Os Fischer e Outros Pioneiros de Teresópolis

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Transcrição:

N. 29 NOV/DEZ 2014 Os Fischer e Outros Pioneiros de Teresópolis Fazenda Soledade, cerca de 1880. Facchinetti. Celso Luiz Botelho Soares - Homenagem Ebola: A Peste do Século XXI As principais Influências Religiosas na passagem da Medievalidade para a Modernidade. Entre a palmatória e a moral Minas dividida Resenhas: A Alma Encantadora das Ruas e Cartas de Iwo Jima 29

A Revista de História Amnésia é uma publicação bimenstral. Os artigos enviados poderão ser publicados caso sejam aprovados pela Revista. As opiniões expressas nos artigos assinados são de responsabilidade exclusiva de seus autores. REVISTA DE HISTÓRIA AMNÉSIA LUIZ ALBERTO FUNDADOR E EDITOR-CHEFE ARTUR ESTEVES EDITOR E REVISOR MARCELO CAMPOS EDITOR E REVISOR RODRIGO MELO DIAGRAMAÇÃO Acesse o nosso blog: revistaamnesia.wordpress.com Quer publicar um artigo? Entre em contato conosco: Correio eletrônico: revista_amnesia@yahoo.com.br

29novembro e dezembro/2014 5 Editorial 6 Celso Luiz Botelho Soares - Homenagem Artur Esteves 7 Os Fischer e Outros Pioneiros de Teresópolis Anthony Fischer D'Andrea 15Minas dividida Paulo Paranhos 18Entre a Palmatória e a Moral Daniel Cavalcanti 21As principais Influências Religiosas na passagem da Medievalidade para a Modernidade. Alessandro Lopes da Silva 24 Ebola: A Peste do século XXI Artur Esteves 25 Resenhas A Alma Encantadora das Ruas e Cartas de Iwo Jima Artur Esteves

Editorial Iniciamos esta edição com uma homenagem a Celso Botelho, um dos primeiros colunistas desta revista. Ele participou da fase impressa e faleceu em dezembro de 2014. Em estudo sobre os pioneiros de Teresópolis no século XIX, Anthony Fischer D'Andrea, doutor em antropologia pela Universidade de Chicago, mapeia a trajetória nômade dos irmãos Constantin e Albert Fischer. Antes de fundarem e se recolherem na fazenda Soledade - em terras anteriormente pertencentes à Igreja Católica -, eles serviram como mercenários no regimento Watteville e acompanharam até o Rio de Janeiro os suíços que para aqui imigraram em 1819, rumo à futura Nova Friburgo. Entretanto, do Rio os dois irmãos tomaram um caminho diferente e foram para Teresópolis, onde até hoje vivem vários de seus descendentes. No século XIX, a territorialmente extensa província de Minas Gerais foi alvo de várias propostas de divisão apresentadas na Câmara de Deputados e no Senado do Império. Paulo Paranhos nos apresenta o teor e as justificativas de várias delas, ocorridas em 1842, 1859 (sugestão de incorporação de comarcas mineiras à província de São Paulo), 1862 (para criação da Província das Minas do Sul, proposta que retorna em 1869), 1868 (Província de Sapucaí) e 1873 (com o visconde de Serro Frio como proponente, a qual foi reapresentada em 1877). Nenhuma foi avante. Daniel Cavalcanti demonstra como o houve um lapso entre a regulamentação do fim dos castigos físicos nas escolas - ocorrida em 1854 e a sua extinção na prática. Mesmo antes desse regulamento o tema já era controverso e ao longo do Império Brasileiro o debate envolveu segmentos sociais como médicos higienistas, professores, pais de alunos e outros. Gradualmente o Estado Imperial atuou no sentido de substituir o castigo físico pelo castigo moral. Alessandro Silva no artigo "As principais influências religiosas na passagem da Medievalidade para a Modernidade" abarca um período de longa duração, analisando como o pensamento teocêntrico e coercitivo medieval - alicerçado também no poder material da Igreja - foi perdendo força com o paulatino crescimento da burguesia e suas demandas a partir do século XI, que por vezes se chocavam com a religião (que condenava a usura, por exemplo). Assim, ao longo da era moderna movimentos como Renascimento e Iluminismo fortaleceram o racionalismo em contraposição ao teocentrismo, tendo como pano de fundo a expansão do capitalismo. Trata ainda da crise do racionalismo em meados século XX e como isso abre caminho para o pensamento pósmoderno. Artur Esteves faz um paralelo entre a Peste Negra epidemia que no século XIV dizimou aproximadamente ¼ da população europeia e o Ebola, que não atingiu essas cifras mas nem por isso deixa de ser preocupante. Como de costume, Artur Esteves nos indica um filme e um livro: "A alma encantadora das ruas", de João do Rio e "Cartas de Iwo Jima", de Clint Eastwood. Nesta edição não teremos entrevista. REVISTA DE HISTÓRIA AMNÉSIA TERESÓPOLIS N. 29 P. 05 NOVEMBRO/DEZEMBRO 2014

carlosarturesteves@yahoo.com.br Artur Esteves, professor e Historiador Neste mês de dezembro a Revista de História Amnésia faz uma singela homenagem ao historiador, professor e excolunista Celso Luiz Botelho Soares, falecido em 23 de dezembro. Quando a revista iniciou suas atividades em 2011, Celso estudava história na Unopar e assinava a coluna Aconteceu há 50 anos, na qual eram citados acontecimentos históricos em âmbito internacional, nacional, estadual e municipal. A referida coluna foi publicada durante 4 edições e nesse período Celso foi duramente criticado por um dos membros da revista a época, defendendo este que a coisa era enfadonha e sem sentido. Depois do ocorrido Celso saiu do Amnésia. Suas ideias eram muito avançadas para o crítico de plantão, crítico este que futuramente seria desligado da revista. Foto: Arquivo Hoje, ao folhear antigas edições (na fase em que a revista era impressa) me sobreveio recordações muito agradáveis do professor Celso: nossas conversas sobre política e história, principalmente acerca da ditadura militar no Brasil que foi objeto de sua monografia para a universidade. Sempre falava de sua família também, a qual muito amava. Alexandre, Artur, Luiz Carlos, Mônica, Luiz Alberto, Valéria, Rodrigo, Celso e Marcelo. Com o fim da versão impressa em outubro de 2011, nunca mais vi meu estimado amigo e tampouco tive quaisquer notícias dele. Certamente foi uma das pessoas mais inteligentes, éticas e politizadas que tive a honra de conhecer com a qual aprendi muito, principalmente sobre as coisas da vida. Não me esqueço sobremodo de seu blog, onde Celso discorria sobre os mais variados assuntos ligados a história e de seus pontos de vista sobre a política atual, seja do país ou do exterior. Quem possui um amigo, possui um verdadeiro tesouro que nem as traças e a morte poderão tocar. O amigo não m o r r e, p o i s a m o r t e é continuação da vida e sua memória para todo o sempre estará registrada nos anais do universo. Que Clio (musa da história) continue a guiar sua pena e seus escritos a penetrar mentes e corações. Foto: Arquivo Lançamento da revista (junho/2011) 6 REVISTA DE HISTÓRIA AMNÉSIA TERESÓPOLIS N. 29 P. 06 NOVEMBRO/DEZEMBRO 2014

Textos a-dandrea@uchicago.edu Paraíso idílico escondido na Serra dos Órgãos... Aparentemente isolada, Teresópolis foi afetada por grandes acontecimentos históricos ocorridos na Europa em princípios do século XIX. Muitos de seus pioneiros foram estrangeiros que para ali migraram, buscando não apenas o sucesso na agricultura ou comércio de entreposto, mas também uma qualidade de vida correspondente ao clima especial da serra. Anthony Fischer D'Andrea, PhD, doutor em antropologia pela Universidade de Chicago Foto: Amanhecer no Hércules Carlos Perez Couto, 2014 REVISTA DE HISTÓRIA AMNÉSIA TERESÓPOLIS N. 29 PP. 07-14 NOVEMBRO/DEZEMBRO 2014 7

8 Este artigo relata a história dos p r i m e i r o s F i s c h e r e m Teresópolis. Mas e s t e f o c o também ilumina a vida de vários outros pioneiros que colonizaram a região, suas m o t i v a ç õ e s e d e s a fi o s p a r a vingar na serra, e como receberam influências da cidade do Rio de Janeiro, capital do Império. E s t e e s t u d o c o m e ç o u e m meados dos anos 1980, enquanto a d o l e s c e n t e interessado na genealogia da minha família materna. Antes mesmo da Internet e computadores pessoais, na Biblioteca Municipal de Teresópolis encontrei dois livros de interesse, os clássicos Colonização de Teresópolis e Dimensões de uma Jóia. Datilografei minhas notas numa apostila, que emprestei a um parente, que a guardou ao longo das décadas. Ao retomar este estudo, dois recursos poderosos estavam agora à disposição: a minha formação como cientista social, e a Internet com vasto acesso a acervos internacionais. As referências bibliográficas se multiplicaram, incluindo materiais em inglês e francês. Para entender a vida destes pioneiros, é preciso entender o que os levou a migrar para a região. No caso dos irmãos Fischer, identificamos o espírito aventureiro, como se estabelecem na terra e se relacionam com outros fazendeiros locais e mesmo a elite imperial. Concluímos com breves notas sobre as transformações ocorridas na família ao longo de dois séculos. Na transição de colono à nativo, a família Fischer ilustra o que se passou com tantas outras famílias estabelecidas na região do rio Paquequer. Como nota de nomenclatura, lembramos que o nome Teresópolis, oficialmente reconhecido em 1891, já vinha sendo usado pala população desde a década de 1840 (como Theresopolis) simultaneamente com o nome de Santo Antônio do Paquequer. Para evitar confusões, usamos o nome Teresópolis indistintamente. A vinda da família real portuguesa, por Geoff Hunt Nosso relato começa, portanto, na Europa. Em 1807, Napoleão Bonaparte d e c r e t a o b l o q u e i o c o n t i n e n t a l c o n t r a a Inglaterra, exigindo que todas as nações cessem o comércio com a mesma. Aliada e dependente da Inglaterra, Portugal não obedece a tais exigências, expondo-se assim a retaliações. A invasão iminente de Portugal por forças francesas e espanholas obriga a família real a fugir para o Brasil, sua principal colônia. A frota nacional parte em novembro de 1807, transportando milhares de funcionários, nobres, ministros, seus familiares e associados, assim como toneladas de documentos de governo, bibliotecas, coleções de arte, além das riquezas da Coroa e seus particulares. Após dois meses cruzando o Atlântico, Dom João VI desembarca em Salvador em fins de janeiro de 1808, mas logo segue para o Rio de Janeiro. A chegada da Coroa transforma a região fluminense através de uma série de medidas administrativas. A abertura dos portos brasileiros a nações amigas expande o comércio. Outro decreto permite o direito de propriedade a estrangeiros, desde que usem terras para o cultivo. REVISTA DE HISTÓRIA AMNÉSIA TERESÓPOLIS N. 29 PP. 07-14 NOVEMBRO/DEZEMBRO 2014 Textos

Textos Residentes ingleses e franceses já dominavam o comércio de artigos de luxo na capital, enquanto o fluxo crescente de imigrantes é favorecido pela nova legislação. Núcleos agrícolas se estabelecem através da província do Rio de Janeiro. Napolitanos se concentram ao redor da cidade, enquanto suíços se deslocam para Nova Friburgo, área de clima mais ameno mas nem por isso fácil. A colônia Steinmann se estabelece em 1818. A despeito das dificuldades, tais experiências pioneiras atraem mais estrangeiros. A abertura dos portos também atrai cientistas e exploradores europeus. Vários passam temporadas na região serrana, deixando diários, pinturas e outras impressões que documentam o conhecimento científico da época. Constantin e Albert Fischer nascem no cantão de Graubünden (Grissões) no sudeste da Suíça, respectivamente em 1792 e 1796. Pouco se sabe sobre sua infância, mas registros militares documentam as suas andanças ainda na juventude. Servem no famoso Regimento Watteville, grupo mercenário suíço à serviço do exército inglês. Com o irmão Paul, os três se alistam em janeiro de 1814, já como oficiais comissionados júnior (ensign, equivalente a segundo-tenente). Em contraste aos soldados, oficiais tipicamente vem de classes privilegiadas e mesmo aristocráticas, pois os custeios de equipamento, preparo e alistamento para o oficialato devem ser cobertos, não pelo estado como atualmente, mas pelo próprio indivíduo. Os três irmãos são alocados no Canadá, onde juntam-se a outros contingentes ingleses na linha de defesa do rio Niágara contra a invasão americana. Com a derrota de Napoleão em 1815, os diversos contingentes militares são rapidamente desmobilizados. Marinheiros subitamente desempregados se voltam para a pirataria no Caribe. Oficiais, entretanto, recebem honrarias e recompensas. Os irmãos Fischer dão baixa em 1816, um ano antes da desativação do Regimento Watteville. Apesar de jovens, eles passam a receber uma pensão especial do governo inglês, pois mercenários, via de regra, são forças especializadas muito bem recompensadas. Oficial do Regimento Watteville Estandarte do Regimento Watteville, 1815 REVISTA DE HISTÓRIA AMNÉSIA TERESÓPOLIS N. 29 PP. 07-14 NOVEMBRO/DEZEMBRO 2014 9

No retorno à Suíça, os irmãos encontram o país sofrendo uma b r u t a l c r i s e e c o n ô m i c a, i n c l u i n d o a e s c a s s e z generalizada de alimentos. A situação é tão precária que a emigração surge como um i n s t r u m e n t o d e p o l í t i c a nacional. O cantão de Freiburg contata a Coroa portuguesa no Brasil com o intuito de estabelecer uma colônia. O delegado suíço Sébastien Gachet promete o envio de 2,000 profissionais católicos por ano, enquanto o Rei D. João VI concorda em subsidiar parte do projeto, dedicando áreas de c l i m a t e m p e r a d o e a proximidade a portos. De volta à Suíça, o delegado faz promessas extraordinárias, e passa a coletar grandes somas de dinheiro através de sua empreiteira. Textos 10 Ao saber da oportunidade, Constantin e Albert decidem se aventurar no Brasil. Seu irmão Paul, entretanto, prefere ficar em Lausanne. Os dois se juntam a outros 2,000 compatriotas em longa viagem, repleta de duros percalços e muitas fatalidades. Partem numa flotilha de balsas através de rios alemães, passando por Colônia, até o porto de De Mijl no sul da Holanda. Ali esperam por dois meses. Finalmente, os dois embarcam no primeiro dos sete navios encomendados, o "Daphnée" (o historiador Gollarte afirma ser o "La Constance" mas este nome não pode ser verificado). Partem em 11 de setembro de 1819. Durante a viagem transatlântica, dezenas de passageiros morrem em decorrência de mal nutrição e doenças relacionadas. Depois de 55 dias no mar, chegam ao porto do Rio de Janeiro em 5 de novembro de 1819. Constantin tem 27 anos de idade, e Alberto 23. Promessas feitas pela empreiteira de Gachet não se materializam. Constantin e Albert pensam ser donos de grandes loteamentos agrícolas, mas, na realidade, se depararam com condições precárias. Em meio a diversas irregularidades administrativas, fraudes e a apropriação indevida de recursos, o delegado é expulso do país. Passaporte com visto de entrada no Brasil conferido aos colonos suíços Os 1,600 sobreviventes devem marchar à pé, indo do porto do Rio até o alto da Serra dos Órgãos, onde fundam a comunidade de Nova Friburgo, em meio a enormes dificuldades climáticas, logísticas e sanitárias. Estranhamente, Constantin, Albert e um punhado de compatriotas se separam do grupo ainda no Rio de Janeiro, e tomam um rumo diferente. Vão, ao invés, a Teresópolis. O fato de serem protestantes, enquanto a maioria do suíços viajantes é católica, foi uma diferença que talvez tenha contribuído. Principalmente, entretanto, devido ao passado de colaboração militar, os Fischer e seus amigos (alguns destes são familiares de combatentes no Regimento Watteville) são já bem entrosados com os ingleses estabelecidos através do Reino. REVISTA DE HISTÓRIA AMNÉSIA TERESÓPOLIS N. 29 PP. 07-14 NOVEMBRO/DEZEMBRO 2014

Textos A colheita de café no início do século XIX era feita de maneira primitiva e não planejada. Gravura aquarelada, Rugendas, c. 1830. Em 1819, ao chegarem no povoado serrano a ser futuramente conhecida como Theresopolis, os irmãos Fischer seguem um pouco mais além da Serra dos Órgãos, e se estabelecem às margens do rio Paquequer. Assumem um terreno abandonado, legalmente pertencente ao padre Antônio Leodoro. Ali começam a trabalhar no cultivo da terra. Com a morte do padre, se aproveitam das leis favoráveis do Reinado para obterem sesmarias: direitos sobre terrenos de até quatro léguas quadradas. Na Biblioteca Nacional, seção de manuscritos, II, 34, 17, 10 e II, 34, 22, 8 estão os documentos referentes à posse das terras em 1820 e 1821: "Rodrigo Graffenried, Rudolfo Morell, Constantino e Alberto Fischer, sesmaria sueste, 4...". Outros suíços neste grupo são Nicolau e André Bruger e James Francisco Luze. Nota-se que assumem as traduções de seus primeiros nomes em português. A região é assim habitada por um pequeno grupo de fazendeiros brasileiros e estrangeiros. Os Fischer fundam a Fazenda Soledade. Capitão Custódio de Souza Guimarães, comandante de navios negreiros, tem terras em Sebastiana. O vice-almirante inglês John Taylor é dono da Fazenda Piedade (também conhecida como Boa Fé), reconhecida pelo moinho holandês construído em 1826. James Luze estabelece a Fazenda Constância, plantando café por muitos anos, ainda que com parcos resultados. Luze muda-se para o Vale do Paraíba, e vende Constância ao fazendeiro português-inglês George March e seu administrador Richard Heath. George March funda a fazenda Sant'ana do Paquequer em 1821, e gradualmente se estabelece como um dos proprietários e articuladores mais bem sucedidos da região. Ao falecer em 1845 aos 64 anos, consta em seu testamento que possuía 150 escravos, além de 100 cabeças de gado, 150 cavalos e posses no valor de 56 contos de réis (56.377$060 réis). Enquanto isso, John Taylor na Fazenda Piedade conta com 40 escravos, além de 22 carneiros, 16 mulas, 120,000 pés de café, 22 alqueires de milho, 27 de feijão, 2 de arroz, além de frutas como pêras, maçãs e cerejas. No trajeto entre a capital e Minas Gerais, comerciantes, funcionários e outros viajantes fazem parada nestas fazendas. March constrói chalés para recepcionar amigos e cobrar estadias em função das despesas crescentes. Por sua vez, Heath é popular como conselheiro da vizinhança e conhecedor da medicina "de roça", tratando de doenças comuns entre fazendeiros e visitantes, vítimas frequentes de picadas de cobras. Alguns visitantes são celebridades de destaque. Os Fischer hospedam o cientista Von Marcius, o cônsul prussiano Carlos Guilherme em 1830, e mesmo o Imperador D. Pedro II em 1876. Como lembrança desta honorável visita, Constantin grava a seguinte inscrição em um copo de cristal: "Dom Pedro II bebeu neste copo por ocasião de sua visita a Constantino Fischer na sua fazenda de Soledade em Teresópolis." REVISTA DE HISTÓRIA AMNÉSIA TERESÓPOLIS N. 29 PP. 07-14 NOVEMBRO/DEZEMBRO 2014 11

Textos Com o verão de 1849, o povoado entra em fase de rápido crescimento. Epidemias de cólera e febre amarela na capital forçam a alta sociedade imperial a se refugiar na serra. Em 1855, Teresópolis conta com 2,000 habitantes, e é assim elevada à condição de freguesia. Um padre (José Tintori), um professor, seis negociantes e oito grandes fazendeiros estão entre os principais habitantes. Em certa ocasião, o fazendeiro Richard Heath leva seu amigo, o reverendo Kindder numa visita aos irmãos Fischer na Fazenda Soledade. O reverendo descreve em seu diário: " Em ambas encostas dos morros que formavam o vale, vimos as folhas verde-escuras do cafezal e bonitos arbustos dos pés de chá chinês. No fundo do vale, escondida por bananeiras enormes e laranjeiras, vimos as telhas vermelhas de uma casinha. Descemos por uma picada até a casa, meia oculta e fomos apresentados aos proprietários, dois suíços que após servirem no exército inglês, imigraram com uma boa pensão, e, aqui, em paz, gozavam a vida num dos lugares mais soberbos e agradáveis na terra. O mais velho não fora na cidade havia 18 anos. Quando moço, estivera nos Estados Unidos." " Fiz várias visitas agradáveis ao bonito local e afeiçoei-me cada vez mais do lindo vale. Na casinha dos dois suíços encontrei as melhores revistas de então, em francês, alemão, inglês e p o r t u g u ê s, l í n g u a s e s t a s q u e f a l a v a m corretamente. O contraste, entretanto, era o mais flagrante, pois conversávamos de Grindenwald, Martigny, Rigghi e as plagas do lago Leman (do qual boas pinturas estavam penduradas nas paredes) e, olhando em redor, era uma paisagem de flores perenes e eterno verdor. Mostraram-me o jardim, onde passavam seus lazeres, cultivavam 'moss-roses' (que vingam com dificuldade no Brasil) e vinham trazidas de regiões mais amenas de sua terra natal." A sede da fazenda é relativamente pequena mas confortável, com sala de jantar, estar, dois quartos e demais dependências. As portas exibem elegantes motivos decorativos nas vergas e, na sala de jantar, ornamentos no teto figuram o estilo imperial brasileiro. Um dos comerciantes de importação e colecionador de artes mais poderosos da época, Sir Henry Lynch nota que, como os Fischer recebiam uma pensão do governo inglês, muitas pessoas os tinham como ingleses. Representante legal da família Rothshields no Brasil, Sir Lynch adquire a Fazenda Boa Fé de John Taylor. Fazenda Soledade, cerca de 1880. Facchinetti. 12 REVISTA DE HISTÓRIA AMNÉSIA TERESÓPOLIS N. 29 PP. 07-14 NOVEMBRO/DEZEMBRO 2014

Textos O s c o l o n o s f r e q u e n t e m e n t e recebem pastores para serviços religiosos. O falecimento de Albert Fischer em 1857, aos 61 anos de idade, ilustra os laços de s o l i d a r i e d a d e estabelecidos nesta c o m u n i d a d e d e estrangeiros, assim c o m o o a p e g o sentimental que têm p e l a t e r r a. C o m o descrito pelo pastor anglicano Clark: "No dia 29 de dezembro de 1856, fui assistir, como reverendo da Igreja Protestante, a um dos irmãos Fischer (Alberto), morador antigo da região e proprietário de uma fazenda de café, que estava à morte." Na entrada de primeiro de janeiro de 1857 no diário: "as 7:30 da manhã, li o serviço anglicano para os mortos (English Burial Service), na presença do corpo de Fischer que foi enterrado, como pedira, nesta fazenda; todos os seus escravos, assim como os de Heath, e mais os brasileiros dos arredores, compareceram ao enterro". E conclui: "Apesar da fazenda Soledade ser extremamente bela e possuir uma excepcional plantação de café, ainda assim Alberto pedira ao seu amigo Heath que, quando morresse, fosse enterrado no meio da mata virgem da fazenda Constância.» Constantin Fischer, por sua vez, leva uma vida excepcionalmente ativa durante décadas por vir. Na ocasião da visita do imperador, já tinha 84 anos de idade. Ele segue administrando a fazenda Soledade com agilidade. Em 1885, já com 93 anos de idade, comanda uma remessa de 15,000 alcachofras para a Coroa na capital. Constantin possivelmente atinge uma idade centenária. Com a morte dos pioneiros irmãos Fischer, Sir Henry Lynch adquire vários de seus pertences de valor artístico ou cultural, alguns ainda durante os últimos anos de vida de Constantin. Dentre estes objetos estão o copo com a gravação da visita de D. Pedro II, vários quadros, como seis Facchinettis e imagens do lago Leman pintados no fim do século XVIII, um violino Stradivarius avaliado na época em 600 mil réis (600$000), além de livros, dentre outros objetos. Com a morte de Lynch, a maior parte deste acervo foi doado à Sociedade de Cultura Inglesa, incluindo uma pintura a óleo do próprio Constantin. Aparentemente hoje pertence ao Instituto Brennand em Pernambuco. Centro de assistência social do bairro Fischer O ano de 2019 marca dois séculos desde a chegada dos Fischer. Até meados do século XX, a maioria de seus descendentes se mantem ligada à terra, cultivando agricultura de subsistência com pequenos rebanhos animais, a extração de granito e serviços de veterinária informal. Através do tempo, as riquezas incialmente acumuladas pelos irmãos Fischer gradualmente se diluem. Múltiplas repartições de herança ao longo das gerações envolvem a venda, ou mesmo a perda de terras, sem ganhos significativos para os descendentes. Ademais, muitos já não tem interesse na vida no campo, seja econômica ou filosoficamente. A miscigenação interétnica é outro fator que transforma a família Fischer significativamente ao longo dos séculos. Em contraste a Constantin e Albert que eram escravocratas de vínculos anglófilos e elitistas, seus descentes gradualmente se integraram a famílias de etnias diversas, incluindo casamentos com escravos libertos. Em 2014, um teste de mapeamento genético feito por um descendente confirma: o DNA dos Fischer de Teresópolis é hoje aproximadamente 50% ibérico, 30% africano e 20% germânico. REVISTA DE HISTÓRIA AMNÉSIA TERESÓPOLIS N. 29 PP. 07-14 NOVEMBRO/DEZEMBRO 2014 13

Textos Antes do padrão moderno de pequenas famílias nucleares, o último "patriarca" da extensa família Fischer parece ter sido Alberto Turl Fischer (1905-1958), filho de Eugênio Toledo Fischer e Ermelinda Turl. Casado com Anair Rezende Fischer (1910-1994), tiveram 13 filhos entre as décadas de 1930 e 1950. Viveram numa casa rosada, localizada no vale do rio Paquequer, entre a cascata Fischer (ao sul) e a original Fazenda Soledade (ao norte). Dentre os filhos do casal estão, por exemplo, Stella Fischer Santiago (1945-2003), marchand de obras de arte impressionista; Darcy Fischer (1938-2007), sargento do Corpo de Bombeiros que lutou por melhorias ambientais no antigo "Lixão" da cascata Fischer; e Alberto Fischer (1949-), dono de auto mecânica, que, assim como Darcy, participou da vida cívica da cidade, ambos como candidatos a vereador durante os anos 1980. Finalmente, como retorno à Europa, está Regina Fischer Rocha (1954-), atualmente residente em Portugal com sua família teresopolitana. Dentre a geração mais recente, já netos de Alberto e Anair, destaca-se o músico Alexandre Fischer (1982-), figura popular da vida cultural da cidade. Também neto é o autor deste e s t u d o n a c o n d i ç ã o d e antropólogo cultural. Durante palestra na Universidade de N e u c h a t e l n a S u í ç a, p e s q u i s a d o r e s l o c a i s prontamente reconheceram a presença histórica da colônia suíça na Região Serrana do Rio de Janeiro. Desde 1819, entre mercenários, fazendeiros e músicos, centenas de Fischer nasceram e cresceram em Teresópolis, e hoje ali vivem, se mudaram para o Rio de Janeiro ou exterior. São professores, rancheiros, donas de casas e outros diversos trabalhadores, trazendo no sangue aquilo que é tipicamente brasileiro: a abertura para experimentar, a mistura, e a vida em comunidade. Trata-se de uma família que ilustra a vida de outras tantas famílias que animam a vida na região de Teresópolis, antigamente conhecida como Santo Antônio do Paquequer. De Watteville's Regiment. Wikipedia. Acessado em 27/09/2014. http://en.wikipedia.org/wiki/de_wattevillehy PERLINK Ferrez, Gilberto (1970). Colonização de Teresópolis: À sombra do Dedo de Deus, 1700/1900, da Fazenda March a Teresópolis. Rio de Janeiro: Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (nº24) Forrer, L (1944). A Few Notes on Swiss Officers and Mercenary Regiments in the Pay of England. Fonte: British Numismatic Society Friedli, E. (2010). A Emigração de Suíços no Estado do Rio de Janeiro. Associação "Le Tireur Fribourgeois de Santa Maria Madalena» Gollarte, Paulo; Fragoso, Domingos (1966). Teresópolis: Dimensão de uma Jóia. Teresópolis: Lions Clube Kidder, D. e Fleitcher, James (1868). Brazil and the Brazilians. Boston: Little Brown Maillefer, Paul; Eugène Mottaz (1894). Revue historique vaudoise - Volume 2 S k r z e s z e w s k i, S t a n ; J a n k o w s k i, A m a n d a ( 2 0 1 2 ). " F r o m t h e Battlegrounds of Canada to the Red River Colony: Poles in the Regiment De Watteville and Regiment De Meuron during the War of 1812". The War of 1812 Magazine, issue 18, June, pp1-25 Wikipedia. Teresópolis. Acessado em 07 de dezembro de 2014. http://pt.wikipedia.org/wiki/teres%c3%b3pol is 14 REVISTA DE HISTÓRIA AMNÉSIA TERESÓPOLIS N. 29 PP. 07-14 NOVEMBRO/DEZEMBRO 2014

Textos paranhos_riobranco@yahoo.com.br Paulo Paranhos, Historiador e membro do IHGMG* Sob as mais diversas alegações, deputados e senadores tentaram criar uma nova província, com o desmembramento de vários municípios que fariam parte da nova unidade do Império brasileiro. Em 1842 o conselheiro Bernardo Jacinto da Veiga externou na Câmara de Deputados a ideia de se dividir a província de Minas Gerais da qual era o então presidente pela segunda vez. Acolheram o seu projeto os deputados Francisco Otaviano, Cândido Borges, Pereira da Silva e João Antônio de Miranda, todos representantes da então província do Rio de Janeiro. Contudo, debalde os seus esforços, eis que foram fulminados na pretensão pelo então Presidente do Conselho de Ministros, o marquês do Paraná. É de se ressaltar que o conselheiro Bernardo Jacinto da Veiga fora um dos responsáveis pela elevação de Campanha à condição de cidade em 1840. Foi também o fundador do primeiro jornal de Campanha, o Opinião Campanhense e tinha parentesco direto com outra importante personalidade do Império, Evaristo da Veiga, de quem era sobrinho. Logo adiante, em 1859, o também deputado mineiro Agostinho Brettas, no empenho de salvar as comarcas de Jaguary e Sapucaí, colocadas à margem esquerda do rio de idêntico nome, propôs que as mesmas fossem incorporadas à província de São Paulo, o que também não encontrou guarida na Câmara. Em 2 de agosto de 1862 o deputado Evaristo Ferreira da Veiga renovaria o projeto, só que desta vez o manifesto continha mais substância e revelava efetivamente o que se pretendia: a criação de um centro de administração no sul da província com o nome de Província das Minas do Sul. Esse projeto foi assinado por 47 deputados, dos quais 13 faziam parte da Câmara temporária e 14 do Senado, desta vez sem oposição do governo. No entanto, da mesma forma que a proposta anterior, esta também estaria fadada ao insucesso, uma vez que a Câmara de Deputados que lhe seria favorável foi dissolvida em 12 de maio de 1863. Chegamos ao ano de 1868. O deputado Américo Lobo, representante da província de Minas Gerais, apresentou novo projeto criando a Província de Sapucaí, com a junção de municípios do sul de Minas Gerais. Da mesma forma que o projeto anterior, também não prosperou haja vista a dissolução da Câmara nesse mesmo ano. Em 1869 uma nova tentativa foi feita, repisando-se a ideia da criação da Província das Minas do Sul, alegando-se lavoura de b o a q u a l i d a d e, m a i o r quantidade de periódicos e alta renda per capta. O projeto abrangia 26 municípios contendo cerca de 535.000 habitantes. Porém, desta feita o u t r o s o b s t á c u l o s s e impuseram, assim como os esforços de guerra empreendidos pelo Brasil contra o Paraguai, que oneraram sobremodo os cofres públicos imperiais. Adormecida no tempo, a proposta de divisão voltaria à discussão em 1873, quando o mesmo deputado mineiro e depois senador do Império, Antônio Cândido da Cruz Machado (visconde de Serro Frio), propôs a criação da província do Paraná e fez sentir a necessidade de se criar também uma província no sul das Minas Gerais, o que foi negado pelo marquês do Paraná. REVISTA DE HISTÓRIA AMNÉSIA TERESÓPOLIS N. 29 PP. 15-17 NOVEMBRO/DEZEMBRO 2014 15

16 Valeu-se o deputado de justificativas tais como aquelas contidas no Relatório do Ministério do Império de 12 de maio de 1870, que já reconhecia a necessidade da criação de novos centros administrativos e da recomendação de 8 de maio de 1872, que chamava à atenção do corpo legislativo para a necessidade de dividirem-se algumas províncias, e alterarem-se os limites de outras, corrigindo-se quando for possível, os defeitos das atuais circunscrições. Ainda sem poder contar com os recursos da estatística, ainda muito embrionária, Cruz Machado (foto) levantou problemas relacionados com o desigual povoamento das diversas províncias do centro e do sudeste do Império, algumas vastíssimas e com áreas praticamente desertas e sem condições de representação adequada junto à Assembleia. No caso das representações inadequadas nas câmaras ele cita as das regiões do Araguaia, Santa Cruz, Sapucaí, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo. O deputado chamava a atenção dos deputados para a situação de abandono de determinadas regiões como a da antiga Capitania de Porto Seguro, anotando a existência de rios substanciais como o Jequitinhonha, em cujas margens se elevam florestas de excelente madeira e propõe que; se pense no futuro, dos vales do Paranaguá, Tocantins e Araguaia, que reunidos poderiam formar uma província entre as de Goiás, Piauí, Maranhão, Pará e Mato Grosso. Em seu discurso de 10 de maio de 1873 ele questiona: Qual é a descentralização mais profícua do que a criação de centros administrativos provinciais, a que se conferem importantes atribuições, que possam atuar imediatamente sobre os melhoramentos locais? Não quero pequenas circunscrições territoriais com população escassa, sem recursos, sem forças, sem elementos para ter vida própria: mas entendo que quanto mais se municipalizar este grande Império, mais ele será grandioso. Tornando ao meu plano, tenho em vista consultar a necessidade de um centro administrativo na parte ocidental de Minas, além do Alto S. Francisco, reunida a parte leste de Goiás e nordeste de Mato Grosso, de outro nos extremos vales do Sapucaí e Mogi-Guaçu, a sul de Minas e norte de S. Paulo até o oceano, de outro no nordeste de Minas e sul da Bahia, compreendendo todas as vertentes dos Abrolhos. Da memória do projeto apresentado pelo deputado, em 2 de setembro de 1 8 7 3, a l é m d e d e t a l h a d a indicação de limites para as novas províncias, incluindo a de M i n a s G e r a i s, c o n s t a a seguinte observação: Creio bem que meu plano é imperfeito e pode ser d e f e i t u o s o e m a l g u n s pontos, mas não é isto motivo para que o deixe de oferecer à consideração do governo como matéria de estado, tendo apenas em vista, assim, manifestar o desejo de prestar o serviço ao país: e a consciência disto para mim é sobrada recompensa. Com a redefinição proposta por Cruz Machado e se o projeto tivesse sido aprovado, o sudoeste e o sul mineiros, mais parte do território oeste, norte e nordeste de São Paulo dariam lugar, nesse caso, à Província do Sapucaí. REVISTA DE HISTÓRIA AMNÉSIA TERESÓPOLIS N. 29 PP. 15-17 NOVEMBRO/DEZEMBRO 2014 Textos

Textos Em 1877 seria reapresentado este último projeto, publicado o seu teor no Diário do Rio de Janeiro de 28 de março, ocasião em que se propunha a criação de tal província a partir da união dos seguintes municípios: Aiuruoca - São José do Paraíso (atual Paraisópolis) - Jaguary (atual Camanducaia) Caldas (atual Poços de Caldas) Itajubá Passos - Lavras - Carmo do Rio Claro São Sebastião do Paraíso - Cristina Sapucaí (atual Sapucaí-Mirim) - Cabo Verde Alfenas - Bagagem (atual Estrela do Sul) Araxá Patrocínio Sacramento Uberaba Prata - Monte Alegre - Campo Grande (atual Campos Gerais) - Pouso Alegre Baependi - Pouso Alto - Três Pontas - Boa Esperança e Campanha. Na ocasião da proposição e este foi um dos argumentos usados pelos seus requerentes a província de Minas Gerais tinha 78 municípios e cerca de 1.500.000 habitantes e a nova província congregaria cerca de 534.500 habitantes, de acordo com o censo de 1872. Alegavam os postulantes que a província de Minas Gerais despendia cerca de 50:000$000 para pagamento dos funcionários públicos, que deveriam abrir e conservar estradas que continuavam intransitáveis, além da realização de obras, não da conveniência do povo, mas de quem as contratava; excessivos gastos com a força policial para capturar criminosos que não eram presos; a instrução pública não tinha nenhum reforço e na província existiam praticamente um milhão e meio de analfabetos. Alegava também que os presidentes da província não tinham a mínima preocupação com a administração e passavam a maior parte do tempo no Rio de Janeiro cuidando de seus interesses pessoais. Aliás, segundo os postulantes, os presidentes da província de Minas Gerais raramente eram mineiros. Constatamos que no período de 1824 a 1889, a província de Minas Gerais teve um total de 56 presidentes, sendo que nascidos na província o número era consideravelmente baixo: apenas 18, ou seja, 32% ocuparam o palácio do governo na cidade de Ouro Preto. Isto considerando-se, inclusive, que muitos foram reconduzidos ao cargo em anos diferentes. No que respeita ao turismo na região, aí então a coisa ficava mais séria, pois o grande atrativo era, sem dúvida, a visita às estâncias hidrotermais localizadas em Caldas, Caxambu e Lambari, que se mostravam praticamente abandonadas, ainda que para ali fossem destinadas verbas consideráveis para a sua manutenção e exploração. Somente Caxambu, por exemplo, entre 1860 e 1890, possuía estrutura razoável para atendimento ao turista, haja vista que contava com mais constância de ajuda dos turistas e não do governo provincial. Aliás, não fossem esses abnegados que para ali acorriam em busca da cura para os males de suas saúdes, Caxambu também estaria no século XIX no mesmo nível de abandono a que estavam relegadas as estâncias de Lambari e de Caldas. Segundo ainda a propositura de 1877, o governo provincial de Minas Gerais deveria ter a preocupação primária com as estradas e vias de comunicação numa região que era quase toda montanhosa. Muito se prometia e nada se cumpria; a estrada de ferro, uma realidade desde 1858 no Rio de Janeiro, deveria alcançar Minas Gerais em pouco tempo, mas somente em 1874 é que os trilhos da Estrada de Ferro Leopoldina chegaram a Porto Novo do Cunha e Volta Grande, avançando, mais tarde, a E. F. D. Pedro II (depois Central do Brasil), para o centro de Minas Gerais, em 1895. No sul de Minas somente em 1881 a Estrada de Ferro Minas e Rio subiria seus trilhos em direção ao encontro da Mogiana, em Ouro Fino, e a Estrada de Ferro Sapucaí, que serviria Caxambu, apareceu em 15 de março de 1891. Alegava-se, por fim, que muitas câmaras municipais do sul de Minas, através de propostas de seus vereadores e munícipes, queriam passar para a jurisdição da Corte e as da margem esquerda do r i o S a p u c a í, m o r m e n t e o município de Jaguary e de Sapucaí, c o n f o r m e a n t e r i o r m e n t e mencionados, pretendiam passar para a jurisdição da província de São Paulo. Somente a criação de uma nova unidade provincial no sul de Minas Gerais poderia diminuir todo esse descontentamento, o que, em última instância, nunca aconteceu. * Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais ** Para a realização deste artigo foram pesquisados os Anais do Senado do Império na hemeroteca da Biblioteca Nacional REVISTA DE HISTÓRIA AMNÉSIA TERESÓPOLIS N. 29 PP. 15-17 NOVEMBRO/DEZEMBRO 2014 17

cavalcanti13@yahoo.com.br Textos Fim dos castigos físicos nas escolas brasileiras foi lento e precedido de intensos debates entre educadores, médicos e pais Daniel Cavalcanti de Albuquerque Lemos é Doutor em Educação (UFMG), Mestre em Educação (UERJ) e graduado em Pedagogia (UERJ). É Professor de História da Educação da Faculdade de Educação da UFJF e do Programa de Pós Graduação em Educação "Porém da palmatória os bons efeitos/ são muito mais sublimes, mais perfeitos/ (...) Não há cousa melhor que a palmatória,/ que faz juízo ter/ e ter memória." Empregados em larga escala nas escolas brasileiras, os castigos físicos, não apenas a palmatória, mas os beliscões, as "reguadas", os puxões de orelha ou a obrigação de ajoelhar em caroços de milho - só começariam a ser questionados na segunda metade do século XIX. Em seu lugar entraram em cena formas mais civilizadas de controle disciplinar, os castigos morais. A mudança, no entanto, não ocorreu sem tensões. Durante praticamente toda a segunda metade daquele século, foram intensos os debates sobre as formas de punição mais apropriadas. Essa longa discussão envolveu professores, educadores, funcionários do Estado, os pais dos alunos e, especialmente, os chamados médicos higienistas, como Augusto Alvarez da Cunha e Henrique da Silva Coutinho, que escreveram teses sobre educação. Esses profissionais tiveram um papel crucial ao desenvolverem uma série de propostas sobre a ação médica na regulação dos costume e da vida social em geral, sendo a escola um de seus alvos principais. Das condições ambientais da escola até o domínio pedagógico variando nas estratégias, buscavam produzir "pessoas higiênicas, higienizados e higienizadores", socialmente controlados. O saber médico deveria ser o fundamento de uma "pedagogia científica". La letra con sangre entra", do espanhol Francisco de Goya (1746-1828): o mesmo tema num outro contexto. 18 REVISTA DE HISTÓRIA AMNÉSIA TERESÓPOLIS N. 29 PP. 18-20 NOVEMBRO/DEZEMBRO 2014

Textos Além da mudança de currículos, métodos de ensino e manuais didáticos, essa visão pedagógica d e f e n d i a a c r i a ç ã o d e n o v o s regulamentos escolares, de modo a instituir uma relação "civilizada" entre mestres, funcionários e alunos. Um dos primeiros requisitos era abolir a prática dos castigos corporais, que, mesmo não estando previstos na primeira lei geral de ensino do Império, de 1827, eram aplicados e dividiam as opiniões das famílias e dos educadores. O regulamento de 1854, que promoveu diversas mudanças nas regras anteriores, estabelecia, no lugar dos castigos físicos, punições que iam de repreensão e realização de tarefas fora do horário escolar à "comunicação aos pais para castigos maiores'' e expulsão da escola. Alguns pais, tentando burlar a lei, que não mais mencionava os castigos físicos, chegavam a consentilos por escrito, como fizeram em 1858 pais de alunos da Sociedade Amantes da Instrução, na Corte, ao autorizar a palmatória para castigar "as falhas de nossos filhos". "Não se molda um bom caráter com palavras", justificavam. Já o professor José Joaquim Xavier, de uma escola da freguesia de Santana, também na Corte, alegava que os professores agiam por "sentimentos de piedade paternal", já que não se questionava a autoridade paterna para aplicar castigos. Não havia consenso entre educadores, higienistas e pais. Mesmo depois da lei de 1854, muitos professores ainda recorriam aos castigos físicos entrando em conflito com a Inspetoria e os delegados de Instrução. Higienistas como augusto Alvarez da Cunha, em tese defendida em 1854 na Academia de Medicina, os admitia, pois a manutenção da ordem exigia punições "justas, severas e inevitáveis". Os castigos Corpóreos", argumentava, "bem que custem a humanidade e ao pudor, são todavia meios que infelizmente não dispensam certos espíritos indóceis e refratários a todas às outra penas". Já o médico Henrique da Silva Coutinho tinha opinião contrária: "Os Castigos Corporais (...) devem ser banidos (...); a correção moral feita com discernimento desperta a consciência e a alma - a ideia do dever é própria da natureza humana; cumpre aos diretores estimular os sentimentos nobres da mocidade como exemplos de justiça e benevolência, e não usem de um meio bárbaro, que ofende a dignidade do homem". Quanto às famílias, foram cada vez mais aceitando o novo modelo disciplinar e recusando o antigo, como revelam frequentes denúncias feitas a imprensa ou queixas tanto à Inspetoria de Instrução quanto aos delegados de ensino. REVISTA DE HISTÓRIA AMNÉSIA TERESÓPOLIS N. 29 PP. 18-20 NOVEMBRO/DEZEMBRO 2014 19

Textos Para implantar o novo modelo disciplinar, calcado na argumentação e em regras morais, o Estado passou, por exemplo, a incluir o tema na seleção dos professores. Em 1855, nas provas de seleção para o magistério do ensino primário, realizadas pela Secretaria Geral de Instrução Primária e Secundária da Corte, uma das perguntas era sobre " a forma de punição mais conveniente". A resposta da professora Francisca Albina, que obteve o segundo lugar no concurso, refletia a nova mentalidade: "O meio de puni-las melhor, acho ser o moral, porque uma criança não ouvindo pela palavra e castigos morais, não haverá nada que a corrija, sem as irritar, o que é muito prejudicial, pois eu acho que é mais conveniente para elas amarem seus mestres, porque dessa maneira elas esforçam-se em agradar-lhes". Apesar da nova orientação oficial implantada, os castigos físicos ainda seriam praticados por muito tempo, como pode ser constatado nos periódicos da época. Um artigo do jornal Noticiário do Rio, publicado no dia 23 de fevereiro de 1876 com título "Um mestre irascível", foi entregue ao barão de São Félix, então Inspetor-Geral de Ensino, acompanhando de um bilhete anônimo, com a seguinte mensagem: "Leia V.Exa. o artigo do noticiário do Rio. O professor dessa ilha [Ilha de Paquetá, pertencente ao Município da Corte], excelentíssimo senhor, jamais deixara de ser um bêbado, bate nas mãos das pobres crianças, e o delegado seu protetor, ora Deos". As denúncias se repetiam no jornal do Commercio, Diario do Rio, Gazeta de Notícias, além outros. Ao recebêlas, a Inspetoria Geral de Instrução Pública procedia a uma investigação e, caso fossem comprovadas, punia os responsáveis. Foi o que ocorreu, por exemplo, na primeira escola pública destinada ao sexo feminino na freguesia de Guaratiba. Em ofício ao inspetor-geral, datado de 13 de setembro de 1877, o delegado local comunicava ter sido informado de que a aluna Bárbara, filha de João Reis, fora castigada brutalmente com uma régua. Orientado pelo inspetor, o delegado pediu esclarecimentos à professora acusada, informando, dois dias depois, que a menina, de aproximadamente cinco ou seis anos, apresentava "equimoses e vergões arroxeados sobre as espáduas". A professora confirmou o corrido, declarando que tinha "dado algumas reguadas na aluna Bárbara pode ser desobediente e não cumprir com suas obrigações". O delegado então advertiu a professora, dizendo que ela deveria ser mais afável e carinhosa com as pobres crianças q u e l h e f o r a m c o n fi a d a s, "encarando o magistério não como uma ganha pão, mas como missão m u i t o e l e v a d a d e verdadeiro sacerdócio e p r o v a ç ã o d i á r i a ". Enquadrada nos artigos 1 1 6 º e 1 1 7 º d o Regulamento de 1854, a professora foi suspensa. O que pela lei deveria ter se encerrado em 1854 ou até mesmo em 1827, conviveu, ainda que relegada, com as novas práticas. Entre a lei e a prática nas escolas, um l o n g o c a m i n h o f o i percorrido. Pra tanto, O Estado Imperial utilizou os mecanismos que dispunha para a mudança de atitude, os processos de seleção e formação de professores, as punições para os que descumpriam a lei, tudo buscando a melhor forma, a mais eficiente possível da "Moral e da Ordem" nas escolas da Corte. Para saber mais: BENTHAM,Jeremy. O panóptico (Org. e trad. de Tomaz Tadeu da Silva), Belo Horizonte: Autêntica,2000 COSTA, Jurandir F.Ordem médica e norma familiar, Rio de Janeiro: Graal, 1979 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir - Nascimento da prisão 9. ed. Petrópolis: Vozes, 1991 GONDRA, José G. Artes de civilizar: medicina, higiene e educação escolar na Corte Imperial. Rio de Janeiro: Eduerj, 2004 20 REVISTA DE HISTÓRIA AMNÉSIA TERESÓPOLIS N. 29 PP. 18-20 NOVEMBRO/DEZEMBRO 2014

Textos Alessandro Lopes da Silva alessandrolopessilva@hotmail.com Esse artigo tem como objetivo identificar e analisar as principais influências religiosas na passagem da medievalidade para a modernidade. Para melhor compreensão, o trabalho terá a experiência religiosa e a institucionalização da religião. Será mostrado como o sentimento religioso, que fornece ordem, sentido e eficácia simbólica ao ser humano, foi aos poucos se institucionalizando, tornando-se detentor da experiência religiosa. A instituição religiosa como instrumento de coerção social; será apresentada como a religião cristã tornou-se um mecanismo de coerção na sociedade feudal (Durkheim). As p r i n c i p a i s I n fl u ê n c i a s Religiosas na passagem da M e d i e v a l i d a d e p a r a a Modernidade. A igreja, no caso Católica Apostólica Romana, exerceu uma grande influência sobre a população medieval que ultrapassava as questões religiosas e espirituais. Tornou-se a maior "senhora feudal", proprietária de terras e de riquezas doadas pelos reis, atuava em todos os setores: econômico, pedagógico, político e mental, tornando-se o principal centro irradiador da cultura na Idade Média. A igreja partia de uma centralizada e bem organizada estrutura, sua expansão foi facilitada pela expansão dos mosteiros, abadias e conventos, e sua consolidação foi viabilizada pelos monarcas francos e seus decretos. Possuía também grandes rendimentos através do dízimo, contudo, criou normas econômicas condenando o lucro e os empréstimos de dinheiro a juros. O papa, chefe supremo da igreja, era visto como representante direto de Deus na terra, superior aos reis e imperadores, como podemos observar no pronunciamento do papa Inocêncio III: Deus, criador do mundo, pôs no firmamento dois grandes astros para o iluminar: o Sol que preside ao dia, e a Lua que preside à noite. Do mesmo modo, no firmamento da Igreja universal instituiu Ele duas altas dignidades: o Papado, que reina sobre as almas, e a Realeza, que domina os corpos. Mas o primeiro é muito superior à segunda". (Pronunciamento do papa Inocêncio III. Citado por FREITAS, 1975, p. 204). Em virtude destas transformações, a mentalidade racionalista e humanista da cultura greco-romana foi lentamente sendo substituída por uma inabalável fé em Deus. Toda a explicação existencial somente poderia ser respondida pela fé; apenas ela poderia garantir a vitória e proteção sobre Demônio, símbolo do Mal e uma salvação após a morte. A religião agora pautava a vida e a morte do homem e da mulher medieval através dos sacramentos (batismo, matrimônio, extrema-unção). O ser humano medieval estava nas "mãos de Deus". Atemorizado pela condenação, submetia-se às penas e ameaças de caráter religioso impostas pela igreja ( p o d e n d o a t é c h e g a r à excomunhão). A máxima grega "o homem é a medida de todas as coisas" (antropocentrismo) transformou-se em "Deus é a medida de todas as coisas" (teocentrismo). A igreja atingiu o máximo em sua construção dogmática, formou uma poderosa elite intelectual capaz não somente de sustentar seus símbolos, mas também de oferecerem alternativas quando esses símbolos fossem contestados. A gestão do sagrado, ou sentimento religioso pela igreja assegurou sua continuidade sob a forma de comemoração, de uma memória ou tradição; contudo, impediu que inovações e novos discursos fossem aceitos pela ortodoxia, aprisionando o sentimento religioso. Alessandro Lopes da Silva, graduando em História, Unopar REVISTA DE HISTÓRIA AMNÉSIA TERESÓPOLIS N. 29 PP. 21-23 NOVEMBRO/DEZEMBRO 2014 21