!"#$ Ele permanecia sentado, observando exausto as crianças saírem da sala, pensando que, naquele período escolar ao menos, seria razoável presumir que nenhuma das meninas estivesse grávida. Adeus, senhor, disse a última das crianças a sair. Adeus, Mason, disse o professor, Vejo você no próximo período, e a figura pequena, puída, perdeu-se no clarão da porta a classe agora não era senão uma balbúrdia de vozes animadas flutuando e desaparecendo no calor.
%& '( )* + O professor passou os olhos pelo cômodo vazio, que constituía a totalidade da escola, além de algumas precárias instalações sanitárias do lado de fora. Vinte e duas carteiras para vinte e oito alunos, meninos e meninas com idades de cinco a dezessete anos. Vinte e oito alunos, vinte e sete na escola somente porque a lei insistia que fossem educados até que tivessem ao menos quinze anos, ou porque algum fazendeiro desesperado, arrancando sustento das terras das grandes planícies do interior, pensava que a educação pudesse dar a seu filho um pouco da esperança que ele próprio tinha abandonado. E o vigésimo oitavo, o jovem Mason onze anos de idade, sedento por aprender, animado, inteligente e inexplicavelmente sensível, mas fadado a juntar-se às gangues dos trilhos assim que tivesse idade legal para isso, porque o seu pai era de gangue. O professor levantou-se e mexeu os ombros para soltar a camisa molhada de seu corpo e começou a fechar e trancar as janelas. Pelo vidro ele podia ver a planície se esticando em direção ao oeste, interrompida somente pelos aglomerados de arbustos endurecidos que conseguiam extrair sustento até mesmo aqui onde a terra estava virgem de qualquer traço de umidade havia meses. De algum modo as pessoas davam um jeito de viver no semideserto, de algum modo elas criavam ovelhas e gado uma cabeça a cada 10 acres e mantinham os animais vivos até atingirem peso suficiente para valerem algumas libras nos mercados costeiros da Austrália, e o professor nunca entendeu como. Algumas pessoas, proprietárias de milhares de milhas quadradas, até faziam fortuna aqui esperando as chuvas ocasionais, e então trazendo os rebanhos para alimentar-se nos tapetes de grama verde que apareciam de um dia para o outro. Mas agora não havia chovido durante quase um ano, o sol tinha murchado todas as coisas vivas exceto a vegetação rasteira. As pessoas tinham murchado, suas peles se contraindo e seus olhos afundando conforme seus rebanhos se tornavam ossos. Mas elas permaneciam em suas casas de madeira porque acreditavam que a chuva ia cair alguma hora. O professor sabia que em algum lugar não distante naquele mormaço trêmulo estava a fronteira de estado, marcada por uma cerca quebrada, e mais adiante no calor estava o centro silencioso da Austrália, o Coração
Morto. Ele olhou pelas janelas quase com prazer, porque esta noite ele estaria a caminho de Bundanyabba; amanhã pela manhã embarcaria em um avião; e amanhã à noite ele estaria em Sidney, e no domingo ele nadaria no mar. Pois o professor era um australiano da costa, um nativo da faixa de continente que existe entre o Oceano Pacífico e a Cordilheira Australiana, onde a natureza depositava as graças que negava tão firmemente ao oeste. O mar, mil e novecentos mil quilômetros para o leste, tinha se erguido e se encolhido em suas marés, do começo ao fim do dia durante um ano, e ele não o tinha visto. Por doze meses ele havia sido o mestre da escola de um só professor em Tiboonda, doze meses somente com o seu salário de férias para garanti-lo durante as pausas entre os períodos escolares. Então ele as tinha passado em Bundanyabba, a cidade mineradora de sessenta mil pessoas que era o centro da vida no território em torno da fronteira. Mas para o professor era somente uma variação maior de Tiboonda, e Tiboonda era uma variação do inferno. Mas agora as longas férias de Natal haviam chegado, seis semanas de folga, com pagamento de seis semanas. Duas semanas de pagamento cobririam sua passagem de ida e volta para Sidney, e restariam quatro semanas de pagamento, esticadas por visitas sensatas aos parentes. Seis semanas à beira-mar, para somente deitar-se na água e lavar a poeira que havia se infiltrado em seu ser. Ele terminou de fechar as janelas e olhou em volta, consciente do cheiro da sala de aula que sempre parecia mais forte depois que as crianças tinham saído. Um cheiro de giz, um cheiro de tinta, uma sugestão de cheiros de corpo e sanduíches velhos e miolos de maçã escurecidos, tudo misturado ao cheiro da poeira que, mesmo dentro da classe, levantava-se e fazia espirais em volta de seus pés conforme ele se mexia. Pegou sua pasta e caminhou para o sol lá fora. Ele sempre franzia o rosto quando o sol o atingia. Não conseguia aprender o truque que os locais tinham para manter seus olhos perpetuamente semicerrados. Forçou a porta de madeira em seu batente empenado e virou a chave. Então balançou a cabeça e pegou seus óculos de sol. Em um ano no oeste ele não tinha conseguido se decidir se os óculos serviam para alguma coisa ou não. O clarão era branco sem eles e cinza com eles, se é que um clarão pode ser
%& '( )* + cinza, e os feixes brancos entravam pelos lados, como pedrinhas afiadas se dirigindo a seus olhos. Ele tentou manter as pálpebras fechadas tanto quanto possível enquanto atravessava o pátio, passando pela ficção de uma cerca de madeira que se erguia em um fútil protesto contra a possibilidade de que o gado solto entrasse no pátio do recreio. A estrada só se distinguia dos campos pelas marcas profundas de pneus na poeira, e o professor podia sentir seus pés afundando nelas enquanto andava. A cem metros da escola ficava o hotel, e ao lado dele o desvio no trilho do trem chamado Estação Tiboonda. Os três prédios constituíam o conjunto da cidade de Tiboonda. Todos eram feitos de madeira e ferro, todos construídos no formato monótono de caixa baixa que caracteriza a arquitetura do oeste; e todos estavam infestados de cupim e mofo. Eles se erguiam na planície abjetamente, como se não fizessem mais nenhuma questão de constituir uma cidade. O professor andava devagar, tentando não levantar poeira. Em todas as direções pequenas nuvens mostravam onde seus alunos, a pé, de bicicleta ou a cavalo, separavam-se em direção aos alojamentos, casas de fazenda e cabanas nativas em que eles moravam. Para eles as seis semanas de férias significavam seis semanas aqui onde o leito do riacho era seco e rachado e a água para beber tinha que ser trazida de Bundanyabba pelo trem, e tudo o que eles podiam fazer era brincar na poeira, ou talvez provocar os camelos selvagens cujos ancestrais haviam formado o sistema de transporte do interior. Ele chegou ao hotel e caminhou pelo piso envelhecido da varanda até o bar. Aqui havia sombra, mas não estava fresco. Nunca estava fresco em Tiboonda, exceto à noite no auge do inverno quando o frio chegava até os ossos. No inverno você desejava o verão, e no verão você desejava o inverno, e o tempo todo você desejava desesperadamente estar a mil quilômetros de Tiboonda. Mas você tinha dois anos a cumprir para o Departamento de Educação, e se você saísse antes disso, você perdia o acordo que o seu tio arranjou para você quando você foi tolo o suficiente para pensar que queria dar aulas como profissão. E assim você ficaria por mais um ano, a
não ser que pela graça de Deus você conseguisse persuadir o Departamento a transferir você para o leste antes disso, e Deus provavelmente não tinha essa graça sobrando. Kenneth Cook nasceu em Sidney, em 1929, e morreu em 1987. Escreveu 21 livros, vários roteiros e também trabalhou como diretor de cinema. De sua estada como jornalista em Broken Hill, pequena cidade no coração do outback, o deserto australiano, vieram as observações que deram origem a Sobressalto, seu mais famoso livro. O romance, lançado em 1961 com o título original de Wake in Fright, foi publicado em vários países e idiomas. Sua importância no cenário literário da Austrália é tal que faz dele leitura frequentemente recomendada nas escolas. Chegou às telas em 1971, dirigido por Ted Kotcheff, num filme que ficou mundialmente conhecido pelo nome de Outback.