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Transcrição:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.510-0 DISTRITO FEDERAL RELATOR : MIN. CARLOS BRITTO REQUERENTE(S) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA REQUERIDO(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA ADVOGADO(A/S) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO REQUERIDO(A/S) : CONGRESSO NACIONAL INTERESSADO(A/S) : CONECTAS DIREITOS HUMANOS INTERESSADO(A/S) : CENTRO DE DIREITO HUMANOS - CDH ADVOGADO(A/S) : ELOISA MACHADO DE ALMEIDA E OUTROS INTERESSADO(A/S) : MOVIMENTO EM PROL DA VIDA - MOVITAE ADVOGADO(A/S) : LUÍS ROBERTO BARROSO E OUTRO INTERESSADO(A/S) : ANIS - INSTITUTO DE BIOÉTICA, DIREITOS HUMANOS E GÊNERO ADVOGADO(A/S) : DONNE PISCO E OUTROS ADVOGADO(A/S) : JOELSON DIAS INTERESSADO(A/S) : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL - CNBB ADVOGADO(A/S) : IVES GRANDRA DA SILVA MARTINS E OUTROS V O T O A Senhora Ministra Ellen Gracie - (Presidente): Senhores Ministros, é indiscutível o fato de que a propositura da presente ação direta de inconstitucionalidade, pela delicadeza do tema nela trazido, gerou, como há muito não se via, um leque sui generis de expectativas quanto à provável atuação deste Supremo Tribunal Federal no caso ora posto. Equivocam-se aqueles que enxergaram nesta Corte a figura de um árbitro responsável por proclamar a vitória incontestável dessa ou daquela corrente científica, filosófica,

religiosa, moral ou ética sobre todas as demais. Essa seria, certamente, uma tarefa digna de Sísifo. Conforme visto, ficou sobejamente demonstrada a existência, nas diferentes áreas do saber, de numerosos entendimentos, tão respeitáveis quanto antagônicos, no que se refere à especificação do momento exato do surgimento da pessoa humana. Buscaram-se neste Tribunal, a meu ver, respostas que nem mesmo os constituintes originário e reformador propuseramse a dar. Não há, por certo, uma definição constitucional do momento inicial da vida humana e não é papel desta Suprema Corte estabelecer conceitos que já não estejam explícita ou implicitamente plasmados na Constituição Federal. Não somos uma Academia de Ciências. A introdução no ordenamento jurídico pátrio de qualquer dos vários marcos propostos pela Ciência deverá ser um exclusivo exercício de opção legislativa, passível, obviamente, de controle quanto a sua conformidade com a Carta de 1988. 2. Por ora, cabe a esta Casa averiguar a harmonia do artigo 5º da Lei 11.105, de 24.03.2005, (Lei de Biossegurança) com o disposto no texto constitucional vigente. Para tal intento, foram apontados na presente ação, como parâmetros de verificação mais evidentes, o fundamento da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), a garantia da 2

inviolabilidade do direito à vida (art. 5º, caput), o direito à livre expressão da atividade científica (art. 5º, IX), o direito à saúde (art. 6º), o dever do Estado de propiciar, de maneira igualitária, ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde (art. 196) e de promover e incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológica (art. 218, caput). Não há como negar que o legislador brasileiro, representante da vontade popular, deu resposta a uma inquietante realidade que não mereceu maiores considerações na peça inicial da presente ação direta. A fertilização in vitro, como técnica de reprodução humana assistida, tem ajudado, desde o nascimento da britânica Louise Brown, há quase trinta anos, a realizar o sonho de milhares de casais com dificuldade ou completa impossibilidade de conceber filhos pelo método natural. Porém, a utilização desse procedimento gera, inevitavelmente, o surgimento de embriões excedentes, muitos deles inviáveis, que são descartados ou congelados por tempo indefinido, sem a menor perspectiva de que venham a ser implantados em algum órgão uterino e prossigam na formação de uma pessoa humana. Penso que o debate sobre a utilização dos embriões humanos nas pesquisas de células-tronco deveria estar 3

necessariamente precedido do questionamento sobre a aceitação desse excedente de óvulos fertilizados como um custo necessário à superação da infertilidade. Todavia, conforme registrado nas manifestações juntadas aos autos, essa relevantíssima questão sobre os procedimentos de reprodução assistida, apesar da tramitação de alguns projetos de lei, nunca foi objeto de regulamentação pelo Congresso Nacional, havendo, nessa matéria, tão-somente, uma resolução do Conselho Federal de Medicina (Resolução 1.358, de 11.11.1992). Recorde-se que a primeira brasileira fruto de uma fertilização in vitro nasceu em 7 de outubro de 1984. Portanto, esse era o cenário fático e lacunoso com o qual se deparou o legislador brasileiro em 2005, quando foi chamado a deliberar sobre a utilização desses mesmos embriões humanos, inviáveis ou já há muito tempo criopreservados, nas promissoras pesquisas científicas das células-tronco, já desenvolvidas, em diversas e avançadas linhas, nos mais importantes países do mundo. 3. No Reino Unido, o Human Fertilisation and Embrilogy Act, legislação reguladora dos procedimentos de reprodução assistida e das pesquisas embriológica e genética naquele país, foi aprovada pelo Parlamento britânico em 1990, após amplo debate social, político e científico iniciado em 1982. 4

O referido Diploma permitiu a manipulação científica dos embriões oriundos da fertilização in vitro, desde que não transcorridos 14 dias contados do momento da fecundação. Conforme demonstrou Letícia da Nóbrega Cesarino no artigo Nas fronteiras do humano : os debates britânico e brasileiro sobre a pesquisa com embriões 1, esse limite temporal presente na lei britânica teve como razão a prevalência do entendimento de que antes do décimo quarto dia haveria uma inadequação no uso da terminologia embrião, por existir, até o final dessa etapa inicial, apenas uma massa de células indiferenciadas geradas pela fertilização do óvulo. Segundo essa conceituação, somente após esse estágio pré-embrionário, com duração de 14 dias, é que surge o embrião como uma estrutura propriamente individual, com (1) o aparecimento da linha primitiva, que é a estrutura da qual se originará a coluna vertebral, (2) a perda da capacidade de divisão e de fusão do embrião e (3) a separação do conjunto celular que formará o feto daquele outro que gerará os anexos embrionários, como a placenta e o cordão umbilical. Tais ocorrências coincidem com a nidação, ou seja, o momento no qual o embrião se fixaria na parede do útero. 1 CESARINO, Letícia. Nas fronteiras do humano : os debates britânico e brasileiro sobre a pesquisa com embriões. Mana v. 13, n. 2, Rio de Janeiro, out. 2007. 5

Essa formulação científica, que diferencia o préembrião do embrião, coincide com o pensamento de Edward O. Wilson, que ao discorrer, na aclamada obra On Human Nature sobre o instante imediatamente posterior à fecundação do óvulo humano, assim asseverou, verbis: The newly fertilized egg, a corpuscle one two-hundredth of na inch in diameter, is not a human being. It is a set of instructions sent floating into the cavity of the womb. Enfolded within its spherical nucleus are na estimated 250 thousand or more pairs of genes, of which fifty thousand will direct the assembly of the proteins and the remainder will regulate their rates of development. After the egg penetrates the blood-engorged wall of the uterus, it divides again and again. The expanding masses of daughter cells fold and crease into ridges, loops, and layers. Then, shifting like some magical kaleidoscope, they self-assemble into the fetus, a precise configutation of blood vessels, nerves, and other complex tissues. A professora Letícia Cesarino, acima referida, corroborando pensamento de Michael Mulkay, conclui que a agregação deste conjunto de fatos na nova categoria pré-embrião permitiu, assim, remover o objeto da experimentação científica do escopo do discurso moral para inseri-lo num universo técnico. 6

4. No Brasil (após inclusão em projeto que objetivava a urgente regulamentação do processo de liberação dos organismos geneticamente modificados), surge o art. 5º da Lei 11.105/2005, que autoriza o manejo das células-tronco embrionárias de uma maneira restrita, com a precaução sempre recomendada nos primeiros passos dados nos terrenos ainda pouco conhecidos e explorados. A primeira restrição imposta diz respeito à indicação do uso das células embrionárias exclusivamente nas atividades de pesquisa e de terapia. Outra limitação relevante é a definição de qual universo de embriões humanos poderão ser utilizados: somente aqueles que, produzidos por fertilização in vitro técnica de reprodução humana assistida não são aproveitados no respectivo tratamento. Fica clara, portanto, a opção legislativa em dar uma destinação mais nobre aos embriões excedentes fadados ao perecimento. Por outro lado, fica afastada do ordenamento brasileiro qualquer possibilidade de fertilização de óvulos humanos com o objetivo imediato de produção de material biológico para o desenvolvimento de pesquisas, sejam elas quais forem. Além de excedentes no procedimento de fertilização in vitro, os embriões de uso permitido ainda deverão estar dentre 7

aqueles considerados inviáveis para o desenvolvimento seguro de uma nova pessoa ou congelados há mais de três anos. Presente, assim, a fixação de um lapso temporal razoável, que leva em conta tanto a possibilidade dos genitores optarem por uma nova e futura implantação do embrião congelado quanto a improbabilidade de sua utilização, para esse mesmo fim, após decorrido um triênio de congelamento. As restrições não param por aí. É preciso, ainda, para que os embriões possam ser regularmente destinados à pesquisa, o expresso consentimento dos genitores e que os projetos das instituições e serviços de saúde, candidatos ao recebimento das células-tronco embrionárias, sejam anteriormente apreciados e aprovados pelos respectivos comitês de ética em pesquisa. Saliente-se que a Lei de Biossegurança, reconhecendo a dignidade do material nela tratado e o elevado grau de reprovação social na sua incorreta manipulação, categorizou como crime a comercialização do embrião humano, com base na lei de doação de órgãos (art. 5º, 3º), bem como a sua utilização fora dos moldes previstos no referido artigo 5º. Tipificou, ainda, como delito penal, a prática da engenharia genética em célula geminal, zigoto ou embrião humano e a clonagem humana (arts. 6º, 25 e 26). 5. Assim, por verificar um significativo grau de razoabilidade e cautela no tratamento normativo dado à matéria aqui 8

exaustivamente debatida, não vejo qualquer ofensa à dignidade humana na utilização de pré-embriões inviáveis ou congelados há mais de três anos nas pesquisas de células-tronco, que não teriam outro destino que não o descarte. Aliás, mesmo que não adotada a concepção acima comentada, que demonstra a distinção entre a condição do préembrião (massa indiferenciada de células da qual um ser humano pode ou não emergir), e do embrião propriamente dito (unidade biológica detentora de vida humana individualizada), destaco a plena aplicabilidade, no presente caso, do princípio utilitarista, segundo o qual deve ser buscado o resultado de maior alcance com o mínimo de sacrifício possível. O aproveitamento, nas pesquisas científicas com células-tronco, dos embriões gerados no procedimento de reprodução humana assistida é infinitamente mais útil e nobre do que o descarte vão dos mesmos. A improbabilidade da utilização desses pré-embriões (absoluta no caso dos inviáveis e altamente previsível na hipótese dos congelados há mais de três anos) na geração de novos seres humanos também afasta a alegação de violação ao direito à vida. 6. Ante todo o exposto, julgo improcedente o pedido formulado na presente ação direta de inconstitucionalidade. É como voto. 9