Comunicado72 ISSN

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Transcrição:

Comunicado72 ISSN 1517-8862 Técnico Dezembro/2004 Seropédica/RJ O Botulismo dos Bovinos e o seu Controle Jürgen Döbereiner 1 Iveraldo Dutra 2 O botulismo é uma intoxicação não febril, geralmente fatal, caracterizada por paresia e paralisia flácida envolvendo a musculatura da locomoção, mastigação e deglutição. Nos bovinos é causado pela ingestão das neurotoxinas C ou D de Clostridium botulinum, previamente formadas em matéria orgânica vegetal ou animal decompostas, constituindo se numa das principais causas de mortalidade bovina nos sistemas de produção de corte e leite do país. Etiopatogenia C. botulinum é um microrganismo anaeróbio esporulado e putrefativo, encontrado ubiqüitariamente no solo, água e trato digestivo de diversas espécies animais e do homem. Em condicões ideais o microrganismo produz a neurotoxina botulínica, que é classificada em sete tipos sorologicamente distintos (A-G), mas têm ação farmacológica semelhante. Os tipos C e D, que produzem os componentes C 1, C 2 e D em diferentes quantidades, estão envolvidos no botulismo bovino. Enquanto as neurotoxinas C 1 e D são responsáveis pela doença, a toxina C 2, que não possui ação neurotóxica, tem o seu mecanismo patológico em animais de experimentação manifestado pelo acúmulo de fluido intestinal e aumento da permeabilidade vascular. Os bovinos se intoxicam quando ingerem material contaminado, geralmente constituído por restos de cadáveres, água ou alimentos. Após a absorção da toxina na luz intestinal a neurotoxina circula pela cadeia linfática e hematógena, agindo farmacologicamente sobre as terminações nervosas periféricas cujo neurotransmissor é a acetilcolina, resultando numa paralisia flácida progressiva. Uma vez ocorrida a fixação da toxina nas terminações nervosas, a antitoxina homóloga não tem mais ação neutralizadora. Não há o envolvimento do sistema nervoso central e a morte decorre da parada respiratória. Epidemiologia A intoxicação botulínica é considerada uma importante causa de mortalidade bovina em diversos países do hemisfério sul. No Brasil, foi registrada primeiramente na região de Campo Maior, Estado do Piauí, no final da década de 1960, sendo denominada na ocasião de doença da mão dura. Nas décadas de 1970, 1980 e até meados de 1990, o botulismo foi responsável por grandes surtos nas regiões Centro-Oeste e Sudeste do país. As estimativas indicam que mais de seis milhões de animais morreram entre os anos de 1985 a 1999 devido à intoxicação nessas regiões. Os surtos de botulismo estão associados à ingestão da toxina previamente formada em carcaças decompostas, alimentos indevidamente armazenados (milho, silagem, feno, ração), cama de frango, ou ainda pela veiculação hídrica. A osteofagia (Fig. 1), amplamente observada nos animais mantidos em áreas deficientes em fósforo e com inadequada suplementação mineral, em conjunto com a contaminação ambiental por C. botulinum e presença de cadáveres nas pastagens 1 Pesquisador da Embrapa Agrobiologia, PSA, Seropédica, RJ. E-mail: jurgen@ufrrj.br 2 Unesp, Campus de Araçatuba, SP. E-mail: isdutra@fmva.unesp.br

2 O botulismo dos bovinos e o seu controle (Fig. 2) são fatores que determinam a ocorrência do botulismo na pecuária extensiva. A presença de carcaças em decomposição na pastagem cria condições favoráveis à ocorrência do botulismo, uma vez que aumenta a contaminação ambiental pelos esporos da bactéria. Da mesma forma, a existência de cacimbas ou valas de captação (Fig. 3), utilizadas na dessedentação dos animais, propicia condições ideais à ocorrência de surtos de botulismo hídrico em diversas regiões do país, inclusive em búfalos. Fig. 1. Osteofagia é um sinal freqüente da deficiência de fósforo. Fig. 2. Cadáveres de bovinos acometidos pela inoxicação botulínica. Fig. 3. Vala de captação está associada freqüentemente à intoxicação botulínica. As categorias animais mais freqüentemente acometidas no botulismo associado à osteofagia são as fêmeas em fase reprodutiva, seguida dos machos de engorda e animais jovens. No botulismo associado à ingestão de alimentos e água contaminada, todas as categorias podem estar envolvidas. Nos surtos em que a intoxicação está associada à osteofagia o coeficiente médio de mortalidade foi de 9,12%; quando alimentos estão envolvidos o coeficiente foi de 13%. Em nenhuma das circuntâncias a letalidade do botulismo é de 100%, podendo ocorrer a recuperação espontânea em casos naturais. Embora a doença possa incidir esporadicamente durante todo o ano e acometer praticamente todas as categorias animais, nas regiões Sudeste, e em parte da região Centro-Oeste do país, a enfermidade ocorre principalmente nos meses de outubro a maio. Nessa época do ano há uma maior oferta de forragem, aumentando as exigências de fósforo dos animais e implicando no aumento da osteofagia, e as dificuldades operacionais são consideráveis, impedindo uma suplementação mineral adequada por causa das chuvas. Sinais clínicos A quantidade de toxina ingerida e a susceptibilidade do animal determinam o período de incubação e a evolução clínica. Quanto maior a quantidade ingerida, menor é o período de incubação e mais rápida é a evolução clínica. Nos bovinos o quadro clínico do botulismo varia consideravelmente, na dependência da quantidade de toxina ingerida. O envolvimento da musculatura da locomoção, mastigação e deglutição são bem

O botulismo dos bovinos e o seu controle 3 definidos em todas as formas de evolução, variando, no entanto, a intensidade da manifestação clínica. O período de incubação pode ser de poucas horas até 16 dias. Os sinais clínicos da intoxicação botulínica incluem inicialmente a dificuldade na locomoção (Fig. 4) e estado mental aparentemente normal (Fig. 5). Com a evolução intensifica-se a paralisia fácida parcial ou completa da musculatura dos membros, acentuadamente dos posteriores, seguida de decúbito esternal (Fig. 6) ou lateral, e a percepção sensorial se mantém mesmo depois de estabelecida a paralisia muscular esquelética. A diminuição dos movimentos da cauda e do tônus da musculatura da língua podem ser evidenciados em parte significativa dos animais intoxicados, mas não necessariamente na sua totalidade. Em casos crônicos estes sinais podem não estar claramente caracterizados. O apetite permanece inalterado em alguns animais, que geralmente manifestam movimentos mastigatórios lentos e conseguem inclusive ingerir água. Na fase final da intoxicação os animais entram em decúbito lateral e morrem em períodos variáveis, sem apresentar normalmente movimentos de pedalagem. Achados de necropsia Fig. 4. Dificuldade de locomoção da "doença da vaca caída": botulismo. Não ocorrem lesões macro ou microscópicas primárias associadas à intoxicação botulínica, uma vez que a toxina age na sinapse neuro-muscular. Isto não exclui, no entanto, achados que não possuem relação direta com a ação da neurotoxina, como a presença de enterite catarrohemorrágica e petéquias no intestino delgado e no endocárdio. Eventualmente, pode ainda ser encontrado fluido em excesso no saco pericárdico e edema pulmonar. Um achado freqüente na necropsia é a presença de fragmentos de ossos ou restos de carcaças no rúmen ou retículo de animais acometidos pela intoxicação. No entanto, isto revela apenas a ocorrência da osteofagia, não tendo significado algum no diagnóstico. Diagnóstico Fig. 5. Vaca com quadro clínico de botulismo: dificuldade na locomoção e estado mental aparentemente normal. Fig. 6. Vaca em decúbito esternal e estado mental aparentemente normal. O diagnóstico presuntivo do botulismo é baseado no histórico e no quadro clínico-patológico. Informações como a ausência de vacinação ou imunização inadequada, a presença de osteofagia no rebanho e a existência de carcaças na pastagem são dados adicionais importantes, diante da ocorrência de quadro de paralisia progressiva em animais com evolução clínica variável e estado mental aparentemente normal. Por ocasião dos extensos surtos da doença nas décadas de 1980 e 1990, o botulismo ficou conhecido popularmente como doença da vaca caída, expressão esta ainda usada em algumas regiões. Deve-se excluir sistematicamente a possibilidade de outras enfermidades com sinais clínicos comuns ao botulismo, como raiva, intoxicação por chumbo,

4 O botulismo dos bovinos e o seu controle abscessos cerebelares, polioencefalomalácia, hipocalcemia e hipomagnesemia, miopatias nutricionais, envenenamento por ionóforos e organofosforados, babesiose cerebral e meningites bacterianas. O diagnóstico etiológico da intoxicação depende da demonstração da toxina botulínica em amostra biológica colhida de animal enfermo. Técnicas com boa sensibilidade como a microfixação de complemento ou o ensaio imunoenzimático podem ser empregadas. No entanto, a tentativa de detecção da toxina apresenta complexidades, como a alta susceptibilidade dos bovinos e o fato de que a toxina uma vez tendo agido na sinapse neuromuscular perde a sua atividade biológica, impossibilitando assim a sua detecção, mesmo com o uso de técnicas com alta sensibilidade. Por outro lado, o teste biológico com maior sensibilidade e especificidade toxicológica, que é o bioensaio seguido da neutralização com antitoxina homóloga, utiliza-se de camundongos (Fig. 7), que são 12,88 vezes menos sensíveis à toxina botulínica que os bovinos. De qualquer forma, a tentativa do diagnóstico etiológico pode ser realizada pelo envio de amostra de fígado (100 g) e líquidos ruminal (20 ml) e intestinal (20 ml), acondicionados sob refrigeração ou congelados para laboratório com rotina implantada para a demonstração de toxina botulínica. A comprovação é feita quando em pelo menos um material é detectada a toxina. No entanto, a sensibilidade da soroneutralização em camundongo é de 43,1%, quando se utilizam os três materiais colhidos de um mesmo animal. Isto revela que o diagnóstico da maioria dos casos de botulismo em bovinos deve ser feito com base no quadro clínico-patológico e epidemiológico. Tratamento Inexistem drogas antagonistas efetivas para neutralizar o efeito neuroparalítico da toxina botulínica. Estabelecido o quadro clínico, a antitoxina não tem mais capacidade de neutralizar a toxina já fixada ou internalizada no axônio, motivo pelo qual tem pouco sucesso na reversão do quadro clínico já consolidado. Controle e profilaxia A retirada e incineração de cadáveres das pastagens, a suplementação mineral com os níveis necessários de fósforo, e a vacinação com toxóide botulínico bivalente C e D de boa qualidade são as medidas a serem adotadas para se evitar o botulismo associado à osteofagia. Na eliminação de cadáveres deve-se utilizar sistematicamente a incineração a campo (Fig. 8) ou ainda a compostagem (Fig. 9-10), que é um processo ambiental e sanitariamente seguro e adequado. Fig. 8. Incineração de cadáveres de bovinos a campo. Fig. 7. Camundongo com paralisia dos membros pélvicos, decorrente da intoxicação botulínica pela inoculação via intra-peritoneal de material (fígado) suspeito. Fig. 9. Na compostagem, cadáveres de bovinos cobertos com uma fonte de carbono (geralmente maravalha), entram em decomposição controlada; 50 a 60 dias após todo o tecido mole está decomposto, permanecendo apenas os ossos, que são então incinerados.

O botulismo dos bovinos e o seu controle 5 Fig.10. A compostagem de cadáveres de bovinos é um procedimento sanitário seguro e desejável sob o ponto de vista ambiental. Uma indicação efetiva de suplementação mineral para bovinos criados extensivamente no Brasil é fornecida em artigo técnico publicado na revista Pesquisa Veterinária Brasileira 20(3):127-138, 2000. Água e alimentos de boa qualidade devem ser fornecidos aos animais, em conjunto com a vacinação do rebanho. Não se deve utilizar a cama de frango na alimentação de ruminantes. Animais vacinados pela primeira vez devem receber um reforço, preferencialmente 42 dias após. Em seguida, a vacinação é anual, devendo ser imunizados todos animais com idade acima de quatro meses. Uma maneira prática de aumentar a sua eficácia é vacinar os animais antecipadamente às épocas em que historicamente aumenta a ocorrência do botulismo, que nas regiões Sudeste e Centro-Oeste concentram-se de outubro a maio. Referências Bibliográficas CURCI, V. C. L. M. Viabilidade de esporos de Clostridium botulinum tipos C e D na précompostagem de carcaça bovina. 2004. 41 p. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Universidade Estadual Paulista, Câmpus de Jaboticabal. DÖBEREINER, J.; LANGENEGGER J.; TOKARNIA, C. H.; DUTRA, I. S. Epizootic botulism of cattle in Brazil. Deutsches Tierärzteblatt Wochenschr., Hannover, v. 99, n. 5, p. 188-190, 1982. DUTRA, I. S. Epidemiologia, quadro clínico e diagnóstico pela soroneutralização em camundongos do botulismo em bovinos no Brasil, 1989-2001. 2001. 133 p. Tese (Livredocência) - Curso de Medicina Veterinária, Universidade Estadual Paulista, Campus de Araçatuba. DUTRA, I. S.; DÖBEREINER, J.; ROSA, I. V.; SOUZA, L. A. A.; NONATO, M. Surtos de botulismo em bovinos associados à ingestão de água contaminada. Pesquisa Veterinária Brasileira, Rio de Janeiro, v. 21, n. 2, p. 43-48, 2001. DUTRA, I. S.; WEISS, H. -E.; WEISS, H.; DÖBEREINER, J. Diagnóstico do botulismo em bovinos no Brasil pela técnica de microfixação de complemento. Pesquisa Veterinária Brasileira, Rio de Janeiro, v. 13, n. ¾, p. 83-86, 1993. KRIEK, N. P. J.; ODENDAAL, M. W. Botulism. In: COETZER, J. A. W.; THOMSON, G. R.; TUSTIN, R. C. (Ed.). Infectious diseases of livestock. Cape Town: Oxford University Press, 1994. v. 2. p. 1354-1371. LANGENEGGER, J.; DÖBEREINER J. Botulismo enzoótico em búfalos no Maranhão. Pesquisa Veterinária Brasileira, Rio de Janeiro, v. 8, n. ½, p. 37-42, 1988. LISBOA, J. A. N.; KUCHEMBUCK, M. R. G.; DUTRA, I. S.; GONÇALVES, R. C.; ALMEIDA, C. O.; BARROS FILHO, I. R. Epidemiologia e quadro clínico do botulismo epizoótico dos bovinos no Estado de São Paulo. Pesquisa Veterinária Brasileira, Rio de Janeiro, v. 16, n. 2/3, p. 67-74, 1996. MOELLER Jr., R. B.; PUSCHNER, B.; WALKER, R. L.; ROCKE, T.; GALEY, F. D.; CULLOR, J. S.; ARDANS, A. A. Determination of the median toxic dose of type C botulinum toxin in lactating dairy cows. Journal of Veterinary Diagnostic Investigation, Turlock, v. 16, n. 6, p. 523-526, 2003. SILVA, T. M. D.; DUTRA, I. S.; CASTRO, R. N.; DÖBEREINER, J. Ocorrência de esporos de Clostridium botulinum tipos C e D em áreas de criação de búfalos na Baixada Maranhense. Pesquisa Veterinária Brasileira, Rio de Janeiro, v. 18, n. ¾, p. 127-131, 1998.

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