Achados histopatológicos em 431 córneas de receptores de transplantes no Rio de Janeiro

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148 ARTIGO ORIGINAL Achados histopatológicos em 431 córneas de receptores de transplantes no Rio de Janeiro Histopathology finds in 431 corneas from transplant receptors in Rio de Janeiro Luiz Carlos Aguiar Vaz 1 RESUMO Foram examinadas 431 córneas de receptores de transplantes no Rio de Janeiro recebidas em sua maioria do Banco de Olhos associado à Sociedade Brasileira de Oftalmologia (SBO) e, as últimas, do Rio-transplante, após o fechamento temporário do Banco de Olhos. É notável a diferença entre os percentuais e o ordenamento das principais causas de transplante achadas neste levantamento, todos por comprovação histopatológica dos diagnósticos, e as citadas em bibliografia encontradas em Sorocaba, Porto Alegre, Florianópolis, Manaus e Recife baseadas apenas no levantamento dos prontuários clínicos. Descritores: Córnea/patologia; Transplante de córnea/estatística & dados numéricos; Transplante de córnea/epidemiologia ABSTRACT Four hundred and thirty one cornea from transplant receptors in Rio de Janeiro were analised, most of them received from Banco de Olhos, associated to Brazilian Society of Ophtalmology (SBO) and from Rio-transplante, after temporary closing of Banco de Olhos. There is a markable difference between the percentual and incidence from the most important causes founded in this work, all of them prooved by histopathology, and the causes reported in bibliography at Sorocaba, Porto Alegre, Florianópolis, Manaus and Recife, based only in clinical archives. Keywords: Cornea/pathology; Corneal transplantation/estatistics & numerical data; Corneal transplantation/epidemiology 1 Faculdade de Ciências Médica da Universidade Estadual do Rio Janeiro (UERJ) Rio Janeiro (RJ), Brasil. Trabalho realizado no Departamento de Patologia e Laboratórios da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Rio de Janeiro (RJ), Brasil Os autores declaram não haver conflitos de interesses Recebido para publicação em 12/2/2013 - Aceito para publicação em 26/2/2014

Achados histopatológicos em 431 córneas de receptores de transplantes no Rio de Janeiro 149 INTRODUÇÃO Em 1995 foi criado o Banco de Olhos da Sociedade Brasileira de Oftalmologia (SBO) destinado à recepção e distribuição de córneas para transplante. Em 2007, a Central Estadual de Transplantes da Secretaria de Estado da Saúde (CNCDO-RJ/SES) assumiu o controle do Banco de Olhos depois de quase um ano de interrupção da sua atividade, por determinação do Serviço de Vigilância Sanitária. A indicação e ordenação dos pacientes-receptores estão baseadas nos diagnósticos clínicos das doenças corneanas. A confirmação histopatológica destes diagnósticos nas córneas retiradas torna-se a comprovação material da acurácia diagnóstica e base dos estudos estatísticos de causa, o que interessa aos próprios oftalmologistas, assim como à saúde pública. O presente trabalho é o resultado da parceria Banco de Olhos - UERJ, comprovando a indicação clínica correta do transplante no estado do Rio de Janeiro. Ceratopatia bolhosa (45%), ceratite infecciosa (20%), ceratocone (12,5%), falha de enxerto (11%) e distrofias (8%) foram as principais causas identificadas no exame histopatológico. Figura 2: Córneas por sexo e idade MÉTODOS Não havia um protocolo para encaminhamento ao exame histopatológico, o que resultou no recebimento de diversas peças cirúrgicas com requisições incompletas quanto às informações de identificação do paciente, do resumo clínico da indicação do transplante e até mesmo da assinatura do médico requisitante. As córneas foram divididas em metades para o processamento e inclusão em parafina, microtomia entre 3 e 5 µm e coloração de rotina em hematoxilina-eosina (HE). Quando necessário, outros cortes foram corados por PAS e prata de Grocott para pesquisa de fungos, tricrômico de Masson, PAS, vermelho-congo, Alcian-Blue para as distrofias corneanas, Von Kossa para pesquisa de cálcio. Os laudos histopatológicos (1) foram conclusivos ou de compatibilidade, quando as informações clínicas ausentes das requisições prejudicaram a correlação dos achados. Figura 3: Córneas por sexo RESULTADOS As causas determinantes do transplante de córnea foram agrupadas segundo a lógica da natureza das lesões e dos números dos achados (figura 1), pois não existe na literatura nenhuma proposta de classificação. Entre os nove diagnósticos listados, Figura 4: Causas de transplantes - Relação entre os sexos Figura 1: Causas de transplante diagnóstico histopatológico o destaque numérico do grupo ceratopatia bolhosa (CB), em que todos os casos resultaram de complicações no pós-operatório de cirurgias de catarata, levam também ao destaque das faixas etárias entre 50 e 80 anos de idade (figura 2), quando foram excluídos os casos onde a idade dos pacientes não foi informada, diminuindo a amostragem de 431 para 410. O número de CB associada à cirurgia de catarata eleva a média das idades dos pacientes para 57,5 anos e neutraliza a significância das diferenças entre os sexos ou faixas etárias (figu-

150 Vaz LCA Figura 5: Idade média dos pacientes Figura 8: Causas adquiridas Figura 6: Causas de transplante Figura 9: Ceratites inflamatórias - distribuição dos casos por idade Figura 7: Causas congênitas Figura 10: Ceratocone - distribuição dos casos por idade ra 3), que doenças como o ceratocone e a distrofia de Fuchs poderiam ocasionar (figura 4). Combinando os diagnósticos histopatológicos com as médias de idade, a distribuição das córneas por faixa etária (figura 5), os achados estão dentro do esperado: as causas primárias de doença corneanas como leucomas congênitos e ceratocone em idades mais baixas, adultos na fase ativa da vida predominam entre as lesões traumáticas e das ceratites infecciosas, a mistura das causas dos transplantes representadas no grupo da falha do enxerto aproxima a idade média do grupo com a idade média de todos os pacientes da amostra. Outra forma de agrupar estas causas foi dividindo-as entre congênitas e adquiridas (figuras 6, 7 e 8), com os respectivos números de casos e as linhas de distribuição ou a dispersão dos casos ajudam a visualizar detalhes dos grupos com maior amostragem (figuras 9, 10 e 11). As curvas das ceratites infecciosas (figura 9) e do ceratocone (figura 10) têm uma distribuição de normalidade, acompanhando a linha de tendência em que os casos de ceratocone começam na idade escolar quando o paciente se queixa dos distúrbios visuais. As linhas de distribuição dos casos de distrofia de Fuchs e distrofia de Lattice (figura 11) estão nitidamente separadas pelo número de casos e pelos extremos das idades. Estas distrofias também divergem no predomínio dos sexos. Voltando a figura 4, vê-se o predomínio do sexo feminino na distrofia de Fuchs. As distrofias somadas aos dois casos de leucomas congênitos (uma anomalia de Peters e uma esclerocórnea) e ao grupo ceratocone,

Achados histopatológicos em 431 córneas de receptores de transplantes no Rio de Janeiro 151 Figura 11: Distrofias - distribuição de casos por idade Figura 14: Ceratites infecciosas - etiologia Figura 12: Ceratopatia bolhosa - Dispersão dos casos por idade Figura 15: Trauma Figura 13: Ceratites infecciosas - número de casos formam o grupo das causas congênitas ou primárias de transplante (Figuras 6 e 7). No gráfico de dispersão por idade da CB (figura 12), os raros casos associados ao glaucoma congênito aparecem nitidamente isolados dos demais que estão vinculados à cirurgia de catarata. O grande número destes últimos concentrados na faixa etária entre 50 e 90 anos de idade torna a dispersão dos pontos uma linha contínua. No grupo das ceratites infecciosas (Figura 13), não subdividimos os casos pela topografia como aparece na literatura ou foi referida em algumas requisições de exame pelo cirurgião Figura 16: Calcificação distrófica como subepiteliais, intersticiais, superficiais, profundas, centrais ou marginais. Qualquer agente infeccioso, independente de sua natureza, pode atingir qualquer uma destas localizações de acordo com a intensidade da infecção e do tempo de evolução da doença. Assim, utilizamos uma simples divisão em ulceradas e não-ulceradas que expressa melhor a gravidade da lesão. Quanto aos agentes infecciosos (figura 14), a etiologia deriva em grande parte das informações clínicas porque as córneas mostraram o processo inflamatório em fase de cicatrização após o tratamento clínico. Por princípio, os processos inflamatórios bacterianos e virais são considerados inespecíficos na visão do

152 Vaz LCA Figura 17: Falha do Enxerto - causas principais patologista, uma vez que a identificação dos agentes depende de cultura ou comprovação de antígenos. Somente os fungos são visíveis e identificáveis com o auxílio de colorações especiais como a prata de Grocott ou PAS. Em 3 de 8 casos as hifas de Cândida sp. foram identificadas. O grupo leucoma cicatricial (figuras 1, 4, 5 e 8) que aparece nas figuras não deveria existir se as informações clínicas estivessem sempre presentes nas requisições de exame, permitindo uma correlação com o aspecto histopatológico. O termo leucoma refere-se apenas a opacificação da córnea observada clinicamente. No exame histológico corresponde desde uma simples e discreta perda de orientação dos ceratócitos até óbvia cicatriz fibrosa, aspecto final que qualquer doença corneana pode apresentar. O grupo trauma (figura 15) foi composto por casos colhidos dentre os leucomas cicatriciais onde havia o relato clínico de traumatismo não-cirúrgico. Ele surpreende no seu pequeno número quando se pensa no grande número de acidentes de trabalho no Brasil. As alterações histológicas variaram entre cicatriz fibrosa nos casos antigos até o processo inflamatório agudo nas lesões recentes com infecções bacterianas superpostas. Não constituindo um grupo à parte de causa determinante de transplante, a calcificação da córnea (figura 16) foi um achado histológico algumas vezes suspeitado no relato clínico e confirmado no exame histopatológico pela coloração de Von Kossa. O termo clínico ceratopatia calcificada em banda corresponde na patologia a uma calcificação do tipo metastática com deposição uniforme do cálcio na membrana de Bowman associada a alterações do metabolismo do cálcio de diversas causas. A deposição irregular de cálcio é dita tipo distrófica quando ela ocorre em tecido previamente lesado ou morto, como ocorreu em todos os casos em que foi observada. O grupo falha de enxerto (figuras 1, 5, 8 e 16) é constituído por córneas de transplantes prévios que por diversas razões não vingaram, sendo a CB a principal delas (figura 17). Como desconhecemos o número total de transplantes realizados no mesmo período, nada podemos comentar sobre o percentual de insucesso neste tipo de cirurgia. Se 47 córneas são produto de falhas de enxerto, deveríamos ter um número equivalente de córneas originais dos mesmos pacientes no universo das 431 córneas da amostra. Só pareamos córneas de sete pacientes sendo que destes, três (03) tiveram as córneas dos dois olhos transplantados, dois (2) por ceratocone e um (01) por distrofia de Fuchs e dois (2) com CB. Na figura 18 estão os achados histopatológicos que Figura 18: Falha do enxerto - alterações associadas à ceratopatia bolhosa acompanham a processo de inflamação e cicatrização das causas da falha. No grupo ceratocone (figuras 1, 4, 5, 7 e 10), surpreende o maior número de pacientes do sexo masculino (figura 4), já que a literatura cita a proporção de 70% para as mulheres. Os 52 casos distribuem-se ao longo de uma linha de normalidade, não havendo concentração numa determinada faixa etária (figura 10). DISCUSSÃO É notável a diferença entre os percentuais e o ordenamento das principais causas de transplante achadas neste levantamento de 431 casos do Rio de Janeiro, todos por comprovação histopatológica dos diagnósticos, indicando CB pós-facectomia como a causa principal e o ceratocone em terceira posição, e as citadas em bibliografia encontradas em Sorocaba (2), Campinas (3), Porto Alegre (4), Florianópolis (5), Manaus (6) e Recife (7) baseadas apenas no levantamento dos prontuários clínicos. Os percentuais seriam ainda mais divergentes se acrescentassemos as falhas de enxerto em que a CB era a causa primária do transplante. Por serem heterogêneas nas origens das informações, não se deve concluir confrontando os achados histopatológicos deste estudo com os destas séries clínicas, mas arriscamos algumas especulações para abrir um leque de possibilidades de futuros trabalhos em busca de explicações para esta divergência. Um estudo clínico do perfil epidemiológico de 320 pacientes na lista de espera para transplante de córnea no estado de Sergipe (8) aponta a primazia da CB pós-facectomia sobre a doença ceratocone, como também ocorre nos EUA e Japão. A população de idade avançada em crescente número no Rio de janeiro e nos países desenvolvidos acabam levando a maior número de cirurgias de catarata. Essa seria a explicação mais simples, mas tornaria questionável em relação a Sergipe e criaria um paradoxo quanto à primazia do ceratocone na Europa e em importantes cidades de São Paulo ou do sul do Brasil. Outro estudo clínico sobre o perfil de 35 pacientes com CB pósfacectomia atendidos em um hospital público na cidade do Rio de Janeiro (9) encontra diferentes resultados conforme as técnicas cirúrgicas utilizadas, a avaliação de risco pré-operatório de doenças sistêmicas como a diabetes mellitus e da própria córnea e ainda a experiência profissional dos envolvidos nesta avaliação e na cirurgia. Haveria então um fator iatrogênico explicando as diferenças do ordenamento das principais causas que levam ao transplante corneano e nos achados histopatológicos associados à falha dos enxertos. Não seriam apenas as variantes

Achados histopatológicos em 431 córneas de receptores de transplantes no Rio de Janeiro 153 demográficas das cidades e a incidência natural das doenças que favorecem o ceratocone e a distribuição gráfica normal das ceratites infecciosas ou os fatos incidentais, como traumatismo não-cirúrgico que determinam o ordenamento das causas. Um dos objetivos deste projeto foi oferecer pela comprovação histopatológica, uma ferramenta de controle de qualidade na acurácia do diagnóstico clínico pela concordância ou discordância do diagnóstico alegado para justificar o transplante. Somente em 4 entre 431 casos, portanto menos de 1% do total, houve absoluta discordância entre os diagnósticos clínicos e histopatológicos. Os quatro casos oriundos do mesmo médico e com relato clínico de ulceração e descemetocele, que representam uma situação de urgência cirúrgica, divergem dos diagnósticos histopatológicos, dois de ceratocone e outros dois de ceratopatia bolhosa não-complicada, doenças sem caráter emergencial, embora indicativas de transplante. No restante dos casos, o diagnóstico histopatológico foi totalmente concordante ou de compatibilidade, sendo que nesta última situação os achados histopatológicos careciam de especificidade. A padronização dos formulários de requisição de exame histopatológico, que deveria ser exatamente o mesmo da requisição de córneas para transplante, evitaria que informações clínicas e os dados de identidade do paciente fossem omitidas ou não-preenchidos. Melhor ainda, seria se os formulários fossem eletrônicos de tal modo que se algum campo obrigatório não fosse preenchido não seria possível concluir a requisição. 3. Flores VG, Dias HL, Castro RS. [Penetrating keratoplasty indications in Hospital das Clínicas-UNICAMP ]. Arq Bras Oftalmol. 2007;70(3):505-8. Portuguese. 4. Cattani S, Kwitko S, Kroeff MA, Marinho D, Rymer S, Bocaccio FL. [Indications for corneal graft surgery at the Hospital de Clínicas of Porto Alegre]. Arq Bras Oftalmol. 2002;65(1):95-8. Portuguese. 5. Florence M, Regis-Pacheco LF. [Changing indications for penetrating keratoplasty 1990-1997]. Arq Bras Oftalmol. 1999;62(3):272-7. Portuguese. 6. Carvalho RC, Moss M, Garrido C, Cohen J, Chaves C. [Indications of corneal transplantation in the State of Amazon, Brazil: 11 years of experience at the Instituto de Oftalmologia de Manaus]. Rev Bras Oftalmol. 1996; 55(8): 619-22. Portuguese. 7. Amaral CS, Duarte JY, Silva PL, Valbuena R, Cunha F. [Indications for penetrating keratoplasty in Pernambuco]. Arq Bras Oftalmol. 2005;68(5):635-37. Portuguese. 8. Araujo AA, Melo GB, Silva RL, Araujo Neta VM. [Epidemiological profile of the patients on the waiting list for cornea transplantation in the State of Sergipe, Brazil]. Arq Bras Oftalmol. 2004;67(4):613-6. Portuguese. 9. Santhiago MR, Monica LA, Kara-Junior N, Gomes BA, Bertino PM, Mazurek MG, et al. [Profile of patient with aphakic/ pseudopfakic bullous keratopaty attended at public hospital]. Rev Bras Oftalmol. 2009;68(4):201-5. Portuguese. Agradecimentos Financiado pela FAPERJ (N o do Processo: APQ1 E-26 / 110.414 / 2007) Programa: Transplante Rio Rio de Janeiro (RJ), Brasil REFERÊNCIAS 1. Myron Yanoff, Ben S. Ocular pathology. 5th ed. Mosby Inc: USA; 2002. 2. Machado Filho O, Machado GA, Macêdo CL, Luz CAB, Cunha M. Indicações de ceratoplastia penetrante em 1993 Escola Paulista de Medicina. Arq Bras Oftalmol. 1994;57(4):236. Autor correspondente: Luiz Carlos Aguiar Vaz Anatomia Patológica FCM-UERJ Ed. A. Piquet Carneiro Rua Professor Manoel de Abreu, nº 444 Vila Isabel CEP 20550-170 Rio de Janeiro - (RJ), Brasil Tel: (21) 2587-6380 E-mail: secretaria.anatpat@hotmail.com