LETRAS, ALFABETOS, ESCRITA E SONS DA FALA

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Transcrição:

Lingüística / Parte 2 / Texto 4 INTRODUÇÃO LETRAS, ALFABETOS, ESCRITA E SONS DA FALA Aniela Improta França / UFRJ anielaimprota@terra.com.br Há mais de cinco mil anos os homens inventaram uma maneira de registrar em materiais duráveis (pedra, barro, estuque, pergaminho, papiro, papel) os sons efêmeros da fala. Isso trouxe um grande progresso para as ciências, para as relações comerciais, para as instituições jurídicas e políticas e para a literatura. Há dois tipos básicos de escrita: (i) a ideográfica. que representa o significado do signo lingüístico, ou seja, a idéia, ou o conceito, mas não diz nada sobre a pronúncia daquele signo, como os hieróglifos egípcios e os ideogramas chineses 1 ; (ii). a fonética, na qual os símbolos representam o significante do signo lingüístico e pode ser silábica ou alfabética. Nas silábicas, cada símbolo representa uma sílaba. O japonês possui também um sistema de escrita desse tipo. Nas alfabéticas, cada símbolo representa um fonema (embora nem sempre perfeitamente) Exemplos destes tipos de escrita: Exemplos de escrita ideográfica: sol ( 日 ), lua ( 月 ), árvore ( 木 ), montanha ( 山 ), rio ( 川 ), porta ( 門 ), homem ( 人 ), água ( 水 ), mão ( 手 ) homem + árvore = descansar;( 休 ) orelha + porta = ouvir;( 聞 ) sol acima da linha do horizonte = aurora;( 旦 ) céu, terra e homem = governar; ( 王 ) dois pictogramas árvore = bosque; ( 林 ) três pictogramas árvore = floresta ( 森 ) mulher + filho = gostar, 好 ) plantação de arroz + força = macho;( 男 ) hieróglifos egípcios ideogramas chineses Cuidado com o mito dos ideogramas puros: nunca se trata apenas de ideias concatenadas porque o pensamento é simbólico, já que construído por representações do mundo no cérebro. Protoescrita do chinês Brincadeira com o nível de iconicidade do português Forma: pictografia de trigo Escrita real: Função: representar ləg ("trigo") ləg ("vir") Sentença:... 1 Os idiogramas chineses que podem ser usados por chineses e japoneses, embora as duas línguas não tenham nada em comum. Mas como o ideograma remete ao significado e não ao som, os japoneses, até certo ponto, entendem o chinês escrito e vice-versa;

Exemplos de escrita fonética: Escrita japonesa silábica Escrita cirílica do russo, ucraniano, bielorrusso, sérvio, búgaro, mongole uzbequistanês entre outros idiomas. É inadmissível para o especialista a confusão entre letra e som. ou letra e fonema. que se verifica comumente nos leigos. A escrita é uma convenção e não uma representação exata e científica dos fonemas de uma língua. Portanto, deve-se tomar cuidado para não dizer coisas do tipo "A letra E é uma vogal", "Nós falamos errado porque pronunciamos portu, fali (em vez de ['porto], ['fale], como se escreve". A língua falada não se deve subordinar à língua escrita. Portanto. toda atenção deve ser prestada quando se quiser fazer alguma declaração sobre a pronúncia, baseando-se na forma escrita da língua, e é bom lembrar que o número de letras não corresponde exatamente ao número de sons (nem de fonemas). Por exemplo, em fixo, temos quatro letras e cinco sons [fiksu]; em maçâ, temos quatro letras e três sons [ma'sã] Além do que já foi dito, outro fato muito importante deve ser levado em conta: é que, na fala, as palavras não são pronunciadas da mesma forma que as pronunciamos isoladamente. Em português, vogais átonas finais geralmente desaparecem (se elidem) no encontro com a vogal inicial igual e átona de outra palavra; por exemplo, de irmão é pronunciado dirmão; cada acordo vira cadacordo. Outras mudanças fonéticas ocorrem na fala no encontro de palavras, como a ditongação de duas vogais contíguas, em, por exemplo, a imensa (aimensa): a sonorização de algumas consoantes. como as asas [a'zaza. Os alfabetos comuns não são meios adequados para representar gráfica e precisamente os sons da fala. Eles surgiram há muitas centenas de anos e não acompanharam integralmente as mudanças fonéticas e fonológicas ocorridas nas línguas. Veja-se, por exemplo, o caso da grafia oficial do português, que tem várias letras ou grupos de letras para representar um só som: 2

[s] [z] s ç ss sapo laço massa z zebra s casa x exame j jato g gesto s asno as mãos z faz bem x mexer ch encher S pasta Z paz u lua o cabo l mal c casa qu quero g gato gu guia é e fé vela ê lê e medo Por outro lado, temos letras que representam mais de um som. como o e, que representa [ ] em vela, [e ] em medo e [ i ] em fale; o o, que representa [ ] em morte, [ o ] em lodo, [ u ] em cabo. O grupo [ ks ] pode ser representado por x, como em fixam, ou por cç, como em ficção. A seqüência em representa o ditongo nasal [ ẽi] em sem, também. A grafia oficial de outras línguas apresenta um distanciamento ainda maior entre a escrita e a pronúncia. No inglês britânico, por exemplo, estas palavras são rimas perfeitas: fire fogo' ['fai ]; liar mentiroso' [ lai ]; hire alugar' [`hai ] e higher 'mais alto' [`hai ]; estas duas últimas, homófonas. O mesmo ocorre com rode `cavalgou' e road `estrada', ambas [ ]. No inglês americano, são homófonas caught `pegou' e cot `cama de campanha', ambas [k t]. A palavra through `através', com sete letras, tem três sons: [θru]. Em francês, a palavra oiseau, 'pássaro', com seis letras, representa quatro sons [wa'zo]; essa palavra, por sua vez, rima com mot 'palavra' e com hero 'herói. ALFABETOS FONÉTICOS Mesmo que um alfabeto retratasse o sistema sonoro atual de uma língua, como tentam fazer as grafias criadas nas últimas décadas por lingüistas para povos até então ágrafos, como os índios, por exemplo, esses alfabetos não expressariam toda a gama de sons que ocorrem na fala. Eles, a rigor, não são fonéticos, mas fonêmicos, pois o número de fonemas numa língua é muito menor do que o de fones ou sons. Por isso, os foneticistas, a partir do final do século passado, vêm aperfeiçoando sistemas de transcrição fonética, ou alfabetos fonéticos, que permitem transcrever com minúcias as mais diversas nuances de sons. Vários desses alfabetos foram criados, dos quais dois são mais difundidos entre nós: o da International Phonetic Association (Associação Fonética Internacional) ou IPA e o alfabeto proposto por Kenneth Pike, lingüista norte-americano da escola tagmêmica e do Summer Institute of Linguistics (Instituto 3

Lingüístico de Verão) ou SIL, entidade que estuda línguas indígenas e tem uma filial em Brasília. Destes dois vamos estudar o alfabeto IPA, usado internacionalmente em livros e trabalhos de lingüística e também muito utilizado em dicionários bilíngües, para ensinar a pronúncia das palavras. Os alfabetos fonéticos partem do princípio da univocidade, isto é, comportam apenas uma forma de interpretação. Assim, o símbolo [g], por exemplo, tem de ser lido sempre com o valor que tem na palavra gato, mesmo que venha antes de [e] ou [i]; o símbolo [e] representará sempre a vogal fechada de vê, etc. Um alfabeto fonético é útil também. para localizar o ponto e o modo de articulação de um som, pois ele está disposto num quadro articulatório de base anatômica. Alfabeto da Associação Fonética Internacional (IPA) Vamos exemplificar cada símbolo do IPA com os sons das línguas mais conhecidas. Não nos deteremos em sons raros e que não ocorrem nas línguas com que temos maior contato. As pessoas interessadas nos símbolos não mencionados aqui podem obter informações nas obras que indicaremos na bibliografia comentada. Tentaremos exemplificar com a língua portuguesa. sempre que possível, mas quando o som não existir em português, daremos exemplos de outras línguas. Quando nos referimos ao português, temos em mente as pronúncias mais freqüentes na cidade do Rio de Janeiro, salvo indicação contrária. Consoantes Plosivas ou oclusivas - o português tem seis plosivas: bilabiais dentais velares [p] pato [t] tato [k] cato [b] bato [d] dato [g] gato Note-se que no alfabeto da IPA, quando num mesmo quadrinho há dois símbolos, o da esquerda corresponde ao som surdo (sem vibração das cordas vocais), e o da direita corresponde ao sonoro (com vibração das cordas vocais). O quadro da IPA traz ainda as plosivas palatais [c] e [ ], articuladas pelo dorso médio da língua no palato duro. Esses sons são freqüentemente emitidos por bebês em fase de balbucio. Como fonemas, esses sons estão presentes no húngaro e no grego moderno. As oclusivas uvulares, articuladas pelo dorso posterior da língua junto à úvula, existem no árabe. A oclusiva glotal [ ] é formada pela oclusão e pela abertura brusca das cordas vocais e ocorre como fonema em várias línguas, entre as quais o árabe e diversas línguas indígenas brasileiras. Na língua alemã, esse som tem a função de marcar a fronteira entre as palavras quando uma palavra termina por vogal e a seguinte também inicia por vogal, como em die Arbeit [di ' a baįt] `o trabalho'. Fricativas ou constritivas - constituem a série mais numerosa de consoantes. Praticamente em 4

qualquer parte da cavidade bucal pode haver estreitamento com produção de som fricativo. Começando do exterior para o interior, temos em português: [ ] caber, lábio (Portugal) [ f ] faca, fofo [ v ] cava, vaca [ ] fada, cidade (Portugal) [ s ] sai, raça [ z ] zebra, asa [ ] chá, mexe [ ] já, gente [ x ] errado (carioca) [ γ ] carga, barba (carioca); lago, chaga (Portugal) [ h ] rio, mar (carioca) [ ] arma, amarrado (carioca) [ ] rapaz, carro [ ] corda, arde (carioca) Estas seis últimas fricativas podem ocorrer como realizações fonéticas do "r forte" no Rio de Janeiro e adjacências, sendo algumas das variantes encontráveis nesse dialeto. de Outras fricativas não existentes no português normal são: [ ] contraparte surda do [ ] [ ] chamada "fricativa dental plana', porque a língua apresenta a superfície plana, ao contrário [ s, z,, ], em que a língua apresenta uma concavidade no centro, como uma canaleta, sendo por isso denominadas fricativas côncavas. O som [ ] e sua contraparte sonora [ ] são às vezes chamados interdentais, pois podem ser articulados com a língua entre os dentes incisivos superiores e inferiores. Mas se a língua permanecer plana e atrás dos dentes incisivos superiores, o efeito acústico será praticamente o mesmo. No inglês, ocorrem tanto [ ] como [ ], ambos representados na grafia oficial pelo dígrafo th: [ ] the, that, those, them (`o', `aquele', `aqueles', `lhes ) [ ] thing, think, earth, through, ('coisa', `penso', 'Terra', 'através') No espanhol da Espanha. ocorre [ ]: hacer, plaza ( 'fazer'. 'praça' ). As fricativas palatais [ ç ] e [ j ] não são típicas do português. mas estão espalhadas em muitas línguas, especialmente a sonora [ j ]. A surda [ ç ] é típica do alemão, em cuja ortografia é representada pela letra g ou o dígrafo ch após vogais anteriores [ i ], [ ]: ich eu, mich mim, richtig `certo' [` içtiç], Achtung [açtu ] `atenção'. O som [ j ] é chamado "iode". É muito freqüente em línguas indo-européias antigas e modernas e também em línguas não indo-européias. Exemplos: al. jung `jovem', Jahr `ano'; ing. yet `ainda', you 'você(s)', year 'ano' (distinto de ear `orelha'); esp. da Espanha vaya `vá'. yerno `genro'; fr. pied `pé', medaille 'medalha', fille 'filha'. Pode ocorrer esporadicamente o iode em português se se fechar demasiadamente a passagem do ar na semivogal [ į ] do ditongo crescente, causando ruído fricativo, como em raiou, paiê. desmaiou, Ai. ai, ai! A fricativa velar [ ] ocorre no espanhol representado na escrita por j, gi ou ge (mujer, jamás. 5

gente); no alemão, representado por ch após vogais centrais e posteriores [ a, o, u ]: Buch livro, Nacht noite, Loch buraco. A sonora [ γ ] ocorre em algumas línguas eslavas, como o tcheco e o ucraniano e alguns dialetos russos, e também do grego moderno. Nasais - em português temos: [m ] mata [ ] conforto, enviar [n ] nata, mana, canto [. ] unha, manhã [ ] manga. cinco, junco, ronco Quando seguidas de consoante. as nasais em português são não-explodidas ou implosivas, isto é. a oclusão não se desfaz. passando-se diretamente para a articulação da consoante seguinte e é homorgànica dessa consoante. A nasal velar [ em português só ocorre normalmente nesses casos, antes de [ k ] e [ g ], mas em inglês e alemão pode ocorrer em final de palavra: ing. sing `cantar' song `canção'. [ ], [ ]. Laterais livro O APARELHO FONADOR E SUAS CORRESPONDÊNCIAS ARTICULATÓRIAS Uma das habilidades lingüísticas mais complexas e admiráveis é a percepção e produção dos sons da língua nativa. Não nos damos conta disso a não ser quando verificamos as discrepâncias na fala de estrangeiros com variados níveis de proficiência. Geralmente, mesmo quando a sintaxe é impecável, a pronúncia raramente é perfeita. Fica claro que como nativos conhecemos uma grande quantidade de propriedades sonoras e de distinções significativas entre sons de nossa língua e todas essas informações são muito difícies de adquirir quando se fala uma segunda língua. Dois ramos da lingüística se ocupam especificamente dos sons de língua: a fonética e a fonologia. A fonética estuda a natureza dos sons como realidade física e como eles são produzidos e percebidos. Sua unidade de sonora é o fone, que deve ser trsncritos entre colchetes [ ]. Esta ciência investiga os eventos físicos que ocorrem desde que o som é articulado e sai pela boca do falante até que ele chegue ao ouvido do ouvinte. A fonética desenvolve métodos para a descrição, classificação e transcrição de todos os sons de fala de todas as línguas naturais. Ela faz isso em três especialidades que enfocam aspectos específicos do som: 1. Fonética Articulatória: estuda os sons do ponto de vista fisiológico e articulatório. 2. Fonética Auditiva: estuda a percepção sonora da fala. 3. Fonética Acústica: estuda as características físicas da propagação do som depois que ele sai da boca do falante. 6

Depois que o som chega aos ouvidos, a mente tem de pareá-lo com uma unidade de representação de som, ou fonema. Este pareamento entre o som e as representações mentais é objeto de estudo da fonologia. Uma unidade da fonologia, o fonema, pode ser transcrito entre barras / /. Temos estocados na mente um número menor de fonemas do que o número de fones que existem na totalidade das línguas naturais. Ocorre que as representações mentais que introjetamos durante o período crítico da aquisição de linguagem são as correspondentes aos sons selecionados por nossa língua mãe. Estes fonemas representam sons que perfazem apenas um subconjunto da totalidade de sons da fala. As informações sonoras contidas nos dados primários vão acionar na mente do bebê a formação do sistema sonoro da sua língua-mãe, que conterá todos os sons distintivos, além de especificações estruturais para licenciar as combinações possíveis entre estes sons. Depois do período de aquisição estamos aptos a pronunciar qualquer palavra dentro deste sistema incluindo palavras novas e até não palavras. Em relação à percepção do som, quando recebemos um input fonético é possível transformá-lo em representação abstrata (fonemas) que se combinarão para depois atingir pareamento semântico. Em relação à produção do som, quando estruturamos na mente as cadeias de fonemas, seus traços abstratos servirão de instruções para acionar os órgãos da fala que vão produzir sons no mundo físico. Como pudemos ver a fonética e a fonologia tem uma interelação estreita onde o utput de uma é input da outra. É interessante notar que os órgãos físicos envolvidos na produção de fala não dão para ela dedicação exclusiva nem mesmo função principal. Os órgãos que em conjunto formam o Aparelho Fonador têm como funções principais a respiração, a deglutição, a mastigação etc, mas também se prestam para executar a fonação. Para fins didáticos convencionou-se dividir o Aparelho Fonador em três sistemas: o respiratório ou subglotal, o fonatório ou laringeal, e o articulatório ou supralaringeal. O Sistema Respiratório ou Subglotal consiste nos pulmões, músculos pulmonares, tubos brônquios e traquéia. Além de produzir a respiração, este sistema tem a função secundária de fazer um fole que dá início à corrente de ar que se move através dos bronquios e traquéia, levando o ar para a laringe. O Sistema Fonatório é constituído pela laringe, um anel cartilaginoso situado na parte superior da traquéia. Dentro da laringe encontra-se um órgão fundamental à fonação: as cordas ou pregas vocais. As pregas vocais são como dois lábios esticados horizontalmente ao longo da abertura central da laringe, no sentido frente-trás. Elas são altamente flexíveis porque são feitas de um tecido elástico, chamado ligamento, e do músculo estriado tireocricóide. Na frente, as cordas estão presas a tireóide (que são visíveis em homens como o nó no pescoço conhecido com pomo-de-adão). Atrás, as cordas vocais são ligadas às cartilagens aritenóides. As cartilagens aritenóides são multiarticuladas e são as responsáveis por uma mobilização sutil das pregas vocais que resultam em diferenças de vibração, que por sua vez ressoa de diferentes formas ao 7

seguirem o caminho de expulsão do ar pelo trato vocal. Em repouso, as duas pregas vocais são separadas uma da outra. Quando elas estão separadas exibem um espaço entre elas chamado de glote. Com estado da glote aberto o ar passa livremente e as cordas vocais não vibram. Mas em função da mobilidade das aritenóidesas, as cordas vocais podem se aproximar. Quando isso acontece o estado da glote é fechado, e o ar tem de forçar sua passagem fazendo as cordas vibrarem. Para proteger toda esta estrutura complexa, acima das pregas vocais há uma dobra de tecido muscular estriado formando uma válvula localizada acima da laringe e antes do final da língua na garganta. É a epiglote. Ela evita que durante a alimentação entre comida ou líquido pela laringe e traquéia e acabe chegando até aos pulmões, onde estes corpos estranhos causam sérios danos à saúde. O Sistema Articulatório ou supralaringeal é formado pelas cavidades ou caixas de ressonância oral e nasal e pelos órgãos faringe, língua, palato (dividido em crista alveolar palato duro medial e palato duro final, palato mole e úvula), nariz, dentes e lábios. Mobilização de estruturas neste sistema cria constrições na caixa de ressonância que modifica o fluxo do ar e consequentemente o som resultante. O caminho para respiração começa no sistema respiratório onde o ar é impelido dos pulmões em direção para fora do corpo (corrente de ar egressiva). Depois de passar pelos bronquios, o ar chega ao sistema fonatório, onde o estado da glote vai determinar o vozeamento do som: estado da glote aberto deixa o ar passar livremente sem fazer vibrar as cordas vocais, resultando em um ruído de consoante desvozeada: [p t k f s Quando o estado da glote é fechado as pregas vocais estão unidas e o ar as faz vibrar. O som então é vozeado: [b,d,g, v,z, ] Depois que o ar passa para o sistema suprafaringeal temos muitos articuladores ativos, estruturas que se movem em direção a outros articuladores passivos com os quais estabelecem articulação. A relação entre 2 articuladores pode ser explorada através do quadro do Alfabeto Fonético Internacional que se mostra a seguir. 8

Exercícios: 9

para o estômago para os pulmões I. Reconhecimento anatômico: Nomeie as II. Marque a melhor opção: estruturas 1. O vozeamento é resultado da mobilização... a. da epiglote. b. da língua. c. de um articulador ativo. d. de um articulador passivo. e. nenhuma das respostas acima. 3 1 2 5 4 6 2. As setas de 1 a 6 na figura ao lado marcam respectivamente... a. uma cavidade, um articulador passivo, véu palatino, úvula, faringe e laringe. b. uma cavidade, um articulador ativo, véu palatino, glote, faringe e laringe. c. fossas nasais, crista alveolar, palato mole, úvula, faringe e laringe. d. fossas nasais, um articulador passivo, língua, véu palatino, laringe, faringe. e. nenhuma das respostas acima. 3. A nasalização acontece quando... a. a língua toca a epiglote. b. a úvula está abaixada. c. a úvula está levantada. d. um articulador passivo toca o palato mole. e. nenhuma das respostas acima. 4. Na deglutição... a. a epiglote abre a faringe. b. da língua se abaixa. c. a epiglote fecha a laringe. d. a comida passa pela laringe. e. nenhuma das respostas acima. 5. Quando o ar passa livremente por entre as cordas vocais a. a glote está aberta b. as cordas vocais vibram. c. um som nasal é produzido. d. pode-se emitir [d]. e. nenhuma das respostas acima 10

III. IV. V. Identifique os fonemas. 1. Lábios cerrados; ar passando por fora das cordas vocais e retido nos lábios: - 2. Ponta da língua batendo uma vez forte e rapidamente na crista alveolar; ar passando por entre as cordas vocais e expulso pela boca: 3. Língua tocando os dentes ou a crista alveolar; ar passando por entre as cordas vocais e 11

expulso pela boca semi-aberta: 4. parte posterior da língua tocando o palato mole; ar passando por fora das cordas v ocais e retido na boca: 5. lábio inferior quase tocando a arcada dentária superior; ar passando por dentro das cordas vocais e saindo pela boca: VI. Preencha cada lacuna no texto abaixo com o nome da estrutura anatômica adequada e escreva seu respectivo número no desenho do aparelho fonador. O número 10 foi dado como exemplo. Dentro da (1) encontram-se as (2) que são responsáveis pelo vozeamento ou não dos sons da fala. Logo acima acha-se o/a (3), estrutura muscular articulada que pode isolar o/a (4) durante a deglutição. Desta forma, o alimento passa só pelo/a (5). Depois desta estrutura articulada, a próxima porta existente no aparelho fonador é o/a (6). Quando esta estrutura, localizada na ponta do (7), está abaixada, o ar pode chegar às cavidades (8), (9) e nasal (10). Bibliografia: 1. Botelho, M. A.- Iniciação à fonética 5ª edição UFRJ, 1998 2. Cagliari, L.C. - Análise Fonológica: Introdução a Teoria e Prática Mercado de Letras, 2002 3. Callou, D e Leite, Y. Iniciação à fonetica e a fonologia 8ª edição Jorge zahar editor 289, 1990. 4. Chomsky, N.; Halle, M. - Sound Pattern of English - Harper and Row, 1968 5. Silva, TC Fonética e Fonologia do Português Editora Contexto 273p 2002. 12