ESTUDO DE METODOLOGIA EMPREGADA NA DETERMINAÇÃO DE METAIS PARA MONITORAMENTO DA DIGESTÃO ANAERÓBIA DE LIXO URBANO Paulo Augusto Cunha Libânio * Engenheiro Civil (UFMG, 1999). Mestre (UFMG, 22). Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos da UFMG. Bruno Maia Pyramo Costa Emílio Osório Neto Ilka Soares Cintra Carlos Augusto de Lemos Chernicharo Endereço * : Rua Peru, 33/11 - Sion - 332-4 - Belo Horizonte - MG - Brasil. Tel: (5531) 3285.4373 - E-mail: pyramo@terra.com.br RESUMO Buscou-se, no presente estudo, identificar as principais dificuldades inerentes aos procedimentos metodológicos de obtenção, preparação e análise de amostras para determinação do teor de metais pesados, investigando-se alguns dos aspectos específicos no trato de amostras de resíduos sólidos urbanos, chorume e lodo biológico proveniente do tratamento de chorume em reator UASB. Na aferição do teor de metais em amostras de chorume, verificou-se uma razão de proporcionalidade entre os resultados obtidos pelos métodos da rotina e das adições e, considerando-se que o interesse maior da pesquisa consistia apenas no acompanhamento da evolução deste parâmetro, e não na determinação de valores precisos, optou-se pela utilização do primeiro, mais rápido e simples. Por sua vez, ao se avaliar as concentrações de metais pesados em amostras sólidas de lixo urbano e lodo biológico, verificou-se uma considerável variabilidade entre os valores obtidos por meio de procedimentos de preparação distintos, e quando observados aqueles citados na literatura. Tais observações evidenciam a necessidade de realização de estudos futuros mais amplos, a fim de se definirem metodologias adequadas à determinação dos teores de metais pesados em amostras de líquidos lixiviados de aterros sanitários e em amostras de resíduos sólidos urbanos. Palavras-chave: Digestão anaeróbia, espectrofotometria de absorção atômica, metais pesados. INTRODUÇÃO A determinação dos teores de metais pesados é uma informação relevante para a compreensão das condições ambientais nas quais se processa a digestão anaeróbia de resíduos sólidos urbanos. Enquanto na operação dos aterros a maior preocupação reside na possibilidade de contaminação do subsolo e das águas subterrâneas que por ele percolam, o monitoramento das concentrações das diversas espécies metálicas no tratamento anaeróbio do chorume objetiva, primordialmente, aferir seus efeitos sobre o metabolismo microbiano. Se por um lado, em determinados níveis, alguns metais se apresentam como toxinas inorgânicas altamente nocivas ao tratamento anaeróbio (Chernicharo, 1997), diferentemente, vários outros elementos metálicos figuram entre os requisitos nutricionais das células bacterianas, sendo considerados micronutrientes inorgânicos principais (cálcio, magnésio, ferro) ou secundários (zinco, manganês, molibdênio, selênio, cobalto, cobre, níquel) (Malina, 1992 apud Nascimento et al., 1996). Entretanto, verifica-se a necessidade de um maior cuidado quando da interpretação dos resultados obtidos na determinação de metais pesados em amostras de resíduos sólidos e líquidos lixiviados de aterros. Diversas interferências
podem ser significativas quando da aferição dos teores de metais, sejam elas inerentes aos procedimentos preliminares de obtenção e preparação das amostras (trituração, digestão, filtração, diluição), aos procedimentos de análise laboratoriais (parâmetros de operação do aparelho, método de determinação), ou ainda, à natureza das amostras (composição, viscosidade). Neste estudo, quando da implementação de um experimento, em laboratório, objetivando-se avaliar a interferência da inoculação endógena na digestão anaeróbia de lixo urbano, através da recirculação do chorume e do retorno do lodo biológico excedente produzido em um reator UASB tratando este efluente (Libânio, 22), fez-se necessário uma ampla revisão dos aspectos metodológicos concernentes às etapas de amostragem, preparação de amostras e análises laboratoriais, incluindo-se aqueles relevantes na determinação dos teores de metais pesados. OBJETIVOS Avaliação dos procedimentos metodológicos envolvidos na determinação dos teores de metais pesados em líquidos lixiviados de digestores anaeróbios de RSU, e em amostras sólidas de RSU e de lodo biológico de reator UASB tratando chorume. METODOLOGIA Avaliação do teor de metais pesados nos líquidos lixiviados de reatores experimentais As concentrações de metais pesados no chorume foram aferidas semanalmente, por espectrofotometria de absorção atômica, técnica de chama, através do método de rotina. Os metais analisados foram Fe, Ca, Mg, Mn, Al, Zn, Ni, Cu, Pb, Cd e Cr. A digestão das amostras do chorume coletado junto aos digestores de RSU consistiu na destruição do substrato orgânico através do ataque com HNO 3 concentrado e redução do volume para 1/5 do inicial. Apesar deste ataque rigoroso, houve ainda necessidade de filtração das amostras devido à presença considerável de sólidos. É importante ressaltar que o resíduo retido no papel-filtro não foi testado para verificação quanto aos metais ainda remanescentes. A complexidade da matriz do chorume foi a principal questão investigada. As amostras de chorume apresentavam maior viscosidade que os padrões, impossibilitando, assim, a determinação exata das concentrações dos metais por comparação direta entre suas absorbâncias através do método da rotina (Osório Neto, 1996). A diferença de viscosidade entre as amostras e os padrões implica em diferentes velocidades de aspiração da solução através do tubo capilar e, portanto, em diferentes taxas de emissão de átomos em estado fundamental na chama. Avaliação do teor de metais pesados em amostras sólidas de RSU Após a amostragem do lixo urbano no aterro sanitário de Belo Horizonte, com a identificação e quantificação dos diversos materiais constituintes, procedeu-se à etapa de preparação de amostras para a caracterização físico-química da massa de resíduos sólidos urbanos. Primeiramente, uma vez que os resíduos orgânicos encontram-se mais sujeitos às transformações bioquímicas que se processam na digestão anaeróbia dos resíduos sólidos aterrados e, considerando-se as limitações dos equipamentos empregados na desintegração mecânica das amostras sólidas, utilizou-se somente a fração orgânica dos resíduos sólidos urbanos (FORSU) nas inferências analíticas, sendo excluídas aqueles materiais correspondentes à fração inerte ou pouco biodegradável. Assim, seguiu-se uma série de procedimentos consecutivos de quarteamento, descarte dos quartos vis-àvis e homogeneização dos quartos restantes, obtendo-se uma amostra final daqueles materiais classificados como potencialmente biodegradáveis. Em laboratório, após a secagem em estufa (Fanem Modelo 315/2) por períodos de 24 horas a 65 o C e de 4 horas a 15 o C, respectivamente, as amostras foram trituradas em um moinho de faca e em um moinho de bolas (Pulverisette 5 Fritsch), 2
sendo, então, conservadas em sacos plásticos hermeticamente vedados, no interior de um refrigerador, até a realização das análises laboratoriais. As amostras já devidamente preparadas desidratadas, trituradas, peneiradas e conservadas em baixa temperatura foram digeridas através do ataque com ácidos nítrico e sulfúrico concentrados (33 G) e aquecimento em banho-maria, no interior de uma capela para exaustão de gases tóxicos. Ao término da digestão, as soluções foram filtradas em papel de filtro e recolhidas em um balão volumétrico. Por fim, para a determinação de alguns analitos, fizeram-se diluições da solução inicial de forma que, como observado em estudo preliminar (Osório Neto et al., 21), foi possível aferir suas concentrações na faixa ideal de leitura do aparelho (Perkin-Elmer 33). Os teores de metais pesados foram determinados por espectrofotometria de absorção atômica, através da técnica da emissão por chama (método 3111 B), descrito no Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater (AWWA/APHA/WEF,1998). Avaliação do teor de metais pesados em amostras sólidas de lodo biológico de reator UASB Após a determinação do perfil de sólidos na câmara de digestão do reator UASB (concentrações de ST e STV), as amostras de lodo calcinado foram maceradas e, então, submetidas às mesmas etapas de digestão, filtração e análise descritas para as amostras de resíduos sólidos urbanos. RESULTADOS E DISCUSSÃO Avaliação do teor de metais pesados nos líquidos lixiviados de reatores experimentais Na determinação das concentrações de diversos metais nos líquidos lixiviados, constatou-se um erro aproximadamente constante entre os valores obtidos pelo método da rotina e pelo método das adições (Figura 1). Concentração do Fe (mg/l) 5 45 4 35 3 25 2 15 1 5 Método da Rotina Método da Adição Erro R1 R2 R4 R5 R6 R7 R8 R9 Ef. UASB Ponto de Amostragem 25 2 15 1 5 Erro (%) Figura 1: Comparação entre os resultados de ferro aferidos no chorume drenado de digestores de resíduos sólidos urbanos, obtidos através dos métodos da rotina e das adições Desta forma, optou-se pela utilização do primeiro, mais rápido e simples, uma vez que o interesse maior consistia na avaliação da evolução deste parâmetro, ou seja, a maior preocupação não era a precisão dos resultados, mas sim, sua exatidão. 3
Avaliação do teor de metais pesados nos resíduos sólidos urbanos amostrados Observa-se, na Tabela 1, devido ao caráter extremamente heterogêneo dos resíduos sólidos urbanos e à falta de padronização dos procedimentos de amostragem e caracterização, uma grande discrepância entre os teores de metais pesados aferidos em amostras de lixo urbano por diferentes autores. Tabela 1: Comparação entre os teores de metais pesados em amostras de RSU aferidos no presente estudo e em outros trabalhos. Metais Pesados (mg kg -1 ) Referência Ni Cr Cd Pb Cu Mn Zn Ca Mg Al Presente estudo 22 23 2 26 199 134 178 21179 1719 3123 Rao & Shantaram, 1995 (1) 12 26 2 135 113-235 - - - Tisdell & Breslin, 1995 (1) 8 73 11 63 762-119 - - - Miyazawa et al., 1998 (1) 4 23 <1 11 66-427 - - - Schalch, 1999 - - - - - 1 1 21 42 - (1) Trabalhos referenciados por Andreoli et al. (1999). Por sua vez, os gráficos da Figura 2 destacam a importância dos procedimentos preparatórios, preliminares à determinação do teor de metais por EAA, uma vez que se observam, nas mesmas amostras, maiores concentrações de metais em frações de menor granulometria. Concentração (ppm) 35 3 25 2 15 1 5 d < 35 mesh 35 < d < 6 mesh d > 6 mesh Concentração (ppm) 25 2 15 1 5 Concentração (ppm) 3 25 2 15 1 5 Ni Cr Cd Pb Cu Mn Zn Ca Mg Al Figura 2: Avaliação da interferência da granulometria na determinação das concentrações médias dos diversos metais em amostras de resíduos sólidos urbanos (N = 1 amostras). Tal fato pode ser explicado pela maior área específica das amostras de menor granulometria, favorencendo o ataque das amostras quando da digestão com ácido forte, ou ainda, pela conhecida a associação das partículas ínfimas com os metais pesados (Brilhante, 199 apud Paladino et al., 1997). Uma vez que seja significativa a presença de partículas sedimentáveis (poeira total em suspensão na atmosfera) nos resíduos gerados pelo serviço de varrição da limpeza pública, os teores de metais podem ser consideravelmente maiores nas frações de menor granulometria. Avaliação do teor de metais pesados no lodo biológico do reator UASB tratando chorume A remoção de metais no chorume bruto, tratado biologicamente, pode ocorrer através da formação de sulfetos metálicos, por processo anaeróbio, ou de hidróxidos metálicos, por via aeróbia (Hamada et al., 2). Entretanto, por vezes, faz-se ainda necessário uma maior remoção de metais pesados, empregando-se usualmente a precipitação química entre outras alternativas de tratamento físico-químico. 4
Neste experimento, efetuaram-se determinações de metais no lodo de um reator UASB em duas oportunidades: quando de sua inoculação com o lodo biológico excedente produzido por outro reator UASB tratando esgoto doméstico, e após 14 dias de operação do reator no tratamento dos líquidos lixiviados dos digestores anaeróbios de RSU (Tabela 2). Tabela 2: Comparação entre os teores de metais pesados em amostras do lodo biológico do reator UASB tratando chorume, e aqueles referenciados em alguns outros trabalhos, relativos ao lodo de esgoto sanitário. Metais Pesados (mg kg -1 ) Referência Ni Cr Cd Cu Mn Zn Ca Mg Al Presente estudo (1) 34 11 <5 626 943 2 73 12 27 Miyazawa et al., 1996 (2) 81 125 <2,5 41-134 - - - Tsadilas et al., 1995 (2) 77 13 4,1 11-137 - - - Tan, 1995 (2) 8 25-8 - 3 - - - (1) Média ponderada das concentrações de metais pesados no lodo, correspondente aos diferentes trechos do reator UASB, transcorridos 14 dias do início de sua operação. (2) Trabalhos referenciados por Andreoli et al. (1999). Ademais, verifica-se também que as concentrações de metais no lodo do reator UASB, após 14 dias de operação, à exceção do níquel, não são proibitivas com relação à sua aplicação na agricultura (Tabela 3), uma vez que seus valores são menores que os limites máximos recomendados por Andreoli et al. (1999). Tabela 3: Avaliação da possibilidade de emprego do lodo biológico do reator UASB. Elemento Concentração determinada no (1) lodo biológico do reator UASB (mg/kg matéria seca) Valor limite (2) p/ aplicação na agricultura (mg/kg matéria seca) Cd <5 2 Cu 626 1 Ni 34 3 Pb - 75 Zn 2 25 Hg - 16 Cr 11 1 (1) Análise do lodo biológico após 14 dias de operação. (2) Valores recomendados por Andreoli et al. (1999). CONCLUSÕES A partir dos resultados obtidos no presente estudo, fica evidente a urgente necessidade de padronização e divulgação de metodologias adequadas à determinação dos teores de metais pesados em amostras de líquidos lixiviados de aterros sanitários e em amostras de resíduos sólidos urbanos. Os valores obtidos na leitura das concentrações, em amostras de chorume, por espectrofotometria de absorção atômica, mostraram-se sensíveis ao efeito da matriz, o que impossibilitou uma determinação exata por comparação direta entre absorbâncias destas amostras e dos padrões. Entretanto, uma vez que o maior interesse consistiu no monitoramento da evolução destes parâmetros, procedeu-se à análise pelo método de rotina devido a sua maior simplicidade de execução. 5
Diferentemente, na determinação de metais em amostras de resíduos sólidos, lixo urbano e lodo biológico, a interferência pelo efeito da matriz não foi uma preocupação, mas sim, os procedimentos de preparação das análises. Diversos aspectos concernentes aos procedimentos preliminares de obtenção e preparação das amostras mostraram-se significativos quando da aferição dos teores de metais em amostras de lixo urbano, tais como a composição e a granulometria das amostras. Por fim, apesar do incremento das concentrações de metais pesados no lodo biológico de um reator UASB tratando o chorume drenado de digestores anaeróbios de RSU, após 14 dias de operação, possivelmente pela precipitação de sais insolúveis de sulfetos, estas ainda se encontram abaixo dos valores limites preconizados na literatura para a aplicação de biossólidos na agricultura. Agradecimentos: Os autores agradecem ao CNPq, pelas bolsas concedidas, e à FAPEMIG e à FINEP, através do PROSAB, pelo financiamento da pesquisa. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Andreoli C.V., Lara A.I. e Fernandes F. (1999) Reciclagem de Biossólidos: Transformando Problemas em Soluções. SANEPAR, FINEP, 288p. Curitiba. AWWA/APHA/WEF. (1998) Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater. 2th edition. Washington. Chernicharo C. A. L. (1997) Reatores Anaeróbios. Princípios do Tratamento Biológico de Águas Residuárias. Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFMG. Volume 5, 246 p. Belo Horizonte. Hamada J. e Matsunaga I. (2) Concepção do sistema de tratamento de chorume para o aterro sanitário de Ilhéus BA. Anais do IX Simpósio Luso-Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental. Porto Seguro. Libânio P.A.C. (22) Avaliação da Eficiência e Aplicabilidade de um Sistema Integrado de Tratamento de Resíduos Sólidos Urbanos e de Chorume. Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos da UFMG. Belo Horizonte. Nascimento R.A. e Figueiredo R.F. (1996) Tratamento de efluentes líquidos de indústria alimentícia através de reator UASB. Anais do XXV Congresso Interamericano de Engenharia Sanitária e Ambiental. México. Osório Neto E. (1996) Espectrofotometria de Absorção Atômica. 16 pp. Belo Horizonte. Osório Neto E., Cintra I.S., Costa B.M.P., Libânio P.A.C., Reis A.A., Santos L.V.S., Dutra A.T. e Cherinicharo C. A. L. (21) Estudo de Metodologia Empregada na Análise de Metais em Amostras de Chorume. PROSAB, Edital III, Tema IV. Relatório Final. Paladino L.T.P. e Brilhante O.M. (1997) Poluição por metais em ambientes domiciliares: Bonsucesso Rio de Janeiro. Anais do IXX Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental. Rio de Janeiro. Schalch V. (1999) Vermicompostagem de substratos alternativos. Metodologias e Técnicas de Minimização, Reciclagem e Reutilização de Resíduos Sólidos Urbanos. PROSAB. Rio de Janeiro. 6