ATENUAÇÃO DAS TEMPERATURAS DO AR EM CAFEZAIS SOMBREADOS KARITHA C. KOGIMA 1 GEOVANNA CRISTINA ZARO 2 PAULO HENRIQUE CARAMORI 3 RESUMO: A arborização dos cafezais é uma prática que pode contribuir para atenuar os efeitos do aquecimento global e possibilitar o cultivo nas áreas tradicionais. O objetivo deste trabalho foi avaliar a redução da temperatura em cafezais consorciados com guandu (Cajanus cajan) no Norte do Paraná. As medições foram realizadas com termopares acoplados a um coletor automático de dados, instalados a 1,5 m de altura, na entrelinha de cafeeiros. A temperatura média do ar foi 1,4 o C mais elevada nos cafezais expostos ao sol, considerando médias diárias de 24 horas. A temperatura máxima foi 5,5 o C mais elevada no cultivo a pleno sol, enquanto que a temperatura mínima foi 0,6 o C mais elevada sob guandu. A atenuação da temperatura média do ar observada neste trabalho pode ser importante para auxiliar na adaptação da cultura do café arábica em ambiente de mudanças climáticas. Palavras-chave: Temperatura do ar, cafezais consorciados, aquecimento global ABSTRACT: Coffee shading is a practice that can help to mitigate the effects of global warming and allow cultivation in the traditional areas. The objective of this study was to evaluate air temperature in coffee plantations intercropped with pigeon pea (Cajanus cajan) in the north of Paraná state, Brazil. Measurements were performed with thermocouples connected to an automatic data collector, installed at 1.5 m high between coffee rows. The average air temperature was 1,4 o C higher in coffee plantations exposed to the sun, considering 24 hours daily averages. The mean maximum temperature was 5,5 o C higher in the open-grown areas, while the minimum temperature was 0,6 o C higher under pigeon pea. The attenuation of mean air temperature observed in this study may be important to help in the adaptation of Arabica coffee cropping in climate change environments. Keywords: Air temperature, shaded coffee, global warming 1 Introdução O cafeeiro é uma planta originária de ambiente de sombra, dos sub-bosques das florestas da Etiópia e Sudão, em altitudes superiores a 1.500m. No Brasil a cultura foi adaptada a ambientes de pleno sol. Nesta condição é necessário prover a planta de nutrientes e água em níveis adequados, pois sob pleno sol o cafeeiro tende a produzir em excesso e se depauperar. As temperaturas elevadas são um grande fator de restrição ao cultivo do café arábica. A faixa de adaptação térmica ideal do cafeeiro vai de 19 a 23 o C de 1 Mestranda em Geografia, UEL e bolsista da CAPES. karitha.kogima@gmail.com. 2 Doutoranda em Agronomia, UEL e bolsista da CAPES. geoczaro@gmail.com. 3 Eng. Agrônomo, PhD, IAPAR. pcaramori@gmail.com. 1862
temperatura média anual. Temperaturas máximas superiores a 32 o C causam o aborto das flores. Excesso de temperatura provoca a escaldadura das folhas, acelera demasiado o desenvolvimento dos frutos, reduz o tamanho dos grãos e deteriora a qualidade da bebida (SYLVAIN, 1955; CAMARGO, 2010). Até a grande geada ocorrida em julho de 1975 o estado do Paraná concentrava a maior área e produção de café arábica. Com a introdução da cultura da soja e intensificação do êxodo rural, o café foi erradicado em grande parte do território paranaense, migrando para regiões de temperaturas mais elevadas e com maior deficiência hídrica, localizadas em Minas Gerais, Bahia, Rondônia, Goiás, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Assim, o uso intensivo da irrigação como prática para viabilizar a atividade cafeeira passou a ser obrigatório em muitos locais. Em condições de aquecimento global, essas áreas se tornarão ainda mais vulneráveis e poderão sofrer os maiores impactos. Não existem mais dúvidas de que o clima da terra está passando por um processo de mudança devido à interferência do homem. De acordo com o último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças do Clima (IPCC, 2014), já houve um aquecimento global médio de 0,85 C desde o início da era industrial. Os principais responsáveis por essas mudanças são os gases emitidos com o uso de combustíveis fósseis, destacando-se o CO 2 pela quantidade emitida. Outros gases importantes são o metano, liberado nos processos de fermentação orgânica e o óxido nitroso, em atividades industriais e fertilizantes agrícolas. As queimadas e mudança no uso do solo também constituem importantes fontes de aquecimento da atmosfera. Esses gases possuem um tempo de vida útil relativamente longo na atmosfera e mesmo que as emissões diminuam os efeitos sobre o aquecimento continuarão, de maneira que se prevê até o final deste século aumentos de temperatura entre 1,6 e 3,7 C. Como resultado da COP-21 realizada em Paris em novembro de 2015, foram firmados compromissos no sentido de manter o aquecimento abaixo de 2 C até o final do século 21. Diante dos cenários de mudanças climáticas, existe uma grande preocupação quanto ao futuro da cafeicultura. Assad et al. (2004) simularam os impactos de elevação da temperatura de 1 C, 3 C e 5,8 C e um incremento de 15% na precipitação. Em todos os cenários ocorreria redução das áreas atualmente aptas ao cultivo do café arábica e migração das condições adequadas ao cultivo para regiões atualmente mais frias. No entanto, o estudo não considerou a possibilidade de desenvolvimento de variedades de 1863
plantas mais tolerantes a temperaturas elevadas e também a possibilidade de alterar o microclima de cultivo por meio do sombreamento do cafeeiro com outras espécies. O uso de sistemas consorciados de café com arbustos e árvores é uma prática que pode contribuir atenuando as temperaturas elevadas durante o dia. Diversos estudos mostraram que é possível consorciar espécies arbustivas com os cafeeiros sem prejuízos à produção de café, adequando as espécies e a densidade de sombreamento. Dentre as espécies avaliadas pelo IAPAR e com potencial para arborizar o cafezal destacam-se guandu (MORAIS et al., 2006), leucena, grevílea (BAGGIO et al., 1997), bracatinga (CARAMORI et al., 1996; LEAL et al., 2005) e a seringueira. 2 Material e métodos Foram utilizados dados diários coletados nos experimentos de café com guandu (figura 1) no Instituto Agronômico do Paraná IAPAR, localizada entre as coordenadas 23 21 22 S e 51 09 32 W no município de Londrina, PR, e em uma propriedade particular no município de Abatiá, PR. Foram feitas medições contínuas de temperatura durante 24 horas nas lavouras de café arborizado e em pleno sol. As medições foram realizadas com termopares instalados na entrelinha a 1,5m de altura. Os dados foram armazenados a cada 15 minutos em um coletor de dados digital e posteriormente transferidos para uma planilha eletrônica, onde foram analisados. Figura 1. Café consorciado com guandu. Abatiá, PR. 1864
3 Resultados As medições em dias selecionados evidenciaram que sob o guandu a temperatura média foi 1,4 o C mais baixa do que nos cafeeiros expostos a pleno sol, considerando as 24 horas do dia (Tabela 1). No entanto, o que ocorre nesses sistemas é que, se por um lado as temperaturas diurnas são muito maiores a pleno sol, durante a noite, na ausência de nebulosidade o sistema de proteção com o túnel de guandu impede a perda excessiva de calor. Assim, as temperaturas noturnas ficam um pouco mais elevadas na área protegida, compensando as diferenças entre os dois sistemas quando se calcula a média (Tabela 2 e Figura 2). Quando se considera somente as horas mais aquecidas do dia, entre 10 e 16 horas, os cafeeiros a pleno sol apresentaram temperaturas médias 5 o C mais elevadas (Tabela 1 e Figuras 2 e 3). Há um efeito mais pronunciado sobre as temperaturas máximas, principalmente nos meses mais quentes do ano. A média das diferenças de temperatura máxima entre os cafeeiros expostos ao sol e protegidos com guandu foi de 5,5 o C, enquanto que a média das mínimas foi 0,6 o C mais elevada sob o túnel de guandu (Tabela 2). Tabela 1. Temperatura média do ar em 24 horas e das 10 às 16 horas em cafezal exposto ao sol (sol) e protegido com túnel de guandu (guandu). Tmed 24 horas (ºC) Tmed 10-16 horas (ºC) Dias Sol Guandu Sol Guandu 1 17 16,4 31,9 24,7 2 21,8 20,8 26,2 23,4 3 23,4 22 30,1 25,6 4 25,8 22,8 39,2 29,9 5 22 21 28,8 25,1 6 22,7 21,9 30,6 26,6 7 22,9 22,3 37,2 33,4 8 27,1 25,2 38,7 34 9 26,9 24,8 35,8 31,3 10 23,3 21,9 33,2 28,2 Média 23,3 21,9 33,2 28,2 Diferença 1,4 5,0 1865
Os resultados do potencial de redução das temperaturas elevadas nos cafezais com a consorciação com guandu são compatíveis com as metas estabelecidas na COP-21, que visam manter o aquecimento global abaixo de 2/C até o final do século 21. Assim, fica evidente que o sombreamento dos cafezais é uma medida eficaz para a manutenção dos plantios de café nas áreas atualmente recomendadas. Tabela 2. Diferença de temperatura máxima (dif-max) e temperatura mínima (dif-min) entre cafezal exposto ao sol e protegido com túnel de guandu e amplitude térmica. Dias dif-max dif-min Amplitude Sol Guandu 1 6,7-3 29,1 19,1 2 4,3 0,3 10,9 6,8 3 6,1-0,2 17,3 11 4 7,1-0,2 28,9 21,7 5 5,2-0,1 24 18,8 6 4,5 0,1 20 15,4 7 5,5-1 16,6 10 8 7,1-1,1 21,7 13,5 9 3,2-0,2 20,6 17,1 Média 5,5-0,6 21 14,8 1866
Figura 2. Temperatura do ar no interior do cafezal exposto ao sol e protegido com túnel de guandu em Londrina, PR, no dia 20/07/2008. Dia sem nebulosidade, destacando as diferenças diurnas e noturnas. Figura 3. Temperatura do ar no interior do cafezal exposto ao sol e protegido com túnel de guandu em Londrina, PR, no dia 01/11/2008. Dia com nebulosidade, destacando a atenuação das diferenças noturnas. Esses resultados são corroborados por alguns estudos publicados. No quadro 1 são apresentados de forma resumida as diferenças médias obtidas na temperatura máxima em cafeeiros consorciados com algumas espécies. 1867
Quadro 1. Média das temperaturas máximas em cafezais a pleno sol e sombreado Espécie Pleno Sol Sombreado - 2,5m da copa Referência Macadâmia 1 32,2ºC 30ºC Pezzopane at al. (2010) Coqueiro 2 39,0ºC 37,8ºC Valentini et al. (2010) Seringueira 2 39,0ºC 37,0ºC Valentini et al. (2010) A utilização prática do guandu como alternativa para redução das temperaturas deve ser realizada regionalmente, considerando as condições de clima e solo. Regiões com deficiência hídrica acentuada poderão ter maior competição do guandu com as plantas de café e requerer o uso de irrigação. 4 Considerações Finais Os resultados experimentais conduzidos no IAPAR e nos demais estudos comprovam que a arborização de cafezais é uma prática eficiente para atenuar os efeitos do aquecimento global nesta cultura. Considerando uma redução média de 1,4 o C na temperatura média, há um potencial para mitigar o aumento das temperaturas projetados nos cenários do IPCC para o final deste século. O manejo do guandu consorciado com os cafezais deve ser de tal forma a não prejudicar o potencial produtivo dos cafeeiros. Como o guandu é uma espécie que tolera bem a poda, é possível adequar a intensidade de sombra, principalmente nos períodos mais críticos da planta. Regiões com deficiência hídrica severa devem ser avaliadas com critério, por meio de experimentações locais e regionais. 5 Referências ASSAD, E. D.; PINTO, H. S.; ZULLO JUNIOR, J.; ÁVILA, A. M. H. Impacto das mudanças climáticas no zoneamento agroclimático do café no Brasil. Pesquisa Agropecuária Brasileira. Brasília, v.39, n.11, p.1057-1064, nov. 2004. BAGGIO, A. J.; CARAMORI, P. H.; ANDROCIOLI FILHO, A.; MONTOYA, L. Productivity of Southern Brazilian coffee plantations shaded by different stockings of Grevillea robusta. Agroforestry Systems, Dordrecht, Holanda, v.37, n.2, p.111-120, Maio. 1997. 1868
CAMARGO, M. B. P. The impact of climatic variability and climate change on Arabica coffee crop in Brazil. Bragantia, Campinas - SP, v. 69, n. 1, p. 239-247, dez. 2010. CARAMORI, P. H.; ANDROCIOLI FILHO, A.; LEAL, A. C. Coffee shade with Mimosa Scabrella Benth for frost protection in Southern Brazil. Agroforestry Systems, Dordrecht Holanda, v.33, n.3, p.205-214, mar. 1996. IPCC Intergovernmental Panel on Climate Change 2014. Synthesis Report Summary for Policymakers. 2014. Disponível em:< http://www.ipcc.ch/pdf/assessmentreport/ar5/syr/ar5_syr_final_spm.pdf>. Acesso em: 17 ago. 2015. LEAL, A. C.; SOARES, R. V.; CARAMORI, P. H.; BATISTA, A. C. ARBORIZAÇÃO DE CAFEEIROS COM BRACATINGA (Mimosa scabrella Bentham). Revista Floresta, Curitiba- PR, v.35, n.1, p.23-32, abr. 2005. MORAIS, H.; CARAMORI, P. H.; RIBEIRO, A. M. A.; GOMES, J. C.; KOGUISHI, M. S. Microclimatic characterization and productivity of coffee plants grown under shade of pigeonpea in Southern Brazil. Pesquisa Agropecuária Brasileira, Brasília-DF, v.41, n. 5, p.763 770, maio 2006. PEZZOPANE. José Ricardo Macedo. et al, Condições microclimáticas em cultivo de café conilon a pleno sol e arborizado com nogueira macadâmia. http://www.scielo.br/pdf/cr/2010nahead/a624cr2703.pdf. Acesso em: 02/08/2015. Revista Brasileira de Agrometeorologia, Santa Maria RS, v.9, n.3, p. 486-494, dez. 2001. SYLVAIN, P. Some observations on Coffea arabica L. in Ethiopia. Turrialba, Costa Rica: 1955. VALENTINI, L. S. P. et al. Temperatura do ar em sistemas de produção de café arábica em monocultivos e arborizados com seringueira e coqueiro anão na região de Mococa, SP. Bragantia, Campinas, v. 69, n. 4, p. 1005-1010, 2010. 1869