Analista em função ama?... o amor demanda o amor. Ele não deixa de demandá-lo. Ele o demanda... mais... ainda (Lacan) (1) Este texto é causado pelo interrogante insistente sobre o que é do amor ao final? Após o des-ser do tornar-se analista, qual a relação entre amor e desejo do psicanalista, na condução de uma analise? Analista em função é uma expressão que me ocorreu por saber que o o analista não há. Ou no dizer de Lacan: se só há amor do nome, o analista, este não se nomeia. Ele só está ali. (2) A delicada posição do psicanalista, sustentada pelo desejo do psicanalista, na intensão de sua práxis, exige que este opere com sua falta-a-ser _ ponto de falta de nada de real, falta esta tornada fundadora, condição do desejo, o qual Lacan nomeia poder da pura perda. Retornando à questão do amor na Psicanálise, desde Freud, introduziu-se uma nova erótica na vida pulsional, com claras evidências na clínica com a histeria. Lacan, encontrou-se atravessado em todo seu percurso com e Psicanálise, com a questão de Eros. Ousadamente, chega a definir a Psicanálise como a ciência das eróticas do corpo. (3) Os efeitos desta implicação do amor na práxis analítica são bem conhecidos : o amor é dar o que não se tem (1957) ; amor é um sentimento cômico (1960); o gozo do Outro [...] não é signo do amor ; amódio (1973); amor enganação de caráter narcísico; a função do agalma; amor em sua face de resistência; a natureza do amor é a natureza do úmido no amor como transferência; amor no ternário das paixões do ser; amor ao saber... um novo amor, um amor sem limite (1964) (4)? (Este ponto por si só já geraria um outro trabalho) É sabido que o amor mina da condição de desamparo _ que, tal qual o umbigo do sonho, resta para sempre _ ponto de ligação com o não-reconhecido (Unerkannt) _ o real, ponto propiciativo na estrutura e, na esfera do amor, ponto em que as operações constitutivas do humano alcançam a máxima hominização possível, já que a pulsão de morte é um fato de estrutura, que com Lacan, se fez não-toda. Deste mesmo além do princípio do prazer procede o desejo do analista, formação sustentada pelo real, que nunca autorizará o analista a encontrar uma identidade. No entanto, Lacan formalizará o desejo do analista como o operador necessário à possibilidade de uma psicanálise. Desejo do analista, como efeito pontual do tornar-se analista, em sua formação permanente, tem
sua função inaugurante reafirmada na contingência de cada percurso de cada analisante, sustentando o dispositivo analítico em funcionamento. O real da experiência analítica jamais é alguma coisa totalmente abordável e com a qual possamos nos habituar. Freud, no princípio de sua ética, preconizava aos analistas esquecer a cada novo caso, tudo o que sabiam. Com Lacan, se para um analista, um caso pode, então, nunca ser o mesmo, e ser sempre inédito, é porque existe a mais estrita relação entre a estrutura do desejo do psicanalista e a aptidão para encontrar o real da experiência analítica enquanto presença que desafia radicalmente toda apreensão pelo hábito.... O que se requer de um analista para que ele possa manter esta dimensão do inédito, já que só sob esta posição ética, sem concessão, pode-se repassar Freud? O desejo do analista, nomeado por Lacan de desejo X, no sentido de que tem o poder de conjugar o ser sempre o mesmo com o de ser, ao mesmo tempo, sempre novo. (5) O essencial é o buraco. Este desejo prevenido, este que se dispõe ao vazio da causa e ao real como operador fundamental, tornou-se advertido ao não mais desejar o impossível. A modalidade lógica que possibilita e é possibilitada por uma análise é a contingência _ aqui se encontra o pouco de liberdade para o sujeito ao final do tratamento, contrariando a determinação do necessário e do impossível. Deste pouco de liberdade, ao final, também advém a convocação de Lacan ao amor _ amor ao inconsciente. Será este transmissível?...qui n est pás amoureaux de son inconscient erre (6) Só há função analista como causa de desejo para um psicanalisante. Se o desejo do analista, enquanto função, é um operador estrutural produzido discursivamente, por que a temática do amor prossegue na obra lacaniana? Certamente, espera-se que o desejo do analista prevaleça sobre qualquer tentação do amor de transferência, já que aquele está para além do amar e ser amado. A afeição do desejo analista ao vazio e à causa como ex-istente, mantendo o objeto a à maior distância possível do ideal, é o que possibilitará ao analisante poder perder, aceder à falta, a fim de conquistar melhores condições possíveis ao exercício do amor e do desejo. O tornar-se analista e a formação do psicanalista têm sido alvo de muitos escritos desde Lacan. Mas para manter-se em função, basta um analista dispor de seu desejo? Como permanecer psicanalista. (7) Lacan, perguntava-se: Até onde os analistas são capazes de conduzir as análises, suportando em cada uma o risco de desaparecer? (3) No cenário da transferência analítica, algo já aponta ao irredutível do real. Analista em função, correndo risco de consumição, pode oferecer-se sempre como objeto de amor _ pois é bem disso que se trata na análise, não é? (2) Poder se fazer lenha úmida ardente (2) para qualquer um, ultrapassando a demanda de amor do analisante, tornando-a demanda incondicional, como propõe Lacan? No Aturdito (8), Lacan dá provas desta incondicionalidade do amor, amor aqui muito aproximado ao desejo de pura diferença do desejo do analista, quando se refere a aquilo que ama as mulheres, escolhendo o amor e não o desejo, nem tampouco o gozo. Seria aqui o ponto em que o Amor e o Desejo do Analista se tocam?
O Liebe freudiano é mais que amor. É amor, desejo e gozo numa só palavra. Mas é com Lacan que o amor ganhará função inédita : o amor favorece a renúncia ao gozo e pode se inscrever com função de mediação, possibilitando a articulação entre o gozo do Um e o desejo do Outro. Coisa estranha é o amor! Para além do amódio, sem equivaler-se a nenhum amor místico, um novo amor, um amor sem limites (4), acesso ao entusiasmo que se espera que um analista asceda, na práxis da ética do desejo. Ao final, um sentido vazio, puro non-sense, impulsionará um analista em sua aposta no real; tornar-se incessantemente surpreendível _ retorno à causa analítica. Este, o amor, ao final : Amor à causa, relançada indefinidamente. Declaração de um Novo Amor Coisa estranha este amor! Outro amor? Da falta ao vazio, pós ascese Amor sem exigências sem palavras sem loucuras barrada a forçagem Amor que não é paixão que não tampona o desejo. Amor se excesso seria ainda amor? Amor liberto Nem amado nem amante. Amor sem aprisionamentos, indeterminado,
Puro artífice de Eros, já não tenta fazer Um, já não busca complemento, nem ideal. Só amabilidade. Amor pacificado, Sem eco nenhum do fantasma, Sem invólucro agalmático, mutatis mutantis Não visa nada: só o vazio Amor advindo da morte Amor não-todo, face real do amor, Aspiração ao imprevisível Amor às contingências das perdas, esvaziado do gozo fálico. Amor silêncio Amor solitário Amor que sabe calar-se. que transita bem entre-parênteses. Amor sem garantias E por esta ausência legitimado Amorhumus
Amorgozo, Sempre paradoxal, Amorentusiasmo. Amor consumido, resto incurável, ressurge das cinzas do sonho do si mesmo.
Notas e referências bibliográficas : 1. Lacan, J. (1972-1973) _ Encore, Paris, Seuil, 1975 2. apud Allouch, J. O amor Lacan. R. J., Companhia de Freud, 2010 3. (1960) _ Le transfert, Paris, Seuil, 1991 4. (1964) _ Os quatro conceitos fundamentais, Ed. J. Zahar, RJ, 1979 5. Didier-Weill, A. Inconsciente freudiano e transmissão da psicanálise, Ed. J. Zahar, RJ, 1988 6. Lacan, J. (1974) _ Les non-dupes errent _ inédito 7. Guyomard, P. O gozo do trágico _ Antígona, Lacan e o desejo do analista, Ed. J. Zahar, RJ, 1996 8. (1972) _ L étourdit, Scilicet, n o 4, 1973 _ inédito