Trabalho a ser apresentado no GT de Publicidade da Intercom no Rio de Janeiro



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Transcrição:

BILL BERNBACH: O CRIADOR DO POSICIONAMENTO Eduardo Refkalefsky Trabalho a ser apresentado no GT de Publicidade da Intercom no Rio de Janeiro RESUMO: O conceito de posicionamento é um dos mais importantes no marketing e na propaganda contemporâneos. Mas pouco se falou sobre a fonte das idéias de Al Ries e Jack Trout para chegar a estas conclusões. Na verdade, a fonte tem nome e sobrenome, Bill Bernbach, o grande criativo que fez campanhas como a do Fusca e da Avis, que revolucionaram a linguagem da propaganda. O AUTOR 1 : Eduardo Refkalefsky é professor da Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ e professor associado da Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE), da Fundação Getúlio Vargas. Tem graduação e mestrado na própria ECO, defendendo a tese A gênese do jornalismo polêmico de Hélio Fernandes, orientada pelo prof. Francisco Dória. É consultor editorial da Coleção Administração e Negócios da Editora Rocco e foi editor das revistas Tendências do Trabalho e Marketing e Negócios. Trabalha como consultor em Comunicação e Marketing. 1 O trabalho contou com a colaboração de Carolina van der Linden, graduanda em Publicidade na ECO/UFRJ e atividades na Doctor Propaganda, Rio de Janeiro.

1. Um publicitário e dois consultores O conceito de posicionamento, formulado por Al Ries e Jack Trout (1997), é um dos mais importantes da propaganda. Os autores mostraram de que a maneira a comunicação deve ser orientada numa era de hipercomunicação, onde cada vez é mais difícil falar com os consumidores. Algumas sentenças do livro viraram verdadeiros axiomas do marketing, na definição de Madia (1998), como é melhor ser o primeiro do que o melhor e é mais importante obter o share of mind do que o share of market. Madia, considerado uma das maiores autoridades em marketing no país, é extremamente influenciado pelo posicionamento, embora, como não poderia deixar de ser, mantenha uma distância do livro por razões comerciais: Posicionamento é da editora Pioneira e Madia é sócio da Makron Books, que publicou outros livros da dupla. Mas Posicionamento é enigmático porque os autores utilizam o raciocínio dedutivo, enunciando regras gerais sobre propaganda, sem deixar claro de onde esses conceitos saíram e qual foi a base empírica para isso. O que nos propomos a demostrar é que essa base empírica partiu do trabalho de William (Bill) Bernbach, criador da agência DDB e das campanhas do Fusca e da Avis, entre outras. A influência de Bernbach na publicidade é bastante conhecida, assim como a do posicionamento. O modelo da DDB serviu de inspiração para as agências brasileiras, em especial a DPZ (Petit, 1991), e grandes profissionais de Propaganda, como Alex Periscinoto (1995). Mas não encontramos nenhum trabalho que relacionasse a Bernbach e Ries-Trout, a realidade e o conceito, a base empírica e a teoria. Não nos parece difícil se estabelecer a relação quando se mergulha no universo criativo das campanhas da DDB. Esta análise também permite discutir alguns conceitos que quase todos os profissionais de propaganda utilizam para falar do dia a dia da atividade. 1

2. Al Ries e Jack Trout Em 1969, Al Ries e Jack Trout escreveram um artigo para a revista Industrial Marketing, comentando diversos casos de empresas, entre elas a RCA, que entrou de cara no mercado de computação e teve grandes prejuízos. Foi a primeira vez que se usou o termo posicionamento. A dupla repetiria a dose, três anos depois, em uma série de artigos na Advertising Age, que mais tarde, com novos casos, se transformaria no livro (1997). O posicionamento consiste em ocupar a mente do consumidor, ganhar o share of mind, para manter a participação de mercado (share of market). O grande problema para ocupar este espaço é a quantidade de informação que é transmitida pelos mais diversos meios: TV aberta, TV a cabo, rádio, jonal, revista, livro, mídia exterior e, mais recentemente, a internet. O consumidor médio está saturado, não adianta mais as empresas utilizarem grandes verbas para serem ouvidas. Para Ries e Trout, é preciso ser o primeiro na mente do consumidor em potencial (prospect). Marcas como Coca-cola, Marlboro, Gillette e Xerox são alguns dos exemplos de marcas que ocupam o primeiro lugar em suas categorias e só muito dificilmente saem de lá. São o maior patrimônio que uma empresa pode ter, um espaço definido na mente dos prospects. Quando não se é o primeiro em uma categoria, os autores de posicionamento afirmam que é preciso criar uma nova categoria onde se é o primeiro. Normalmente, isto significa orientar a propaganda contra o conceito da marca líder. Foi o caso do Tylenol, que tinha um slogan posicionado contra a aspirina: cure sua dor de cabeça sem ter dor de estômago. Ou da Seven Up, que em meio à guerra das colas, se posicionava como The UnCola. O Marketing, na era do posicionamento, é muito mais uma guerra entre categorias de produtos do que entre produtos ou marcas. Pois ser o primeiro em alguma categoria virou condição necessária para as marcas permanecerem no mercado. Ries e Trout ainda historicizaram a propaganda em três fases. A primeira, que eles circunscreveram aos anos 50 e batizaram de era do produto, correspondia aos anúncios orientados para as características físicas do produto e nos benefícios que ele traria para o consumidor. Era o USP (Unique Selling Proposition Proposição Única de Venda), termo 2

criado por Rosser Reeves e popularizado pelo livro Ciência da Propaganda, de Claude Hopkins (1997). O problema surgiu quando começaram a aparecer produtos eu também (me-too), com as mesmas características dos já existentes. O consumidor se perdeu em meio a produtos idênticos e promessas semelhantes desta propaganda. Quem salvou a pátria, segundo Ries e Trout, foi David Ogilvy, ao iniciar a era da imagem. O produto físico ficou em segundo plano, a estrela agora era a imagem da marca. A função da propaganda era criar um vínculo emocional com os consumidores. Produtos fisicamente semelhantes poderiam ser diferenciados pela imagem. Mas novamente surgiram os eu também. Todas as propagandas começaram a exibir charme, elegância, belas modelos, locações cinematográficas e tudo aquilo que os detratores da propaganda, até hoje, chamam de mundo de fantasia. Todos os profissionais e estudantes de propaganda compraram o livro do Ogilvy (1993), assim como os de John Caples (1997), e novamente o consumidor se perdeu na selva de promessas de meu produto é lindo, meu produto é charmoso. Foi aí que Ries e Trout conceituaram a era do posicionamento. Em vez de orientar a propaganda para o benefício básico do produto ou para a imagem da marca, eles defendem a orientação para a concorrência, o que significa dizer para a própria propaganda. De nada adianta fazer uma anúncio como se fosse a única peça que o consumidor vai ver. O consumidor, na verdade, está saturado de informação e não tem mais capacidade de absorver mais nada. A não ser quando se é o primeiro na mente do consumidor. Será? 3. Bill Bernbach William Bernbach nasceu em 13 de agosto de 1911, no bairro judeu do Bronx, em Nova York. Na New York University, estudou Inglês, música e filosofia, depois de passar pela escola pública. O primeiro emprego foi no escritório das Indústrias Schenley, onde nas horas vagas ficava bolando conceitos para a publicidade da empresa e as remetia para a agência responsável, a Lord & Thomas. Logo depois veria vários dos conceitos em anúncios 3

nos jornais. Não foi difícil para Bernbach ser transferido para o setor de marketing e propaganda. O presidente do conselho de administração da Schenley, Grover Whalen, logo reconheceu a capacidade de Bernbach e o encarregou de ser seu ghost-writer. Whalen, que também foi importante político em Nova York, introduziu Bill no meio. Vários políticos da cidade tiveram discursos produzidos por Bernbach, que também foi responsável pela parte de pesquisa da Feira Internacional de 1939. O mundo da propaganda fascinava Bernbach. Se eu posso ser ghost-writer de pessoas, por que não posso ser também de produtos? Deve ser lucrativo e muito mais interessante. Depois da Feira, ele entrou na agência de Bill Weintroub, depois passando para a Grey, uma das poucas dirigidas por judeus, em vez de WASPs (brancos, anglo-saxões e protestantes). Divergências fizeram-no sair e montar sua própria empresa, com o Ned Doyle (atendimento) e Maxwell Dane (administração). O nome escolhido foi Dole Dane Bernbach, já que nas palavras de Bill, nada vai ficar entre nós, nem mesmo pontuação (Cardoso, 1998, p. 10). A primeira campanha de sucesso da foi da loja de departamentos Orbach s, conta que Bill Bernbach trouxe da Grey. Em uma das peças, aparece a foto de um cachorro feio dizendo, no título, Odeio Orbach s. A maioria do público não se lembrava de ver uma propaganda que agredisse o próprio produto. No texto, se encontrava a explicação para a raiva do cachorrinho: sua dona só queria saber de ir à loja e não tinha tempo de passear com ele. Em seguida, foi a vez do pão de centeio judaico Levy s, com uma verba de apenas 50 mil dólares. A mídia escolhida, inicialmente, foi o jornal The Post, que possuía 80% da circulação entre os judeus de Nova York. Bernbach discordou da estratégia, preferindo veicular para o público não judeu, através do jornal World Telegram. Por que? Por mais fresquinho e bem feito que fosse o Levy s, ele nunca se compararia ao pão judeu artesanal, feito na hora nas padarias. O público-alvo ideal, portanto, deveria ser quem nunca comeu este pão. A campanha final consistia num cartaz com pessoas de várias etnias comendo o pão e com o slogan You don t have to be jewish to love Levy s Real Jewish Rye ( Você não 4

precisa ser judeu para amar Levy s ). Os posters de metrô desta campanha logo viraram cult e passaram a ser vendidos em livrarias e lojas especializadas. Ressalte-se que a segregação racial nos Estados Unidos, no início dos anos 50, era um grave problema e a DDB teve a coragem de expor as diferenças étnicas. Em 1954, a DDB foi contactada pelo Dr. Edwin Land, o criador da Polaroid, que enfrentava problemas por ser um produto caro e com fotos de baixa qualidade. Bill Bernbach escolheu como mídia adequada a TV, onde seria mais fácil demonstrar as características do produto. Os bons resultados da campanha fizeram com que a agência mantivesse a conta por quase 30 anos. Outro caso de sucesso foi o da companhia aérea israelense El Al. A empresa foi a primeira a realizar um vôo transatlântico dos Estados Unidos para a Europa sem parar para reabastecer no Canadá. O vôo direto economizava 20% do tempo, mas como apresentar isso aos consumidores com uma verba mínima? A saída foi um anúncio impresso com o título A partir de 23 de dezembro, o Oceano Atlântico ficará 20% menor. Mas o pulo do gato estava na foto do oceano com o efeito de que a página estaria rasgada. Diga-se de passagem, nenhuma companhia aérea tinha veiculado foto do mar para não assustar os consumidores. Mesmo o anúncio tendo sido veiculado apenas uma vez, ele fez com que a emperras triplicasse as vendas em um ano. Mas a grande façanha da DDB foi mesmo com um carro alemão, pequeno, feio e que não apresentava nenhuma inovação tecnológica. A indústria automobilística, até então, refletia o espírito expansionista da década de 50 nos Estados Unidos. Carrros cada vez maiores e mais pesados, corres berrantes, rabos de peixe e partes cromadas para brilhar mais do que o sol. A propaganda não ficava atrás, os publicitários se valiam de pesquisas que apontavam ser mais eficiente anunciar o que os consumidores desejavam do que anunciar o que eles dirigiam efetivamente um caso típico de imagem de marca. Para aumentar a sensação fantasiosa, fetichista e hiper-realista, não se usavam fotos, mas ilustrações com cores fortes, perspectivas distorcidas e outros exageros (Rothenberg, pp. 63 e ss.). Vender o Fusca assim era suicídio. Para piorar, o carro era considerado nazista, pois fora um dos xodós de Hitler, o carro do povo, e de cara já o tornava antipatizado numa cidade com grande população judia como Nova York, ou Jew York. Bill Bernbach, para a 5

criação, escolheu a dupla formada pelo redator Julian Koenig e o diretor de arte Helmut Krone. O primeiro anúncio criado, Pense pequeno, foi considerado o melhor deste século pela revista Advertising Age (Meio e Mensagem, 1999, p. 39). A ilustração era uma foto do carro em meio a um grande espaço em branco para ressaltar o tamanho pequeno (quebrando a regra de se destacar ilustração). O título pense pequeno era curto demais, para os padrões de Ogilvy e Caples, e não continha palavras de sucesso, ou novo e grátis. O texto não era blocado, tinha a margem direita irregular, e um tipo simples, sem serifa. O texto enumerava uma série de características negativas do carro, como tamanho e forma, para ressaltar o outro lado da moeda: pequeno custo de manutenção, maior autonomia e seguro mais barato, entre outros. O resultado deste anúncio é bastante conhecido, sendo que quando a Volkswagen, décadas depois, tirou o carro de mercado, ela não emplacou mais nenhum carro nos Estados Unidos. Outro anúncio curioso foi o do funeral de um bilionário, onde se lia em off o testamento: Para minha esposa que gastava como se não houvesse amanhã, deixo 100 dólares e um calendário. Para meus filhos, que gastavam cada centavo em carros e mulheres, deixo 50 dólares em moedas. Para meu sócio, cujo lema era gastar, gastar, gastar, eu deixo nada, nada, nada. E para meu sobrinho que sempre dizia que um tostão guardado era um tostão ganho, e dizia também que isso devia dar para comprar um Fusca, eu deixo toda minha fortuna de 100 bilhões de dólares. Mais curioso ainda foi a forma como Nizan Guanaes, da DM9DDB, conseguiu reposicionar o posicionamento deste anúncio. Toda a família ganhava mansões ou fábricas, menos o sobrinho que só ganhava uma Honda e ficava feliz da vida com isso. Mas há quem questione se realmente foi a campanha a responsável pelo sucesso do Fusca. Para o jornalista Randall Rothenberg, autor de Where the suckers moon (1994, p. 66), o carro já estava em ascensão, mesmo sem propaganda, grandes compras e com apenas 400 revendedores. Em 53, foram vendidos 2 mil carros e seis anos depois, quando a DDB conquistou a conta, já se vendiam 150 mil por ano. 6

O segundo caso de maior sucesso da DDB foi o da locadora Avis, com o famoso posicionamento criado em 1963: Avis é apenas a número 2 em locação. Então porque vir conosco? Porque nos esforçamos mais. Era uma comparação com a líder de mercado, Hertz. Os resultados também foram excelentes. A empresa ganhou 28% de participação de mercado em dois anos e em três aumentou o faturamento de 1 milhão e 200 mil dólares para 5 milhões. A campanha foi considerada a décima melhor pela Advertising Age. A campanha da Avis, por sinal, havia sido rejeitada em um pré-teste, mas Bill Bernbach insistiu para que ela fosse veiculada assim mesmo. Outras inovações de Bill Bernbach e da equipe da DDB foram o uso da interatividade, como no anúncio da tintura para cabelo. Aparecia a foto de um homem com metade do cabelo cinza e a outra metade tingida de preto. A legenda convidava o leitor a colocar a mão sobre a parte cinza para ver como a pessoa pareceria bem mais nova. Já a campanha da Mobil antecipou em quase 30 anos a antipropaganda de Oliveiro Toscani. A Mobil é uma distribuidora de combustível, algo bem diferente do mundo da moda, e se diferenciou pela forma dos anúncios. Um deles dizia nós perdemos muitos consumidores desta maneira, com uma foto de um carro acidentado. O objetivo era conscientizar os consumidores para a responsabilidade de dirigir com segurança. A DDB começou os anos 70 perdendo contas significativas, a partir da perda da Alka-Seltzer. A compensação veio com a conquista de sete contas da Procter & Gamble, o supra-sumo da propaganda tradicional, com caixas de sabão e testemunhais de donas-decasa. Evidentemente o resultado não foi bom, pois o estilo autoritário de gerenciamento da P&G se chocava com a idéia de independência da DDB, da qual teve de abrir mão. Bernbach deixou de lado a coordenação de criação e os diretores de contas ganharam poder na estrutura. Também não adiantou, a agência trocou cinco presidentes em poucos anos. A maneira da agência crescer foi através da aquisição de agências menores. E em 1981, Bill Bernbach morreu de leucemia. 4. Bill Ries e Jack Bernbach 7

A maior qualidade de Bill Bernbach não era sua criatividade, ou sua visão geral da atividade publicitária ou ainda um administrador de egos. Era um professor inspirado (Fox, 1997, p. 240). Ele formou diversos criativos que foram para outras agências ou permaneceram na DDB, ganhando menos mas satisfeitos pela liberdade no trabalho. Bernbach procurava descobrir o talento individual dos novos profissionais e dava liberdade para que pudessem se desenvolver naturalmente. O departamento de criação da DDB chegava a ser comparado com a Escola de Summerhill, onde as crianças tinham liberdade quase total para desenvolver seu potencial intelectual. Bernbach era radicalmente contra regras para boa propaganda, no estilo de Ogilvy e Caples. Outro conceito altamente criticado era a Proposição Única de Venda, de Rosser Reeves. Fico aterrorizado, disse Bill Bernbach, com agências onde se diz que o trabalho está completo quando se determina a proposição de venda (Fox, 1997, p. 251). Mas infelizmente, ele próprio não conseguiu conceituar seu trabalho, a não ser de maneira negativa ( não seguir regras ) ou trabalhando com conceitos abstratos, como inspiração. A aversão pelo academicismo e pelas receitas de bolo o fizeram desconsiderar qualquer forma de teorização mais duradoura do trabalho da agência. O máximo que ele conseguia realizar era em análises de cada caso com o grupo de criação, ou em palestras esparsas em entidades de classe. Ele não escreveu nenhum livro, por isso é bem menos lembrado que David Ogilvy, por exemplo. Basta dizer que Confissões de um publicitário vendeu, nos Estados Unidos, 400 mil cópias em cinco anos, e mais de um milhão em duas décadas. Aliás, o sucesso desse livro contribuiu para a criação de campanhas eu também, na medida em que os segredos de Ogilvy poderiam ser facilmente copiados e foram por milhares de profissionais. O mesmo vale para os livros do John Caples. Bill Bernbach também não conseguiu levar os idéias da revolução criativa dos anos 60 para outras áreas da agência. Criatividade, na prática, significava aumentar o poder da criação em detrimento do atendimento e do planejamento sem falar na área de pesquisa. Foi justamente na área de planejamento e marketing que veio esta teorização, com o Posicionamento. O que Ries e Trout estavam defendendo era algo radicalmente novo na propaganda norte-americana e, salvo as exceções de praxe, mundial. A propaganda deveria 8

desisitir de colocar o produto como o melhor, o mais bonito ou o mais charmoso, eliminando todos os superlativos. Deveria esquecer que é uma mentira muito bem contada, como dizia o manual de uma grande agência, para falar a verdade, mostrar a realidade feia, sem charme e sem glamour. Deveria se comparar com outras propagandas que já existiam, com outros produtos que já ocupavam um lugar de destaque na mente do consumidor, para abrir um novo espaço. Ries e Trout estavam questionando a validade dos princípios tradicionais da propaganda WASP, imbuída daquele espírito do posso fazer tudo, do voluntarismo presente na cultura norte-americana, do expansionismo e da busca incessante em ser, dizer e parecer um winner, um vencedor. Roberto Campos, por sinal, classifica o capitalismo norteamericano como capitalismo texano, em oposição ao renano, da Europa, e confuciano, do Leste Asiático. O que Bill Bernbach fez não foi apenas mostrar que mulheres, judeus, negros e outras etnias poderiam fazer boa propaganda. Isto é apenas uma curiosidade antropológica, mais adequada a algum estudo constatativo da democratização (?) étnica e racial a partir dos anos 60, nos Estados Unidos. Bernbach mostrou que a própria propaganda WASP precisava de um visão de fora, que acrescentasse algo mais que a cultura anglo-saxã-protestante não dispunha: autodepreciação. Essa é uma das maiores características da cultura judaica, o fato de se esculhambar consigo mesmo, em vez de esculhambar os outros. Isto é visível no humor de judeus no cinema, como Buster Keaton, os irmãos Marx, Peter Sellers, Woody Allen e Mel Brooks. Chaplin, de origem judaica, é um caso à parte, é o judeu que se cristianiza, como definiu o professor Silviano Santiago (1991, pp. 83-84), é hipersentimental e melodramático. Esculhambar consigo mesmo não significa apenas um excesso de bondade ou gentileza. Significa um humor defensivo, sempre do lado do mais fraco. Talvez isso explique porque a história bíblica de David e Golias seja uma das mais fascinantes. Um baixinho com uma funda vence um gigante que parecia indestrutível. Provavelmente a única cultura que possui um humor semelhante é a britânica, como mostram as sátiras do Monty Pyton. Com Bill Bernbach, pela primeira vez a propaganda norte-americana esculhambava com os próprios produtos: odeio Orbach s, Pense pequeno e Somos o número 2. 9

Nada mais parecido que os conceitos citados no livro de Al Ries e Jack Trout. É impressionante, inclusive, que, por mais que a dupla cite Avis e o Fusca, o nome de Bill Bernbach não apareça em nenhuma linha. Como o trabalho da DDB não foi adequadamente conceituado, ele pode ser interpretado como um simples delírio de criação, mesmo que genial. Pode significa usar o humor na propaganda. O humor, na verdade, não significa nada mais do que uma imagem favorável, um apelo ao sentimento, mas ainda restrito à segunda fase da propaganda. O essencial do humor da DDB é a lógica que está por trás dele, a lógica do mais fraco e a lógica do posicionamento. Al Ries resumiu isto quando disse que o marketing de hoje é muito mais uma guerra de categorias do que uma guerra de marcas. Bill Bernbach não chegou a tomar consciência disto, pois não se interessava pela parte de planejamento e marketing, não sabia das conseqüências de seu trabalho. Essas conseqüências foram muito além das divisórias da criação, ou mesmo da Madison Avenue, atingiram em cheio todas as estratégias dos clientes e o trabalho de outras divisões da empresa. Basta tomar como base o pensamento de Peter Drucker, citado por Madia (1994, pp. 18-22): o patrimônio da empresa está fora dela, está nos clientes atuais e potenciais. Ter clientes como patrimônio significa justamente ocupar um espaço na mente, ser primeiro em alguma coisa para eles (posicionamento). E se esses clientes são o único patrimônio, não vão ser apenas de responsabilidade de apenas um departamento, seja o de marketing ou o de propaganda. Toda a empresa é responsável. Nas palavras de Alfred D. Chandler, que pouca gente sabe que foi quem mais influenciou Drucker, a estrutura segue a estratégia (1990). Toda a estrutura da empresa, e não apenas o produto, deve ser adaptada em função da estratégia, que, sob a perspectiva da comunicação, significa o posicionamento. Portanto, se uma empresa como a Volvo ocupa um espaço na cabeça dos consumidores, sendo considerado o carro mais seguro, toda a estrutura deve se adaptar a isto. A produção deve centrar os esforços em destacar o aspecto de tanque de guerra dos carros, para sensibilizar os consumidores. O setor de pesquisa e desenvolvimento deve aperfeiçoar cada vez mais a segurança do carro, pesquisando novos airbags ou barras de 10

proteção. RH deve contratar, por exemplo, engenheiros que tenham um mínimo de especialização ou conhecimento na área de segurança automotiva. Finanças deve levar em conta o posicionamento em segurança para alocar recursos neste setor de maneira mais competitiva do que o setor financeiro dos concorrentes. Nem é preciso falar das conseqüências na propaganda, que já têm meio caminho andado com as modificações das empresas. Outro caso é o da Skol, posicionada como a primeira (em todos os aspectos) cerveja em lata no Brasil. Qualquer novidade sobre latas, por mais contraproducente que possa parecer, deve ser lançada imediatamente pela empresa. Foi assim com a lata de alumínio, a tampa ecológica e a boca redonda, mas também foi com a lata de 500 ml e o barril de um livro em formato de lata, ambos fracassados. Mas que cumpriram seu papel de manter viva na mente do consumidor o primeiro lugar. Portanto, a utilização da lógica do segundo lugar por Bill Bernbach, na melhor tradição cultural judaica, revolucionou não só a forma de se fazer propaganda, mas o marketing e a própria noção de estrutura da empresa. Infelizmente o maior publicitário de todos os tempos morreu sem ter consciência disto. Ou então, vai ver que ele só estava fingindo que não sabia para pregar uma peça em todos nós, uma peça de autodepreciação. 5. Bibliografia BERNBACH, William et alii (1965). The art of weiting advertising: conversations with Masters of the Craft. Lincolnwood (Illinois), NTC; CAPLES, John (1997). Tested advertising methods. New Jersey: Prentice Hall, Quarta edição; CARDOSO, Aline Arantes (1998). O que Bill Bernbach nos ensinou: como seu trabalho mudou a maneira de se fazer propaganda. Monografia de conclusão de curso na ECO/UFRJ, orientador André Martins; CHANDLER, Alfred Dupont (1990). Strategy and structure: chapters in the history of the industrial enterprise. Cambridge (Massachusetts): MIT Press. Vigésima edição; FOX, Steven (1997). The mirror makers: a history of american advertising & its creators. Urbana (Illinois), Illini Books, Nova edição atualizada; 11

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