PROJETO EDUCAÇÃO SEM HOMOFOBIA INSTAURANDO O DEBATE EM HOMOPARENTALIDADE. Manuela Magalhães.

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Transcrição:

PROJETO EDUCAÇÃO SEM HOMOFOBIA INSTAURANDO O DEBATE EM TORNO DA HOMOPARENTALIDADE Manuela Magalhães manusm@gmail.com

OBJETIVOS: Conceituar e debater homoparentalidade, família e configurações homoparentais Compreender a construção da invisibilidade da homoparentalidade Aspectos psicossocias, políticos e jurídicos da homoparentalidade PROGRAMAÇÃO: Apresentação geral; Trabalhos em pequenos grupos; Pacto social e sexual; Direitos sexuais e reprodutivos; Aspectos jurídicos.

TRABALHO EM PEQUENOS GRUPOS Novas Configurações familiares? Desenhe uma família da forma como ela lhe vem à cabeça; Apresente o desenho para o seu grupo. Discutam: Qual a função da família para a sociedade? Qual a função da família para a religião? Qual a função da família na educação dos filhos e no ambiente pedagógico? Vocês conhecem ou já ouviram falar de arranjos familiares homoparentais? Como são? E na sua experiência pedagógica, vocês têm ou já tiveram contato com famílias homoparentais?

Definição Homoparentalidade: Situação na qual pelo menos um adulto que se reconhece como homossexual tem a função de cuidar cotidianamente de pelo menos uma criança. Vocês já tinham ouvido falar do termo homoparentalidade no ambiente pedagógico? A Homoparentalidade é um acontecimento novo, incomum ou é invisível?

Pacto social e sexual: invisibilidade da regulação da sociedade política e da sociedade familiar Os contratos ou pactos são formas políticas de regulação da sociedade civil; são formas de racionalidade, de compreensão das relações sociais e de prescrição de ações e valores. Rousseau: Dois sexos, dois espaços: espaço público e espaço privado Espaço público: regido pela lei da racionalidade Espaço privado-familiar: regido pela lei da natureza e pelas leis divinas O pacto social regula a esfera pública e significa a liberdade do ser humano e as obrigações do cidadão para com o Estado. Sintetiza uma evolução moral dos indivíduos do seu estado de natureza para o de cidadãos.

No entanto, há um silêncio sobre o pacto original que rege a sociedade familiar e que designa lugares para homens e mulheres dentro da estrutura familiar. Contrato social: história de liberdade, contrato sexual: história de sujeição. Para Rousseau: a sociedade política é diferente da sociedade familiar, sendo esta última, a mais antiga das sociedades e a única que é natural. O natural, aqui, antecede e se opõe ao social. Nessa visão, a família estaria então num estado présocial. O que rege o contrato social é a soberania dos cidadãos. Na sociedade familiar vale a lei do mais forte na figura do poder patriarcal. As leis são regidas pelo sentimento e guiadas para a manutenção e não corrupção do estado natural da família.

Para Carole Pateman: o estado natural da família pressupõe dois sexos relacionados de forma hierárquica e com papéis e construções identitárias bem definidos. Condição natural de sujeição da mulher. Para dominar a mulher e minimizar sua influência, ela é confinada no mundo privado e para evitar o perigo de levar o homem a regredir ao seu estado de instinto, o ideal feminino é situado e confinado no ser mãe e esposa virtuosa do cidadão. A razão que rege o contrato original é uma razão patriarcal, que mantém interesses de normas e práticas do sistema de poder masculino e da normativa heterossexual. Essa história do contrato sexual tem sido invisibilizada. Ela está fundada na compreensão de que o direito político origina-se no direito sexual ou conjugal, ou seja, numa relação de sujeição para manutenção da sociedade familiar no seu estado natural.

A diferença sexual é uma diferença política. O contrato sexual é o meio pelo qual os homens transformam seu direito natural sobre as mulheres na segurança do direito patriarcal civil. O contrato sexual não está restrito a esfera privada, mas diz da organização da sociedade civil como um todo. O contrato original cria formas de disciplina de corpos e de vidas. A diferença sexual é, portanto, uma diferença política essencial para compreender a sociedade civil.

Como essas reflexões colaboram para o debate em torno da homoparentalidade? A sociedade política e a sociedade familiar estão baseadas em modelos regulatórios, de práticas, normas e identidades que buscam a manutenção de uma determinada ordem. Ao se tornar um tema público, a homoparentalidade desafia a forma de compreender e de regular as relações familiares tradicionais, hegemonicamente heterossexuais e direcionadas à procriação. Ela coloca em risco uma homogeneidade naturalizada da idéia de família e, em conseqüência, são alteradas as formas de regulação e valores da sociedade política.

Os impactos das mudanças de gênero e na normativa heterossexual instauradas com a visibilidade de configurações familiares homoparentais pode ser observados: Em contra-reações religiosas fundamentalistas que reduzem a experiência da homoparetalidade ao desvio; Nas dificuldades de reconhecimento de parcerias civis, processos de adoção, de reprodução assistida. Na mídia, na medicina, na educação e nas relações cotidianas.

A LUTA PELO DIREITO A TER DIREITOS As lutas estão pautadas pela compreensão dos direitos sexuais e direitos reprodutivos como direitos humanos. Princípios dos direitos sexuais e reprodutivos: garantia da integridade corporal (direito à segurança e ao controle sobre o próprio corpo), respeito à autonomia pessoal, promoção da igualdade entre homens e mulheres e valorização da diversidade de práticas e crenças no âmbito da sexualidade e da reprodução. Princípios éticos dos direitos sexuais: diversidade sexual, diversidade habitacional (ou das formas de família), saúde, autonomia para tomar decisões e eqüidade de gênero (Mello, 2006:502).

DEBATE JURÍDICO EM TORNO DA FAMÍLIA Relação entre a configuração jurídica da família e o modelo de Estado: à família foi atribuída a função de formação de futuros cidadãos e proprietários; Família institucional Fundar a ordem pública sobre a ordem privada; a ordem social sobre a ordem doméstica; Este poder-saber orientava-se para fins públicos, o que justificava as intervenções estatais em famílias consideradas inadequadas; Família como entidade fechada, permanente, voltada para cumprir objetivos econômicos e afetivos internos e para a manutenção de finalidades externas, voltadas para o progresso da sociedade necessidades de produção

Relevância das práticas de economia e poupança em detrimento das práticas de gasto: auto controle e disciplina, especialmente nos excessos sexuais proibição de práticas homossexuais, literaturas antimasturbação e condenação à prostituição (lógica higienista); Famílias formadas por pessoas do mesmo sexo também confrontavam diretamente os aportes religiosos;

Características da família institucional: Relevância do poder patriarcal; Supremacia absoluta do poder da família legítima; Condição jurídica da submissão da mulher; Criminalização do adultério feminino; Hierarquia sobre autonomia; Forte institucionalização;

Declínio da Família Institucional na segunda metade do século XX Nova compreensão do divórcio; Igualdade entre os sexos (Movimentos Feministas); Família Fusional: privilegia a satisfação conjunta dos cônjuges, pelas aspirações da intimidade no seio familiar Década de 80: Família Pós-moderna Valorização da individualidade em relação à instituição famliar; A família feliz atrai menos; o que conta é ser feliz por si mesmo. Institucionalização cede espaço para a autonomia; Regime de igualdade de direitos entre os cônjuges.

FUNDAMENTOS PARA A CONSIDERAÇÃO DA UNIÃO DE HOMOSSEXUAIS/ADOÇÃO Prejuízos à dignidade humana: proibindo casamentos de gays e lésbicas, afeta diretamente a intimidade, onde as escolhas afetivas competem ao indivíduo; Restrições vão contra o Estado Democrático de Direitos (Constituição de 88) Princípio de Sociabilidade; Princípio do Pluralismo; Princípio de Igualdade; Direito à intimidade; Não-discriminação; Busca pela felicidade

MODALIDADES DE RECONHECIMENTO DE UNIÕES DE HOMOSSEXUAIS Famílias derivadas do Casamento Jurisprudência não vislumbram uniões entre pessoas do mesmo sexo nesta modalidade Famílias decorrentes de União Estável Apontados pela jurisprudência como melhor modalidade de enquadramento da união entre pessoas do mesmo sexo Famílias monoparentais Está posto o debate: em qual dessas modalidades, poderá ser incluída a união de pessoas do mesmo sexo?

PROCESSOS PELOS QUAIS OCORREM AS NORMATIZAÇÕES SOCIAIS A lei legislação propriamente dita Jurisprudências Decisões judiciais Regulação moral (costumes) Valores, crenças e normas produzidas e reproduzidas no seio social Qual destes processos tem sido acionados para as interpretações e julgamentos dos casos de homoparentalidade? Como as questões de gênero atravessam esse debate? E na educação? Qual tem sido o processo privilegiado para julgar tais casos?

Referências Bibliográficas: MELLO, L. Familismo (anti)homossexual e regulação da cidadania no Brasil. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, 2006. RIOS, R. R. Uniões Homossexuais: Adaptar-se ao direito de família ou transormá-lo? Por uma nova modalidade de comunidade familiar. In: GROSSI, M.; UZIEL, A. P.; MELLO, L. Conjugalidades, paretalidades e identidades lésbicas, gays e travestis. Rio de Janeiro: Garamond, 2007. Filme: Sobrou pra você Desejo Proibido