FEIRAS DE CIÊNCIAS E SEMENTES DOS POVOS INDÍGENAS DE RORAIMA. Iniciativa Wazaka ye/inpa 2

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Transcrição:

FEIRAS DE CIÊNCIAS E SEMENTES DOS POVOS INDÍGENAS DE RORAIMA Rachel Pinho 1, Jessica Livio 1, Sonia Alfaia 1 Maria Deolícia Monteiro 2, Anselmo Dionísio Filho 2, Edinho Batista 2, Maria Alcinda 2 1 Iniciativa Wazaka ye/inpa -contato@wazakaye.com.br 2 Centro Indígena de Formação e Cultura Raposa Serra do Sol (CIFCRSS) RESUMO O estado de Roraima possui 10% de sua população formada pelos habitantes nativos, pertencentes a 9 etnias. Ao longo de séculos, esses povos desenvolveram práticas de manejo de baixo impacto ambiental, que garantiram a produção de alimentos e outros recursos necessários à sobrevivência. A seleção, cultivo e manipulação das sementes nativas foram práticas aperfeiçoadas que resultaram em variedades tradicionais de riquíssima diversidade, altamente adaptadas ao ambiente e ao clima local. Entretanto, a chegada de sementes industrializadas nas comunidades vem ameaçando essa diversidade. Como forma de reação e valorização da cultura e sementes tradicionais, já ocorreram duas edições da Feira de Ciências e Sementes Tradicionais dos Povos Indígenas de Roraima, através de uma parceria entre CIR - Conselho Indígena de Roraima, IW - Iniciativa Wazaka ye/inpa (wazakaye.com.br) e Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena. Desde 2012 as Feiras acontecem no CIFCRSS - Centro Indígena de Formação e Cultura Raposa Serra do Sol, reunindo mais de 400 estudantes, professores e agricultores indígenas de várias etnias e regiões de Roraima. No evento ocorrem a Feira de Ciências, onde estudantes apresentam trabalhos escolares relacionados à cultura indígena, e a Feira de Sementes, com exposição e troca de grande variedade de sementes e mudas tradicionais. Ao final do evento ocorre um plantio agroflorestal das sementes e mudas trazidas para a feira, de modo a compor um banco vivo dessas variedades, e contribuir para a produção agroecológica de alimentos. Esse é um movimento que se inicia em Roraima, mas ainda há um longo caminho de desafios e realizações. O CIFCRSS já incorporou o evento em seu calendário anual, e a tendência é fortalecer cada vez mais a cultura e autonomia indígena na conservação e multiplicação de suas sementes. INTRODUÇÃO Localizado no extremo norte da Amazônia brasileira, o estado de Roraima possui grande parte de sua população formada pelos habitantes nativos, índios Macuxi, Wapixana, Taurepang, Ingarikó, Sapará, Ye kuana, Yanomami, Wai-Wai e Waimiri-Atroari. Das 32 Terras Indígenas (TIs) presentes em Roraima, 28 se localizam em área de savanas, também conhecidas como Lavrado, fazendo parte da maior área contínua de

savanas da Amazônia, dentro do grande complexo paisagístico Rio Branco- Rupununi (Campos, 2011a; Barbosa et al., 2007). A ampla variedade de plantas utilizadas e cultivadas pelos povos indígenas garantiu durante séculos todos os produtos necessários para sua sobrevivência, como a madeira, os remédios, o artesanato, e especialmente a alimentação, em sistemas agrícolas de pequena escala e com baixo impacto ambiental. Entretanto, o crescimento demográfico nas comunidades indígenas tem provocado um aumento da pressão sobre as áreas de produção e fornecimento de recursos (Miller et al., 2008). A densidade demográfica média nas TIs das savanas roraimenses é de quase 3 habitantes/km2, valor que chega a ser 30 vezes maior do que TIs localizadas em áreas florestais em Roraima e outros estados amazônicos. Esses índices continuam crescendo, exercendo pressão cada vez maior sobre os recursos naturais nas TIs do Lavrado (Campos, 2011b; Frank & Cirino, 2010; Santilli, 1997) (Figura 1). Figura 1. Terras indígenas do Lavrado (savanas) de Roraima. (Arquivo IW)

Esses problemas tem sido abordados em assembléias, seminários e planos de gestão indígenas, e também em um contexto nacional a partir da formulação e implementação da PNGATI-Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial das Terras Indígenas (Decreto 7747/12). Em Roraima, comunidades de várias regiões vêm debatendo a necessidade de aperfeiçoar práticas que permitam um melhor aproveitamento e gestão de suas terras, visando uma produção ecológica que atenda de forma sustentável a população indígena crescente e outros mercados. Nesse mesmo contexto começa a surgir o movimento de valorização e resgate das sementes nativas, cuja seleção, cultivo e manipulação foram aperfeiçoados por séculos pelas populações indígenas, resultando em variedades tradicionais de riquíssima diversidade, altamente adaptadas ao ambiente e clima local. Essa diversidade está ameaçada pela chegada das sementes industrializadas nas comunidades, trazendo dependência e perda das variedades tradicionais. Nos últimos anos algumas regiões de Roraima tem iniciado um movimento de feiras de exposição e trocas de sementes, mudas e propágulos de variedades tradicionais. O presente trabalho descreverá as experiências e lições aprendidas com as duas edições da Feira de Ciências e Sementes dos Povos Indígenas de Roraima, que vem ocorrendo desde 2012 no CIFCRSS - Centro Indígena de Formação e Cultura Raposa Serra do Sol. METODOLOGIA Organização, divulgação e transporte para a Feira As Feira de Ciências e Sementes dos Povos Indígenas de Roraima são organizadas e realizadas pelo CIR - Conselho Indígena de Roraima, IW/INPA - Iniciativa Wazaka ye/ Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (wazakaye.com.br), Instituto Insikiran/UFRR, e outros parceiros como Funai, Diocese de Roraima e Instituto Socioambiental. A primeira edição da Feira contou com financiamento a partir de um edital específico para Feira de Ciências do CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (edital25/2011). Já a segunda Feira foi apoiada principalmente através de um projeto da Terre des Hommes-Suisse. Além disso outras instituições também forneceram alguns apoios específicos, e as próprias comunidades participantes também contribuem com alimentação e transporte. As Feiras acontecem no CIFCRSS - Centro Indígena de Formação e Cultura Raposa Serra do Sol, que é uma escola indígena de nível médio e técnico em agropecuária e manejo ambiental. Os estudantes e professores do CIFCRSS, junto com as organizações parceiras, realizam oficinas de planejamento da Feira no CIFCRSS onde são encaminhadas os preparativos. Os estudantes se dividiram nas seguintes comissões de organização: - Inscrição/recepção/certificados - Cozinha/refeitório

- Logística (materiais) - Sementes - Limpeza/decoração - Secretaria/relatoria A divulgação da Feira iniciou com cerca de 3 meses de antecedência, em reuniões comunitárias, eventos e assembléias do movimento indígena, cartazes e anúncios por estações de rádio. Para a primeira edição da Feira, foram realizadas 4 caravanas preparatórias nas etnoregiões Amajari, Serras, Surumu e Serra da Lua (Figura 2). As atividades da caravana duravam aproximadamente 2 dias, onde eram feitos esclarecimentos sobre a Feira, orientações e apoio para preparação da exposição, confirmação do número de participantes de modo a planejar o deslocamento, orientações para o transporte de sementes até a Feira, e ainda uma pequena oficina de sementes locais. Para a segunda edição da Feira não foi possível realizar as caravanas prévias por limitação de recursos. Na segunda Feira também não foi possível fornecer transporte para todas as comunidades, diferentemente da primeira Feira quando havia recursos para locação de 4 microônibus. Figura 2. Estudantes da comunidade Maturuca (TI Raposa Serra do Sol) em oficina durante a caravana preparatória para a I Feira de Ciências e Sementes (foto: Arquivo IW). Inscrições As inscrições são realizadas por e-mail, telefone, ou em reuniões e eventos onde esteja presente alguém da equipe organizadora da Feira (para a primeira Feira a maior parte das inscrições foi feita durante as caravanas). Os trabalhos são inscritos em duas modalidades: - Inscrição em grupo (trabalhos em grupo de estudantes e professores de escolas indígenas e/ou comunidades indígenas, estudantes indígenas universitários etc) - Inscrição individual (professores, estudantes, agricultores, agentes de saúde indígenas que queiram inscrever trabalhos individualmente)

O número de participantes por grupo é livre. Cada escola/grupo/pessoa pode apresentar 1 ou mais trabalhos. Para realizar a inscrição, é necessário fornecer as seguintes informações: - Nome do(s) trabalho(s) - Nome do(s) responsável(is) por cada trabalho - Nome da comunidade - Nome da escola e classes envolvidas (se for o caso) Para a primeira Feira, puderam se inscrever trabalhos de qualquer tema relacionado à cultura indígena (sementes, mudas, plantios, tipo e uso de plantas, manejo ambiental, artesanato, cultura e alimentação regional etc). Para a segunda Feira, decidiu-se restringir o tema para Sementes e plantas indígenas. Apresentação dos trabalhos na Feira Os trabalhos são apresentados na Feira em três modalidades: oral, visual e escrito. - A apresentação oral é realizada ao público, em um momento específico da Feira, em no máximo 10 minutos, por um ou mais integrantes do grupo. Fica disponível um projetor multimídia e um computador para os que desejarem utilizar durante essa apresentação. - A apresentação visual se dá em forma de cartazes, pôsteres, fotos, exposição de materiais, produtos etc. Durante a Feira, os expositores tem disponíveis mesas, cadeiras e painéis, de modo a compor um stand para cada trabalho. - A apresentação escrita se deu de diferentes formas nas duas Feiras. Na primeira, consistiu em um relato com o histórico do trabalho, objetivos e descrição das atividades realizadas. Na segunda foi em forma de cartilha (entre 4 a 12 páginas), feita à mão, contendo textos e ilustrações apresentando o trabalho de forma didática. Os materiais escritos são entregues na Feira, no momento da apresentação oral. Uma comissão formada igualmente por membros indígenas e não indígenas avalia os trabalhos, definindo os trabalhos de destaque da Feira. Todos os trabalhos apresentados são premiados com livros, sendo que os trabalhos de destaque recebem uma maior variedade de livros. Na primeira Feira houve também a premiação com 5 bolsas de Iniciação Científica Junior do CNPq. Na segunda Feira, as duas cartilhas de maior destaque foram editadas e publicadas para distribuição em comunidades e escolas indígenas. Plantio agroflorestal Ao final do evento ocorre um plantio agroflorestal das sementes e mudas trazidas para a feira, de modo a compor um banco vivo dessas variedades, e contribuir para a produção agroecológica de alimentos.

Feira de sementes Os participantes da Feira devem levar sementes e mudas, em variedade e quantidade, para exposição e troca. Uma parte desse material permanece no CIFCRSS para compor o banco de sementes. RESULTADOS I Feira A primeira Feira ocorreu entre 1 e 3 de junho de 2012 e teve como eixo temático Sementes, saberes e sustentabilidade (Figura 3). Participaram cerca de 400 pessoas, entre estudantes, professores e agricultores indígenas. Foram apresentados no total 27 trabalhos por 16 escolas indígenas e 1 trabalho individual. Cinco destes foram premiados com uma bolsa de pesquisa do CNPq (Iniciação Científica Junior): Comidas tradicionais (Comunidade Barro); Cultivo da maniva (Comunidade Maturuca); Diversidade da banana (Comunidade São Miguel da Cachoeira); Medicina tradicional (Comunidade Barro) e Sementes tradicionais e sustentabilidade (Comunidade Willimon). Coincidentemente, todos esses trabalhos foram de comunidades da TI Raposa Serra do Sol (etnoregiões Surumu e Serras). A exposição e troca de mudas e sementes foi muito positiva, houve grande diversidade de variedades tradicionais, especialmente pimentas, milho, manivas (macaxeira e mandioca) e feijão. Atividades culturais de cantos e danças tradicionais foram apresentados ao longo do evento pelos participantes. Para celebrar esse acontecimento de valorização das plantas e da cultura indígena, foi realizado um plantio de agrofloresta sucessional no terceiro dia da Feira. Agora este plantio faz parte das atividades práticas educativas do CIFCRSS, sendo manejada pelos estudantes por meio de práticas de manejo ecológico como capina seletiva, cobertura vegetal, adubação orgânica, podas e outras. Figura 3. I Feira de Ciências e Sementes Tradicionais dos Povos Indígenas de Roraima II Feira A segunda edição da Feira também contou com cerca de 400 pessoas, ocorreu entre 17 e 19 de junho de 2013 e teve como eixo temático Conservando e multiplicando nossas sementes (Figura 4). Nessa Feira houve uma mesa de abertura com diferentes convidados indígenas e não-indígenas para aprofundamento do tema das sementes.

Houve a participação de 17 escolas que apresentaram 16 trabalhos, número menor que na edição anterior. Isso ocorreu porque nessa Feira não foi possível apoiar o transporte de todas as escolas como na edição anterior. As escolas se transportaram com seu próprio ônibus escolar, ou com transporte particular, porém muitas escolas não conseguiram a liberação do ônibus para essa atividade, além disso as condições ruins das estradas dificultaram o acesso ao local da Feira. Isso refletiu no menor número de trabalhos apresentados, e também em uma menor variedade de sementes, mudas e outros propágulos trazidos. Ainda assim a feira foi muito proveitosa, tendo como fruto a publicação de duas cartilhas dos trabalhos de maior destaque: Sementes regionais (Comunidade Aningal) e Semeando a vida (Comunidade Aningal), ambas comunidades localizadas na etnoregião Amajari. Essas cartilhas estão sendo distribuídas em comunidades, escolas e organizações indígenas, como ferramenta de educação ambiental, provocando também o diálogo sobre a adequação de materiais didáticos à realidade local. Nessa Feira também houve diversas apresentações culturais de danças e cantos. Figura 4. II Feira de Ciências e Sementes Tradicionais dos Povos Indígenas de Roraima No terceiro dia da Feira foi realizado um plantio agroflorestal de sementes e mudas trazidas pelas comunidades, em uma área que servirá como banco vivo de variedades e espécies indígenas, ao lado da agrofloresta que havia sido implantada na ocasião da feira anterior. Foram plantadas mais de 20 variedades de manivas, consorciadas com mudas de árvores e de frutas, mudas de tomate e berinjela, e com feijões usados como adubação verde e milho. A ideia é multiplicar essas variedades e poder compartilhá-las com as comunidades indígenas, fortalecendo o uso e manejo dos recursos tradicionais e a segurança alimentar das comunidades (Figura 5).

Figura 5. Agroflorestas implantadas durante as Feiras. CONCLUSÕES O movimento pelas sementes e ciências tradicionais é uma demanda das escolas, comunidades e organizações indígenas, e a tendência é que se fortaleça nos próximos anos, devendo ser fortalecido também o protagonismo indígena nessas ações. O CIFCRSS já incorporou as Feiras em seu calendário anual, e junto com os parceiros estará buscando mais apoio para a realização das próximas feiras. Em avaliação e reflexão sobre as duas Feiras já realizadas, os organizadores destacaram alguns pontos a ser melhorados/modificados para as próximas edições: - A divulgação da Feira deve começar com mais antecedência, seja nas comunidades e/ ou reuniões, eventos e meios de comunicação; - A apresentação dos trabalhos ocupou a maior parte do tempo da Feira, sobrando pouco tempo para a parte de exposição e troca de sementes. Assim, o tempo de duração da Feira deve ser ampliado, de 3 para 4 dias, para que a feira de sementes possa ser realizada com mais tempo, e possibilitando também a inclusão de outras atividades como minicursos/oficinas, palestras etc; - Os trabalhos apresentados seguiram um formato muito acadêmico. Será pensado um método para garantir que os trabalhos apresentem não só saberes técnicos e acadêmicos, mas que sejam predominantemente norteados por saberes tradicionais; - O mês de realização da Feira poderá ser mudado de modo a ser em uma época que as comunidades possuam maior quantidade/variedade de sementes em estoque, e que as estradas estejam em melhores condições (fora da época das chuvas); - Serão planejados métodos para facilitar o registro das variedades presentes na Feira.

BIBLIOGRAFIA Barbosa, R.I.; Campos, C.; Pinto, F.; Fearnside, P.M. 2007. The Lavrados of Roraima: Biodiversity and Conservation of Brazil s Amazonian Savannas. Functional Ecosystems and Communities, v1, n1, p. 29-41. Campos, C. (Org). 2011 a. Diversidade socioambiental de Roraima: subsídios para debater o futuro sustentável da região. São Paulo: Instituto Socioambiental, 64 p. Campos, C. 2011 b. Wapixana e Makuxi. As Pequenas TIs de Roraima. In: Ricardo, B.; Ricardo, F. (eds) Povos Indígenas no Brasil: 2006-2010. São Paulo: Instituto Socioambiental, p. 260-263. Frank, E.H.; Cirino, C.A. 2010. Des-territorialização e re-territorialização dos indígenas de Roraima: uma revisão crítica. In: Barbosa, R.I.; Melo, V.F. (Eds.) Roraima. Homem, ambiente e ecologia. FEMACT, Boa Vista, p. 11-33. Miller, R.P.; Uguen, K.; Pedri, M.A.; Creado, E.S.J.; Martins, L.L.; Trancoso, R. 2008. Levantamento Etnoambiental das Terras Indígenas do Complexo Macuxi-Wapixana, Roraima, v.1. FUNAI/PPTAL/GTZ, Brasília, 192p. Santilli, P. Ocupação territorial Macuxi: aspectos históricos e políticos. In: Barbosa, R.I.; Ferreira, E.J.G.; Castellón, E.G. (Eds). Homem, Ambiente e Ecologia no Estado de Roraima. Manaus: INPA, 1997, p. 49-64.