APELAÇÃO CÍVEL. DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR E ADOÇÃO. MÃE QUE ENTREGOU A FILHA EM ADOÇÃO DE FORMA ESPONTÂNEA A TERCEIROS. SITUAÇÃO DE ABANDONO. DESCUMPRIMENTO DOS DEVERES INERENTES AO PODER FAMILIAR. PRESENÇA DOS REQUISITOS PARA A ADOÇÃO. Comprovação de violação e infringência dos deveres inerentes ao poder familiar. Ante a conduta da genitora para com a filhas, prometendo-a em adoção antes mesmo do nascimento e entregando-a aos autores logo após o parto, resta configurada situação de abandono a autorizar a destituição do poder familiar. Presentes os requisitos legais, a adoção é a solução mais adequada para a preservação do bem-estar físico e psicológico da infante, que já possui vínculos com a família substituta, com quem convive há quatro anos, desde o seu nascimento. APELAÇÃO DESPROVIDA. APELAÇÃO CÍVEL SÉTIMA CÂMARA CÍVEL COMARCA DE RIO GRANDE E.H.S... M.O.S... R.C.O.S... APELANTE APELADO APELADO A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos. 1
Acordam os Magistrados integrantes da Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em desprover a apelação Custas na forma da lei. Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES (PRESIDENTE) E DR. JOSÉ CONRADO DE SOUZA JÚNIOR. Porto Alegre, 07 de julho de 2010. DES. ANDRÉ LUIZ PLANELLA VILLARINHO, Relator. R E L A T Ó R I O DES. ANDRÉ LUIZ PLANELLA VILLARINHO (RELATOR) Trata-se de apelação interposta por Elisete H. S. à sentença que, nos autos da ação de destituição do poder familiar cumulada com adoção ajuizada por Márcio O. da S. e Rosália C. de O., julgou procedente o pedido, destituindo a requerida do poder familiar sobre Rafaella, bem como concedendo a adoção ao casal autor. Nas razões recursais, a requerida alega que os autores se valeram da fragilidade da apelante no momento da gravidez, induzindo-a a entregar a filha em adoção. Invoca o fato de ter estudado pouco e ter sofrido de depressão logo após o parto. Alega estar arrependida de ter entregue a filha, alegando que possui condições de criá-la. Pugna pela reforma da sentença, julgando-se improcedente a ação (fls. 296/303). 2
este Tribunal. Contra-arrazoada a apelação (fls. 307/313), vieram os autos a O Ministério Público, neste grau, pelo eminente Procurador de Justiça, Dr. Luiz Cláudio Varela Coelho, emitiu parecer no sentido do desprovimento do recurso (fls. 1324/309). Registre-se, por fim, que foi cumprido o comando estabelecido pelos artigos 549, 551 e 552, todos do CPC. É o relatório. V O T O S DES. ANDRÉ LUIZ PLANELLA VILLARINHO (RELATOR) Cuida-se de apelação interposta por Elisete H. S. à sentença que, nos autos da ação de destituição do poder familiar cumulada com adoção ajuizada por Márcio O. da S. e Rosália C. de O., julgou procedente o pedido, destituindo a requerida do poder familiar sobre Rafaella, bem como concedendo a adoção ao casal autor. O poder familiar é um conjunto de direitos e deveres que o Estado incumbiu aos pais, pelo qual a eles compete o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, bem como de tê-los em sua companhia, direito exercitável contra quem os detenha injustamente. A origem do poder familiar, anteriormente denominado de pátrio poder, reside na necessidade de os filhos, desde o seu nascimento, receberem proteção e cuidados de seus pais, que, a seu turno, igualmente têm interesse em proporcionar as melhores condições para seus filhos, tanto no que diz com a educação e formação, como no respeitante aos seus 3
interesses morais, sociais e afetivos, elementos que concorrem para uma boa estruturação intelectual e psíquica do indivíduo. Trata-se de um munus público dos pais em relação aos filhos, consistente no acompanhamento diário e progressivo na medida em que evoluem na idade e no desenvolvimento físico e mental, a fim de prepará-los para alcançarem sua própria capacidade de autogestão e administração de seus bens. Como se observa, fundamental o papel dos pais no desenvolvimento intelectual, moral e psíquico dos filhos, que, se não obtiverem a orientação e o acompanhamento devido, por certo, terão comprometidas suas relações sociais e seu crescimento pessoal, o que se refletirá no modo como interagem em sociedade. Dada a relevância do instituto, a perda do poder familiar somente ocorre em hipóteses de extrema gravidade na infringência dos deveres inerentes aos pais, e tais casos vêm expressamente arrolados no art. 1.638 do Código Civil, a saber: Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: I castigar imoderadamente o filho; II deixar o filho em abandono; III praticar atos contrários à moral e aos bons costumes; IV incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente. Vê-se pelo disposto nos incisos II e III do citado texto legal que deixar os filhos em abandono, privando-os dos cuidados inerentes à sua formação moral e material, assim como a prática de atos contrários à moral e aos bons costumes, são causas de destituição do poder familiar. 4
Todavia, tratando-se de medida extrema, como dito, exige-se análise criteriosa das circunstâncias envolvendo o caso concreto, tendo em vista as conseqüências que tal medida projeta sobre o relacionamento dos infantes com seus genitores. No caso, diante dos elementos contidos nos autos, resta configurada a situação de risco e abandono da menor, que foi prometida em adoção pela mãe, antes mesmo de nascer. A propositura da ação se deu pelo fato de que a requerida teria anuído com a adoção de sua filha pelo casal autor, tendo-a oferecido aos autores ainda no curso da gravidez, entregando-a à família substituta logo após o parto, ocorrido em 28.08.2006 (fl. 21). Na época, a requerida firmou um termo, no qual afirmava estar doando a filha recém-nascida a Rosália e Márcio, por não ter condições financeiras e psicológicas para criar a menor (fl. 19). A própria requerida admite, em seu depoimento ao Juízo (fl. 145), que concordou em dar a filha em adoção, por estar passando por vários problemas. A demandada afirmou, ainda: Antes, quando eu estava grávida, eu estava sofrendo tipo uma rejeição. Aquilo não estava em mim. Começaram a dizer para mim que eu não tinha condições de criar, que era melhor que eu doasse. Botei isso na minha cabeça, e conheci esse casal e gostei deles. Quis doar pra eles. Mas as pessoas, todo mundo doa... Eles são um casal bom. [...] (fl. 146). A testemunha Lílian Silva da Fonseca afirmou em audiência: Juíza: Ela manifestou alguma vez interesse em dar essa criança pra alguém criar? Testemunha: Ela nunca comentou que ela queria dar, mas depois de um tempo ela tinha ganhado essa criança, ela disse que tinha dado. 5
Juíza: E ela deu por que ela se sentia sem condições de criar essa criança, achava que era melhor para a criança que fosse criada por outras pessoas ou por que ela foi pressionada ou coagida de alguma maneira a entregar a criança? Testemunha: Ela disse que conheceu o casal que está com a criança através da Casa da Criança onde esse casal queria um filho que a mãe não poderia ter, não poderia ter o bebê e aí foi através de uma assistente social que ela falou, se me recordo o nome é Sandra Becker que foi quem arrumou esse casal para doar a criança, foi ela quem comentou. Juíza: Mas foi ela quem procurou a Casa da Criança? Testemunha: Não, foi através da Casa da Criança..., parece que as crianças dela estavam lá. Juíza: Chegaram a ser abrigadas? Testemunha: Isso, aí ela conheceu esse casal lá. O Laudo Pericial de fls. 246/249 revela que, durante a entrevista, a requerida apresentava diversas oscilações, com distúrbios de comportamento e histerismo (identificava as imagens de personagens de revistas e encartes de propagandas como se fosse sua filha Rafaella e Sra. Rosália). A perícia sugere a permanência da menor Rafaella com a família guardiã, bem como o encaminhamento da demandada para tratamento psicológico e psiquiátrico. O relato das testemunhas, bem como o Laudo Pericial realizado, atestam a incapacidade de exercício do poder familiar pela requerida, que tem outros dois filhos abrigados e doou a própria filha ao casal autor, com quem não possuía qualquer vínculo, antes mesmo do nascimento da infante. Observa-se, assim, a total inaptidão da recorrente no atendimento das necessidades básicas da filha, restando configurada situação de abandono autorizadora da destituição do poder familiar. Por outro lado, os requisitos legais para adoção estão preenchidos. O casal está regularmente habilitado. O Estudos Social 6
realizado à fl. 27/30 é favorável à adoção. Nas considerações finais, a Assistente Social concluiu: Rafaella foi encaminhada para adoção, através da própria mãe, não tendo esta exercido o poder dever de criá-la, cuidá-la e protegê-la, transferindo-o para terceiros. Ela encontra-se sob a guarda fática dos autores desde o nascimento, passando estes a exercer o encargo que caberia naturalmente a genitora. Verificou-se que Rafaella é, em seu meio atual, uma criança muito amada, querida e desejada, sendo bastante valorizada pelos que dela cuidam, encontrando-se com suas necessidades materiais e emocionais plenamente supridas. Diante do exposto, emite-se parecer pela permanência da menina no lar substituto, eis que esta é a alternativa que melhor atenderá seus interesses. Se Rafaella for separada dos autores, que já tornaram-se seus pais psicológicos, vivenciará um novo abandono e isto será extremamente prejudicial, uma vez que lhe acarretará retrocessos. [...] Isto posto, considerando que os direitos da criança são preponderantes e prioritários aos da mãe biológica e que esta tomou a iniciativa de entregar a filha para terceiros, transferindo a eles as obrigações que eram suas, encontrando-se Rafaella em situação de completo bem-estar no lar substituto, reitera-se o parecer pela sua permanência com os autores, sendo conveniente o deferimento da guarda provisória, desde já, até o final da causa. A criança encontra-se inserida na família substituta desde o seu nascimento, ocorrido em 28.08.2006 (fl. 21), tendo saído do hospital nos braços do casal autor, com quem certamente já desenvolveu laços afetivos indissolúveis, não havendo qualquer impedimento à adoção. Diante de todos esses fundamentos, a destituição do poder familiar e adoção da infante pelos autores constitui-se como medida mais adequada à preservação do 7
bem-estar físico e psicológico de Rafaella, impondo-se a confirmação da sentença. Isto posto, nego provimento à apelação. DR. JOSÉ CONRADO DE SOUZA JÚNIOR (REVISOR) - De acordo com o Relator. DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES (PRESIDENTE) - De acordo com o Relator. DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES - Presidente - Apelação Cível nº 70035793066, Comarca de Rio Grande: "NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO. UNÂNIME." Julgador(a) de 1º Grau: DANIEL NEVES PEREIRA 8