PEDAGOGIA DO SILÊNCIO Eduardo Guedes Pacheco * Resumo Tomando como referência as palavras de Rui Canário, as quais nos lembram que a modernidade inaugura uma relação entre aqueles que ensinam e aqueles que aprendem a partir da seguinte situação: o professor fala para todos como se todos fossem um, este trabalho busca problematizar a atuação docente no âmbito do Ensino Superior. Buscamos inspirações nos estudos de artistas, filósofos e professores que, através de seus trabalhos, servem com intercessores para a discussão aqui proposta. Tomamos de John Cage seus estudos para problematizar as docências experimentadas pelo silêncio, assim como o compositor o fez na sua obra 4 33, música na qual o silêncio provocou o surgimento de outras sonoridades ainda não experimentadas no espaço de concerto. Este ensaio apresenta as inquietações do ARTDIFE (Arte, Diferença e Educação), grupo de pesquisa da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul Brasil. A questão que guia este trabalho é como o silêncio pode ser tomado como ato de provocação e ferramenta de produção de pensamento. Juntam-se a John Cage provocações feitas por Nietzsche, onde a arte assume papel importante nas possibilidades de entendimento sobre a vida, Deleuze e Guattari dos quais tomamos as suas propostas de entendimento sobre arte entendida como forma de pensamento expressa por sensações, e, Sílvio Ferraz, com suas extrapolações sobre a composição. Assumimos estes intercessores para investigar a possibilidade de que a ação docente possa ser tomada, assim como na composição em arte, como espaço de criação, onde a atuação do professor ultrapasse as ações ligadas a comunicação e possa assumir que ensinar e aprender no espaço do ensino superior possa ser entendido como um lugar de composição. PALAVRAS-CHAVE: Silêncio; composição; docência. Os lugares educacionais apresentam alguns traços que ajudam a elaborar presenças na vida cotidiana. Entre estes podemos destacar as formas de organização física dos espaços escolares e as formas de organização sonoras destes mesmos espaços. Ainda, as maneiras pelas quais as relações com o conhecimento são estabelecidas obedecem a um registro de hierarquização onde não só os conteúdos são organizados a partir de entendimentos pautados por supostas importâncias, como também, de que forma professores e alunos devem ser relacionar entre si e com os conhecimentos. A grande maioria dos espaços chamados de sala de aula escolhe a seguinte organização: qualquer forma que permita o professor ter a primazia da palavra. É o pensador português Rui Canário (2005) que nos lembra, a Modernidade inaugura um modelo inédito nas situações de Educação, o professor fala para todos como se todos fossem um. Tomando este cenário como primeira provocação para a realização deste trabalho, este ensaio é inspirado na obra do compositor John Cage (2011) do qual tomamos o Silêncio como possibilidade de problematização dos espaços de atuação docente. * Prof. Adj. Universidade Estadual do Rio Grande do Sul UERGS.
Ao escolher este compositor para atuar como intercessor na elaboração de um trabalho voltado para a Educação, em especial, para a formação de professores de Arte, este texto assume que sua intenção é duvidar, questionar as relações e as regras que conduzem a organização dos espaços escolares pautados por relações hierárquicas que desqualificam aqueles que estão posicionados nos lugares de subalternidade no contexto escolar. Burlar as hierarquias é buscar por transformações. Transformar os conteúdos, os conhecimentos, buscando assim, que as relações entre aqueles que atuam nos espaços escolares aconteça também pela produção de encontros inéditos. Tomando emprestadas as palavras de Jonh Cage que nos dizem que o silêncio não é acústico, é uma mudança da mente, uma reviravolta, a Pedagogia do Silêncio é a tentativa de uma mudança, de uma reviravolta nas naturalizações que tomam conta dos espaços educacionais. No seu artigo o Futuro da Música (2006) o compositor nos coloca que não basta que as preocupações políticas dos compositores sejam expressas apenas por seus discursos e que as suas músicas não apresentem as vontades de mudanças sociais, ou seja, a obra de arte pode expressar através da sua presença as vontades de mudança política propostas por palavras ditas ou escritas. Para tanto, a Pedagogia do Silêncio busca que seus movimentos possam ser produzidos, construídos, desmontáveis, reversíveis, modificáveis, como múltiplas entradas e saídas, assumidamente contra os sistemas centrados, de comunicações hierárquicas e ligações pré-estabelecidas (DELEUZE e GUATTARI, 1995a, p.32). É uma tomada de posição contra as performances docentes guiadas pelas ordens das falas dos professores. É a busca pela mudança de relação entre aqueles que aprendem e aqueles que ensinam. Professores quando ensinam, quando interrogam seus alunos se questionam? As ações docentes nos diversos espaços de atuação podem ser conduzidas para além da execução das palavras de ordem (DELEUZE E GUATTARI, 1995b)? Os encontros entre aqueles de desejam ensinar e os que desejam aprender pode ser conduzido pela vontade de compor ações docentes e discentes? O encontro entre aqueles que desejam ensinar e aqueles que desejam aprender pode ser provocador de composições com o conhecimento? Tais questionamentos conduzem este ensaio, ou seja, expressam a vontade de colocar em dúvida, de questionar a formação inicial e continuada de professores de arte tendo o silêncio como provocador e disparador de uma pedagogia da composição. A Pedagogia do Silêncio toma como inspiração a peça do compositor já citado 4 33, obra onde o músico ao sentar para tocar piano fica durante um tempo em silêncio, provocando a produção sonora da plateia, movimento este produzido pelo desconforto daqueles que assistiam a execução de uma música silenciosa. Tomando o silêncio do músico como propulsor de outras sonoridades, a Pedagogia do Silêncio busca na super inflação da atuação do professor de Arte (a falação) a possibilidade para que outras vozes possam soar nos espaços educacionais. E a produção
do Silêncio da voz do professor a principal fonte para a busca por sonoridades inéditas nas salas de aula. O silêncio, na perspectiva deste ensaio, que pode ser entendido como um exercício de tradução dos modos de silêncio utilizados por Cage para pensar a arte e a vida, não é tratado como ausência, como falta. Musicalmente, na prática o silêncio não é a ausência de uma presença, mas a presença de uma ausência: uma ausência que se faz ouvir, que faz diferença, que produz. (HELLER, 2008, p.16). Ao traduzirmos esse entendimento para as ações docentes, o silêncio do professor passa a ser entendido como um gesto, uma atitude. Uma forma de provocação, de questionamento, uma ação pedagógica que se faz presente através de um movimento, o silêncio. O entendimento escolhido por esta Pedagogia apresenta como possibilidade de problematização o afastamento da primazia da razão nos espaços educacionais. Esta proposta entende que as vontades de desenvolvimento e crescimento humanos possam ser pautados também, pela produção de sentidos (DELEUZE e GUATTARI, 1992) nos contextos escolares. Para tanto, nossa proposta escolhe tratar a sala de aula como lugar identificado com a composição em Arte. Para o filósofo músico Silvio Ferraz (2005), a composição não busca formas de organização. O que ela busca é realizar encontros entre, corpos, figuras, sons, materiais que ao se encontrarem produzam potências de sensação. Compor é desenhar um lugar, preestabelecer o que tem por lá, por algumas pedras, umas passagens, umas saídas, criar umas ranhuras que possam, quem sabe atrapalhar uma visão que era clara (FERRAZ, 2005, p. 97). A partir desta escolha de entendimento, a atuação docente do professor de Arte passa a fazer parte das possibilidades dos movimentos de uma composição. O convite é que o docente, ao realizar o gesto silencioso possa propor que as relações, a produção e as situações que envolvem os espaços de atuação em educação sejam guiadas pelas vontades compartilhadas com a criação em Arte. O que define suas potências são as qualidades dos encontros e suas forças. Desta forma, o espaço escolar é um lugar em constante devir. São afastados os entendimentos pré-definidores e autoritários. A atuação docente se afasta das possibilidades de mediação e o professor passa a ser um compositor de ações, de relações e produções com o conhecimento, onde os demais presentes (alunos e alunas) não ocupam posições de passividade, mas sim de compositores, assim como seus professores. A Pedagogia do Silêncio, busca (des)nomear as relações estabelecidas nos contextos escolares, des(fazer) as doutrinas e dogmas enquanto formas de ordem e dever ser tão comuns na Educação, (des)objetar as possibilidades de composição em arte, (des)ordenar as relações entre aqueles que atuam nos espaços escolares (professores e alunos) (BARROS, 2003). Tudo isso escolhendo a possibilidade de que o Silêncio possa se transformar em elemento provocador, instrumento de (des)acomodação e o que entendemos por processos de formação possam se
constituir em ações de (des)educação (PACHECO, 2012), na medida em que a experimentação, a busca pelo inédito, a criação compõem formas de transformar aqueles que estão envolvidos nas situações aqui propostas. Partindo desta proposição, o processo de Educação é transformado numa ação (des)educativa já que atuar através da Pedagogia do Silêncio é (des)acomodar certezas, lugares, posições e flertar não só com as relações e produções de conhecimento, mas também flertar com as possibilidades de invenção de si, que por ventura podem provocar a (des)sujeitação de professores e alunos nos espaços escolares. A proposta aqui apresentada propõe que a ação docente tenha como guia a artistação, aqui entendida como o inventar constante do viver. É no seu livro Nascimento da Tragédia (1991) que Friedrich Nietzsche nos convida a pensar sobre possibilidade de tratarmos a vida como obra de Arte, ou seja, que possamos inventar nossa vida, compor, e que nossos eus possam não ter posições fixas, e sim lugares de transições coloridos por nossas vontades de criação, vontade essa que possibilita que o sujeito deixe de ser um lugar determinado. Esse é o convite da Pedagogia do Silêncio, propor que a atuação docente possa ser uma provocadora de composições de vidas. Referências BARROS, M. Memórias inventadas: a infância. 2ª São Paulo: Planeta, 2003. CAGE, J. Silence. 50 ªEd. Ed. Wesleyan University Press: United States of América, 2011.. O futuro da música. In.: Escrito de artistas: anos 60/70 seleção e comentários. Tradução: Pedro Süssekind. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006. p. 311-330. CANÁRIO, R. O que é a Escola. Porto: Porto Editora, 2005. FERRAZ, S. O livro das sonoridades [notas dispersas sobre composição] um livro de música para não-músicos para músicos. 1ªEd. Rio de Janeiro: Editora 7 Letras, 2005. GILLES, D.; GUATTARI, F. O que é a filosofia? 1ªed. Tradução: Bento Prado Jr e Alberto Alonso Muñoz. São Paulo: Editora 34, 1992.. Mil Platôs, Capitalismo e Esquizofrenia Vol. I. 1ª Ed. Tradução: Aurélio Guerra e Célia Pinto Costa. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995a.. Mil Platôs, Capitalismo e Esquizofrenia Vol. II. 1ª Ed. Tradução: Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Claudia Leão. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995b. HELLER. A. A. Jonh Cage e a Poética do Silêncio. 2008. Tese (Doutorado em Literatura) Centro de Comunicação e Expressão - Curso de Pós Graduação em Literatura, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.
NIETZSCHE, F. O Nascimento da Tragédia ou Helenismo ou Pessimismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. PACHECO, E. G. Por uma (DES)educação Musical. 2011. Tese (Doutorado em Educação).Faculdade de Educação - PPGE, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.