Filhos ausentes: a experiência digital de Solonópole, CE Marcelo Tramontano, Nilton Trevisan. 2003

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Transcrição:

Filhos ausentes: a experiência digital de Solonópole, CE Marcelo Tramontano, Nilton Trevisan. 2003 como citar este texto: TRAMONTANO, M. ; TREVISAN, N..Filhos ausentes: a experiência digital de Solonópole, CE. São Carlos, Nomads.usp, agosto 2003. 210mmx297mm. 05 p.disponível em: http://www.nomads.usp.br/site/livraria/livraria.html Acessado em: dd / mm / aaaa RESUMO Dentre as várias aplicações das tecnologias de informação e comunicação na vida quotidiana, e, em especial, nas populações de baixa renda, destaca-se o caso de Solonópole, no sertão cearense, com apenas 9 mil habitantes. Todas as suas escolas possuem computadores e tem acesso à Internet, e os cidadãos podem, de suas casas, gratuitamente, acessar a rede, sendo inclusive possível em uma praça pública checar seus e-mails em um telecentro chamado Ilha Digital. Isto é possível através do uso de software livre, como Linux, e conexão via rádio, o que diminui significativamente o custo final. Além disso a transparência da administração de Solonópole pode ser comprovada no site da prefeitura, que disponibiliza diariamente a prestação de contas do município. WWW.NOMADS.USP.BR

FILHOS AUSENTES: A EXPERIÊNCIA DIGITAL DE SOLONÓPOLE, CE PROF. DR. MARCELO TRAMONTANO Coordenador do Nomads.usp Núcleo de Estudos sobre Habitação e Modos de Vida da Universidade de São Paulo. tramont@sc.usp.br ARQ. NILTON TREVISAN Pesquisador do Nomads.usp Núcleo de Estudos sobre Habitação e Modos de Vida da Universidade de São Paulo. Resumo Dentre as várias aplicações das tecnologias de informação e comunicação na vida quotidiana, e, em especial, nas populações de baixa renda, destaca-se o caso de Solonópole, no sertão cearense, com apenas 9 mil habitantes. Todas as suas escolas possuem computadores e tem acesso à Internet, e os cidadãos podem, de suas casas, gratuitamente, acessar a rede, sendo inclusive possível em uma praça pública checar seus e-mails em um telecentro chamado Ilha Digital. Isto é possível através do uso de software livre, como Linux, e conexão via rádio, o que diminui significativamente o custo final. Além disso a transparência da administração de Solonópole pode ser comprovada no site da prefeitura, que disponibiliza diariamente a prestação de contas do município. Independentemente de avaliações mais detidas, o que Solonópole mostra é que, no campo da inclusão digital, é preciso sobretudo vontade política aliada a conhecimentos técnicos capazes de propor soluções simples. No caso do acesso à rede a partir de casa ou de estabelecimentos comerciais, uma curiosa e inovadora expressão de vida comunitária tem ganho espaço. É que, devido ao custo relativamente alto da antena parabólica domiciliar, muitos têm se unido, dividindo os gastos de implantação e o uso da conexão, construindo, às vezes, um pequeno cômodo onde computadores podem ser utilizados por seus quatro ou cinco proprietários: uma espécie de pequeno telecentro particular, custeado com aporte financeiro dos usuários. Esse sistema tem funcionado tanto para casas quanto para comércios. Essas soluções podem ser utilizadas, principalmente, em unidades e conjuntos habitacionais de interesse social, por promoverem a integração social de seus usuários. Solonópole, Ceará, Brasil Em meio à paisagem árida do interior de um dos estados mais pobres do Brasil, a cidade de Solonópole abriga pouco mais de nove mil almas, dezessete mil se contada também a população rural do município. Os recursos são escassos, como em toda a chamada Zona da Seca, a falta de água e de eletricidade são relativamente comuns. As limitadas oportunidades de inserção no mercado de trabalho local e regional, sem indústria alguma e com comércio reduzido a itens básicos, estimulam muitos a partir, esperando realizar, em cidades nordestinas maiores ou nas regiões do sul do país, seus planos de estudo e de trabalho. Segundo o site oficial da prefeitura, a cidade apresenta um quadro socioeconômico empobrecido, castigado pela irregularidade das chuvas. A principal atividade econômica reside na agricultura, com as culturas de subsistência, pecuária extensiva e extrativismo vegetal. O artesanato de redes e bordados também é difundido no município. A situação habitacional da

população solonopolense é, predominantemente, de casas de tijolos com reboco. No entanto, na área periférica da cidade observam-se algumas casa de tijolo sem reboco, de taipa e/ou de materiais aproveitados, com precárias condições de moradia. O município também possui duas áreas de risco habitacional, devido ao seu surgimento e crescimento desordenado, com precárias condições de saneamento e infraestrutura mínima. Contudo a atual administração municipal vem conseguindo implantar a baixo custo mudanças significativas para a melhoria da qualidade de vida da cidade. Uma delas é a rede de comunicação à internet do município que começou a ser implantada em março de 2001, utilizando-se de um sistema de transmissão por ondas de rádio entretanto uma pequena parte das transmissões é feita via cabo. São várias antenas (Fig. 1 e 2), instaladas em alguns dos lugares mais altos da cidade e dos distritos rurais, estabelecendo conexão, por um lado, com uma torre da operadora de telefonia e, por outro, com o provedor wireless da Prefeitura, ao qual, por sua vez, conectam-se as pequenas antenas (Fig. 3) dos usuários finais. Dessa Fig. 1 Antena de transmissão da Internet via rádio Fig. 2 Implantação das torres de transmissão na cidade terão acesso a um banco dados com o prontuário de todos os pacientes, etc. maneira, toda a cidade está sendo incluída no sistema: os serviços públicos, como hospital, centros de saúde e escolas, a administração pública em todas as suas instâncias, uma centena de estabelecimentos comerciais, e ainda uma porção crescente de domicílios particulares. Todos os órgãos atrelados ao município, além de interligados, serão informatizados com softwares apropriados às suas atividades, as escolas ganharão laboratórios de informática com acesso à Internet, os hospitais de Fig. 3 Todas as conexões são gratuitas. Além disso, um primeiro telecentro foi instalado na praça principal a Ilha Digital (Fig. 4 e 5) com cinco computadores, onde um monitor de informática é responsável por auxiliar a navegação na internet e o uso de alguns programas básicos, como editor de texto, de planilhas e de imagens. O sistema é operado em plataforma Linux, atendendo uma lei

municipal que obriga o poder público local a empregar exclusivamente software livre 1. Há também a previsão da instalação de totens digitais pela cidade (Fig. 6). Fig. 4 As transformações geradas pela introdução das tecnologias de informação e comunicação no quotidiano da população são várias. O comércio local tem conseguido melhorar seu leque de ofertas, graças ao contato com novos fornecedores, e a comunicações mais rápidas e confiáveis. A administração pública tem sua prestação de contas online, atualizada diariamente, incluindo os registros Fig. 5 Vista interna da ilha digital do hospital, dos centros de saúde e das escolas. Também a obtenção de certidões e documentos públicos diversos pode agora ser feita através da rede. A quantidade e a qualidade das informações obtidas pelos estudantes em seus trabalhos escolares elevou-se bastante, ultrapassando em muito as insuficientes e desatualizadas fontes bibliográficas disponíveis na cidade até então. Aliás, não raros são os adultos que aprenderam a ler e a escrever estimulados pelo uso dos computadores e o acesso à internet, repetindo uma situação verificada em outros programas do gênero, mundo afora. No que concerne as relações interpessoais, apesar da escassez de dados precisos, algumas Fig. 6 Toten tendências parecem delinear-se com clareza. Quando o acesso é feito a partir da Ilha Digital, a presença física dos usuários tem estimulado o estreitamento de laços entre aqueles que alí se encontram, gerando um hábito de escolha de horários coincidentes para uso das máquinas. Igualmente, ao redor da Ilha, encontros sociais acabam ocorrendo entre os que esperam sua vez, os que já terminaram de usar, ou os que simplesmente vêm conversar: a Ilha Digital se tornou um referencial no espaço concreto do centro da cidade. No caso do acesso à rede a partir de casa ou de estabelecimentos comerciais, uma curiosa e inovadora expressão de vida comunitária tem ganho espaço. É que, devido ao custo relativamente alto da antena parabólica domiciliar, Fig. 7 Interface do site oficial do município muitos têm se unido, dividindo os gastos de implantação e o uso da conexão, construindo, às vezes, um pequeno cômodo onde computadores podem ser utilizados por seus quatro ou cinco proprietários: uma espécie de pequeno telecentro particular, custeado com aporte financeiro dos usuários. Esse sistema tem funcionado tanto para casas quanto para comércios. 1 O custo de software, em comparação com os custos decrescentes de hardware, tem se tornado cada vez mais significativo. No caso de governos, o problema não se refere somente ao desenvolvimento de novos aplicativos, mas (e talvez principalmente) ao licenciamento de cópias de produtos de software para uso em milhares de equipamentos. A recente emergência do Sistema Operacional LINUX e de aplicativos associados tem trazido, à pauta de discussões em vários países, a hipótese de adoção de uma estratégia baseada em softwares abertos para aplicações governamentais. Livro Verde pg. 72 disponível no site: www.socinfo.org.br

Segundo informações de observadores locais, a inserção da mídia alterou a qualidade dos relacionamentos. Isso porque, apesar de se poder dizer que, dado o pequeno número de habitantes e os costumes locais, em geral todos se conhecem, em muitos casos, o laço social não ultrapassava o estágio do conhecimento distante. Com as novas possibilidades de contato, tanto via web quanto fisicamente na Ilha e junto às antenas compartilhadas, uma observação a olho nu faz crer que os laços têm se estreitado. O mesmo ocorre com aqueles que deixaram Solonópole para tentar a sorte em outro lugar. O site oficial da cidade (Fig. 7) tem uma seção chamada Filhos Ausentes, para onde se pode enviar um e-mail solicitando fotos de qualquer lugar ou pessoa da cidade. Pedidos chegam de diversas partes do Brasil. As fotos são disponibilizadas, online, nessa seção do site, juntamente com a mensagem do solicitante. Na falta de uma interface colaborativa, ou mesmo de uma lista de discussões, por exemplo, a seção Filhos Ausentes cumpre um papel de espaço de diálogo, de comunicação entre as pessoas que, distantes de Solonópole, enviam alguma notícia pessoal, ou eventualmente a expressão de seus sentimentos com relação à cidade e seus habitantes. Mais recentemente, uma sala de bate-papo foi aberta no site, ampliando as possibilidades de comunicação mediatizada entre os habitantes. Considerações finais Assiste-se, atualmente, a uma espécie de aceleração do metabolismo social, nos dizeres da professora Lídia Loureiro da Silva, da Universidade de Coimbra. Geram-se as chamadas comunidades virtuais, escreve Silva, que se sustentam na partilha intelectual e na convergência da pluralidade e riqueza dos conhecimentos que emanam dos sujeitos. Nestes novos espaços sociais, geram-se novas solidariedades, novos excluídos, novos mecanismos de participação, novas formas de democracia, de negociação, de decisão, de cooperação, de afetividade, de intimidade, de sociabilidade, que potencializam a emergência de sujeitos coletivos ou de inteligências coletivas conectivas. 2 A opinião de Silva é compartilhada por outros estudiosos, que alertam, no entanto, para o fato de que cada indivíduo costuma fazer parte de diversas redes de sociabilidade, na escola, no trabalho, na família, e na vizinhança, por exemplo. Uma vez que as pessoas têm, por dia, uma quantidade de tempo limitada para destinar ao contato social, o esforço de iniciar um novo contato, através da participação em uma nova comunidade seja ela concreta ou virtual parece ser medido em termos de relação custo/benefício, segundo constatam Hampton e Wells: Se redes de sociabilidade já estabelecidas e meios de comunicação existentes provêm muito da companhia, ajuda e apoio de que um indivíduo precisa, é muito pequeno o incentivo para que ele direcione tempo e energia a novos e menos seguros meios de formação e manutenção desses laços. O mesmo pode ser dito sobre qualquer comunidade virtual : a menos que ela preencha alguma necessidade não atendida na vida dos usuários visados, é pouco provável que ela atenda as expectativas de altos níveis de interação social. 3 Em Solonópole, a comunicação em rede parece responder a necessidades não atendidas na vida dos moradores, seja em relação à obtenção notícias de parentes distantes, seja para ajuda mútua, seja para enfrentamento de problemas que afetam a comunidade, seja, ainda, para refletir sobre possíveis alterações do espaço arquitetônico e urbano. Percebe-se, também, que o telecentro e seus equivalentes cumprem um papel importante de catalizador e estimulador de certos níveis de relações interpessoais, de uma nova sociabilidade proporcionada pela presença física, entre os usuários da Ilha Digital de Solonópole. Isso nos leva a crer que, em comunidades com acesso à rede a partir dos domicílios, o uso e o formato de telecentros deveria ser mantido mas revisto, provavelmente privilegiando atividades coletivas auxiliadas por computador. No entanto, observou-se em outras experiências 4, onde foram oferecidas estruturas para consolidação da comunidade no ambiente virtual, relatos sobre a 2 A Internet: a geração de um novo espaço antropológico. Internet: www.exclusao.hpg.ig.com.br-texto/20- /20lidia/20silva/2001.htm 3 HAMPTON, K., WELLMAN, B. Examining community in the digital neighborhood: early results from Canada s wired suburb. In: Ishida, T., Isbiter, K. (eds.) Digital cities: technologies, experiences and future perspectives. Heidelberg: Springer-Verlag, 2000. p. 206. 4 Hampton, K., Wellman, B., op. cit.

criação de laços sociais, às vezes estreitos, entre usuários e grupos domésticos que só puderam conhecer opiniões e posturas de outros habitantes do bairro graças à comunicação em rede. Ainda estamos muito longe de dominar as vantagens e desvantagens de implantações como essas. Além de pouco numerosas, suas freqüentes e compreensíveis diferenças de estruturação, métodos, objetivos, contextos sócio-econômico-culturais dificultam comparações que, de outra forma, poderiam ajudar a balizar futuras operações similares. Entendemos que a decisão para a implantação desses sistemas é, em geral, política, mas também percebemos que ela tem se viabilizado através de apoios derivados de interesses econômicos. Ao que tudo indica, as parcerias são inevitáveis entre comunidade, poder público e iniciativa privada, e suas equipes técnicas precisam ser capazes de um entendimento e de uma ação baseados na transdisciplinaridade, incluindo as Ciências da Computação, a Sociologia, a Arquitetura, o Urbanismo, e a Psicologia, pelo menos. O que se tem como certeza, no entanto, é que, embutida no esforço maior de inclusão de parcelas cada vez mais extensas da população no que se costuma chamar de sociedade da informação, está a possibilidade de amplificar o volume de suas vozes distantes, isoladas por distâncias sociais às vezes imensas, trazendo-as para a cena principal da ação cidadã. Dessa forma, torna-se possível auxiliar comunidades a se organizarem para o enfrentamento de problemas em comum, e também para descobrir novos níveis de sociabilidade, encobertos, talvez, no dia-a-dia do mundo concreto. Bibliografia HAMPTON, K., WELLMAN, B. Examining community in the digital neighborhood: early results from Canada s wired suburb. In: Ishida, T., Isbiter, K. (eds.) Digital cities: technologies, experiences and future perspectives. Heidelberg: Springer-Verlag, 2000. SILVEIRA, S. A. Exclusão Digital: a miséria na era da informação. São Paulo: Perseu Abramo, 2001. TAKAHASHI, T. (org.). Sociedade da Informação no Brasil: Livro Verde. Ministério da Ciência e Tecnologia, Brasília, 2000. disponível no site: www.socinfo.org.br. TRAMONTANO, M. VOZES DISTANTES organização e sociabilidade em comunidades informatizadas. In: Silveira, S. A. (org.) TRAMONTANO, M., PRATSCHKE, A., MARCHETTI, M., Um toque de imaterialidade: o impacto das novas midias no projeto do espaço doméstico. In: Del Rio, V. Duarte, C., Rheingantz, P. (orgs.) Projeto do lugar: colaboração entre psicologia, arquitetura e urbanismo. Rio de Janeiro: ProArq, 2002. Site oficial da Prefeitura Municipal de Solonópole: www.solonopole.ce.gov.br Exclusão digital: www.exclusao.hpg.ig.com.br