre numa unidade independente ou nas unidades de filtração, configurando, neste último caso, o que se denomina flotofiltração, que foi o sistema adotado na presente pesquisa. FILTRAÇÃO DIRETA Dentre tecnologias usuais de tratamento de água para abastecimento público, a filtração direta é a que apresenta menor custo de implantação. Por outro lado, em geral a filtração lenta é mais vantajosa do ponto de vista de operação e de manutenção, tanto no que se refere aos menores custos quanto à maior simplicidade destas atividades. Contudo, deve-se levar em consideração que a filtração direta possibilita o tratamento de águas brutas com maior quantidade de matéria em suspensão e substâncias dissolvidas do que a recomendada ABES Trabalhos Técnicos 5
para o emprego da filtração lenta. Entretanto, se devido as características físico-químicas e bacteriológicas da água bruta não for possível assegurar sua potabilização por meio daquelas tecnologias, faz-se necessário o emprego do tratamento em ciclo completo, que caracteriza as estações de tratamento de água (ETAs) que possuem unidades de mistura rápida, floculação, decantação (ou flotação) e filtração. Portanto, tecnicamente a escolha da tecnologia de tratamento depende basicamente da qualidade da água da água bruta e da qualidade desejada para o efluente final. CLEASBY (1990) aponta como desvantagens da filtração direta a impossibilidade de tratar águas com turbidez e/ou cor elevada, o pequeno tempo de detenção da água na ETA, o que dificulta ao operador tomar medidas corretivas quando é observada alteração brusca na qualidade da água e não possibilita o tempo de contato necessário para o emprego de produtos químicos destinados ao controle do sabor e odor da água. Disso, conclui-se que a filtração direta é uma tecnologia de tratamento particularmente indicada para águas brutas com cor e turbidez relativamente baixas e que não apresentem variações bruscas de qualidade. Essas condições são verificadas especialmente em mananciais represados, os quais existem em grande número na região nordeste brasileira, uma vez que os açudes servem para armazenar a água com vistas a atenuar a seca decorrente de longos períodos de estiagem. Independentemente da tecnologia de tratamento, para obter resultados satisfatórios é importante identificar os fatores que interferem nos processo e operações envolvidos e estabelecer corretamente os parâmetros de projeto e operação e a configuração das diversas unidades da ETA. No caso da filtração direta, é de extrema relevância a realização de estudos para definir as condições de coagulação (tipo e dosagem dos produtos químicos), mistura rápida (tempo e gradiente de velocidade médio), a existência ou não de unidades de floculação e, caso essas se façam necessárias, estabelecer o tempo e o gradiente de velocidade correspondente. Além disso, a taxa de filtração; o tipo, granulometria e a espessura do meio filtrante; o método de lavagem e de operação dos filtros também influenciam significativamente no desempenho global das ETAs nas quais é empregada a tecnologia de filtração direta. Quando se compara os trabalhos publicados por diferentes autores observa-se que não existe consenso quanto aos valores dos parâmetros que limitam a possibilidade de emprego da filtração direta no tratamento de água. Segundo WIESNER et al. (1987), esta tecnologia é particularmente indicada nos casos em que a concentração de partículas na água bruta é inferior a 10 ou 20 mg/l. CLEASBY (1990) faz menção ao relatório de um comitê americano (AWWA) em que é citado que uma água ideal para ser tratada pela filtração direta deve apresentar cor < 40 uc, turbidez < 5 ut, concentração de algas < 2000 UPA/mL, concentração de ferro < 0,3 mg/l e concentração de manganês < 0,05 mg/l. CLEASBY (1990) cita um estudo do próprio autor e de colaboradores no qual esse limite de turbidez é considerado muito baixo, sendo sugerido valor de até 12 ut quando for utilizado somente sulfato de alumínio como coagulante ou 16 ut quando for empregado apenas polímero catiônico. Durante os períodos de maior concentração de algas, é sugerido o limite de 7 ut no caso de ser usado somente sulfato de alumínio e 11 ut quando for empregado polímero catiônico. Por outro lado, EDZWALD et al. (1987) apresentam como fator limitante para a adoção da tecnologia de filtração direta a concentração de carbono orgânico total (COT) na água bruta, que os autores recomendam ser menor ou igual a 5 mg/l. De acordo com esses autores, em geral a filtração direta tem sido acoselhada para águas com baixa turbidez (20 a 30 ut), baixa cor (inferior a 40 uc) e baixa concentração de algas. AMIRTHARAJAH (1988) menciona que comumente a filtração direta é o sistema mais econômico de tratamento de águas com baixa turbidez (< 50 ut), tais como aquelas de lagos que necessitam de baixas dosagens de coagulante (< 15 mg/l). Segundo DI BERNARDO (1993b), muitos pesquisadores têm limitado a turbidez e o teor de sólidos suspensos na água bruta a ser tratada por filtração direta a 25 ut e a 50 mg/l, respectivamente, embora picos de turbidez de até 100 ut possam ocorrer por períodos de tempo inferiores a 12 h. WAGNER e HUDSON Jr. (1982) citam o tratamento de água bruta com turbidez superior a 40 ut em ETAs localizadas no Brasil e na Jordânia. TREWEEK (1977) faz referência a ETAs de filtração direta capazes de produzir efluente filtrado com turbidez inferior a 1 ut mesmo quando a água bruta apresenta turbidez de 60 ut. Em geral, as ETAs de ciclo completo podem ser convertidas sem dificuldades para tratamento por filtração direta nos períodos que a água bruta do manancial apresentar qualidade compatível com esta tecnologia, o que possibilita a redução do consumo de produtos químicos e da geração de lodo. Contudo, tal procedimento não é indicado no caso de ETAs que possuam decantador de manto de lodo, pois caso houver deterioração repentina na qualidade da água bruta essas unidades de 6 ABES Trabalhos Técnicos
decantação ao serem recolocadas em operação levam um tempo relativamente longo para apresentar desempenho satisfatório, o que comprometeria a qualidade da água produzida na ETA durante este intervalo. Deve-se ressaltar que a temperatura pode influir de modo decisivo no desempenho da filtração direta. À medida que diminui a temperatura, reduz-se a velocidade das reações químicas durante a coagulação e aumenta-se a possibilidade de ocorrência de transpasse durante a filtração. A realização de ensaios sob diferentes condições de temperatura, e a falta de padronização quanto ao tipo de coagulante, condições de mistura rápida e de floculação, emprego de meios filtrantes com características distintas e variações na taxa de filtração durante os ensaios são fatores que podem explicar a grande variabilidade nos valores dos limites máximos recomendados por diferentes autores para o emprego da filtração direta. De qualquer modo, como a temperatura da água pode exercer um papel preponderante no desempenho dessa tecnologia, não é recomendado que os limites estabelecidos em país com condições climáticas tão diferentes das brasileiras sejam aqui adotados sem questionamentos, principalmente quando se considera a possibilidade de emprego da filtração direta nas regiões norte e nordeste do Brasil, as quais apresentam temperaturas médias relativamente elevadas, o que pode favorecer o emprego dessa tecnologia mesmo para águas com características tais que os valores dos parâmetros citados anteriormente superem ao limite máximo mencionado pelos diferentes autores. MATERIAIS E MÉTODOS A instalação-piloto de flotofiltração utilizada na pesquisa era composta basicamente por uma unidade de geração de microbolhas, uma unidade de mistura rápida mecanizada, bombas dosadoras para aplicação de produtos químicos e recalque de água bruta, uma unidade de floculação em meio granular construída em acrílico transparente com 0,23 x 0,245 m de área em planta e 2 m de altura e um filtro em acrílico transparente com mesma altura e seção em planta da unidade de floculação. A unidade de geração de microbolhas era constituída de um conjunto moto-bomba para pressurização da água de recirculação, uma câmara de saturação que recebia ar de um compressor e um dispositivo de despressurização que era responsável também pela mistura da recirculação com a água floculada afluente à câmara de flotação. A pressão na câmara de pressurização era mantida em 500 ± 10 kpa e a vazão de recirculação em 10%. A taxa de filtração e a taxa de aplicação superficial na unidade de floculação era de 255±15 m 3 m -2 d -1. Na Figura 1 tem-se a representação esquemática da unidade de flotofiltração. ABES Trabalhos Técnicos 7
Figura 1: Esquema da instalação-piloto de flotação A instalação-piloto de filtração direta era composta basicamente de uma unidade de mistura rápida, bombas dosadoras para aplicação de produto químico e recalque de água bruta e um filtro construído em acrílico com 3 m de altura e seção em planta igual a 0,205 x 0,205 m. A taxa de filtração durante os ensaios foi de 255±15 m 3 m -2 d -1. Nas duas instalações-piloto os filtros eram lavados com água em sentido ascensional. O controle de vazão de entrada nas unidades era feito utilizando-se cronômetro e hidrômetro. Na Tabela 2 são apresentadas as principais características dos produtos químicos utilizados durante os ensaios. Tabela 2: Características dos produtos químicos empregados durante os ensaios Produto Característica Oxidante Água de cloro Coagulante Cloreto de alumínio polimerizado com 18% de alumína solúvel e 7% de basicidade Polímero Levemente catiônico OBS: Concentração das soluções variável em função da dosagem empregada em cada ensaio Todos os experimentos foram realizados com a água bruta à temperatura ambiente. Durante os ensaios na instalação-piloto eram registrados a cada 30 min os valores de cor aparente e turbidez das águas bruta, flotada e do efluente dos dois filtros e do floculador. O ph da água coagulada era registrado a cada 60 min, assim como a perda de carga na unidade de flotofiltração. A vazão afluente a cada unidade era conferida a cada 30 min. As carreiras de filtração tiveram duração máxima de 8 h, sendo sempre encerrada quando perda de carga devida a retenção de impurezas excedia ao máximo admitido para operar a instalação-piloto de flotofiltração (0,40 m). Foram conduzidas catorze carreiras de filtração (sete na instalação de filtração direta e sete na de flotofiltração) em séries de ensaios definidas em função das condições de pré-tratamento químico: série A (sem pré-oxidação, dosagem de polímero = 0,5 mg/l e dosagem de coagulante = 2 mg/l), 8 ABES Trabalhos Técnicos
série B (sem pré-oxidação e sem polímero, dosagem de coagulante=5,0 mg/l), série C (com pré-oxidação, sem polímero e dosagem de coagulante = 5,0 mg/l), série D (sem pré-oxidação e sem polímero, dosagem de coagulante = 10 mg/l), série E (com pré-oxidação e sem polímero, dosagem de coagulante = 10 mg/l), série F (com pré-oxidação, dosagem de polímero = 0,5 mg/l, dosagem de coagulante = 2,0 mg/l), série G (sem pré-oxidação, dosagem de polímero= 0,5 mg/l, dosagem de coagulante=30 mg/l). Antes de iniciar os estudos nas instalações-piloto, foram realizados preliminares ensaios em jarteste, sob as seguintes condições: dosagem de coagulante (10 a 70 mg/l), dosagem de polímero (0,1 a 0,7 mg/l), préoxidação (0 e 5 mg/l de cloro), gradiente de velocidade médio de mistura do coagulante e do polímero (110±10 s -1 ), tempo de mistura rápida do coagulante (180 s), tempo de mistura do polímero (120 s), gradiente de velocidade médio de floculação (20±2 s -1 ), tempo de floculação (5 min). Nestes ensaios procurou-se avaliar a sedimentabilidade dos flocos e o aspecto visual (tamanho) dos flocos formados, não era objetivo traçar o diagrama de coagulação da água de estudo. RESULTADOS E DISCUSSÃO Na Figura 2 tem-se a representação gráfica dos resultados encontrados durante a investigação experimental nas instalações-piloto (série A a F). Observa-se que em todos os casos a turbidez do efluente da instalação de filtração direta foi inferior à da unidade de flotofiltração. Ressaltando-se, contudo, que o filtro desta última era composto de meio granular com apenas 0,30 m de espessura, enquanto aquele da filtração direta possuía 0,70 m. Contudo, independentemente da tecnologia de tratamento adotada, houve dosagens que permitiu obter água filtrada com turbidez inferior a 1,0 ut. Os melhores resultados foram observados com a dosagem de 2,0 mg/l de cloreto de polialumínio. Durante os ensaios, a turbidez da água bruta apresentu variação de 2,07 a 5,16 ut. As séries A e F foram realizadas adotando-se a mesma dosagem de coagulante e de polímero, mas a comparação dos resultados para avaliar a influência das pré-oxidação ficou prejudicada em decorrência da turbidez da água bruta ter apresentado valores bem distintos na época da realização dos dois experimentos, tendo variado de 2,07 a 2,98 ut na série A e de 4,16 a 5,16 ut na série F. Em todos os casos em que os ensaios foram realizados sob as mesmas condições de coagulação a pré-oxidação da água bruta possibilitou a obtenção de efluente final com menor cor aparente. O abaixamento do ph devido o emprego de água de cloro como oxidante foi relativamente pequeno, da ordem de 0,2 unidades. É possível que simples redução do ph da água bruta tenha contribuído para aumentar a eficiência do processo de coagulação, mas deve-se considerar também que além do ph pode haver alterações significativas na qualidade da água em função da oxidação. Quando essa etapa se tornar imprescindível numa ETA, deve-se fazer um acompanhamento rigoroso dos subprodutos resultantes da oxidação, os quais podem ser prejudiciais à saúde humana. ABES Trabalhos Técnicos 9
Figura 2: Turbidez das águas filtradas nas unidades de flotofiltração e de filtração direta 0,9 Ensaio da Série A 1,7 Ensaio da Série B 0,8 0,7 0,6 0,5 0,4 Flotofiltração Filtração direta 1,5 1,3 1,1 0,9 0,7 Flotofiltração Filtração direta 0,3 0 100 200 300 400 500 600 0,5 0 100 200 300 400 500 1,4 1,3 1,2 1,1 1 0,9 0,8 0,7 0,6 Ensaio da Série C Flotofiltração Filtração direta 1,5 1,4 1,3 1,2 1,1 1 0,9 Ensaio da Série D Flotofiltração Filtração direta 0,5 0 100 200 300 400 0,8 0 100 200 300 400 1 0,9 0,8 0,7 0,6 0,5 Ensaio da Série E Flotofiltração Filtração direta 1,4 1,2 1 0,8 0,6 Ensaio da Série F Flotofiltração Filtração direta 0,4 0 50 100 150 200 250 300 0,4 0 50 100 150 200 250 300 Pela Figura 3 observa-se como as condições de coagulação podem afetar a qualidade da água filtrada. Comparando-se o efluente da instalação de filtração direta nos ensaios das séries G e B, observa-se que no primeiro caso (30 mg/l de coagulante + 0,5 mg/l de polímero) a água filtrada consistentemente apresentou turbidez da ordem de 0,2 ut, enquanto na série B (5 mg/l de coagulante sem adição de polímero) esse valor foi da ordem de 1,0 ut. Deve-se ressaltar entretanto que dosagens elevadas de coagulante durante a filtração direta podem conduzir ao transpasse no final das carreiras. É conveniente mencionar também que dosagens elevadas de polímero podem acarretar perda de carga excessiva nas unidades de filtração. Por deficiência no sistema de lavagem da unidade de flotofiltração, que não promovia a expansão necessária à completa limpeza do filtro, nos ensaios finais a perda de carga máxima devido a retenção de impurezas, da ordem de 0,4 m, era atingida em cerca de 5 horas, enquanto nos primeiros ensaios as carreiras de filtração duraram em média 8 horas. 10 ABES Trabalhos Técnicos
O emprego de polímero possibilitou melhorar o desempenho da unidade de floculação em meio granular e, conseqüentemente, das unidades de flotação e de filtração. O meio granular do floculador atuou também como pré-filtro, principalmente quando foi utilizado polímero, tendo-se observado situações em que a turbidez da água floculada era da ordem de 2 ut enquanto a água bruta apresentava 4,0±0,3 ut. Embora tal fato fosse vantajoso do ponto de vista da qualidade da água final, a retenção excessiva de impurezas no interior da unidade de floculação dificulta a limpeza da mesma. Figura 3: Turbidez do efluente da instalação de filtração direta (séries G e B) 1,2 1 0,8 0,6 0,4 0,2 0 Filt. Direta (série B) Filt. Direta (série G) 0 50 100 150 200 250 300 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES Os resultados obtidos durante a investigação experimental mostraram que o pré-tratamento químico exerceu papel preponderante no desempenho das unidades de flotofiltração e de filtração direta. A pré-oxidação da água melhorou o desempenho das unidades de filtração, tendo possibilitado a obtenção de água com menor cor aparente. A água estudada pode ser tratada eficientemente tanto por meio da filtração direta quando pela flotofiltração. Contudo, como a filtração direta apresenta menores custos de implantação e de operação, essa seria a tecnologia indicada para a água estudada, uma vez que a mesma provém de um açude e apresenta cor e turbidez relativamente baixas durante todo o ano. Durante os ensaios foi verificado que a distribuição de água pressurizada na parte superior da unidade de flotofiltração não era uniforme, o que pode ter prejudicado seu desempenho. Recomenda-se a realização de estudos específicos para avaliar a influência da distribuição de água pressurizada no desempenho de unidades de flotofiltração. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. AMIRTHARAJAH, A. Some theoretical and conceptual views of filtration. Journal AWWA, vol. 80, n. 12, p. 36-46, Dec. 1988. 2. CLEASBY, J. L. Filtration. In: Water Quality and Treatment: a handbook of community water supplies. AWWA, 4th ed., McGraw-Hill, 1990. 3. DI BERNARDO, L. Sedimentação e flotação. In: Métodos e técnicas de tratamento de água, vol. 1. ABES, Rio de Janeiro, 1993a. 4. DI BERNARDO, L. Filtração direta descendente. In: Métodos e técnicas de tratamento de água, vol. 1. ABES, Rio de Janeiro, 1993b. 5. EDZWALD, J.; BECKER, W. C.; TAMBINI, S. J. Organics, polymers, and performance in direct filtration. Journal of Environmental Engineering, vol. 113, n. 1, p.167-185, Feb. 1987. ABES Trabalhos Técnicos 11
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