O MOMENTO DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

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O MOMENTO DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR Stênio Ferreira PARRON 1 Eliane LEAL 2 RESUMO: A regra geral em relação ao ônus da prova, encontra-se definida no artigo 333 do CPC, segundo qual: incumbe ao autor provar o fato constitutivo de seu direito, e ao réu a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. O Código de Defesa do Consumidor estabeleceu, como direito básico do consumidor, a possibilidade de o juiz inverter o ônus da prova (art. 6º, VIII). Essa inversão gera grande divergência doutrinária. Neste artigo, pretende-se discutir o momento adequado para aludida inversão. Será realizado, de forma sucinta, a análise dos requisitos necessários para a inversão do ônus da prova. Palavras-chave: Ônus da prova.momento de inversão.código de Defesa do Consumidor. 1 INTRODUÇÃO Como se sabe, o sucesso de uma pretensão deduzida em juízo, quando há matéria fática a ser analisada, depende do resultado da produção da prova. Não se pode olvidar que o próprio sistema processual prevê situações em que não será necessário provar determinado fato na demanda judicial, ainda que 1 Advogado e professor orientador do Escritório Jurídico da Associação Educacional Toledo de Ensino. Advogado particular. Pós-graduando em Direito Civil e Processo Civil pela Associação Toledo de Ensino de Presidente Prudente. stenioparron@hotmail.com 2 Discente do 2º ano do curso de direito das Faculdades Integradas Antonio Eufrásio de Toledo de Presidente Prudente SP. elianel@unitoledo.br 1

relevante para a demanda, como nas hipóteses em que os fatos são notórios, confessados, incontroversos ou presumidos, nos termos do artigo 334 do CPC. No entanto, como regra, os fatos afirmados no processo, quando relevantes para o deslinde da causa, devem ser provados. Desta forma, o legislador tratou de definir a quem competia provar cada fato apresentado no processo. Note-se que não se trata de uma obrigação, mas sim de um ônus, ou seja, caso a parte interessada não comprove o fato que lhe favoreça haverá conseqüências. A regra geral em relação ao ônus da prova, encontra-se definida no artigo 333 do CPC, segundo qual: incumbe ao autor provar o fato constitutivo de seu direito e ao réu a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Em outras palavras: a parte tem o ônus de comprovar o fato que lhe seja pertinente. Pois bem, o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) estabeleceu, como direito básico do consumidor, a possibilidade de o juiz inverter o ônus da prova (art. 6º, VIII). A aplicação do dispositivo acima mencionado desperta grande controvérsia na doutrina e na jurisprudência, em especial, no que toca ao momento processual da inversão. Neste artigo, pretende-se discutir o momento adequado para aludida inversão. Contudo, antes de adentrar ao objeto deste trabalho, será realizado, de forma sucinta, a análise dos requisitos necessários para a inversão do ônus da prova prevista na Legislação Consumerista. 2 ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR estabelece: O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 6º, inciso VIII, 2

São direitos básico do consumidor: a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência. De início, vale registrar, que não se trata de uma hipótese de inversão do ônus da prova automática 3, decorrente da simples disposição legal (ope legis). Cuida-se, na verdade, de uma hipótese de inversão que depende de determinação judicial (ope iudices). Assim, o juiz deverá apreciar, no caso concreto, se estão presentes os requisitos que autorizam ou não a inversão do ônus da prova e fundamentar sua decisão. O dispositivo legal apresenta dois requisitos, a saber: a) verossimilhança da alegação e, b) hipossuficiência. A verossimilhança 4 da alegação consiste na aparência de verdade. Registre-se que não há apreciação da prova em si, apenas um confronto entre a alegação deduzida e aquilo que mostra ser razoavelmente possível. Neste sentido, vale mencionar, o comentário da professora TÂNIA LIS TIZZONI NOGUEIRA: O juízo de verossimilhança é feito preventivamente, sobre as alegações, e, não sobre a prova, sem prejuízo do êxito dela. Podendo ocorrer que o juiz acredite serem verossímeis as afirmações da parte e, depois da produção da prova, convença-se do contrário. 5 3 O Superior Tribunal de Justiça já decidiu: Em se tratando de produção de provas, a inversão, em caso de relação de consumo, não é automática, cabendo ao magistrado a apreciação dos aspectos de verossimilhança da alegação do consumidor ou de sua hipossuficiência, conforme estabelece o art. 6, VIII, do referido diploma legal. Configurados tais requisitos, rever tal apreciação é inviável em face da Súmula 07" (Ag.Rg. no Ag. 651.899/SP, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJU de 20.11.06). 4 É oportuno esclarecer que essa verossimilhança não deve ser confundida com a verossimilhança existente no artigo 273 do CPC como requisito para a antecipação de tutela. No artigo 273 do CPC o juiz se baseia nas provas já existentes no processo, enquanto que aqui o magistrado analisará as possibilidades de produção de prova em momento posterior. 5 A Prova no Direito do Consumidor, 1ª ed. 2ª tir., Curitiba: Juruá, 2000, p. 100. 3

De outro lado, o dispositivo legal, apresenta a possibilidade de a inversão ser determinada nos casos em que o consumidor for hipossuficiente. A hipossuficiência pode ser definida como a impotência do consumidor para apurar e demonstrar o fato que sustenta o seu pedido. É necessário ressaltar que não se trata de análise da situação econômica do consumidor, mas sim de desconhecimento técnico e informativo. ensina: O ilustre jurista LUIZ ANTONIO RIZZATTO NUNES com clareza impar, A vulnerabilidade, como vimos, é o conceito que afirma a fragilidade econômica do consumidor e também técnica. Mas hipossuficiência, para fins da possibilidade de inversão do ônus da prova, tem sentido de desconhecimento técnico e informativo do produto e do serviço, de suas propriedades, de seu funcionamento vital e/ou intrínseco, se sua distribuição, dos modos especiais de controle, dos aspectos que podem ter gerado o acidente de consumo e o dano, das características do vício etc. 6 A questão que tem sido proposta no que toca aos dois requisitos acima ventilados - verossimilhança e hipossuficiência se restringe em saber se eles seriam alternativos ou cumulativos. Em que pese respeitável entendimento diverso 7, a doutrina 8 e a jurisprudência, em sua maioria, têm sustentado que os requisitos legais do artigo 6º, inc. VIII, do CDC, são alternativos, interpretação que decorre da simples leitura do dispositivo legal. Entendo correta a posição majoritária acima lançada, sobretudo em decorrência do fato de que tendo o legislador apresentado possibilidades alternativas, não poderia o intérprete modificar o texto legal e impor uma interpretação cumulativa dos requisitos. Registre-se, ainda, que a possibilidade de inversão do ônus da prova é medida de exceção que somente terá sentido nas hipóteses em não se mostra viável 6 Curso de Direito do Consumidor, 2ª ed. rev., modif. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 740. 7 Cândido Rangel Dinamarco, Antônio Gidi. 8 Dentre outros: Carlos Roberto Barbosa Moreira, Humberto Theodoro Júnior, Kazuo Watanabe, Marcelo Abelha Rodrigues, Cláudia Lima Marques 4

a aplicação da regra geral do Código de Processo Civil e estejam presentes ao menos um dos requisitos legais elencados no CDC. Fixado as hipóteses em que se mostra cabível a inversão do ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor, passarei a analisar o ponto central deste artigo, ou seja, o momento processual de tal inversão. 3 MOMENTO PROCESSUAL DA INVERSÃO A Lei nº 8.078/90, como já visto, estabeleceu a possibilidade de o juiz, observado os requisitos legais, inverter o ônus da prova, com o objetivo de facilitar a defesa dos direitos dos consumidores. No entanto, não estabeleceu em que momento processual seria efetivada a inversão. Sendo assim mostra-se polêmica a discussão em torno do momento processual adequado para a inversão do ônus da prova. Tal discussão não fica restrita aos bancos acadêmicos, tem efeitos práticos que podem redundar no sucesso ou não de uma demanda judicial. Trata-se de um mecanismo importante para o consumidor e representa um instrumento potencialmente lesivo aos interesses do fornecedor de produtos e serviços caso não seja devidamente compreendido e aplicado. A doutrina e a jurisprudência têm, ao longo de quase duas décadas, discutido o tema em enfoque sem que se possa estabelecer, com absoluta clareza, um posicionamento predominante. É possível, todavia, apontar 3 (três) teorias diferentes sobre o momento processual adequado para a inversão do ônus da prova: a) no despacho inicial; b) no despacho saneador e c) na sentença. Veremos a seguir os pontos principais de cada uma das teorias. 5

3.1 No despacho Inicial Os partidários desta teoria 9 defendem que a inversão do ônus probatório deve ocorrer já no despacho inicial. Desta forma, diante das alegações do autor da demanda, o juiz deveria verificar se estariam presentes os requisitos legais que autorizam a inversão e, se positivo, decretá-la. Assim sendo, tão logo o réu tomasse ciência da demanda (por meio da citação) já saberia o ônus que lhe é reservado no processo, tendo condições de preparar uma peça de defesa adequada a futura produção das provas. Tal posicionamento torna-se difícil de ser sustentado tendo em vista o fato de que não se sabe, no momento em que o juiz despachar a inicial, quais as provas que deverão ser produzidas na fase de instrução. Note-se que o réu poderia reconhecer alguns fatos alegados pelo autor e apresentar outros e, estes outros serem facilmente rebatidos pelo autor da ação. Nesta hipótese não haveria razão para a inversão do ônus probatório. Em crítica a tal posicionamento, o professor ALEXANDRE COSTA DE ARAÚJO, transcreve os ensinamentos o jurista HUMBERTO THEODORO JÚNIOR: Antes da Contestação, nem mesmo se sabe quais fatos serão controvertidos e terão, por isso, de se submeter à prova, tornando-se, então prematuro o expediente do artigo 6º, inciso VIII, do CDC. 10 conveniente. Diante de tais argumentos, a aludida teoria não nos parece 9 Dentre outros: Tânia Lis Tizzoni Nogueira, Frederico da Costa Carvalho Neto. 10 Alexandre Costa de Araújo. A inversão do ônus da prova nas relações de consumo: aonde vamos?, in: www.jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9601. 6

3.2 No Despacho Saneador Alguns autores 11 sustentam que o momento adequado para a inversão do ônus probatório seria após a contestação, no momento em que seriam fixados os pontos controvertidos da lide. Os defensores desta corrente de pensamento afirmam que as regras de ônus da prova (do CDC) são relativas ao procedimento, razão pela qual não poderiam ser aplicadas somente por ocasião da sentença. A crítica realiza a tal corrente de pensamento sustenta que ao se pronunciar sobre a inversão do ônus da prova antes da sentença estaria o juiz prejulgando a causa e deixaria, portanto, de ser imparcial. Sobre o tema, FREDERICO DA COSTA CARVALHO NETO apresenta a interessante argumentação da a preclara professora ADA PELEGRINI GRINOVER que imitiu parecer solicitado pela Souza Cruz S/A na Ação Civil Pública promovida pela Associação de Defesa da Saúde do Fumante ADESF: Para que a expressão preliminar do juiz, quanto à inversão do ônus da prova, não fique eivada de vícios, só poder ser interpretada no sentido de um mero despacho que, didaticamente, advertiu as rés de que, no momento do julgamento, poderia o juiz inverter o ônus da prova, desde que constate a verossimilhança das alegações em face das regras ordinários de experiência. Se, no entanto, a expressão for interpretada como verdadeira decisão sobre questão litigiosa, significando que o juiz de fato inverteu o ônus da prova, no momento do recebimento da inicial, a decisão será nua, por infringir a garantia da indispensabilidade da motivação (art. 93, IX, CF); e, por conter pré-julgamento, poderá levar ao reconhecimento da suspeição do magistrado, a teor do art. 135, V, CPC. 12 11 Dentre outros: Carlos Roberto Barbosa Moreira, Luiz Antônio Rizzatto Nunes, Luciano Henrique Diniz Ramirez, Luiz Eduardo Boaventura Pacífico, Voltaire de Lima Moraes, Sandra Aparecida Sá dos Santos. 12 Ônus da Prova no Código de Defesa do Consumidor, São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002, p.174. 7

Os argumentos lançados pelos opositores da corrente defendida neste sob-tópico não devem prosperar, em que pese a autoridade dos doutrinadores que as proclamam. Nas considerações finais serão rebatidas tais críticas e reafirmado como sendo o melhor momento processual para a inversão do ônus da prova o despacho saneador. 3.3 Na Sentença Existe, ainda, importante posição doutrinária 13 e jurisprudencial que defende serem as regras de ônus da prova regras de julgamento, portanto aplicáveis somente na sentença. Neste sentido, entendem que somente após valorar a conjunto probatório existente nos autos e percebendo que ser possível decidir a demanda com base em tais provas, o juiz aplicará as regras de ônus da prova. Assim, deverá sucumbir a parte que deixou de comprovar os fatos que lhe competiam. Os grandes processualistas NELSON NERY JUNIOR E ROSA MARIA DE ANDRADE NERY afirmam: Não há momento para o juiz fixar o ônus da prova ou sua inversão (CDC 6º, VIII), porque não se trata de regra de procedimento. O ônus da prova é regra de juízo, isto é, de julgamento, cabendo ao juiz, quando da prolação da sentença, proferir julgamento contrário àquele que tinha o ônus da prova e dele não se desincumbiu. O sistema não determina quem deve fazer a prova, mas sim quem assume o risco caso não sae produza. 14 13 Dentre outros: Ada Pelegrini Grinover, Nelson Nery Junior, Rosa Maria de Andrade Nery, Kazuo Watanabe, Cecília Matos. 14 Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante, 9ª ed., rev., amp., e atalizada até 1º.3.2006, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p.531. 8

Tal teoria é criticada em decorrência do fato de causar surpresa às partes no momento da decisão. Assim, haveria violação dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. As críticas lançadas parecem pertinentes, as partes não poderiam demandar sem saberem ao certo qual regra será aplicada na sentença. 4 CONCLUSÃO A lei nº 8.078/90 não apontou o momento processual em que deveria ser realizada a inversão do ônus da prova. No entanto, estabeleceu a regra da inversão com forma de facilitação da defesa dos direitos dos consumidores, inclusive tratando tal possibilidade como um direito básico. Levando em conta tais considerações, fica fácil vislumbrar que o sistema apresentado pelo Código de Defesa do Consumidor não pretendeu deixá-lo (o consumidor) desamparado durante a tramitação da demanda para somente com a decisão judicial ver seu direito reconhecido. Assim sendo, nos parece inequívoco que o consumidor tem o direito de saber quais as regras que serão utilizadas na demanda em que litiga antes de produzir todas as suas provas. De outro lado, o fornecedor de produtos e serviços que esteja em litígio com o consumidor tem o direito constitucional ao devido processo legal (ampla defesa e contraditório) que somente estarão presentes caso saiba qual será o ônus probatório que lhe competirá na demanda. Tais situações do consumidor e do fornecedor somente poderão ser claramente verificadas na lide após a apresentação da contestação, quando forem fixados os pontos controvertidos da demanda. Assim sendo, o momento processual adequado para eventual inversão do ônus da prova será no despacho saneador. 9

É evidente que tal decisão deverá ser devidamente motivada, sob pena de nulidade, devendo o magistrado apontar e justificar as razões da inversão. O argumento de que tal decisão poderia ferir a imparcialidade do juiz não tem consistência, uma vez que poderá deferir a inversão e julgar improcedente o pedido após a analise da prova. Aliás, o juiz se manifestará sobre as provas, mas sobre o ônus da prova. Além disso, deixar de apontar as regras que serão utilizadas no julgamento, no meu sentir, fere também o princípio da boa-fé objetiva do qual nem mesmo o juiz pode esquivar-se. Em síntese o momento processual adequado para a inversão do ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor é no despacho saneador, somente nesta hipótese estariam resguardados os direitos das partes envolvidas no litígio. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CARVALHO NETO, Frederico da Costa. Ônus da Prova no Código de defesa do consumidor, São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002. COSTA DE ARAÚJO, Alexandre. A inversão do ônus da prova nas relações de consumo: aonde vamos?, in: www.jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9601 GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do Consumidor, 3ª edição, Rio de Janeiro: Impetus, 2007. NERY JUNIOR, Nelson e Nery, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante, 9ª edição revista, ampliada e atualizada, São Paulo: Revista dos Tribuanais, 2006. NOGUEIRA, Tânia Lis Tizzoni. A prova no Direito do Consumidor: O ônus da prova no Direito das Relações de Consumo, 1ª edição 2ª tiragem, Curitiba: Juruá, 2000. NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Curso de direito do consumidor: com exercícios, 2ª edição, revisada, modificada e atualizada, São Paulo: Saraiva, 2005. 10

PACÍFICO, Luiz Eduardo Boaventura. O ônus da prova no direito processual civil, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. RAMIRES, Luciano Henrique Diniz. As provas como instrumento de efetividade no processo civil, São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002. SANTOS, Sandra Aparecida Sá dos. A inversão do ônus da prova como garantia constitucional do devido processo legal, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. 11