Diagnóstico citológico do tumor venéreo transmissível na região de Botucatu, Brasil (estudo descritivo: 1994-2003)



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Transcrição:

Diagnóstico citológico do tumor venéreo transmissível na região de Botucatu, Brasil (estudo descritivo: 1994-2003) Cytological diagnostic of transmissible venereal tumor in the Botucatu region, Brazil (descriptive study: 1994-2003) Anne S. Amaral 1, Luiz Fernando J. Gaspar 1, Sandra B. Silva 2, Noeme S. Rocha 3 1 Médico Veterinário, M.Sc., doutorando em Medicina Veterinária, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade Estadual Paulista (FMVZ-UNESP), Botucatu, Brasil. 2 Médica Veterinária, mestranda em Medicina Veterinária, FMVZ-UNESP. 3 Professora livre-docente doutora, Departamento de Clínica, FMVZ-UNESP. Resumo: O exame citológico é um método rápido, confiável e de baixo custo para o diagnóstico da maioria das enfermidades neoplásicas nos animais. O tumor venéreo transmissível (TVT) é uma neoplasia contagiosa restrita à população canina. Seu diagnóstico pode ser feito por biopsia e/ou exame citológico. Este trabalho objetivou reunir casos desta neoplasia na região de Botucatu, Brasil, nos quais o exame citológico foi utilizado para o diagnóstico e classificação morfológica em tipo linfocitóide, plasmocitóide ou misto. O diagnóstico citológico de TVT foi o segundo mais frequente (17,1%) entre os exames citológicos realizados em neoplasias caninas. A maioria dos casos ocorreu na genitália externa (72% dos casos) e, em menor freqüência, foram observadas formas cutâneas, nasais e em linfonodos. A ocorrência foi em machos de 53,1% e em fêmeas de 46,9% e a idade de maior frequência foi quatro anos. O tipo celular predominante foi o plasmocitóide. Palavras chave: exame citológico, tumor venéreo transmissível, cães. Summary: The cytological examination is a fast, simple and inexpensive method to diagnose neoplastic diseases in veterinary medicine. The transmissible venereal tumor (TVT) is a contagious neoplasm restricted to the canine population. Its diagnostic may be done through histologic and cytologic examinations. The goal of this paper is to group TVT cases from Botucatu region, Brazil, in which cytologic examination was used for diagnosis and classification in lymphocyte-like, plasma cell-like and lympho-plasmacytoid forms. TVT was the second most frequent diagnosis in the neoplastic cytologic examinations in dogs (17,1%). The majority of cases (72%) affected the external genitalia and, in a lower frequency, occurred in cutaneous, nasal passages and regional or distant lymph nodes. Males represented 53,1% of cases and females 46,9%. The age of highest frequency was four years-old. The predominant cell type was plasm cell-like. Key words: cytologic examination, transmissible venereal tumor, dogs. Introdução O tumor venéreo transmissível (TVT) é uma neoplasia contagiosa que acomete cães, sem predileção por Correspondência: e-mail: anne.am@uol.com.br raça ou sexo. Por ser incerto quanto à origem, modo de transmissão e regressão espontânea, o TVT tem despertado inúmeras investigações científicas. O tumor pode comprometer a genitália externa bem como outras regiões corpóreas do animal (Pérez et al., 1994; Cowel e Tyler, 1999; Varaschin et al., 2001). Com origem histológica não definida, as várias nomenclaturas utilizadas para designar o TVT basearamse sempre na morfologia celular ou no comportamento biológico. Em vista disso, ao longo do tempo, foi denominado de linfoma venéreo, plasmacitoma venéreo, histiocitoma infeccioso, condiloma canino, sarcoma transmissível e tumor de Sticker (Nielsen e Kennedy, 1990; Kirchoff e Nohr, 1994). Cães sexualmente activos são mais comumente afectados (Nielsen e Kennedy, 1990), embora, eventualmente, filhotes possam ser acometidos pelo contato com a mãe portadora (dados não publicados). A neoplasia pode apresentar-se de forma única ou múltipla, localizando-se, preferencialmente, na mucosa da genitália externa, das narinas, da boca e dos olhos ou na pele. Quando a neoplasia desenvolve-se nestas estruturas, limita-se a elas, excepto em casos pouco frequentes em que pode invadir tecidos adjacentes e alcançar a corrente linfática e/ou sanguínea, e ir povoar órgãos distantes do sítio primário, como mama, pulmão, baço, encéfalo e outros (Nielsen e Kennedy, 1990; Kirchoff e Nohr, 1994; Ferreira et al., 2000). Nos sítios primários, quando instalado, apresenta-se macroscopicamente como uma estrutura semelhante à couve-flor, pedunculado, nodular, papilar ou multilobado. À palpação, o TVT é um tumor de consistência firme, mas friável e hemorrágico, e a superfície quase sempre exibe ulcerações (Nielsen e Kennedy, 1990; Batamuzi e Bittegeko, 1991; Chang e Yang, 1996). As células características deste tumor são redondas ou ovais, com diâmetro entre 14 e 30 µm e bordos citoplasmáticos bem delimitados. O núcleo, também redondo ou oval, é frequentemente excêntrico, de tama- 167

nho variável, com cromatina grosseiramente granular e com um ou dois nucléolos proeminentes. A relação núcleo : citoplasma é relativamente alta (Wellman, 1990; Boscos et al., 1999). O citoplasma é discretamente basofílico e com múltiplos vacúolos, pequenos e claros, que geralmente acompanham o bordo celular. Anisocitose e anisocariose são observadas, bem como eventual basofilia citoplasmática, hipercromasia nuclear e macrocariose (Erünal-Maral et al., 2000). A presença de figuras mitóticas e células inflamatórias é outra característica desta neoplasia (Wellman, 1990; Boscos et al., 1999; Erünal-Maral et al., 2000; Varaschin et al., 2001). Entretanto, mudanças na morfologia celular do TVT têm sido cada vez mais observadas, como a ausência dos vacúolos citoplasmáticos e a presença de células maiores e ovóides em relação à descrição clássica da neoplasia. Muitas vezes, o aspecto das células pode variar entre o tumor primário e a metástase ou ser atípico, em casos de tumores com maior tempo de evolução (Boscos et al.; 1999, Ferreira et al., 2000). Varaschin et al. (2001) registraram a observação de células com citoplasma espumoso e aumentado de volume em casos de TVTs maligno. O exame citológico é um exame complementar, simples, rápido, pouco doloroso, minimamente invasivo e de baixo custo para o diagnóstico de lesões neoplásicas no homem e nos animais (Cardoso, 1983; Daleck et al., 1987; Larkin, 1994; Ansari e Derias, 1997; Rocha, 1998a,b). A técnica foi modificada da metodologia padrão de citologia esfoliativa, desenvolvida por Papanicolaou na metade do século XIX. Portanto, não é um procedimento novo e, nos últimos anos, tem sido amplamente utilizada em todo o mundo, especialmente em medicina humana, com significativa melhoria na preparação e interpretação do material. Apesar disso, o exame citológico é pouco utilizado em medicina veterinária, principalmente no Brasil (Larkin, 1994; Ansari e Derias, 1997; Rocha, 1998a,b; Boscos et al., 1999). A maioria das informações disponíveis sobre TVT são de literatura estrangeira, baseadas em dados de Figura 2 Tumor venéreo transmissível tipo plasmocitóide. Observar citoplasma amplo, contorno ovóide e núcleo excêntrico. Giemsa, 400x. Figura 3 Tumor venéreo transmissível tipo linfocitóide. Observar contorno celular arredondado, núcleo centralizado e menor relação núcleo : citoplasma. Giemsa, 640x. biopsia e/ou necropsia de animais de raça definida, situação esta distante da realidade brasileira. O presente trabalho objectivou reunir casos com diagnóstico citológico de tumor venéreo transmissível, atendidos no Hospital Veterinário da Universidade estadual Paulista, campus de Botucatu, no período de 1994 a 2003, para estabelecer a validade deste método como ferramenta de diagnóstico e tipificação morfológica dessa neoplasia. Material e métodos Figura 1 Material necessário para a realização ambulatorial da citologia aspirativa por agulha fina: citoaspirador de Valeri, seringa descartável de 10 ml e agulhas descartáveis. Para a elaboração deste trabalho foram seleccionados, dos 5798 exames citológicos de cães, registrados no Serviço de Patologia do Hospital Veterinário da Faculdade de Veterinária e Zootecnia da Universidade Estadual Paulista (HV-FMVZ-UNESP), campus de Botucatu, Brasil, todos os 576 casos com diagnóstico de TVT, desde a implantação do serviço de Citologia Aspirativa, em 1994, até 2003. Foram obtidas informações referentes ao sexo, raça e idade dos pacientes, localização dos tumores e tipificação citológica da neoplasia. Esses animais foram atendidos pelo Serviço de Cirurgia de Pequenos Animais do HV-FMVZ-UNESP 168

Tabela 1 Casos de tumor venéreo transmissível diagnosticados no Hospital Veterinário (FMVZ-UNESP) entre 1994 e 2003, de acordo com a localização. Ano Genit Cutân Nasal Linfon Oral Ocular Mamár Esplén Perian Peritl Hepát Pulmr Testic Muscul 1994 6 1 1 1 1995 40 2 2 3 2 1996 20 2 1 1 1 1997 40 5 3 1 1 1 1998 41 9 10 2 1 3 1 4 1 1 2 1999 37 10 5 6 2 1 2 1 2000 34 11 6 8 1 4 1 1 1 2001 66 7 4 2 2 3 4 1 2 1 2002 81 9 6 5 7 1 4 1 3 1 2003 69 14 14 3 5 1 4 1 1 1 Total 434 69 51 30 23 16 16 7 8 4 2 1 1 1 % 65,5 10,4 7,7 4,5 3,5 2,3 2,3 1,1 1,2 0,6 0,3 0,2 0,2 0,2 e eram provenientes da região centro oeste do Estado de São Paulo, que abrange Botucatu, São Manuel, Avaré, Bauru, Piracicaba, Tietê, Sorocaba, entre outras. Quando a colheita de material era realizada por punção aspirativa, utilizava-se agulhas de calibre 24G ou 26G (para lesões com até 1 cm de diâmetro) ou agulhas 22G (para lesões maiores), seringa descartável de 10 ml e citoaspirador de Valeri (Figura 1). Em animais com massas internas, predominantemente intra-abdominais, realizava-se o procedimento guiado por ultrasom e com agulhas longas o suficiente para alcançar o tumor. Material de tumores nasais eram amostrados de acordo com o sinal clínico apresentado: casos com distorção da face e possibilidade de visualização da massa eram colhidos por punção aspirativa; já casos em que o sinal presente era secreção nasal, utilizava-se a escova ginecológica por via intranasal para obtenção de células. A execução da punção passou pelas seguintes etapas: a agulha, acoplada à seringa, era inserida na lesão previamente limpa com anti-séptico tópico; realizava-se pressão negativa e, sem retirar a agulha de dentro da massa, reposicionava-se o conjunto com movimentos de vaivém, descrevendo um leque e amostrando uma área significativa do tumor. Após, a pressão negativa era desfeita e a agulha retirada de dentro da massa. A seguir, a agulha era desconectada da seringa, a qual era cheia com ar e reconectada à agulha. O conteúdo da agulha era empurrado com o ar da seringa para três lâminas histológicas com extremidade fosca e, com o auxílio de uma lâmina extensora, distendido por meio de compressão suave. Os esfregaços eram então secos ao ar ambiente e fixados em metanol para coloração de Giemsa. Utilizou-se microscópio óptico para a leitura dos exames citológicos. Para tal, foram seguidos os critérios: observação em aumento de 100X para avaliação de celularidade, distribuição e qualidade da coloração; 200X para características de esfoliação e avaliação dos tipos celulares e, por último, aumento de 400X para a análise morfológica individual das células, tais quais as características citoplasmáticas, cromatina nuclear e nucléolos (Perman et al., 1979; Carvalho, 1993; Cowell e Tyler, 1999). A presença de figuras de mitose, por favorecerem a ideia de tumor altamente invasivo, e de infiltrado inflamatório também foram avaliadas. Após a leitura microscópica, os diagnósticos das lesões foram agrupados em três categorias: o TVT de aspecto plasmocitóide, quando ao menos 70% das células neoplásicas apresentavam-se ovóides, com menor relação núcleo : citoplasma e núcleo excêntrico (Figura 2); TVT de aspecto linfocitóide, quando no mínimo 70% das células tumorais assemelhavam-se a linfócitos, ou seja, células arredondadas, com maior relação núcleo : citoplasma e núcleo redondo e central (Figura 3). Quando ambos os tipos celulares estavam presentes em percentual inferior a 70%, classificou-se como TVT de aspecto linfoplasmocitóide ou misto. Estes critérios são uma modificação feita pelo Serviço de Patologia Veterinária da FMVZ-UNESP, tanto de material citológico quanto de histológico, a partir da nomenclatura usual da neoplasia, a qual classifica o TVT entre as neoplasias de células redondas (Duncan e Prasse, 1979; Cowell e Tyler, 1999). Resultados No período de 1994 a 2003 foram realizados no HV- FMVZ-UNESP 5798 exames citológicos na espécie canina. Destes, 3369 tiveram diagnóstico de neoplasia, sendo 576 (17,1%) tumor venéreo transmissível. A incidência do TVT em comparação com as demais neoplasias diagnosticadas citologicamente oscilou entre 11,8 e 24,1%, de acordo com o ano de amostragem 169

(Figura 4). Do total de pacientes com diagnóstico de TVT, 306 (53,1%) eram machos e 270 (46,9%), fêmeas. A idade no diagnóstico esteve entre 8 meses e 15 anos, sendo 4 anos a idade de maior frequência (Figura 5). Observou-se um aumento da frequência em animais de dez anos de idade, não estatisticamente significativo quando comparado ao total da população de cães submetidos ao exame citológico. A localização mais frequente da neoplasia foi a genitália, seguida pela pele, cavidade nasal, cavidade oral e linfonodos superficiais (Tabela 1). Nos casos extragenitais, o TVT foi diagnosticado no fígado, baço, pulmão e peritónio. O tipo morfocelular predominante foi o plasmocitóide (74%), especialmente nos tumores de localização extragenital (Figura 6). A presença de figuras de mitose foi observada em todos os grupos de tumores, geralmente entre uma e três por campo de maior aumento (400x). O infiltrado inflamatório predominante foi o neutrofílico, principalmente nos casos genitais e nasais, provavelmente associado às ulcerações de superfície e invasão bacteriana, tendo sido observado também infiltrado de plasmócitos, linfócitos e macrófagos em grande número de casos. Discussão O tumor venéreo transmissível foi a segunda neoplasia mais incidente em cães em nosso levantamento, menor somente que a neoplasia mamária, o que está de acordo com o descrito na literatura (Nielsen e Kennedy, 1990; Morales e González, 1995). Dados na literatura apontam que o TVT não tem predilecção por raça ou sexo (Nielsen e Kennedy, 1990; Cowell e Tyler, 1999). Em nosso trabalho, a prevalência foi ligeiramente maior nos machos (53,1%) do que nas fêmeas (46,9%). Estudos retrospectivos realizados no Brasil (Sobral et al., 1998) e no México (Morales e González, 1995) sobre a incidência de TVT evidenciaram maior ocorrência da neoplasia nas fêmeas que nos machos. Estes achados conflitantes não caracterizam uma clara predisposição sexual. A média de idade encontrada foi a mesma citada por Morales e González (1995) e a distribuição por faixa etária foi semelhante à reportada por Sobral et al. (1998). Como o TVT é uma afecção venérea, os novos casos são esperados numa faixa etária limitada à actividade sexual intensa, ou seja, entre três a cinco anos de idade, com uma ocorrência mínima em cães com menos de um ano e diminuindo de incidência após os seis ou sete anos. Nesse sentido, chama a atenção a ocorrência do aumento da frequência em animais de dez anos de idade, ainda que não seja estatisticamente significativo, quando comparado ao total da população de cães submetidos ao exame citológico. Um estudo epidemiológico mais abrangente é necessário para esclarecer esse achado. O tumor venéreo transmissível canino possui tropismo pela genitália de machos e fêmeas, bem como 170 Figura 4 Percentual de diagnósticos de tumor venéreo transmissível em relação aos exames citológicos em cães, no período 1994-2003 (HV- FMVZ-UNESP). diagnosticados no Hospital Veterinário da Universidade Estadual Paulista, diagnosticados no Hospital Veterinário da Universidade Estadual Paulista, campus campus Botucatu Botucatu (1994-2003). (1994-2003). Figura 5 Distribuição etária dos casos de tumor venéreo transmissível canino, por sexo, diagnosticados entre 1994 e 2003 (HV-FMVZ- UNESP). 74% 74% Plasmocitóide Linfocitóide Misto diagnosticados Plasmocitóide no Hospital Linfocitóide Veterinário da Universidade Misto Estadual Paulista, campus Botucatu (1994-2003). pele e seios nasais (Nielsen e Kennedy, 1990; Chang et al., 1998), o que foi observado em nossos achados. O tropismo extragenital é atribuído ao TVT quando localizado em qualquer região do corpo do animal, sem que a genitália esteja envolvida (Nielsen e Kennedy, 1990). Neste caso, não nos foi possível qualquer inferência, visto que, na maioria dos casos de localização extragenital, a genitália também estava comprometida e/ou havia história de TVT anterior. Assim, o facto foi atribuído ao processo de invasão e metástase. A utilização da biopsia para a confirmação do diagnóstico do TVT é altamente confiável, mas trata-se de um método invasivo e caro (Perman et al., 1979; Nielsen e Kennedy, 1990; Kennedy e Miller, 1993; Pérez et al., 1994). Na medida do possível, tem-se procurado reduzir o custo e os riscos na conduta diagnóstica e terapêutica dos animais, sem, contudo, interferir na qualidade. Neste aspecto, o exame citológico como re- 11

curso diagnóstico é simples, rápido, seguro, eficaz e de baixo custo. A utilização da citologia guiada por ultrasom reduz os riscos nas punções de órgãos internos. A punção pode ser usada como forma de colheita de células em locais inacessíveis à esfoliação, sem ser invasiva como a biopsia (Pérez et al., 1994; Klijanienko et al., 1998). Neoplasias podem ser identificadas por aspirados citológicos, inclusive o TVT canino (Daleck et al., 1987; Morales e González, 1995; Cowell e Tyler, 1999). Em nenhum dos casos estudados houve qualquer dificuldade em diagnosticar o TVT pela citologia. A localização genital do tumor por si só já sugeria uma hipótese diagnóstica, confirmada em todos os casos. Por outro lado, quando a neoplasia encontrava-se em sítios extragenitais, principalmente aquelas em que havia necessidade do uso de imagens para o diagnóstico, dificilmente o TVT era incluído entre os diagnósticos diferenciais; mesmo nestes casos o exame citológico mostrou-se eficiente e conclusivo. O aspecto morfológico predominante das células de TVT foi o plasmocitóide. A experiência do Serviço de Patologia do HV-FMVZ-UNESP com tal critério tem demonstrado que a ocorrência do aspecto plasmocitóide é elevada no TVT, especialmente naqueles de localização extragenital, independentemente do sexo. Além disso, quando associado à ausência de infiltrado inflamatório linfocitário, tem sugerido resistência farmacológica ao protocolo convencional de tratamento (dados ainda não publicados). Portanto, parece que estes critérios poderão fornecer, num futuro próximo, mudanças no diagnóstico e, consequentemente, no tratamento, controlo e prognóstico de cães com TVT. Indubitavelmente, o exame citológico colhido de maneira correcta e interpretado por profissionais treinados com os critérios elaborados pela citologia, orientará o clínico para que um diagnóstico correcto seja elaborado e, ao mesmo tempo, irá alertá-lo no sentido de examinar seu paciente mais detalhadamente. Agradecimentos Agradecemos ao professor Aristeu Vieira da Silva pela análise estatística. Bibliografia Ansari, N.A., Derias, N.W. (1997). Fine needle aspiration cytology. Journal of Clinical Pathology, 50, 541-543. Batamuzi, E.K., Bittegeko, S.B.P. (1991). Anal and perianal transmissible venereal tumour in a bitch. Veterinary Record, 129, 556. Boscos, C.M., Tontis, D.K., Samartzi, F.C. (1999). Cutaneous involvement of TVT in dogs: a report of two cases. Canine Practice, 24(4), 6-11. Cardoso, P.L. (1983). Fine needle aspiration cytology in veterinary medicine. Acta Cytologca, 27, 208-209. Carvalho, G. (1993). Citologia oncológica. Livraria Ateneu (São Paulo). 290 p. Chang, S., Yang, C., Chang, S.C., Yang, H.U. (1998). A clinical study of primary extragenital transmissible venereal tumors in dogs. Science, 24(4), 257-263. Chang, S.C., Yang, C.H. (1996). Cytology of transmissible venereal tumours of dogs. Taiwan Journal of Veterinary Medical Animal Husbandry, 66(4), 307-314. 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