Analista em função ama?



Documentos relacionados
Desdobramentos: A mulher para além da mãe

UMA TOPOLOGIA POSSÍVEL DA ENTRADA EM ANÁLISE 1

ISSO NÃO ME FALA MAIS NADA! (SOBRE A POSIÇÃO DO ANALISTA NA DIREÇÃO DA CURA) 1

Um Quarto de Volta. Maria Cristina Vecino de Vidal. Discursos

Transferência e desejo do analista: os nomes do amor na experiência analítica ou Amar é dar o que não se tem

Devastação: um nome para dor de amor Gabriella Dupim e Vera Lopes Besset

Clínica Psicanalítica e Ambulatório de Saúde Mental

O amor e seu enlace com o saber e o gozo

FREUD: IMPASSE E INVENÇÃO

Opção Lacaniana online nova série Ano 3 Número 8 julho 2012 ISSN Há um(a) só. Analícea Calmon

A bela Junie 1 : uma conversa sobre o amor Ângela Batista 2

Almanaque on-line entrevista Uma questão para a AMP-América

MANIFESTO DE ENTIDADES BRASILEIRAS DE PSICANÁLISE. indissociáveis entre si: a análise pessoal, os cursos teóricos e a supervisão dos casos clínicos.

AMOR, TRANSFERÊNCIA E DESEJO

A fala freada Bernard Seynhaeve

A tópica lacaniana - simbólico, imaginário, real - e sua relação. com a função paterna

Os nós e o amor. Silvia Emilia Espósito* Palavras - chave: nós, real, amor, três registros

EX-SISTO, LOGO SÔO. O modo como soa o título do presente trabalho já nos faz suspeitar de que se trata de

Novos fundamentos para a psicanálise: Teoria da feminilidade generalizada

Violência Simbólica: possíveis lugares subjetivos para uma criança diante da escolha materna

Miller, J. A Un répartiroire sexuel, in: La Cause Freudienne, numero 34, Paris Navarin, 1998, pags

O SUPEREU NA DEMANDA DE AMOR INSACIÁVEL DAS MULHERES

Há ou não um ato sexual? 1

O FALO E A MORTE NA DINÂMICA DA NEUROSE OBSESSIVA

QUANDO AMAR É DAR AQUILO QUE SE TEM...

Latusa digital ano 0 N 2 setembro de 2003

A ética do tratamento psicanalítico: diagnóstico diferencial.

O desenho e sua interpretação: quem sabe ler?

MOURA, Marisa Decat de (ORG). Psicanálise e hospital 3 Tempo e morte: da urgência ao ato analítico. Revinter: Rio de Janeiro, 2003.

PÁGINA INICIAL: ACESSO RESTRITO Inserir seu Login e Senha. Clicar em ACESSAR.

Freud, S. Inibições, sintomas e ansiedade (1925). Em: Obras completas. Rio de Janeiro: Imago,

CLINICA DA ANSIEDADE: Um projeto terapêutico

Feminilidade e Angústia 1

A sua revista eletrônica CONTEMPORANEIDADE E PSICANÁLISE 1

A CRIANÇA, O ADULTO E O INFANTIL NA PSICANÁLISE. Desde a inauguração da psicanálise, através dos estudos de seu criador Sigmund

PSICANÁLISE: UMA ÉTICA DO DESEJO. perspectiva analítica, é de ter cedido de seu desejo (LACAN, 1991, p. 385). Mas que

AFORISMOS DE JACQUES LACAN

O sujeito e o sexual: no contado já está o contador

2- Ruptura com o Gozo Fálico: como Pensar a Neurose e a Psicose em Relação à Toxicomania?

DILMA MARIA DE ANDRADE. Título: A Família, seus valores e Counseling

APO TAME TOS SOBRE A A GÚSTIA EM LACA 1

Ô MÃE, ME EXPLICA, ME ENSINA, ME DIZ O QUE É FEMININA? nossos tempos não foge à regra. As mulheres, afetadas pela condição de não-todas,

CORPO FREUDIANO ESCOLA DE PSICANÁLISE SEÇÃO RIO DE JANEIRO PROGRAMAÇÃO INÍCIO: 07 de agosto FORMAÇÃO BÁSICA

Rousseau e educação: fundamentos educacionais infantil.

O papel do corpo na contemporaneidade, as novas patologias e a escuta analítica.

O amor em análise: algumas considerações a partir de depoimentos de passe Jussara Jovita Souza da Rosa

Texto base Jo 8: 12 a 59

Amor, Transferência e Desejo 1.

Os princípios da prática analítica com crianças

A FUNÇÃO DO PAGAMENTO EM ANÁLISE: LIMITES E POSSIBILIDADES NA INSTITUIÇÃO

Um percurso de nomes, objetos, angústia e satisfação

GRUPO DE ESTUDOS: TRANSFERÊNCIA:- HISTÓRIAS DE (DES)AMOR SUELI SOUZA DOS SANTOS. 3º Encontro - 31 de agosto No começo era o amor (Cap.

A ética na pesquisa com seres humanos sob um ponto de vista psicanalítico

Sobre o filme Sonata de Outono - Da (im)possibilidade do amor

Latusa digital ano 2 N 19 outubro de 2005

Tema: Sinais de risco nas clínicas mãe-bebê Coordenadora: Sonia Pereira Pinto da Motta

A REFORMA PSIQUIÁTRICA NO INTERIOR DO ESTADO DE SÃO PAULO: PSIQUIATRIA REFORMADA OU MUDANÇA PARADIGMÁTICA?

A moeda possui três funções básicas: Reserva de Valor, Meio de troca e Meio de Pagamento.

Considerações acerca da transferência em Lacan

O BRINCAR E A CLÍNICA

O exterior da inclusão e a inclusão do exterior

escrita como condicionante do sucesso escolar num enfoque psicanalítico

DO DESENVOLVIMENTO DA TEORIA PULSIONAL FREUDIANA PARA UMA REFLEXÃO SOBRE A RELAÇÃO ENTRE AMOR E ÓDIO. Ligia Maria Durski

Domingos Terra, s. j. A Gramática da Fé Cristã

O corpo para a psicanálise: notas sobre inibição e psicossomática. 1

O AUTISMO NA PSICANÁLISE E A QUESTÃO DA ESTRUTURA Germano Quintanilha Costa 1

A prova da devastação Daniela Goulart Pestana

O SIGNIFICANTE NA NEUROSE OBSESSIVA: O SINTOMA E SUA RELAÇÃO COM O DESEJO RILMA DO NASCIMENTO MEDEIROS E MARGARIDA ELIA ASSAD - UFPB

Por que estudar políticas educacionais? Ângelo Ricardo de Souza UFPR

O TEMPO DA HISTERIA: CONSIDERAÇÕES SOBRE O COLETIVO E O SUJEITO DO INCONSCIENTE Ana Costa

Os três tempos do objeto no Fort-Da (1) Maria Rita de Oliveira Guimarães Coordenadora Adjunta do Núcleo de Psicanálise e Criança

PODERES DO PSICANALISTA

1 Hospital Universitário Lauro Wanderley, UFPB.

UM AMOR DE CORPO E ALMA (A love of body and soul)

Autor: Luís Fernando Patsko Nível: Intermediário Criação: 22/02/2006 Última versão: 18/12/2006. PdP. Pesquisa e Desenvolvimento de Produtos

O REAL DA LÍNGUA O REAL DA HISTÓRIA considerações a partir do texto La Lengua de Nunca Acabar. Pêcheux e Gadet (1987)

Resumos. Seminário de Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Teoria Psicanalítica

O sinthome no autismo é o corpo

Oração. u m a c o n v e r s a d a a l m a

Resenhas de filmes Piaf: um Hino ao Amor

IDOSO. Série Prática Clínica. e Prática Clínica. Série Prática Clínica Série Prática Clínica. Série Prática Clínica. Série Prática Clínica

CORPO, IMAGEM, ORIFÍCIO: PONTUAÇÕES SOBRE O CORPO EM PSICANÁLISE. O valor do corpo como imagem, como suporte imaginário e consistência, por

Unidade 3: A Teoria da Ação Social de Max Weber. Professor Igor Assaf Mendes Sociologia Geral - Psicologia

SOCIEDADE E TEORIA DA AÇÃO SOCIAL

A Função do Nome Próprio no Campo do Sujeito

PsicoDom, v.2, n.2, jun. 2008

Dia 4. Criado para ser eterno

A importância teórica e prática do ensino de Jacques Lacan Palavras-chaves: Lacan, ensino, subversão, orientação. Zelma Abdala Galesi

DANIEL BLAUFUKS. hoje é sempre ontem. um rio de janeiro TINTA DA CHINA MMXIII

NÃO HÁ ATO SEXUAL, MAS HÁ ATO PSICANALÍTICO

FUNÇÃO MATERNA. Luiza Bradley Araújo 1

DISCENTE: EFRAYN PEREIRA

O sujeito e os gozos #08

REICH E A ECONOMIA SEXUAL

Márcio Peter de Souza Leite 4 de abril de 1997 PUC

Resenha: SEMPRINI, Andrea. A Marca Pós-Moderna: Poder e Fragilidade da Marca na Sociedade Contemporânea. São Paulo : Estação das Letras, 2006.

De onde vem a resistencia? 1

Gestão de Relacionamento com o Cliente CRM

SOCORRO! MEU FILHO VIROU ADOLESCENTE

Transcrição:

Analista em função ama?... o amor demanda o amor. Ele não deixa de demandá-lo. Ele o demanda... mais... ainda (Lacan) (1) Este texto é causado pelo interrogante insistente sobre o que é do amor ao final? Após o des-ser do tornar-se analista, qual a relação entre amor e desejo do psicanalista, na condução de uma analise? Analista em função é uma expressão que me ocorreu por saber que o o analista não há. Ou no dizer de Lacan: se só há amor do nome, o analista, este não se nomeia. Ele só está ali. (2) A delicada posição do psicanalista, sustentada pelo desejo do psicanalista, na intensão de sua práxis, exige que este opere com sua falta-a-ser _ ponto de falta de nada de real, falta esta tornada fundadora, condição do desejo, o qual Lacan nomeia poder da pura perda. Retornando à questão do amor na Psicanálise, desde Freud, introduziu-se uma nova erótica na vida pulsional, com claras evidências na clínica com a histeria. Lacan, encontrou-se atravessado em todo seu percurso com e Psicanálise, com a questão de Eros. Ousadamente, chega a definir a Psicanálise como a ciência das eróticas do corpo. (3) Os efeitos desta implicação do amor na práxis analítica são bem conhecidos : o amor é dar o que não se tem (1957) ; amor é um sentimento cômico (1960); o gozo do Outro [...] não é signo do amor ; amódio (1973); amor enganação de caráter narcísico; a função do agalma; amor em sua face de resistência; a natureza do amor é a natureza do úmido no amor como transferência; amor no ternário das paixões do ser; amor ao saber... um novo amor, um amor sem limite (1964) (4)? (Este ponto por si só já geraria um outro trabalho) É sabido que o amor mina da condição de desamparo _ que, tal qual o umbigo do sonho, resta para sempre _ ponto de ligação com o não-reconhecido (Unerkannt) _ o real, ponto propiciativo na estrutura e, na esfera do amor, ponto em que as operações constitutivas do humano alcançam a máxima hominização possível, já que a pulsão de morte é um fato de estrutura, que com Lacan, se fez não-toda. Deste mesmo além do princípio do prazer procede o desejo do analista, formação sustentada pelo real, que nunca autorizará o analista a encontrar uma identidade. No entanto, Lacan formalizará o desejo do analista como o operador necessário à possibilidade de uma psicanálise. Desejo do analista, como efeito pontual do tornar-se analista, em sua formação permanente, tem

sua função inaugurante reafirmada na contingência de cada percurso de cada analisante, sustentando o dispositivo analítico em funcionamento. O real da experiência analítica jamais é alguma coisa totalmente abordável e com a qual possamos nos habituar. Freud, no princípio de sua ética, preconizava aos analistas esquecer a cada novo caso, tudo o que sabiam. Com Lacan, se para um analista, um caso pode, então, nunca ser o mesmo, e ser sempre inédito, é porque existe a mais estrita relação entre a estrutura do desejo do psicanalista e a aptidão para encontrar o real da experiência analítica enquanto presença que desafia radicalmente toda apreensão pelo hábito.... O que se requer de um analista para que ele possa manter esta dimensão do inédito, já que só sob esta posição ética, sem concessão, pode-se repassar Freud? O desejo do analista, nomeado por Lacan de desejo X, no sentido de que tem o poder de conjugar o ser sempre o mesmo com o de ser, ao mesmo tempo, sempre novo. (5) O essencial é o buraco. Este desejo prevenido, este que se dispõe ao vazio da causa e ao real como operador fundamental, tornou-se advertido ao não mais desejar o impossível. A modalidade lógica que possibilita e é possibilitada por uma análise é a contingência _ aqui se encontra o pouco de liberdade para o sujeito ao final do tratamento, contrariando a determinação do necessário e do impossível. Deste pouco de liberdade, ao final, também advém a convocação de Lacan ao amor _ amor ao inconsciente. Será este transmissível?...qui n est pás amoureaux de son inconscient erre (6) Só há função analista como causa de desejo para um psicanalisante. Se o desejo do analista, enquanto função, é um operador estrutural produzido discursivamente, por que a temática do amor prossegue na obra lacaniana? Certamente, espera-se que o desejo do analista prevaleça sobre qualquer tentação do amor de transferência, já que aquele está para além do amar e ser amado. A afeição do desejo analista ao vazio e à causa como ex-istente, mantendo o objeto a à maior distância possível do ideal, é o que possibilitará ao analisante poder perder, aceder à falta, a fim de conquistar melhores condições possíveis ao exercício do amor e do desejo. O tornar-se analista e a formação do psicanalista têm sido alvo de muitos escritos desde Lacan. Mas para manter-se em função, basta um analista dispor de seu desejo? Como permanecer psicanalista. (7) Lacan, perguntava-se: Até onde os analistas são capazes de conduzir as análises, suportando em cada uma o risco de desaparecer? (3) No cenário da transferência analítica, algo já aponta ao irredutível do real. Analista em função, correndo risco de consumição, pode oferecer-se sempre como objeto de amor _ pois é bem disso que se trata na análise, não é? (2) Poder se fazer lenha úmida ardente (2) para qualquer um, ultrapassando a demanda de amor do analisante, tornando-a demanda incondicional, como propõe Lacan? No Aturdito (8), Lacan dá provas desta incondicionalidade do amor, amor aqui muito aproximado ao desejo de pura diferença do desejo do analista, quando se refere a aquilo que ama as mulheres, escolhendo o amor e não o desejo, nem tampouco o gozo. Seria aqui o ponto em que o Amor e o Desejo do Analista se tocam?

O Liebe freudiano é mais que amor. É amor, desejo e gozo numa só palavra. Mas é com Lacan que o amor ganhará função inédita : o amor favorece a renúncia ao gozo e pode se inscrever com função de mediação, possibilitando a articulação entre o gozo do Um e o desejo do Outro. Coisa estranha é o amor! Para além do amódio, sem equivaler-se a nenhum amor místico, um novo amor, um amor sem limites (4), acesso ao entusiasmo que se espera que um analista asceda, na práxis da ética do desejo. Ao final, um sentido vazio, puro non-sense, impulsionará um analista em sua aposta no real; tornar-se incessantemente surpreendível _ retorno à causa analítica. Este, o amor, ao final : Amor à causa, relançada indefinidamente. Declaração de um Novo Amor Coisa estranha este amor! Outro amor? Da falta ao vazio, pós ascese Amor sem exigências sem palavras sem loucuras barrada a forçagem Amor que não é paixão que não tampona o desejo. Amor se excesso seria ainda amor? Amor liberto Nem amado nem amante. Amor sem aprisionamentos, indeterminado,

Puro artífice de Eros, já não tenta fazer Um, já não busca complemento, nem ideal. Só amabilidade. Amor pacificado, Sem eco nenhum do fantasma, Sem invólucro agalmático, mutatis mutantis Não visa nada: só o vazio Amor advindo da morte Amor não-todo, face real do amor, Aspiração ao imprevisível Amor às contingências das perdas, esvaziado do gozo fálico. Amor silêncio Amor solitário Amor que sabe calar-se. que transita bem entre-parênteses. Amor sem garantias E por esta ausência legitimado Amorhumus

Amorgozo, Sempre paradoxal, Amorentusiasmo. Amor consumido, resto incurável, ressurge das cinzas do sonho do si mesmo.

Notas e referências bibliográficas : 1. Lacan, J. (1972-1973) _ Encore, Paris, Seuil, 1975 2. apud Allouch, J. O amor Lacan. R. J., Companhia de Freud, 2010 3. (1960) _ Le transfert, Paris, Seuil, 1991 4. (1964) _ Os quatro conceitos fundamentais, Ed. J. Zahar, RJ, 1979 5. Didier-Weill, A. Inconsciente freudiano e transmissão da psicanálise, Ed. J. Zahar, RJ, 1988 6. Lacan, J. (1974) _ Les non-dupes errent _ inédito 7. Guyomard, P. O gozo do trágico _ Antígona, Lacan e o desejo do analista, Ed. J. Zahar, RJ, 1996 8. (1972) _ L étourdit, Scilicet, n o 4, 1973 _ inédito