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Transcrição:

RQUEOLOGI PTRIMÓNIO HISTÓRI LOCL ESPECIL Pág 59 RQUEOLOGI E IMPCTE M I NTL QUINT DE S. PEDRO (CORROIOS) Pág 26 PTRIMÓNIO CULTURL SUBQUÁTICO Pág 47 S SIGLS DOS CNTEIROS MEDIEVIS Pág 11 9 LMD MINEIR, MNUFCTUREIR E INDUSTRIL

R Q U o o G CHDOS DO I I PlEOllTICO INFERIOR E MEDIO da região de Rio Maior por João Luís Cardoso (*) e José Norton (**) 1. Introdução existência de materiais do Paleolítico inferior e médio em Portugal é de há muito conhecida (ZBYSZEWSKI, 1974). Porém, a sua caracterização tipológica cabal tem sido dificultada pela quase ausência de conjuntos estratigrafados, todos eles ainda muito insuficientemente conhecidos. Dentre estes, salienta-se a estação do Paleolítico médio da Foz do Enxarrique, entre as estações de ar livre - trata-se de um depósito relacionado com um terraço do Tejo (RPOSO, 1987). Entre as grutas avultam a Gruta Nova da Columbeira (Bombarral) e a da Figueira Brava (Setúbal), cujos depósitos deram, in situ, além de abundantes indústrias líticas, os únicos restos humanos atribuíveis a Homo sapiens neandenhalensis encontrados até ao presente em Portugal (FERREIR, 1984; NTUNES, 1990/91). s regiões onde indústrias do Paleolítico inferior e médio têm cunho mais marcado correspondem à disponibilidade de matéria-prima de boa qualidade, designadamente sílex. Esta rocha, que ocorre em nódulos nos calcários mesosóicos que constituem a "bacia lusitaniana" ocidental justifica a abundância de jazidas - infelizmente sempre de superfície - dos arredores de Lisboa, de que uma síntese foi recentemente publicada (CRDOSO et ai., 1992). Mais para Norte, avultam as indústrias da região de Rio Maior. profusão do sílex de qualidade - disponível em massas de grande volume - justifica a preferência dada a esta região, até aos inícios deste século, na produção de pederneiras. No Paleolítico superior foi, Panorâmica da Regiâo de Vale de Vieira. Em primeiro plano. o local da recolha do artefacto da Estampa 4, n' 9. também, uma região densamente ocupada, como demonstram as descobertas de Manuel Heleno, que têm vindo a ser publicadas desde os inícios da década transacta (ZILHÃO, 1990), Mas a preferência por esta região remonta atrás, pelo menos ao Paleolítico médio, Porém, a ausência de trabalhos publicados sobre materiais inquestionavelmente desta época - - tanto o Olival do meiro (ZBYSZEWSKI et ai., 1977) como a "estação mustierense" da Quinta da Rosa (Rio Maior) (ZBYSZEWSKI & FERREIR, 1972a) parecem corresponder a oficinas de talhe de épocas muito mais recentes -, bem como a qualidade e homogeneidade dos materiais por nós recolhidos, constituindo um conjunto pelo menos invulgar em Portugal justificam, a par das informações estratigráficas associadas, este trabalho. 2. Contexto arqueológico regional É sobejamente conhecida a existência de indústrias do Paleolítico inferior e médio na região circundante de Rio Maior, correspondendo a maior parte, ao contrário dos materiais ali recolhidos, a indústria BSTRCT study of Itthic matenal coilected on different occasions trom lertiary and Quaternary deposits in the area of Rio Maior (Santarém). The quality and homogeneity of these artttacts are almast an exception in the Portuguese Lower and Middle Paleolithlc. lhe identification in situ of some of these findings allows for a more accurate chronalogy of the depostts. RÉSUMÉ D ivulgation d'un ensemble de maténaux recueill~, en différentes phases, dans Ies dépâts terciaires et quatemaires de la région de Rio Maior (Santarém). Par leur quallté et homogénétté, ces olnrages Itthiques forment presque une excep~on dans le panorama du Paléoltthique inféneur et moyen portugais. L'identification de certains pléces in situ a éga~ment perm~ de précoor l'attti~on chronologique des dépâts respedts. (') Professor da Universidade Novo de Lisboa. Coordenador do Centro de Estudos rqueológicos do Concelho de Oeiras (Câmara Municipal de Oeiras). Membro do Cen~o de rqueologia de lmada. (U) Economista. Ruo Tomás lcaide, n' 6, Dafundo, 1495 Lisboa. CENTRO OE RQUEOLOGI DE LMD al-madan /lq série, '1 4' 4 Outubro 1995 5

R Q U o o G Na região de Caldas da Rainha, a Oeste e em relação com terraços de linhas de água desembocando no Oceano, os materiais são, também, atribuídos maioritariamente ao cheulense superior (ZBYSZEWSKI e FEREIR, 1974) ou médio (ZBYSZEWSKI & PENL V, 1979). estação de Tojeira-Cós (lcobaça), situada como as de Caldas da Rainha, a Ocidente, apresenta, porém características diferentes. Boa parte dos materiais são de sílex como os de Rio Maior, sendo de realçar um machado acheulense de bom recorte tipológico, ao contrário da maioria das restantes peças (paleolíticas?), de tipologia mal definida (ZBYSZEWSKI & FERREIR, 1967). Na região de Óbidos, um pequeno lote de peças foi incluído, maioritariamente, no cheulense médio, estando os bifaces particularmente bem representados (ZBYSZEWSKI et ai., 1987). 3. s jazidas Estampo 1: 1. Núcleo discóide de lascas. Grupo VI b de Santonja. Vale de Vieira. 2. Núcleo discóide de lascas, Grupo VI b de Santonja, Vale de Vieira. 3, Núcleo discóide de lascas, Grupo VI a de Santonja, Vale de Vieira, 4. Núcleo de lascas sobre rognon, Grupo II Ribeira de Póvoas, sobre seixos rolados de quartzitos, em relação com terraços fluviais da rede lateral da margem direita do Tejo, a Este, ou de cursos de água desaguando no tlântico, a Oeste. De um terraço médio na Quinta da Cardiga estudaram-se materiais acheulenses (ZBYSZEWSKI & FERREIR, 1986). Na região de Torres Novas, os materiais estudados são, sobretudo, acheulenses, ocorrendo, no entanto, peças mais recentes (ZBYSZEWSKI et ai., 1971 ; ZBYSZEWSKI & FERREIR, 1973n4; ZBYSZE WSKI et ai., 1974). Idêntico panorama se verifica na região de Mato de Miranda e Santarém, situada, como a anterior, a Oeste, cujas jazidas correspondem a terraços do Tejo ou da sua rede lateral da margem direita (ZBYSZE WSKI et ai., 1970a, b; ZBYSZEWSKI et ai., 1972b; ZBYSZEWSKI et ai., 1973). Os materiais que passaremos a estudar foram recolhidos, sobretudo, nas colinas da encosta direita da ribeira de Penegral, para Oeste da confluência com a ribeira de Póvoas. Exceptuando-se duas peças isoladas, os materiais provêm de duas concentrações designadas por "Vale Vieira" e "Ribeira de PÓvoas", primeira prospecção e recolha de materiais foi realizada pelos signatários em 1982, aproveitando os caminhos abertos para a vasta plantação de eucaliptos hoje existente e em cujos trabalhos foi levantada a camada superficial e postos à vista diversos cortes. s chuvas limparam e ravinaram esses caminhos e os cortes, permitindo a fácil recolha de peças, em diversas campanhas de prospecção, nas camadas mais altas. Recentemente, surgiram novos materiais em camadas mais profundas, de que se destacam uma grande lasca acheulense recolhida por nós e uma lasca de descorticagem, recolhida pelo Prof. João Pais, responsável pela revisão da cartografia geológica de toda a região. Tais achados demonstram que, pelo menos uma parte dos depósitos detríticas, em geral grosseiros, cartografados como do Miocénico Continental na respectiva carta geológica (ZBYSZEWSKI et ai., 1959, 1969) deverão ser integrados no Plistocénio. Os sítios de Vale Vieira e Ribeira de Póvoas caracterizam-se, fundamentalmente, por corresponderem a concentrações evidentes de material talhado. Os 6 Outubro 1995 II" série, no 4 al madan

R Q U o o G materiais são tipologicamente bem definidos, sem que se tenha procedido a colheitas selectivas. O escasso número de artefactos - que impossibilita um tratamento tipológico estatístico mais aprofundado e estudos relativos à técnica de talhe - é compensado, em contrapartida, pela sua homogeneidade e bom recorte tipológico. É de assinalar, por último, a relação entre a proveniência estratigráfica, a litologia e a tipologia dos materiais: enquanto que o conjunto de sílex, quase exclusivo, de características mustierenses, provém da parte superior dos depósitos, as duas peças recojhjdas na parte mais baixa destes são lascas acheulenses obtidas de seixos de quartzito. 4. Os materiais Neste capítulo recorremos à tipologia de Santoja (1984/85) para o estudo dos núcleos. s restantes peças foram classificadas segundo os critérios de Bordes (1961), retomados por Lurnley (1969) e Lurnley & Licht (1972). 4.1. núcleos I) Núcleo discóide de lascas, integrando-se no Grupo VI. presenta levantamentos centrípetos que ocupam a totalidade do anverso, sendo o reverso ocupado, em grande parte, pelo córtex. Mostra, no entanto, preparação periférica parcial, pelo que se poderá incluir no sub-grupo b daquele grupo (preparação ocupando de 10 a 90 % do perímetro). Est. I, n 2. 2) Núcleo discóide de lascas, idêntico ao anterior, embora de contorno mais regular, pertencente, tal como aquele, ao Grupo VI, sub-grupo b. Est. I, n' I. 3) Núcleo discóide de lascas, idêntico aos dois anteriores, embora com tendência para o levantamento centrípeto menos acentuado, o que lhe confere contorno mais alongado. Deverá incluir-se no Grupo VI, subgrupo a, na medida em que apresenta preparação praticamente na totalidade da periferia do reverso. Est. I, n' 3. 4) Núcleo de lascas sobre rognon. Enquadra-se no Grupo li. O bordo proximal corresponde a um plano natural, aproveitado como plano de percussão para a extracção de lascas longas e sub-paralelas de ambas as faces. morfologia inicial do nódulo corresponderia a um paralelepípedo. Trata-se, segundo BORDES (1961), de um núcleo levallois típico. Ribeira de Póvoas. Est. I, n' 4. 5) Núcleo de lascas, sobre rognon. Enquadra-se no Grupo li. Trata-se de peça achatada, com predominância de levantamentos ao longo do eixo maior e, em especial, de uma das extremidades, de onde se obtiveram lascas com planos de percussão lisos e diédricos. Na Meseta era o eixo menor, com frequência, o escolhido como direcção principal de percussão. Ribeira de Póvoas. Est. 2, n' I. 6) Núcleo sobre lasca. proxima-se do tipo representado pelo Grupo X. Porém, ao contrário das lascas obtidas dos exemplares deste Grupo, as destacadas deste não conservaram, numa das faces, parte ou a totalidade da superfície de separação da lasca em que o núcleo foi afeiçoado. Ribeira de Póvoas. Est. 2, n' 2. 7) Núcleo de lascas sobre rognon, integrável no Grupo VIll. Peça alongada e espessa, com preparação dos planos de percussão em toda a periferia, sobretudo ao longo do eixo maior. Ribeira de Póvoas. Est. 2, n' 3. 4.2. machados 8) Pequeno machado sobre lasca cortical com gume côncavo, com vestígios de utilização nos bordos laterais e na extremidade superior. Ribeira de Póvoas. Est. 2, n'4. 9) Machado sobre lasca cortical, com vestígios de utilização nos bordos laterais e na extremidade superior. chado isolado. Ribeira de PÓvoas. Est. 3, n' 4. 4.3. bifaces e peças aparentadas 10) Biface dissimétrico (tral/choir), com vestígios de utilização. Vale de Vieira. Est. 3, n' I. II) Biface naviforrne. Conserva restos de córtex na parte central de arnbas as faces. Est. 3, n' 6. 12) Peça sobre lasca, aparentada aos bifaces lageniforrnes. Rec.olha isolada na Charneca do Penegral. Est. 3, n' 7. Estampo 2: I. Núcleo de lascas sobre rognon. Grupo II de Sentonia. Ribeiro de Póvoas. 2. Núcleo sobre lascas. paren todo 00 Grupo X de Santonia. Ribeiro de Póvoas. 3. Núcleo de lascas sobre rognon. Integrável no Grupo VIII de Sentonia. Ribeiro de Póvoas. 4. Machado sobre lasco cortical. com vestígios de utilização. Ri beiro de Póvoas. al-madan -Ir sirie. n" 4 Outubro /995 7

R Q U o o G 4.8. raspadores simples convexos 20) a 22) Exemplares afeiçoados por retoques marginais descontínuos. Vale de Vieira (Est. 4, n' 5) e Ribeira de Póvoas (Est. 4, n's 6 e 8). 4.9. denticulados 23) Denticulado afeiçoado por retoques marginais a panir das duas faces. Vale de Vieira, Est. 4, n' 7. 24) Lasca de técnica c1actonense sobre seixo de quartzito. recolhida in siru, afeiçoada em denticulado convergente. Vale de Vieira. Est. 4, n' 9; Fig. I e 2. 5. Conclusões I) Os materiais estudados nesta nota, quase exclusivamente de sílex, provêm de recolhas, quase sempre superficiais, efectuadas ao longo de vários momentos nos depósitos terciários e quaternários da região de Rio Maior (portugal). 2) Nalguns casos, a recolha de matelial in situ permitiu corrigir a idade rniocénica anteriormente atribuída aos respectivos depósitos (ZBYSZEWSKI et ai., 1959, 1969). Eslampa 3: 1, Biface dissimélrico (tranchoir), 2, Raspador duplo biconvexo, Va Ie de Vieira, 3, Raspador convergente, Recolha isolada a Este da Ribeira de Póvoas. 4. Machado sobre lasca cortical. chado isolado. Ribeira de PÓvoas, 5. Raspador convergente. com reloques marginais e bordos denticulados, Vale de Vieira, 6, Biface naviforme. 7, Peça sobre lasca. aparentada aos bifaces lageniformes, chado isolado. Charneca do Penegral. 4.4. raspadores duplos biconvexos 13) Exemplar com retoques margi nais em ambas as faces. Vale de Vieira. Est. 3, n'2. 4.5. raspadores convergentes 14) Um exemplar, com retoques marginais e bordos denticulados. Vale de Vieira. Est. 3, n's. 15) Um exemplar, idêntico ao anterior. Recolha isolada a Este da Ri beira de Póvoas. Est. 3, n'3. 4.6. raspadores duplos convexos e côncavos 16) Exemplar sobre lasca sub-pentagonal. Est. 4, n' I. 4.7. raspadores simples côncavos 17) a 19) Exemplares em geral afeiçoados por retoques espessos a partir de um dos bordos laterais. Est. 4, n's 2 a 4. 3) disponibilidade de matéria-prima de boa qualidade - o sílex -, inexistente na maior parte do território português, explica a ocorrência de peças de excelente recorte tipológico, que constituem quase excepção no panorama do Paleolítico inferior e médio português. Com efeito, a existência de rognons volumosos permitiu - ao contrário do verificado mais a Sul, na região de Lisboa, onde também avultam peças de sílex - o fabrico de núcleos levallois típicos, a par de outro instrumental lítico essencialmente sobre lasca. 4) Do ponto de vista tipológico, estes materiais, conquanto não permitam, dada a sua insuficiência numérica, estudos aprofundados sobre a técnica de talhe e, sobretudo, de carácter estatistico, documentam o cheulense superior e o Paleolítico médio. única peça mais antiga, uma lasca c1actonense encontrada in situ, poderá ser atribuível ao cheulense antigo. \ 8 Outubro /995.11 série.,, 4 a/ madall

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