TERCEIRIZAÇÃO A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (8) o projeto de lei 4330/2004, que regulamenta contratos de terceirização no mercado de trabalho. Agora, o projeto será encaminhado diretamente para votação no Senado. O projeto tramita há 10 anos na Câmara e vem sendo discutido desde 2011 por deputados e representantes das centrais sindicais e dos sindicatos patronais. Ele prevê a contratação de serviços terceirizados para qualquer atividade, desde que a contratada esteja focada em uma atividade específica. As normas atingem empresas privadas, empresas públicas, sociedades de economia mista, produtores rurais e profissionais liberais. O texto somente não se aplica à administração pública direta, autarquias e fundações. Representantes dos trabalhadores argumentam que a lei pode provocar precarização no mercado de trabalho. Empresários, por sua vez, defendem que a legislação promoverá maior formalização e mais empregos.
O que é terceirização? Na terceirização uma empresa prestadora de serviços é contratada por outra empresa para realizar serviços determinados e específicos. A prestadora de serviços emprega e remunera o trabalho realizado por seus funcionários, ou subcontrata outra empresa para realização desses serviços. Não há vínculo empregatício entre a empresa contratante e os trabalhadores ou sócios das prestadoras de serviços. Atualmente, é a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que determina que a terceirização no Brasil só deve ser dirigida a atividades-meio. Essa súmula, que serve de base para decisões de juízes da área trabalhista, menciona os serviços de vigilância, conservação e limpeza, bem como serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta do funcionário terceirizado com a empresa contratante. Quais os pontos polêmicos da proposta? O PL 4330/04 envolve quatro grandes polêmicas, que têm causado protestos das centrais sindicais: a abrangência das terceirizações tanto para as atividades-meio como atividades-fim; obrigações trabalhistas serem de responsabilidade somente da empresa terceirizada a contratante tem apenas de fiscalizar; a representatividade sindical, que passa a ser do sindicato da empresa contratada e não da contratante; e a terceirização no serviço público. Já os empresários defendem que a nova lei vai aumentar a formalização e a criação de vagas de trabalho. O que pode ser terceirizado? O projeto de lei regulamenta a terceirização para a atividade-fim, ou seja, a atividade principal. Atualmente, por exemplo, uma empresa de engenharia não pode contratar um engenheiro terceirizado, mas o serviço de limpeza pode ser feito por um prestador de serviço. Da mesma forma montadoras não podem terceirizar os metalúrgicos, e os bancos, os bancários, por serem funções para atividades-fim. Hoje só é permitido terceirizar as atividades-meio ou apoio das empresas, ou seja, pessoal da limpeza, recepção, telefonia, segurança e informática, por exemplo.
A empresa contratada deverá ter objeto social único, compatível com o serviço contratado. É permitida a existência de mais de um objeto quando a atividade recair na mesma área de especialização. Isso impede a contratação de empresas guarda-chuvas, que oferecem serviço de segurança, limpeza e transporte, por exemplo.
DESDOBRAMENTOS JURÍDICOS 1. Trabalho terceirizado É o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente. Pela terceirização, uma empresa tomadora, ao invés de admitir empregados diretamente, contrata uma empresa prestadora. Essa modalidade de contratação surgiu nos Estados Unidos e na Inglaterra no bojo do Consenso de Washington, durante os governos liberais de Margareth Thatcher e de Ronald Reagan, uma época de sobrevalorização do capital. A prática foi adotada pelo Brasil "sem grandes discussões" também em um período de maior exacerbação do capitalismo. A legislação vigente é escassa em relação à terceirização. É possível identificar os seguintes regramentos referentes à terceirização já sedimentos no direito brasileiro: o Decreto-Lei nº 200/67, no seu art. 10, 7º prevê a contratação de trabalhadores na administração pública como terceirizados; a Lei nº 6.019/74 criou a figura do trabalho temporário, uma das primeiras formas de terceirização; e a Lei nº 7.102/83 permitiu o trabalho terceirizado para os vigilantes. Atualmente, prevalece o entendimento de que a terceirização é permitida na atividade-meio da empresa, porém é proibida na sua atividade-fim. A atividade-meio é tudo aquilo que é suporte para atividade-fim, como o serviço de limpeza e de vigilância de uma escola. A atividade-fim é aquela que posiciona a empresa no mercado, sendo ligada ao núcleo da dinâmica empresarial, como a atividade de ensino pelos professores de uma escola.
2. Responsabilização na terceirização Por ser ilícita, a terceirização na atividade-fim gera o vínculo de emprego diretamente com o tomador, em razão da fraude. Mesmo na atividade-fim, não haverá vínculo com a Administração Pública, em decorrência da necessidade de concurso público. Por ser lícita, a terceirização na atividade-meio acarreta apenas a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços. Haverá vínculo apenas se houver a pessoalidade e subordinação direta com o tomador. O art. 71 da Lei nº 8.666/90 prevê que a Administração Pública não seria subsidiariamente responsável pelas dívidas trabalhistas, fiscais e previdenciárias do contratado, em caso de inadimplemento. Ainda assim, o TST entendia pela responsabilização da Administração Pública, conforme antiga redação da Súmula nº 331, IV do TST. Entretanto, o STF recentemente reputou o mencionado dispositivo constitucional, admitindo a responsabilização da administração pública quando restar comprovada a sua culpa na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais pelo contratado. Posteriormente, o entendimento foi incorporado pelo TST (Súmula nº 331, V do TST). 3. Lesão social de direitos trabalhistas e previdenciários? O PL nº 4.330-A/2004 autoriza a generalização plena e irrefreável da terceirização na economia e na sociedade brasileiras, no âmbito privado e público, podendo atingir quaisquer segmentos econômicos ou profissionais, quaisquer atividades ou funções, desde que a empresa terceirizada seja especializada. A diretriz acolhida pelo PL, ao permitir essa generalização, poderá provocar gravíssima lesão a direitos sociais, trabalhistas e previdenciários no país, com a potencialidade de provocar a migração massiva de milhões de trabalhadores hoje enquadrados como efetivos das empresas e instituições tomadoras de serviços em direção a um novo enquadramento, como trabalhadores terceirizados, deflagrando impressionante redução de valores, direitos e garantias trabalhistas e sociais.
Como se sabe que os direitos e garantias dos trabalhadores terceirizados são manifestamente inferiores aos dos empregados efetivos, principalmente pelos níveis de remuneração e contratação significativamente mais modestos, o resultado será o profundo e rápido rebaixamento do valor social do trabalho na vida econômica e social brasileira, envolvendo potencialmente milhões de pessoas. O rebaixamento dramático da remuneração contratual de milhões de trabalhadores, além de comprometer o bem estar individual e social de seres humanos e famílias, afetará fortemente, de maneira negativa, o mercado interno de trabalho e de consumo, comprometendo um dos principais elementos de destaque no desenvolvimento do País. Com o decréscimo significativo da renda do trabalho ficará comprometida a pujança do mercado interno no Brasil.