MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE APUCARANA/PR Inquérito Civil nº 1.25.016.000018/2015-01 RECOMENDAÇÃO Nº 03/2016/PRM/APU/GAB O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da República signatário, no uso de suas atribuições constitucionais e legais, com amparo nos artigos 127, caput, 129, incisos II e VI, da Constituição da República, artigos 1º, 2º, 5º, incisos III, e, IV e V, 6º, incisos VII, a e d, e XX, e 8º, inciso II, da Lei complementar 75/93; CONSIDERANDO que, nos termos do Art. 127, caput, da Constituição Federal, o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe velar pela defesa da ordem jurídica e dos interesses sociais e individuais indisponíveis; CONSIDERANDO que, nos termos do Art. 129, II, da Constituição Federal, cabe ao Ministério Público zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição da República, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; CONSIDERANDO e cabe ao Ministério Público a defesa judicial e extrajudicial dos interesses sociais e individuais indisponíveis, mormente os interesses difusos e coletivos (art. 127 e 129, II e III, da Constituição Federal, art. 1º da Lei n. 8.625/93 e art. 1º da LC n. 75/93); CONSIDERANDO que, nos termos do Art. 129, VII, da Constituição Federal, cabe ao Ministério Público exercer o controle externo da atividade policial; CONSIDERANDO que, nos termos do Art. 144, caput, da
Constituição Federal, a segurança pública é dever do Estado e direito e responsabilidade de todos, devendo ser exercida para preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio; Constituição Federal, a todos é garantido o direito à vida; CONSIDERANDO que, nos termos do Art. 5º, caput, da CONSIDERANDO 1 que o Mapa Estratégico Nacional do CNMP prevê entre os resultados institucionais: fortalecer o controle externo da atividade policial (Ação Nacional nº 15) e o fortalecimento da prevenção e repressão dos crimes graves, tanto comuns como militares (Ação Nacional nº 18); CONSIDERANDO que para efetivar essas ações, durante o IV Encontro Nacional de Aperfeiçoamento da Atuação do Ministério Público no Controle Externo da Atividade Policial, membros de todos os Ministérios Públicos assumiram o compromisso de empreender esforços para combater o auto de resistência seguido de morte, por meio de iniciativas que garantam que toda ação estatal que resulte em óbito terá a sua específica investigação policial; CONSIDERANDO que o uso desmesurado da força policial, em vez de reduzir a violência, promove o seu fomento e compromete a credibilidade das instituições policiais perante a sociedade; CONSIDERANDO que o mínimo que uma sociedade que conviva em um efetivo Estado Democrático de Direito espera é que, ocorrendo uma morte decorrente de intervenção policial, seja realizada a investigação, por meio da instauração do respectivo Inquérito Policial, ainda que exista um conjunto probatório a autorizar a conclusão da autoridade policial de que a conduta do agente estatal estava amparada em uma causa excludente de ilicitude; 1 Considerandos infra extraídos da Cartilha O MP no enfrentamento à morte decorrente de intervenção policial/conselho Nacional do Ministério Público. Brasília : CNMP, 2014. 2
CONSIDERANDO que o Auto de Resistência seguido de morte é uma prática costumeira que pode levar, equivocadamente, a não instauração do respectivo Inquérito Policial, o que se busca combater; CONSIDERANDO que se deve criar mecanismos para que o membro do Ministério Público com atribuição para o controle externo tenha imediato conhecimento da morte decorrente de intervenção policial, bem como a garantir que a investigação policial tenha maiores chances de registrar a verdade real por meio da preservação e da perícia do local dos fatos, bem como de uma necrópsia mais detalhada, com exame interno, documentação fotográfica e coleta dos vestígios, além de assegurar que o Inquérito Policial contenha informações sobre os registros de comunicação e movimentação das viaturas envolvidas na ocorrência, dentre outras providências; CONSIDERANDO o contido na Cartilha O MP no enfrentamento à morte decorrente de intervenção policial, do Conselho Nacional do Ministério Público, de 2014; CONSIDERANDO 2 a necessidade de regulamentação e uniformização dos procedimentos internos das polícias, objetivando conferir transparência na elucidação de ocorrências em que haja resultado lesão corporal ou morte decorrentes de oposição à intervenção policial; CONSIDERANDO 3 que os direitos à vida, à liberdade, à segurança e à integridade física e mental são elementares dos sistemas nacional e internacional de proteção de direitos humanos e se situam em posição hierárquica suprema nos catálogos de direitos fundamentais; CONSIDERANDO que todo caso de homicídio deve receber do Estado a mais cuidadosa e dedicada atenção e que a prova da exclusão de sua antijuridicidade, 2 Considerando extraído da Resolução Conjunta nº 2/2015, do CSP/DPF/MJ. 3 Considerandos infra extraídos da Resolução nº 8/2012, da SDH. 3
por legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento de dever legal ou exercício regular de direito apenas poderá ser verificada após ampla investigação e instrução criminal e no curso de ação penal; CONSIDERANDO que não existe, na legislação brasileira, excludente de resistência seguida de morte, frequentemente documentada por auto de resistência, o registro do evento deve ser como de homicídio decorrente de intervenção policial e, no curso da investigação, deve-se verificar se houve, ou não, resistência que possa fundamentar excludente de antijuridicidade; CONSIDERANDO que apenas quatro Estados da Federação divulgam amplamente o número de mortes decorrentes de atos praticados por policiais civis e militares (Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo e Santa Catarina) e que, nestes, entre janeiro de 2010 e junho de 2012, houve 3086 mortes em confrontos com policiais, sendo 2986 registradas por meio dos denominados autos de resistência (ou resistência seguida de morte) e 100 mortes em ação de policiais civis e militares; CONSIDERANDO que a violência destas mortes atinge vítimas e familiares, assim como cria um ambiente de insegurança e medo para toda a comunidade; CONSIDERANDO o disposto na Lei nº 12.527/2011, que regulamenta o direito fundamental ao acesso à informação, e na Lei nº 12.681/2012, que institui o Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais e sobre Drogas SINESP; CONSIDERANDO que o Decreto nº 7.037/2009, que aprova o Programa Nacional de Direitos Humanos 3 PNDH 3, em sua Diretriz 14, Objetivo Estratégico I, recomenda o fim do emprego nos registros policiais, boletins de ocorrência policial e inquéritos policiais de expressões genéricas como autos de resistência, resistência seguida de morte e assemelhadas, em casos que envolvam pessoas mortas por agentes de segurança pública ; 4
CONSIDERANDO o Relatório nº 141/11, de 31 de outubro de 2011, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos/OEA para o Estado Brasileiro, recomendando a eliminação imediata dos registros de mortes pela polícia por meio de autos de resistência; CONSIDERANDO o disposto no Relatório do Relator Especial da ONU para Execuções Extrajudiciais, Sumárias ou Arbitrárias - Philip Alston -, que no item 21, b, expressa como inaceitável o modo de classificação e registro das mortes causadas por policiais com a designação de autos de resistência, impondo-se a investigação imparcial dos assassinatos classificados como autos de resistência ; CONSIDERANDO que o Relatório Mundial de 2016 da Human Rights Watch em relação ao Brasil (dados de 2014) concluiu que O número de mortes cometidas por policiais, incluindo aqueles fora de serviço, subiram quase 40 por cento em 2014 para mais de 3.000, de acordo com dados oficiais compilados pela organização nãogovernamental (ONG) Fórum Brasileiro de Segurança Pública. No Rio de Janeiro-o Estado com a maior taxa de homicídios cometidos pela polícia, 569 pessoas morreram nas mãos de agentes em serviço no período de janeiro a outubro 2015, um aumento de 18 por cento sobre o mesmo período em 2014. Em São Paulo, em oficiais -Duty matou 494 pessoas nos primeiros nove meses do ano, um aumento de 1 por cento sobre o mesmo período em 2014 ; Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República; CONSIDERANDO o contido na Resolução nº 8/2012, da CONSIDERANDO o contido na Resolução Conjunta nº 2/2015, do Conselho Superior de Polícia do Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça e do Conselho Nacional dos Chefes de Polícia Civil; CONSIDERANDO que, nos termos do Art. 129, I, da Constituição Federal, compete ao Ministério Público promover privativamente a ação penal pública, cabendo ao Ministério Público juízo quanto à legalidade das intervenções policiais que 5
resultem em lesão corporal ou morte e, na sequência, submeter tal juízo ao Poder Judiciário; CONSIDERANDO que o a não investigação das intervenções policiais que resultem em lesão corporal ou morte implica em usurpação das atribuições do Ministério Público e do Poder Judiciário; O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, resolve com fundamento no art. 6º, XX, da Lei Complementar n. 75/93, RECOMENDAR ao Sr. Secretário de Segurança Pública e Administração Penitenciária do Estado do Paraná, ao Comandante-Geral da Polícia Militar do Paraná; ao Delegado-Geral da Polícia Civil do Estado do Paraná, ao Superintendente da Polícia Rodoviária Federal no Estado do Paraná, ao Superintendente da Polícia Federal no Estado do Paraná e ao Comandante da Força Nacional no Estado do Paraná que: a) insira um campo específico nos boletins de ocorrência e documentos congêneres para registro de incidência de mortes decorrentes de atuação policial, assegurando que o delegado de polícia instaure, imediatamente, inquérito específico para apurar esse fato, sem prejuízo de eventual prisão em flagrante; b) determine que o Ministério Público com atribuições sobre o caso seja comunicado, em até 24 (vinte e quatro) horas, quando do emprego da força policial resultar ofensa à vida, para permitir o pronto acompanhamento pelo órgão ministerial responsável; c) adote as medidas que se fizerem necessárias para que o delegado de polícia compareça pessoalmente ao local dos fatos, tão logo seja comunicado da ocorrência de uma morte por intervenção policial, providenciando o isolamento do local, a realização de perícia e a respectiva necrópsia, as quais devem ter a devida celeridade; d) determine que as respectivas Corregedorias investiguem as mortes decorrentes de intervenção de policiais da instituição; 6
e) assegure que, no caso de morte decorrente de intervenção policial, durante o exame necroscópico seja obrigatória a realização de exame interno, documentação fotográfica e coleta de vestígios encontrados, assim como que o Inquérito Policial contenha informações sobre os registros de comunicação e movimentação das viaturas envolvidas na ocorrência; e f) determine que seja imediatamente cumprida a Resolução Conjunta nº 2/2015, do Conselho Superior de Polícia do Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça e do Conselho Nacional dos Chefes de Polícia Civil. Fica estabelecido o prazo de 30 (trinta) dias para que a autoridade administrativa destinatária pronuncie-se acerca do acatamento da presente Recomendação e das medidas adotadas. 75/93, sob as penas da lei. Cumpra-se, nos termos do artigo 6º, XX, da Lei Complementar nº Apucarana/PR, 03 de fevereiro de 2016. ASSINADO DIGITALMENTE RAPHAEL OTAVIO BUENO SANTOS PROCURADOR DA REPÚBLICA 7