Unidade II. Serviço Social Interdisciplinar



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Transcrição:

Serviço Social Interdisciplinar Unidade II 5 A Interdisciplinaridade e o Serviço Social Nessa unidade, daremos seguimento aos nossos estudos sobre o serviço social e a interdisciplinaridade. Precisamos nos atentar para o fato de que a interdisciplinaridade se manifesta na profissão por meio da interlocução com outras fontes de conhecimento, como a psicologia, a sociologia e o direito, por exemplo, mas também se expressa em ações práticas. No decurso desse livro-texto, exploraremos ambos os aspectos, porém nossa ênfase recairá na questão da prática interdisciplinar, como veremos. Nessa unidade, destacaremos aspectos históricos e que demonstram como a questão da interdisciplinaridade vem sendo relacionada com o serviço social, em sua formação e em sua atuação, desde os tempos da formação profissional. Destacaremos ainda os conceitos sobre interdisciplinaridade, que são trazidos para a prática e formação do assistente social na atualidade. Falaremos da legislação que busca orientar a ação interdisciplinar, bem como documentos que servem de base para a prática profissional de tal natureza. E concluiremos com a sistematização de relatos e experiências de práticas profissionais em que o caráter interdisciplinar busca prevalecer. Esperamos fazer com que você, aluno, consiga estabelecer uma relação com a interdisciplinaridade, com a conceituação oferecida e com a prática e reflexão teórica interdisciplinar que acontecem e sempre se mostraram presentes no serviço social. No fim desta unidade, há uma série de exercícios que versam sobre o conteúdo tratado. Recomendo que você recorra a eles, com muita atenção, para que possa avaliar sua aprendizagem, sanar possíveis dúvidas e aprofundar o conhecimento obtido até o presente momento. 5.1 História da interdisciplinaridade junto ao Serviço Social Dando seguimento ao conteúdo em questão e especificamente orientando nossas discussões de forma a buscar uma relação da interdisciplinaridade com o serviço social, mostraremos como a interdisciplinaridade tem se manifestado nessa profissão desde sua constituição. Para compreender essa questão, observaremos as metodologias que foram se constituindo no decurso do desenvolvimento da profissão, bem como as teorias que foram sendo constituídas como fundamentação da ação. Por meio dessa aproximação, perceberemos que a interdisciplinaridade já se manifesta no serviço social desde sua constituição como profissão no Brasil e que isso é perceptível tanto nas práticas dos primeiros profissionais quanto nas teorias que auxiliavam as intervenções. 65

Unidade II Lembrete Precisamos nesse item relembrar o desenvolvimento do serviço social no Brasil, desde o surgimento da primeira escola, a Escola de São Paulo, em 1936. Quando nos referimos às metodologias de intervenção que foram sendo desenvolvidas pelo serviço social desde a sua constituição profissional, precisamos também nos remeter ao surgimento das primeiras escolas. Isso porque foi por meio delas, que buscavam oferecer uma base científica às ações já desenvolvidas como caridade, é que foram sendo organizados métodos de intervenção utilizados pelo serviço social, sendo as protoformas de nossa metodologia de ação. A constituição do serviço social como profissão no Brasil se deu, como dizem Iamamoto & Carvalho (1996), a partir de 1936, com a constituição das primeiras escolas, a escola de São Paulo, fundada em 1936, e a escola do Rio de Janeiro, fundada em 1937. Essas iniciativas foram precedidas pela criação do Centro de Estudos e Ação Social (Ceas), onde foram desenvolvidos cursos para auxiliar nesse processo de formação. Em ambas as constituições houve a influência da igreja católica, segundo nos apontam tanto as obras de Iamamoto & Carvalho (1996) e Aguiar (1995). A igreja esteve inserida nesse processo devido ao fato de ter sido ela a primeira instituição a exercer a caridade, e para essa demanda convocou moças católicas pertencentes às boas famílias da sociedade burguesa e preferencialmente que não fossem casadas, para que pudessem se dedicar especialmente a execução da filantropia. Porém, essa intervenção empreendida pelas moças católicas não trouxe grandes resultados devido ao fato de cada vez mais a pobreza vir se ampliando no país, sobretudo no início dos anos 1920. Então, argumentava-se que essa situação devia-se ao fato de que as promotoras da caridade - ou agentes da caridade, como eram chamadas -, não possuíam base científica e formação necessária. Para isso, segundo a igreja católica, tornava-se fundamental uma formação específica para atuar na filantropia, e tal forma só seria obtida junto aos centros de formação. Não cabe a nós detalharmos esse processo, posto que já foi estudado em outra disciplina, mas cabe-nos reforçar que diante desse processo de constituição das primeiras escolas é que foram sendo formados os primeiros assistentes sociais do país. Esses profissionais buscavam se aperfeiçoar, e isso significava apreender uma metodologia de intervenção que se mostrasse capaz de atender às mazelas já latentes pelo modo de produção capitalista. Além disso, era necessário um conhecimento que orientasse e respaldasse a ação. Sobre o método de intervenção, Aguiar (1995) vem nos dizer que surge a partir da constituição da profissão, o serviço social de casos individuais, chamado por alguns autores de serviço social pessoal. O autor fala que essa orientação propunha uma intervenção focada na mudança do caráter do indivíduo, acarretando um caráter fortemente psicologizante e foi logo ensinado nas primeiras escolas. Atenta 66

Serviço Social Interdisciplinar ainda para o fato de que essa doutrina de atendimento vem também ancorada nos princípios da igreja católica. Mary Richmond foi precursora nesse método. Era o período da influência europeia na profissão, posto que os métodos de intervenção eram transplantados da Europa para o país. Aguiar (1995) diz que esse método de intervenção recorria ao neotomismo para explicar e compreender a realidade e o homem. Um dos principais divulgadores no Brasil foi Jacques Maritan, que exerceu muita influência junto ao serviço social. Também figuraram como agentes nesse processo as encíclicas papais Quadragésimo Ano e Rerum Novarum. Essa foi a primeira ação da profissão em recorrer à outra fonte de conhecimento (tanto a doutrina social da Igreja quanto a teoria psicológica) para poder empreender suas ações. É óbvio que essas ações não se entendiam no período como interdisciplinaridade e, aliás, nesse período essa palavra e essa prática nem eram utilizadas no país. Mas, como destacamos, demonstra a recorrência da profissão a uma corrente de pensamento para poder exercer atividades práticas. Com o tempo e o desenvolvimento da profissão, surgem outras metodologias, como a metodologia de grupo e de desenvolvimento de comunidade. Outras formas de conhecimento também foram surgindo frente às novas necessidades impostas à profissão. A metodologia de grupo, por sua vez, possuía orientações e embasamento semelhantes à abordagem de caso, mas com a orientação para o desenvolvimento de um trabalho grupal, organizado segundo os problemas semelhantes. De tal forma, Aguiar (1995) nos traz algumas informações sobre o desenvolvimento da metodologia de serviço social de grupos. O autor utiliza uma pesquisa que foi realizada em 1956 pelos autores Kfouri, Izquierda e Junqueira para traduzir alguns princípios do serviço social de grupo. Segundo Aguiar (1995) nos relata, esses três autores realizaram uma pesquisa junto aos trabalhos de conclusão de curso em serviço social nas escolas superiores, e conseguiram sistematizar uma série de informações sobre a metodologia grupal de intervenção. Dentre as informações obtidas, concluíram que o serviço social de grupos tratava-se de um método, assim como o serviço de casos, que possuía a potencialidade de assimilar os princípios da caridade e da justiça, e podendo orientar o grupo com recorrência aos princípios pagãos e em concordância com a filosofia de São Tomás Aquino. Para os pesquisadores em questão, o serviço social de grupos deveria ser um meio de levar o homem a obter a realização no reino de Deus. Esses autores indicaram como princípios fundamentais de tal metodologia o fato de que cada ser humano possui necessidades individuais, porém tais necessidades precisariam ser satisfeitas grupalmente, e essa satisfação proporcionaria ao ser humano conseguir se desenvolver por meio da busca ao grupo no qual está inserido. Para que esses princípios orientadores fossem alcançados, é de fundamental importância que o assistente social, responsável por coordenar e orientar os grupos, possua grande interação junto a ele. Aguiar (1995) destaca que tal método tem orientação de base junto à filosofia tomista, mas que também recorre à psicologia, à educação e a conceitos de trabalho social. Mais uma vez observamos a recorrência do serviço social a outras formas de conhecimento para que pudesse desenvolver suas ações e intervenções. 67

Unidade II 68 Nesse método, assim como no serviço social de casos, o indivíduo é percebido como um ser humano que demanda de ajustamento à ordem social, sendo que os problemas sociais ainda seguem sendo compreendidos como problemas resultantes de tal disfunção. A concepção em questão sublima a realidade capitalista e transfere todos os problemas para uma compreensão individual, desprivilegiando a noção de totalidade. E retrata ainda de que forma se dava a apropriação do serviço social a outras correntes teóricas, como a psicologia, por exemplo. Figura como exemplo desse tipo de compreensão de homem, de sociedade e ainda da metodologia do serviço social o trabalho de Torres (1978), no qual a autora destaca que o homem é uma criatura ativa, inteiramente vinculada com seu meio (op.cit. p. 25). Ela faz menção à importância que adquire para o serviço social de grupos o meio social no qual o homem está inserido. Segundo essa autora, somente pela inserção do ser humano em um grupo, composto por pessoas que vivenciem a mesma situação, será possível que ele consiga atingir a autoconsciência que equivaleria à compreensão plena dos seus problemas sociais e das possíveis formas para que possa enfrentá-los. Para isso, segundo Torres (1978), cada pessoa precisa desempenhar seu papel dentro do grupo e depois dentro da sociedade, cabendo ao assistente social a identificação desses papéis. Para isso, torna-se fundamental a integração do técnico com o grupo. Nesse processo, a construção de uma nova identidade do grupo seria por ascensão, ou seja, quanto mais confiança houvesse entre os membros, mais seria possível que o grupo ascendesse a níveis mais elevados de organização e participação. Já o desenvolvimento de comunidade surgiu no país a partir da década de 1950, porém com enfoque voltado para o desenvolvimento econômico, conforme nos diz Aguiar (1995). O desenvolvimento de comunidade denota ainda o início da influência americana no serviço social, de onde foi transplantado o método, e nesse processo a formação da Organização das Nações Unidas (ONU), criada em 1945, colaborou fundamentalmente. Aguiar (1995) dedica grande parte do seu trabalho para estudar o desenvolvimento de comunidade no país. No entanto, não será possível nesse texto (e em mesmo em nossos estudos) nos determos em todos os pontos trazidos pelo autor, mas iremos discutir algumas informações passíveis de estudos. Aguiar (1995) e também Silva (2009) nos dizem que o desenvolvimento de comunidade foi trazido ao Brasil no final da década de 1940. Esse método de desenvolvimento foi idealizado pela ONU, inicialmente com o objetivo de atender as mazelas da II Guerra Mundial, mas, com o tempo, passou a desenvolver intervenções voltadas para a questão do progresso, sobretudo em países subdesenvolvidos. Na América Latina, a Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal) foi a grande responsável por transplantar os conceitos da ONU, dentre eles aquele que versa sobre desenvolvimento. Com isso, observamos a recorrência de outras teorias, formadores de ação por parte do serviço social. No que diz respeito ao serviço social, os conceitos de desenvolvimento foram transplantados para o país em 1948, quando a Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social (Abess) introduziu o desenvolvimentismo junto aos currículos das escolas de serviço social. Essa doutrina fez com que o assistente social fosse o profissional requisitado passando a ganhar grande destaque no cenário nacional. Segundo Silva (2009), nesse momento, houve grande influência da psicanálise, do positivismo

Serviço Social Interdisciplinar e do funcionalismo junto ao método em questão e ao serviço social como um todo, ou seja, reporta a teorias provenientes das ciências humanas. A concepção do desenvolvimento de comunidade compreendia a sociedade como um espaço harmônico, no qual os desajustes precisavam ser corrigidos. A pobreza, nesse contexto, era considerada como perigo que deveria ser corrigido, assim como o desajuste. Essas ações deveriam ser empreendidas junto à comunidade local, com processos de participação controlados pelo assistente social. A grande expressão dessa metodologia está contida no Documento de Araxá, expressão do seminário de Araxá ocorrido em Minas Gerais, em 1967 (AGUIAR, 1995). Aguiar (1995) ainda destaca que as ações eram desenvolvidas no âmbito urbano e no âmbito rural, sendo que 1955 foi constituído o serviço social rural. Silva (2009) afirma que a partir do Movimento de Reconceituação, foram revistas a metodologia e as bases do serviço social, resultando, dentre diversos aspectos, no fim dessa metodologia segregada de caso, grupo e comunidade. Deu lugar ao chamado método único, apesar de haver abordagens individuais, grupais e no prisma da comunidade, mas, a principal alteração aconteceu em relação à teoria que passa a orientar a ação, sendo essa o marxismo. E, também nesse caso, sabemos que se processou novamente a recorrência a formas de conhecimento que estão além do serviço social e, talvez, seja essa a maior apropriação empreendida por nossa profissão, já que até hoje se mostra hegemônica na produção de conhecimentos e na orientação da prática do serviço social. No que diz respeito à prática profissional interdisciplinar, observamos que no início das intervenções do serviço social esse profissional era percebido como um acessório às demais profissões, ou com uma condição subalterna. Iamamoto & Carvalho (1996) demonstram que os primeiros profissionais que empreenderam ações conjuntas a outras profissões ainda não tinham o reconhecimento profissional de que hoje partilhamos. Destacamos como exemplo o caso do serviço social médico, no qual o profissional era requisitado quase como um auxiliar do médico, tendo, inclusive, que executar ações de higienização de pacientes. Observação Busque uma relação entre a constituição das escolas e o desenvolvimento da profissão fazendo referência à interdisciplinaridade. Ely (2003) afirma que a ótica da interdisciplinaridade demorou a alcançar as práticas profissionais, ao menos no que podemos compreender como interdisciplinaridade próxima aos conceitos atuais. A autora destaca que no serviço social vivenciamos a busca de saberes junto a outras ciências, e conforme destacamos antes, somente a partir da década de 1960 é que surge na profissão as primeiras aproximações em relação à interdisciplinaridade. A autora assim nos diz que na década de 1960 surgiram as especializações que começaram a abordar o assunto e que visavam preparar os futuros profissionais para a chamada prática 69

Unidade II interdisciplinar. Na década de 1970, essa interlocução se ampliou, e na década de 1980 encontrou ancoro no serviço social. Porém, apesar de muita discussão em eventos, congressos e similares, observamos pouca produção teórica sobre o tema no Brasil. Na década de 1990, essa produção é ampliada consideravelmente, porém se dedica a relatar experiências profissionais, sem muita reflexão teórica. Mas, essa situação da produção científica sobre a interdisciplinaridade na profissão não pode ser compreendida apenas como um aspecto negativo, posto que salienta para a necessidade urgente de produção de conhecimento. No tópico seguinte, destacaremos as principais informações sobre o conceito no serviço social na atualidade. 6 Conceitos sobre interdisciplinaridade que norteiam a prática contemporânea Nesse item, discutiremos os conceitos sobre a interdisciplinaridade que tem sido elaborados atualmente e que possuem relação com a nossa prática profissional, ou seja, com a prática profissional dos assistentes sociais. A esse respeito, cabe ressaltar que destacaremos aqui referências empreendidas no âmbito da prática profissional, da pesquisa e da formação interdisciplinar. É importante, no entanto, considerar que há poucos livros que versam sobre esse assunto e, devido a isso, recorremos a textos de artigos científicos a fim de instrumentalizar nossa construção. Note que mesmo os artigos são escassos, e os que tratam sobre a interdisciplinaridade se direcionam a descrever práticas de natureza interdisciplinar e não sua conceituação. Lembrete Precisamos aqui, mais uma vez, retomar conceitos sobre a interdisciplinaridade, sobretudo as exigências ditas por Japiassu e destacadas na Unidade I. Diante disso, iniciamos nossas considerações recorrendo, mais uma vez, a Iamamoto (2001). A autora não realiza especificamente um tratado acerca da interdisciplinaridade, porém suas considerações fazem referência a aspectos que podem ser tidos como referência ao trabalho interdisciplinar. Essa autora, conforme já destacamos no último tópico da Unidade I, diz que a nossa profissão também está inscrita em um processo de trabalho. Note que no referido tópico, também explicamos o que isso significa e, portanto, passaremos a destacar os aspectos trazidos pela autora e que podem nos permitir uma compreensão maior sobre a interdisciplinaridade. 70

Serviço Social Interdisciplinar A autora afirma que nossa profissão está submetida a diversas condições laborais que afetam os demais trabalhadores. E, nesse sentido, Iamamoto (2001) diz que dentre as diversas exigências impostas ao profissional, destaca-se a necessidade de uma formação crítica competente. A competência é, para a autora, a possibilidade que o profissional adquire para decifrar a realidade e construir propostas de trabalho criativas e inovadoras. Essas propostas devem orientar os assistentes sociais no sentido de se apropriar da questão social e nela intervir. Com vistas a atender a demanda da profissão, a saber, a competência profissional e a construção de novas propostas, Iamamoto (2001) reflete que é fundamental romper com a visão endógena deste ofício. Isso faz referência a uma necessidade de rescindir com a perspectiva da intervenção, da prática e da teoria com base apenas no próprio serviço social. Isso significa estar aberto a outros conhecimentos, outras experiências, que vão além dos muros do serviço social. Iamamoto (2001) não declara que se trata de uma necessidade de um trabalho interdisciplinar, ou seja, a autora não usa esse termo, mas sinaliza para a necessidade de nós, como assistentes sociais, irmos além da nossa área de saber e de intervenção. Para a autora, o fato de estarmos abertos ao diálogo com outros profissionais, com outros saberes, traz ainda mais competência profissional, posto que romper com uma visão focalista nos dá muita clareza sobre as atribuições profissionais, as características das profissões e saberes com os quais nos relacionamos e ainda sobre as nossas próprias atribuições, as nossas teorias, o nosso saber. Relacionar-se com o outro pressupõe, fundamentalmente, conhecimento. É uma ação de um sujeito profissional que tem competência para propor, para negociar com a instituição os seus projetos, para defender seu campo de trabalho, suas qualificações e funções profissionais (IAMAMOTO, 2001, p. 21). Nossa intervenção precisa ser compreendida essencialmente como um trabalho coletivo, porque também estaremos dependentes das condições impostas pelo processo de trabalho. Além disso, com nossas ações também estaremos colaborando com o processo de produção, conforme já refletimos antes. No entanto, no caso do serviço social, segundo Iamamoto (2001), por mais simples que seja nossa ação, estamos obrigados a nos relacionar com outras pessoas. Além dos nossos usuários, temos nossas relações com empregadores e com outros profissionais. Isso é inerente à nossa profissão. Na verdade, é uma relação trabalhista, assim como as demais. E isso necessita, essencialmente, competência. Por meio da competência é que conseguiremos estabelecer uma relação com outros profissionais e com outros saberes, e isso nos permitirá conhecer os limites de cada intervenção e de cada saber profissional. Iamamoto (2001) ainda nos fala que nossa aproximação com outras profissões e com outros saberes deverá resultar em uma superação da indefinição profissional. A nosso ver, isso significa que por meio de uma aproximação competente, com informações e conhecimento sobre sua prática profissional, o 71

Unidade II 72 assistente social poderá definir seu espaço sócio-ocupacional, o espaço das outras profissões e o espaço que será comum entre ambos. A autora nos mostra que, por meio dessa definição das atribuições, torna-se possível delimitar os projetos comuns entre as profissões. Esses projetos também são tratados no Código de Ética de nossa profissão, conforme veremos melhor detalhado no decurso desse material, porém, cabe destacar que as profissões da área social devem possuir projetos semelhantes a serem alcançados, e esses projetos devem estar relacionados à emancipação dos seres humanos. Em relação a isso, Iamamoto nos fala: [...] apreender o lugar do assistente social em um processo coletivo de trabalho, partilhado com outras categorias de trabalhadores, juntos contribuem na obtenção dos resultados ou produtos pretendidos (op.cit., p. 109). Os produtos, ou os resultados pretendidos, não dependem apenas da vontade individual de cada trabalhador. Nesse processo, é importante considerar que há outros fatores que influenciam além dos interesses comuns, mas é necessário que consideremos ainda as finalidades a serem alcançadas pelas empresas contratadoras, quer sejam públicas ou privadas, além das mudanças processadas no mercado de trabalho e que estarão, por sua vez, relacionadas aos fenômenos mais globais de organização econômica e política que afetam toda a sociedade (IAMAMOTO, 2001). Iamamoto (2001) mostra que essa aproximação a outras profissões e a outras formas de conhecimento não significa perda do espaço sócio-ocupacional. Aliás, as ações de defesa do mercado de trabalho, sobretudo do trabalhador da área social, não conseguem resultados significativos se forem desenvolvidas de forma individualizada, envolvendo apenas uma categoria. Assim, Os assistentes sociais estão sujeitos, como todos os demais trabalhadores, às mesmas tendências do mercado de trabalho, sendo inócua qualquer iniciativa isolada de cunho corporativista para a defesa do seu trabalho específico. O problema da insegurança do trabalho ou da redução de postos de trabalho não é peculiar ao assistente social: o seu enfrentamento exige, ao contrário, ações comuns que fortaleçam a capacidade de articulação e organização mais ampla de coletivos de trabalhadores contrarrestando a desarticulação política e sindical, amplamente estimulada pelas políticas de cunho neoliberal. Por outro lado, não significa perder de vista incidências específicas, que estão afetando diretamente o mercado de trabalho e o espaço ocupacional dos assistentes sociais, alterando-o no bojo das mudanças macrossocietárias (op.cit., p. 118-119). Ou seja, demanda uma organização coletiva dos trabalhadores que possuem as mesmas finalidades, os mesmos objetivos, conforme também salientamos acima. On (1995), por sua vez, também empreende considerações acerca dessa possibilidade e, ao mesmo tempo, dessa necessidade, do assistente social estar aberto a outros conhecimentos e outras intervenções

Serviço Social Interdisciplinar profissionais. A autora destaca que desde a constituição do serviço social como profissão, observamos uma recorrência às fontes de saber provenientes de outras ciências, conforme observamos no item que inaugurou essa unidade. Para a autora, essa necessidade ainda se manifesta e se faz extremamente necessária para a profissão em dias atuais. Para On (1995) sempre buscamos, e precisamos continuar buscando, conhecimentos em outras disciplinas, tais como a sociologia, a política, a economia, a psicologia e a filosofia, por exemplo. A recorrência a essas formas de conhecimento oferecem as bases necessárias para que, por meio da articulação entre elas, seja possível uma construção coletiva de conhecimentos no interior do serviço social. Ou seja, reportar a esses conhecimentos possibilita a apropriação, por parte do serviço social dos conhecimentos em questão. Os conhecimentos, por sua vez, resultam nos termos de On (1995), na base que irá fundamentar a metodologia de intervenção, a metodologia de ação do serviço social. Essa metodologia, por sua vez, traz influências às práticas profissionais desempenhadas pelo assistente social. Ou seja, por meio da teoria, a prática é enriquecida e isso irá, a nosso ver, resultar em uma melhoria da qualidade do serviço prestado, trazendo benefícios aos usuários atendidos pelos serviços, além dos benefícios direcionados à profissão, tanto em sua teoria quanto em sua prática. Isso acarreta, segundo On (1995), uma postura profissional interdisciplinar, tanto na pesquisa quanto na prática. A autora destaca que essa postura interdisciplinar necessita que o assistente social se dirija ao espaço da diferença para compreendê-la. Essa atitude interdisciplinar nos leva a compreender que nenhuma profissão é absoluta, e a possibilidade de transpor as barreiras entre as disciplinas, os saberes e as profissões é viabilizada pela interdisciplinaridade, tanto por meio das pesquisas quanto por meio das práticas profissionais. Na verdade, On (1995) afirma que o serviço social é por natureza uma profissão interdisciplinar, em decorrência de sua própria constituição teórica, e é também interdisciplinar pelo fato de estar vinculada ao processo de trabalho atual. Apesar das dificuldades que temos em exercer nossa prática de forma interdisciplinar, é uma necessidade de nossa profissão. A autora também nos mostra que o fato de empreendermos ações de tal natureza não fere nossas especificidades profissionais, conforme também diz Iamamoto (2001) e de acordo com o que destacamos trechos acima. On (1995) derivando em partes das afirmações postas por Iamamoto (2001), ainda percebe a interdisciplinaridade como uma possibilidade para o serviço social ampliar os seus horizontes, seus conhecimentos, e assim qualificar ainda mais a sua prática. A perspectiva interdisciplinar não fere a especificidade das profissões e tampouco seus campos de especialidade. Muito pelo contrário, requer a originalidade e diversidade dos conhecimentos que produzem e sistematizam acerca de determinado objeto, de determinada prática, permitindo a pluralidade de contribuições para compreensões mais consistentes deste mesmo objeto, desta mesma prática (op.cit., p. 156-157). 73

Unidade II Assim, On (1995) demonstra que há a necessidade de uma prática interdisciplinar, assim como já destacado por Iamamoto (2001), porém a autora afirma que essa atitude não tem se mostrado tarefa fácil para o serviço social. Essa tarefa torna-se difícil, segundo Martinelli (1995), porque a própria formação vem sendo desenvolvida de forma segmentada. Ou seja, em sua formação, os assistentes sociais não são habituados com a lógica interdisciplinar. A autora destaca que nós precisamos de um saber múltiplo, coletivo, para que possamos em nossas intervenções também realizarmos atuações de tal natureza. A tendência de segmentação na profissão deve, assim, ser suprimida, e a autora chama a atenção que essa forma de compreender o saber não deve estar restrita ao serviço social, mas precisa incorporar outras formações afins. Paradoxalmente, porém, nós, intelectuais, trabalhadores sociais, docentes, parece que nem sempre estarmos atentos como deveríamos, pois continuamos dividindo, fragilizando o já frágil coletivo: eu sou assistente social, você sociólogo, você filósofo, e então, como vamos dialogar? Todos somos trabalhadores, lutamos por causas comuns e das diferenças de nossas profissões é que devem brotar as possibilidades (MARTINELLI, 1995, p. 150). Reforçar as diferenças como se fossem prejuízos, influenciar a segmentação excessiva e evitar a interdisciplinaridade só resulta em prejuízos para o amadurecimento do serviço social e para a qualidade do serviço prestado. Severino (2010), derivando de uma análise acerca da importância da interdisciplinaridade, diz que esse conceito deve ser plenamente construído no serviço social. E essa construção passa, segundo Severino (2010) e também segundo Martinelli (1995) pela formação. Severino (2010) ainda detalha que essas ações devem incorporar o âmbito do ensino, pesquisa e da ação. Para Severino (2010), essa necessidade de uma teoria interdisciplinar está relacionada também às necessidades postas pela prática profissional, sendo que a prática profissional a que o autor se refere não está restrita à intervenção profissional, mas incorpora também a prática pedagógica e a prática de pesquisa. O autor destaca que essas ações devem ser sistematizadas, devem ser praticadas de forma intencional e não podem ser resignadas a ações improvisadas. No que diz respeito às ações relacionadas à intervenção interdisciplinar, especificamente Ely (2003) destaca que elas, no âmbito do serviço social, expressam-se por meio do trabalho em equipes. Apesar de considerar a relevância de intervenções interdisciplinares no âmbito da pesquisa e também da produção de conhecimento, Ely (2003) irá orientar sua argumentação para a prática profissional especificamente empreendida pelos profissionais. E, nesse sentido, com relação à prática interdisciplinar do serviço social destaca que: 74 As equipes de trabalho são pré-condição para a sua existência, sendo constituídas por profissionais com qualificações diversas, que interagem e estabelecem uma troca intensa, pautada em objetivos comuns, com interdependência, coesão e cooperação (ELY, 2003, p. 114).

Serviço Social Interdisciplinar Em relação às equipes interdisciplinares, a autora nos diz que há diversas possibilidades da prática interdisciplinar no serviço social se efetivar, ou seja, há diversos arranjos de trabalho interdisciplinar. Recorrendo a Vasconcelos (1997), Ely (2003) aponta as seguintes possibilidades de intervenção interdisciplinar no serviço social: multidisciplinaridade, pluridisciplinaridade, interdisciplinaridade auxiliar, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, os quais passaremos a descrever na sequência. De acordo com Ely (2003) a multidisciplinaridade se efetiva quando vivenciamos um trabalho em que há diversas áreas profissionais envolvidas. Apesar disto, a intervenção acontece de forma isolada, ou seja, não há colaboração ou cooperação entre as diversas áreas, apesar de possuírem um objeto de intervenção em comum. Como a cooperação é mínima, não é favorecida a troca de informações entre os saberes que estão envolvidos na ação. Já a pluridisciplinaridade, de acordo com Ely (2003), faz referência a ações em que se observa a justaposição dos saberes provenientes das áreas envolvidas em prol de um objeto comum. Nesse caso, segundo a autora, observamos também uma cooperação mínima, basal entre os profissionais envolvidos, mas, nesse caso, cada profissional delibera sozinho sobre as decisões a serem tomadas, ou seja, não há partilha das decisões frente às situações apresentadas. A interdisciplinaridade auxiliar é uma forma de intervenção na qual as várias especialidades colaboram para a ação junto ao objeto que é comum. Nesse caso, há trocas entre os profissionais envolvidos no processo, porém, uma especialidade é responsável por coordenar o processo de intervenção. Ely (2003) diz ainda que interdisciplinaridade precisa ser compreendida como uma intervenção em que as relações profissionais e de poder são horizontais, ou seja, estão situadas em um mesmo plano, onde todos possuem condições de deliberar sobre as decisões a serem tomadas, dentre outros aspectos. Nessa prática, as ações são comuns, dentro da especificidade de cada saber, mas, nesse caso, são partilhadas e evidenciamos uma troca sistemática dos conteúdos entre os profissionais. Já a transdisciplinaridade seria para a autora uma forma de organização das atividades em que observamos a coordenação de todas as especializações envolvidas no processo da tomada de decisões e de desempenho das ações. A transdisciplinaridade resultaria, assim, na criação de um campo comum de troca de experiências e difusão dos saberes, respeitando-se, no entanto, a autonomia teórica, disciplinar e operativa de cada especialista envolvido na intervenção. Ely (2003) diz que a prática interdisciplinar do serviço social demanda que esses profissionais desenvolvam um nível avançado de cooperação e coordenação, no qual se efetive a valorização e o respeito de cada área do saber, de cada conhecimento. Essa valorização traz a constituição de um diálogo entre os conhecimentos e entre os profissionais que integram as equipes profissionais, respeitando-se a autonomia de cada profissional. Partindo dessas aproximações, torna-se possível a recombinação dos elementos observados na prática profissional, orientado para uma síntese em prol da interdisciplinaridade A autora ainda chama a nossa atenção para pontuar que, para o serviço social, a interdisciplinaridade é fundamental. Ela nos diz que dada a natureza de nossa intervenção, o isolamento profissional pode 75

Unidade II 76 resultar em prejuízos fatais para o nosso ofício. Destaca que nossa atuação, apesar de constituir-se nos mais variados campos de intervenção, trata-se de uma área fértil para a produção de ações e mesmo de conhecimento sobre essas ações com enfoque interdisciplinar. Apesar de considerar em diversos trechos de seu trabalho que a interdisciplinaridade ainda está sendo construída no serviço social e que há muito a se avançar, Ely (2003), diz que observamos em nossa profissão três linhas de discussão sobre esse aspecto. A autora refere que uma linha busca enfatizar a importância das bases filosóficas e epistemológicas da prática interdisciplinar para as ciências, inclusive para as ciências humanas, sendo essa a de maior recorrência na constituição de nossa profissão. A outra orientação ou linha assumida dentro da prática profissional busca elaborar uma proposta de organização do ensino e da pesquisa em serviço social, de forma que a interdisciplinaridade se efetive nesses processos. E, por fim, a terceira direção que é tratada por Ely (2003) compreende a prática interdisciplinar como uma possibilidade de debate, de discussão entre as profissões, e essa natureza de ações possibilitaria a efetivação de uma prática democrática entre as diversas áreas do saber. Realizando uma síntese com base nos diversos autores a que recorremos nesse trabalho, podemos à guisa de conclusão destacar que, para o serviço social, a interdisciplinaridade traz em si uma possibilidade de romper com a visão e prática endógena que tem acometido de forma negativa a nossa prática profissional. Trata-se também de uma possibilidade de ser elaborado um projeto comum entre as profissões e, dessa forma, provocar melhoria na qualidade do serviço prestado. A interdisciplinaridade pode ainda se efetivar por meio de ações desenvolvidas no âmbito da pesquisa, da docência e da prática profissional, e que para se constituir em um hábito do serviço social, precisa ser introduzido já durante o processo de formação dos profissionais, buscando superar a separação de saberes e ações constituídas entre as práticas profissionais. Dessa forma, a interdisciplinaridade será desenvolvida além das equipes de trabalho, que são ferramentas importantes de tal prática, mas que não devem ser as únicas modalidades de ação interdisciplinar. Assim sendo, esperamos que os conceitos aqui tratados possam colaborar na construção dos conhecimentos sobre a interdisciplinaridade e sua relação com o serviço social. Também nesse caso, recomendo que você realize uma releitura das informações aqui destacadas e tente resolver os exercícios, pois essas atividades buscam proporcionar a consolidação das informações, além de uma ampliação da gama de conhecimento obtidos sobre a interdisciplinaridade. Essas ações estimulariam a chamada atitude interdisciplinar nos profissionais. Na sequência, falaremos da legislação relacionada ao serviço social e que precisa ser observada por meio da prática interdisciplinar. Essa legislação garante tanto que nossas atribuições profissionais sejam respeitadas, como que não incorramos em erros ao estabelecermos relações com outros profissionais. 7 A legislação que deve orientar a prática do Assistente Social Para que possamos dar continuidade aos conhecimentos até então tratados precisamos, necessariamente, recorrer à legislação que atualmente rege o exercício profissional dos assistentes sociais

Serviço Social Interdisciplinar no Brasil. Isso se deve ao fato de que tal legislação define normas, parâmetros e outros mecanismos que orientam a prática profissional. Nesse sentido, essa legislação orienta tanto as relações laborais do assistente social quanto define aspectos da relação desse profissional com outros profissionais e outros aspectos afins. Como estamos realizando um estudo sobre a prática interdisciplinar, estaremos voltando nossa atenção para aspectos relacionados à prática interdisciplinar. Para este livro-texto, recorreremos à Lei que Regulamenta a Profissão, ao Código de Ética da Profissão, as deliberações CFESS 554/2009, 557/2009 e 569/2010. Também recorreremos às Diretrizes Curriculares da Abepss de 1999 e aos documentos Norma Operacional B Parâmetros para atuação de Assistentes Sociais e Psicólogos (as) na Política de Assistência Social (que não é uma normativa, mas serve como referência no sentido de demonstrar uma tentativa de delimitar aspectos relacionados a prática interdisciplinar). Observação Considere e pesquise a legislação aqui destacada. É fundamental para sua formação. Assim, iniciamos nossas discussões sobre a Lei que Regulamenta a Profissão ou Lei n 8.662/93. Essa legislação é um dos mecanismos mais importantes e delimitadores de aspectos a respeito de nossa prática profissional, balizando competências e atribuições privativas dos assistentes sociais, além de oferecer informações sobre a atuação do conjunto CFESS-CRESS. Essa legislação se mostra relevante, pois define como competências uma série de atividades que estarão relacionadas a atividades que o assistente social poderá desenvolver, dentre as quais podemos elencar: atuação junto a políticas sociais, junto ao plano, programas e projetos, junto aos grupos e indivíduos, junto aos movimentos sociais e no que concerne à realização de estudos junto à população com a qual estabelece contato. No entanto, a grande relevância dessa legislação refere-se ao fato de destacar as atribuições privativas do assistente social, ou seja, atividades, ações e práticas que apenas o profissional com formação específica pode desempenhar. Essas atribuições delimitam aspectos relacionados à prática do assistente social e mostram-se essenciais quando se realiza uma intervenção interdisciplinar. É importante ressaltar que a lei em questão delimita que atividades em matéria de serviço social fazem parte das atribuições privativas desse profissional, tais como a supervisão de alunos em graduação, a coordenação de escolas, cursos de pós-graduação e outras atividades que exijam um conhecimento específico em matéria de serviço social. De tal forma, essas atividades devem ser observadas ao realizar o trabalho interdisciplinar para que, assim sendo, as atribuições privativas de nossa profissão sejam respeitadas. 77

Unidade II 78 Além disso, o Código de Ética do Assistente Social avança na delimitação de outros aspectos não tratados na lei que regulamenta a profissão, como descreveremos sumariamente no decurso desse trabalho. Assim, o Código de Ética, em seus princípios fundamentais, destaca que o documento em questão deveria se articular a movimentos de outras categorias profissionais que partilhassem dos princípios contidos no Código de Ética do Assistente Social e com a luta geral dos trabalhadores, ou seja, o assistente social deveria se vincular a outras categorias profissionais que, como a nossa, primassem pela liberdade, autonomia, pela emancipação e plena expansão dos indivíduos e grupos, pela democracia, equidade e justiça social, pela eliminação de todas as formas de preconceito, pela garantia ao pluralismo, pela qualidade dos serviços prestados e por outros princípios tratados no respectivo documento. Podemos assim concluir que logo nos princípios fundamentais é aberta uma possibilidade de interlocução com outras categorias profissionais, princípio relevante ao pensarmos a prática interdisciplinar. E, apesar de nela não haver informação específica sobre a prática interdisciplinar, é possível inferir que esse princípio deve ser adotado em práticas de tal natureza. Qualquer atuação profissional interdisciplinar deve ser reforçada pelos princípios trazidos pelo Código de Ética do Assistente Social, que buscam, como sabemos, emancipar os indivíduos e grupos que vivenciam as situações de vulnerabilidade social em suas mais diversas formas de expressão. O referido documento ainda trata da relação a ser estabelecida entre o assistente social e outros profissionais, partindo de seu capítulo III. Disso, poderemos extrair outras informações sobre a prática que se propõe interdisciplinar ou apenas para a prática que realizamos, e que pressupõe o contato com outros profissionais. Essas informações falam das orientações sobre direitos e deveres, e destacam o que é vedado ao assistente social sempre que essas relações são estabelecidas. O Código de Ética delimita que é um dever do assistente social, em suas relações com outros profissionais, ser solidário, mas denunciando atos que contrariem esse código, ou seja, durante o relacionamento estabelecido com outras profissões, cabe ao assistente social ser solidário, porém isso não exime sua responsabilidade em denunciar faltas éticas que comprometam ou agridam os princípios contidos em nosso código. O referido documento ainda destaca, como dever do assistente social, incentivar, sempre que possível, a prática profissional interdisciplinar, o que deixa bastante claro que tal prática deve ser estimulada e incentivada, desde que não fira os princípios trazidos nesse documento. Além disso, destaca também que é dever do assistente social respeitar as normas e princípios éticos das outras profissões, posto que não temos o direito de transgredir normas e princípios a que outras profissões também estão submetidas. Sobre isso, o código ainda enfatiza que, quando se fizer necessário realizar crítica a outro profissional, que seja feito de maneira objetiva, construtiva e comprovável, assumindo sua inteira responsabilidade, ou seja, nessa relação profissional, todos os comportamentos assumidos e atitudes adotadas devem ser orientados de forma que nenhum valor profissional seja comprometido de forma negativa.

Serviço Social Interdisciplinar O Código de Ética destaca algumas vedações ao assistente social, ou seja, proibições que são impostas partindo da prática estabelecida com outras profissões. Destaca-se a proibição de o assistente social intervir na prestação de serviços realizada por outro profissional, com poucas exceções: o profissional poderá intervir na prestação de serviços empreendida por um terceiro somente se for solicitado, quando se tratar de trabalho multidisciplinar, desde que tal metodologia seja usada, ou quando se tratar de caso de urgência e que demande tal intervenção. Em ambos os casos, o referido documento pontua a importância de que o outro profissional seja comunicado sobre a intervenção realizada. O Código de Ética proíbe ainda que os assistentes sociais sejam coniventes com falhas éticas ou erros praticados por quaisquer profissionais e que venham a ferir ou se contrapor aos princípios que estão nele contidos. Podemos realizar uma síntese e que consiste em afirmar que tanto a Lei que Regulamenta a Profissão quanto o Código de Ética destacam valiosas informações sobre a prática interdisciplinar ou prática que seja realizada por meio do contato com outros profissionais. Semelhantes considerações são postas pelas resoluções CFESS que iremos destacar, sendo essas as resoluções de n 554/2009, 557/2009 e 569/2010. A resolução de n 554/2009 trata especificamente do depoimento sem dano, e trata-se de uma forma de oitiva utilizada no sistema judiciário a fim de realizar inquéritos em situações processuais, mas de uma forma que não seja agressiva. A resolução em questão é uma expressão de grande articulação e debate do conjunto CFESS e CRESS em decorrência de ter sido observado grande quantidade de profissionais que atuavam no judiciário desenvolvendo ações de tal natureza. A presente resolução destaca que, em decorrência de nossa formação, não possuímos condições para desempenhar essas ações, que devem estar resignadas aos funcionários que possuam habilidade para tal. A resolução de n 557/2009 disciplina a emissão de pareceres e laudos técnicos por parte do assistente social, e nela são realizadas inferências sobre a atuação multiprofissional que precisa ser por nós apropriadas ao pensarmos no trabalho interdisciplinar. Este documento inicia as considerações reforçando a importância do desenvolvimento de um trabalho multiprofissional, destacando que por meio dessa prática se torna possível uma compreensão totalitária sobre a situação na qual está sendo realizada a intervenção. Dessa forma, segundo o documento, torna se possível uma compreensão de todas as necessidades apresentadas por um determinado ser humano. No entanto, a resolução CFESS n 557/2009 assevera a importância de que a prática multiprofissional seja desempenhada com base na competência técnica, teórico-metodológica e ético-política. O documento afiança ainda que como não há leis específicas que disciplinam o trabalho de tal natureza, cada conselho de classe profissional deve se esforçar por determinar como deve ser tal atuação, de modo que os princípios profissionais de cada ofício não sejam feridos. No entanto, não há lei que defina a competência, mas ela é fundamental em todas as profissões. No que diz respeito à emissão de parecer, a resolução CFESS n 557/2009 destaca algumas orientações e que podem e devem ser observados no trabalho interdisciplinar. Segundo postula a resolução em 79

Unidade II questão, apesar de realizarmos um trabalho partilhado com outras categorias profissionais, na emissão de qualquer parecer ou laudo, precisamos ter a garantia de nossa autonomia, apesar de haver necessidade do estímulo a práticas interdisciplinares. Devemos respeitar as outras profissões, mas também precisamos que as outras profissões respeitem nossas intervenções, garantindo que as especificidades de nosso conhecimento sejam colocadas em prática em favor daqueles a quem prestamos nosso serviço. O documento ainda diz que, caso sejam elaborados documentos específicos, de forma conjunta, a opinião do assistente social deve ser destacada de forma separada dos demais profissionais. O parecer do assistente social deverá ainda versar sobre o que for de sua competência, de sua especificidade, e suas intervenções precisam ser assinadas, constando também o número de registro possuído junto ao órgão regional. A presente resolução ainda assevera que a discussão dos casos pode ser feita de forma partilhada entre os diversos profissionais envolvidos com a atuação. No entanto, o documento reforça, mais uma vez, que os pareceres emitidos sobre os casos precisam acontecer de forma fragmentada, individual, ou seja, cada profissional deve destacar suas opiniões profissionais mesmo que recorra a aspectos trazidos pela discussão empreendida em grupo. A resolução CFESS n 569/2010 também traz algumas valiosas contribuições sobre o trabalho interdisciplinar. Tal resolução buscou definir sobre a questão da terapia visto que, devido ao trabalho interdisciplinar realizado por assistentes sociais junto a psicólogos, muitos profissionais estavam realizando ações terapêuticas. Essa resolução, no entanto, vem mais uma vez reforçar a importância de ações interdisciplinares e multidisciplinares, destacando a relevância para que o assistente social esteja inserido em equipes que desenvolvam o trabalho de tal natureza. Apesar disso, a resolução CFESS chama a atenção para que os profissionais respeitem o limite de sua atuação técnica, de acordo com a legislação que orienta a sua prática profissional. O documento nos diz que os limites de cada profissão são postos pela sua formação, ou seja, não podemos atuar sobre determinados aspectos se não possuirmos formação adequada. Essas informações são trazidas inicialmente para definir que nós, assistentes sociais, não possuímos conhecimento e bagagem que nos permita realizar terapias, e ainda destaca que a terapia não possui relação com a formação profissional do assistente social. O documento também afirma em seu artigo 3, parágrafo 1: O assistente social, em seu trabalho profissional com indivíduos, grupos e/ ou famílias, inclusive em equipe multidisciplinar ou interdisciplinar, deverá ater-se às suas habilidades, competências e atribuições privativas previstas na Lei 8.662/93, que regulamenta a profissão de assistente social (CFESS, 2010, p. 2). 80

Serviço Social Interdisciplinar Ou seja, prezado aluno, nós não possuímos habilitação nem formação para desempenhar ações de terapia. Devemos respeitar nossa formação bem como a de outros profissionais que possuem habilitação para atuar sobre os aspectos da psique. Essa confusão entre assistentes sociais e psicólogos é algo comum na atualidade. Figura como exemplo de uma tentativa de definição do ramo específico de atuação o documento Parâmetros para atuação de Assistentes Sociais e Psicólogos (as) na Política de Assistência Social, documento que foi divulgado pelo CFESS em 2007. Como sabemos, partindo da constituição da Política Nacional de Assistência Social, em 2004, vivenciamos junto à política em questão uma série de mudanças, dentre as quais se destaca a constituição do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS). Propondo uma intervenção diferenciada em relação à prática até então desenvolvida na área da assistência social, o CRAS propôs um grande avanço ao pactuar pela inserção dos psicólogos como equipe mínima em cada uma dessas unidades. Precisamos nos atentar para a Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do SUAS (NOB RH SUAS), que delimita e disciplina esses e outros aspectos. Partindo da NOB RH SUAS, observamos que o objetivo inicial é realizar uma reestruturação do trabalho no âmbito do SUAS, demarcando assim diretrizes e normativas para guiar essa ação. Para tais ações, é preciso, segundo a NOB RH SUAS, que o trabalhador da área social seja conhecido pelos órgãos que são responsáveis por executar a política de assistência social. Além disso, a NOB RH SUAS ainda destaca que se faz necessária a valorização do trabalhador da área e sua qualificação técnica constante. A NOB RH SUAS ainda ressalva a importância de que os trabalhadores da área sejam funcionários efetivos, e que dessa forma se rompa com o ciclo até então reinante de funcionários seletivos e contratados. Como tal, busca-se que seja desenvolvida uma capacitação continuada e que seja garantido um padrão de relacionamento entre profissionais e gestores. Em relação às equipes profissionais, a NOB RH SUAS delimita quantidade e formação de profissionais para atuação no CRAS e nos demais serviços que são constituídos a partir da Política Nacional de Assistência Social. São chamadas de equipes de referência (equipes mínimas), que atuam junto aos demais serviços, por exemplo, em abrigos, famílias acolhedoras, repúblicas, instituições de permanência de idosos, entre outros. Essa delimitação está relacionada ao porte do município, ou seja, trata-se de pequeno porte I, II, ou médio, grande, metrópole e distrito federal. Isso é definido pelo número de habitantes e, dependendo desse número de habitantes será delimitado o número de profissionais a serem envolvidos. Além disto, a NOB RH SUAS enfatiza a importância de as equipes serem compostas por profissionais de diferentes formações. Ganham, no entanto, grande destaque os conhecimentos de profissionais 81

Unidade II 82 como o assistente social e o psicólogo, sendo considerados como saberes mínimos nas intervenções, ou seja, são fundamentais. A NOB RH SUAS define as atribuições de cada ente federado no sentido de colocar tal documento em prática, mas delimita ainda as atribuições de cada gestor da política nas mais diferenciadas esferas de intervenção. Para que essa intervenção pudesse acontecer de forma a colaborar com o trabalho desenvolvido, e visando não trazer prejuízos a ambas as profissões é que o CFESS elaborou o presente documento. Nele, é feita menção ao necessário trabalho coletivo, que é desenvolvido por meio de ações coletivas via trabalho interdisciplinar e em equipe. Os parâmetros em questão reforçam que o trabalho interdisciplinar deve proporcionar uma atuação focada na totalidade dos fenômenos sociais, rompendo também com uma visão endógena das próprias profissões. No que diz respeito à atuação desenvolvida no âmbito do CRAS, o documento diz que, partindo de uma atuação coletiva, os profissionais devem estimular as discussões também coletivas, embora o registro de informações sobre casos e assuntos comuns deve ser feito dentro do estritamente necessário. Segundo os parâmetros para atuação de assistentes sociais e psicólogos na Política de Assistência Social, outros mecanismos que reforcem o trabalho coletivo devem ser estimulados, e, dentre os quais, o documento destaca a importância da participação dos profissionais junto aos conselhos gestores de políticas sociais. Também figura como exemplo dessas possibilidades de trabalho coletivo as intervenções relacionadas à organização de usuários, devendo ser partilhadas entre assistentes sociais e psicólogos. Para que tais inserções aconteçam, é ponto basal do documento que ambos os profissionais possuam a capacidade de realizar uma análise crítica da realidade, cientes de que a situação com a qual atuam possui uma série de condicionantes sociais, políticos, culturais e econômicos. Demanda ainda um conhecimento profundo sobre a legislação social e sobre as normas e os princípios que disciplinam a intervenção na qual estão alocados. O documento em estudo ainda destaca como relevante o fato de que o trabalho interdisciplinar pressupõe que as responsabilidades de cada profissional não sejam negligenciadas, assim se recomenda que seja realizada uma delimitação das tarefas que compete a cada profissional, apenas como título de exemplo. Podemos ter a falsa ilusão de que há mais impedimentos à realização da prática interdisciplinar do que mecanismos que auxiliam o seu desenvolvimento, porém não é isso o que acontece. O fato é que todos somos seres humanos, sujeitos a erros e confusões, e por isso precisamos sempre estar atentos às normativas que buscam disciplinar a nossa prática profissional. No sentido em voga é preciso destacar que as Diretrizes Curriculares do Curso de Serviço Social, postas pela ABEPSS, no ano de 1999, asseveram que a formação do assistente social deve possuir

Serviço Social Interdisciplinar como princípio o caráter interdisciplinar, ou seja, durante a formação profissional, proporcionada pela graduação em Serviço Social, os alunos devem ter acesso a uma formação interdisciplinar, que pode ser desenvolvida por uma série de ações. As Diretrizes ainda destacam que dentro do Núcleo de Fundamentos do Trabalho Profissional devem ser oferecidas informações, formação relacionada ao serviço social enquanto trabalho, e também há a necessidade dos graduandos se prepararem para se relacionar com outros profissionais, compreendendo o trabalho de forma coletiva. De tal forma, podemos concluir afirmando que essas são as principais legislações e documentos que foram propostos pelo CFESS e pela ABEPSS e que oferecem contribuições para uma prática interdisciplinar. Observe a figura abaixo, onde parte das informações expostas encontra-se representada, apenas com finalidade didática. Lei que regulamenta a profissão do assistente social Código de ética do assistente social Resoluções CFESS (557/2009 e 569/2010) Princípios sobre trabalho interdisciplinar - aspecto normativo Figura 7: Exposição sobre a legislação profissional Diante do que foi exposto, podemos concluir que o Código de Ética, a Lei que Regulamenta a Profissão e as Resoluções CFESS oferecem princípios sobre o trabalho interdisciplinar, sobre a intervenção do assistente social junto a outros profissionais. A presente legislação tem um aspecto normativo, ou seja, caso não seja cumprida, os profissionais poderão ser penalizados. As Diretrizes Curriculares para o Curso de Serviço Social, por sua vez, oferecem orientações para os centros de formação, ou seja, não tem o objetivo de disciplinar o exercício profissional e sim a formação. Já os Parâmetros para atuação de Assistentes Sociais e Psicólogos (as) na Política de Assistência Social, é um conjunto de orientações para a atuação interdisciplinar nessa área, porém também não tem aspecto de normatizar e sim orientar a prática profissional nesse processo. À guisa de conclusão, esperamos que você possa ter apreendido algumas informações sobre o aspecto legal que deve ser observado quanto ao desenvolvimento da prática interdisciplinar. No mais, serão inseridos exercícios sobre esse conteúdo e solicitamos que você recorra a eles a fim de verificar sua aprendizagem. 83

Unidade II Saiba mais Recomendo que você visite os sites elencados, que lhe permitirá o acesso a diversos documentos aqui citados e outros mais que orientam e disciplinam a intervenção profissional do assistente social, bem como sua relação com outras profissões. <http://www.cfess.org.br/arquivos/cep_1993.pdf>. Acesso em: 18 jan. 2012. <http://www.abepss.org.br>. Acesso em: 18 jan. 2012. <http://www.mds.gov.br/assistenciasocial/protecaobasica/cras/ documentos/norma%20operacional%20de%20rh_suas.pdf>. Acesso em: 18 jan. 2012. 8 Exemplos de práticas interdisciplinares postas pelo Serviço Social Prezado aluno, antes de iniciarmos a exposição de práticas interdisciplinares, observe a matéria destacada: Convênio garante implantação de Centro de Referência de Atendimento à Mulher em Alagoinhas Por meio de um convênio assinado no início do mês de dezembro entre a Prefeitura Municipal e a Secretaria de Políticas para as Mulheres, Alagoinhas, dentro em breve, será beneficiada com a implantação do Centro de Referência de Atendimento à Mulher, um espaço de acolhimento, orientação e encaminhamento jurídico, psicológico e social à mulher em situação de violência doméstica. O mesmo convênio garantirá a aquisição de um novo veículo para o deslocamento das mulheres atendidas pelo Centro, bem como para o atendimento às mulheres que são recebidas pela Casa do Acolhimento à Mulher, um trabalho desenvolvido desde 2009, pela Secretaria Municipal de Assistência Social Semas, e que já atendeu a mais de cem mulheres em situação de vulnerabilidade. De acordo com a secretária de assistência social, Tatiana Andrade, a inauguração do Centro será de importância vital para redução do índice de violência contra as mulheres no município. O Centro vai funcionar como suporte para todas as mulheres, por meio de atendimento intersetorial e interdisciplinar, atuando de forma preventiva, e, principalmente, 84