Comparações Internacionais sobre o Gasto em Saúde no Brasil



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Transcrição:

Comparações Internacionais sobre o Gasto em Saúde no Brasil Introdução André Medici Na última quarta-feira, (dia 6 de junho de 2012), o Estadão publicou na página 2 um artigo intitulado O Brasil deveria gastar mais com saúde? (1) A presente postagem procura elaborar um pouco mais sobre este artigo e dar algumas evidências estatísticas sobre os argumentos desenvolvidos. Em livro recém publicado (2), argumento que é praticamente impossível saber quanto um país deve gastar com saúde, a menos que estejam respondidas algumas perguntas: Quais as necessidades de saúde da população? Estas necessidades poderiam ser financiadas com os recursos financeiros públicos e/ou privados disponíveis ou com menos ou mais recursos do que os que se prentede alocar? Os recursos existentes são alocados da forma mais eficiente ou poderiam ser melhor alocados? A população realmente quer gastar esses recursos com saúde ou tem outras preferências? O valor a ser alocado em saúde deveria ser gasto em outros setores sociais ou econômicos para o atendimento de outras necessidades mais urgentes do que as necessidades de saúde? A forma como se pretende gastar os recursos de saúde representa a combinação do uso dos recursos que melhor atende às necessidades de todos, de forma equitativa? Necessidades de saúde As necessidades da saúde da população brasileira, segundo o texto da Constituição de 1988, devem ser cobertas integralmente. Mas como se define cobertura integral? Seriam todas as necessidades de saúde sentidas por cada um ou as necessidades coletivas estabelecidas de acordo com critérios racionais? Que limites haveriam para o conceito de integralidade? Que desejos, caprichos, experiências com produtos não testados mas demandados por lobbies farmacêuticos através da pele de grupos organizados de pacientes estariam sendo cobertos sob o conceito de integralidade?

A sociedade brasileira, incluindo o Ministério da Saúde, ha tempos vem discutindo o conceito de integralidade, sem chegar a uma conclusão. Existe implicitamente um rol de procedimentos financiados pelo SUS, que em tese é maior do que aquele rol de procedimentos que cabem na lista da saúde suplementar, mas inferior ao que consta na tabela da Associação Médica Brasileira (AMB). Mas de forma explícita ainda não se chegou a nenhuma conclusão sobre o conceito de integralidade. Podemos utilizar o perfil epidemiológico da população como uma proxy das necessidades de saúde, mas acabamos enfrentando o mesmo problema, dado que não é fácil definir uma linha de corte. Que necessidades estariamos financiando? As que atingem 90%, 95%, 99% ou 100% dos procedimentos de promoção, prevenção e tratamento, incluindos os mais novos e não testados medicamentos e tecnologias? Poderíamos fazer uma distribuição de frequência das necessidades de acordo com critérios objetivos, como o impacto na mortalidade e na morbidade (ou nos anos de vida saudáveis perdidos - AVISAs)? A verdade é que nenhum político (inclusive aqueles que utilizam a pele de técnicos) gostaria de responder objetivamente a esta questão. A garantia constitucional da integralidade é mais que suficiente para que a população bem informada e acessorada por advogados possa pedir na justiça os procedimentos, exames, tratamentos ou terapias que o setor público ou os planos de saúde não incluem em suas listas. No entanto, quanto mais entramos no rol dos procedimentos de alta tecnologia e das inovações medicamentosas não cobertas por estas listas, maiores serão os custos para atender a todos. E se o cobertor do financiamento é curto, acabamos deixando de fora os que estão em baixo para cobrir os que estão em cima da pirâmide social, embora o discurso dos políticos continue pregando a defesa da igualdade ao acesso à saúde garantida pela Constituição. Os países desenvolvidos já sabem ha muito tempo que quando os recursos são escassos se requer uma definição de prioridades. Mas a Constituição de 1988 não falou de prioridades em saúde. Falou em inclusão integral e igualitária. E até que consigamos sair deste imbroglio, o tempo passa e os mais pobres ficam com uma cobertura menor e de pior qualidade. No Brasil todos pedem mais

recursos para a saúde, mas ainda não sabemos o que vamos financiar sob o conceito de integralidade. Os recursos para o financiamento da saúde Suponhamos que sabemos quais são as necessidades de saúde da população. Outro problema surgiria. Poderemos financiar a saúde com os recursos existentes? O argumento que vem sendo usado neste caso é que o Brasil gasta menos em saúde do que outros países. No entanto, não existe unanimidade quanto ao conceito de gasto em saúde e sua mensuração e vários conceitos surgem nas análises que rodam na praça, muitos dos quais inadequados. Podemos dizer que, em termos de comparações internacionais, pelo menos dois conceitos são importantes: (i) o gasto em saúde como proporção do PIB e (ii) o gasto per-capita com saúde (neste caso, utilizando o conceito de paridade do poder de compra PPC). O gasto em saúde como proporção do PIB estaria medindo a parte da riqueza nacional que a população dedica para pagar bens e serviços de saúde através de seus distintos agentes econômicos: o govêrno, as famílias e as empresas. O gráfico abaixo, mostra que, segundo os dados da Organização Mundial da Saúde - OMS - (3), o Brasil era o quarto país com maior participação do gasto em saúde no PIB, entre os países da América Latina e Caribe. Com seus 8,4% do PIB, o Brasil, so tinha um gasto em saúde como proporção do PIB inferior a Cuba, Nicaragua e Costa Rica. Portanto, a sociedade brasileira dedica uma boa parte da riqueza gerada a cada ano para a saúde, quando comparada com outros países latino-americanos.

Já o gasto com saúde percapita estaria medindo o valor absoluto que se gasta com saúde, permitindo conhecer quanto cada brasileiro dispõe para gastar com saúde em média. Isto permite fazer comparações reais do que cada país dispõe para gastar com a saúde de cada um de seus habitantes. Considerando este índice, o Brasil não ocupa uma posição tão elevada no contexto latinoamericano. Com US$ 875 percapita de gasto em saúde por ano, nosso país é o 10º. no ranking dos países a ALC. Isto ocorre por vários motivos. Primeiramente porque países com renda per-capita mais elevada que o Brasil, como Argentina, Chile, Uruguai, Costa Rica e Panamá e alguns países do Caribe Inglês (Barbados, Bahamas e Trinidad y Tobago) tinham mais riqueza disponível para gastar com saúde em termos absolutos. No entanto, o Brasil gastava mais do que países como México, Colômbia e Venezuela, como pode ser visto no gráfico abaixo.

Saindo da América Latina e indo em direção aos BRICS (4), o Brasil é o país com maiores gastos em saúde como porcentagem do PIB entre este conjunto de 5 países (tabela abaixo). Mas no que se refere ao gasto percapita ocupava a terceira posição. Seu gasto em saúde em 2008 equivalia a 48% do gasto da África do Sul e 89% do gasto da Rússia. Mas isso é natural, dado que a renda percapita destes dois países era pelo menos o dobro da renda percapita brasileira em termos de paridade do poder de compra. Poderemos ainda comparar o gasto percapita em saúde e o produto nacional bruto (PNB) per-capita (ambos em PPC) entre a quase totalidade das nações do mundo (193 países), para avaliar aonde se situa o Brasil, como pode ser visto no gráfico abaixo. Neste caso, considerando que a curva de ajuste do comportamento destas duas variáveis representa uma média, pode-se dizer que, dado o seu nivel de renda, o Brasil tem um gasto em saúde por habitante (considerada sua renda percapita) acima da média mundial.

Portanto, se o financiamento da saúde fosse organizado sob princípios de gestão eficiente e equidade distributiva, o gasto em saúde no Brasil não estaria mal na foto. Mas o problema é saber se os princípios acima enumerados efetivamente se cumprem, pois se existem ineficiências na gestão e inequidades na distribuição, os recursos disponíveis para serem gastos com saúde podem não ser suficientes. Gasto Público x Gasto Privado em Saúde Quando se fala sobre a necessidade de maior financiamento da saúde no Brasil, em geral se fala sobre a necessidade de mais recursos públicos para a saúde e isto requer uma análise mais detalhada. Baseando-se nas estimativas de gastos em saúde da OMS, podemos inferir que o gasto mundial em saúde alcançou US$ 6,1 trilhões em 2008, dos quais 60% seriam gastos públicos (diretos do governo ou indiretos através de instituições públicas de seguro social) e 40% seriam privados (através de gastos diretos das famílias, instituições privadas de seguro ou filantropia). Uma análise dos dados da OMS também permite demonstrar que quanto maior é o nivel de renda de um país, maior tende a ser a participação do gasto público sobre o gasto total em saúde, como pode ser visto no gráfico abaixo.

Países classificados como de renda média alta (grupo no qual o Brasil se insere), estão gastando em média 57% dos seus gastos em saúde através do setor público. No entanto, o Brasil gasta somente 44%, estando portanto numa faixa de participação do gasto público intermediária entre um país de renda baixa e de renda média baixa. Fazendo um outro conjunto de comparações do gasto público, podemos notar que entre os países da América Latina, o Brasil é um dos que tem a menor participação do gasto público no conjunto dos gastos em saúde (44%), tendo participação equivalente a do Chile e ficando somente a frente do Perú, Equador, El Salvador, Guyana e Honduras neste indicador. No entanto, considerando o gasto público percapita em saúde, se poderia dizer que o Brasil, com US$ 386 anuais em 2008, encontrava-se numa posição intermediária, embora estando abaixo de países como a Argentina, Cuba, Uruguai, Chile, Costa Rica, Colômbia e México, para dar alguns exemplos (ver gráfico abaixo). Existem no entanto algumas nuances que devem consideradas.

A primeira delas é que boa parte dos países latino-americanos incluem, em seu componente de gasto público os gastos com seguros públicos de saúde (como é o caso da Colombia, Uruguai, Argentina e Chile) o que não acontece com o Brasil, onde a totalidade do gasto público é diretamente administrada pelo governo, ainda que através da compra de serviços prestados por estabelecimentos públicos e privados de saúde. A organização de gastos públicos sob a forma de seguros apresenta algumas vantagens. Entre elas, o fato de que o financiamento está sujeito a formação de reservas e ao uso de cálculos atuariais no processo de gestão, onde o elemento risco é importante na tomada de decisões do que se deve financiar. Com isso, o financiamento fica um pouco mais protegido de crises econômicas que poderiam levar a reduções drásticas na arrecadação com efeitos negativos no gasto público direto em saúde. O Brasil, desde 1996, tem tido um bom desempenho na arrecadação fiscal, permitindo uma expansão contínua do gasto público em saúde numa fase de crescimento econômico moderado. Se consideramos o período que vai de 2007 a 2011, podemos notar um crescimento contínuo dos gastos federais em saúde que aumentaram 53% no período, como foi discutido no artigo A Regulamentação da EC-29 e o Financiamento da Saúde no Brasil postado neste blog em 16 de Janeiro deste ano. No entanto, não se sabe quais seriam os efeitos de uma crise econômica prolongada que trouxesse impactos negativos na arrecadação sobre os gastos públicos em saúde no Brasil.

Comparando-se o gasto público percapita em saúde na quase totalidade dos países ao nivel mundial, em função de sua renda percapita, pode-se dizer que o Brasil, em 2008, não estava acima da curva de ajustamento médio, mas encontrava-se na média, sendo seu gasto público em saúde percapita compatível com seu nivel de renda (ver gráfico abaixo). Considerações Finais Gastar mais em saúde dever ser uma opção da sociedade. Ao longo da última década, as várias pesquisas de opinião realizadas pelo IBOPE e patrocidadas pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) tem demonstrado um crescimento da saúde entre as preocupações dos brasileiros. A pesquisa CNI- IBOPE em 2002 mostrou que a saúde era o maior problema na vida de 41% dos brasileiros, sendo somente superado pelo desemprego. Mas em setembro de 2011 a saúde era o maior problema na vida de 52% da população brasileira. Entre dezembro de 2011 e março de 2012, a aprovação da política de saúde do governo cresceu de 30% para 34%, mas cerca de 63% dos brasileiros ainda desaprovam tal política. A maioria dos brasileiros, no entanto, acha que se deveria aumentar o gasto público com saúde, mas considera que, além disso, se deveria aumentar a eficiência e combater a corrupção no setor. Os dados apresentados, mostram que o Brasil gasta em saúde acima da média dos países da América Latina e do Caribe, mas a participação do gasto público sobre o gasto total em saúde está abaixo da verificada neste mesmo conjunto de países. O Brasil tem uma alta participação do gasto direto das famílias no total

do gasto em saúde (cerca de 28% em 2010). Poderiamos considerar a hipótese de que aumentar o gasto público em saúde no Brasil (de forma eficiente e equitativa) levaria à redução do gasto direto das famílias com saúde. Esse efeitosubstituição poderia levar o gasto em saúde como porcentagem do PIB a não se elevar substancialmente. No entanto, o efeito substituição somente ocorreria se o gasto público fosse focalizado nos mais pobres (contribuindo para aumentar a equidade) ou gerenciado de forma mais eficiente. As discussões a respeito do financiamento da saúde no Brasil, mostram uma certa unanimidade quanto a necessidade de aumentar o gasto público em saúde. No entanto, pouco se discute quanto às opções necessárias para que o aumento do gasto público reverta em melhores benefícios para a população sem gerar efeitos negativos na já elevada carga tributária brasileira. Valeria, a título de conclusão, comentar que: 1. A criação (ou recriação) de impostos específicos para a saúde, como a CPMF, estaria fora de cogitação, num contexto onde a carga tributária do país é considerada uma das mais altas do mundo, com efeitos negativos sobre a competitividade internacional da indústria brasileira. 2. Aumentar a participação do gasto público em saúde no orçamento, reduzindo a participação de outros gastos governamentais poderia ser a melhor opção. Existem muitos gastos supérfluos associados a interesses lesivos à sociedade brasileira no interior do orçamento federal, e também dos Estados e Municípios, que poderiam ser eliminados abrindo espaço para um aumento dos gastos com saúde. Mas isto exigiria da classe política um esforço real de discussão de prioridades de alocação do gasto público; 3. Um outro tema seria aumentar a complementariedade dos gastos do SUS com o da Saúde Suplementar, fazendo com que houvesse uma opção real entre os dois sistemas. Existem diversas formas de aumentar esta complementariedade e direcionar os recursos do SUS para aqueles que mais precisam, mas é importante ressaltar que isto poderá ser uma real opção para evitar duplicações de cobertura e desvios no uso dos recursos públicos para gastos de baixa prioridade social.

Em síntese, a resposta a dois desafios deveriam sair desta discussão: Primeiro: usar de forma mais eficiente e equitativa os recursos públicos em saúde poderia trazer efeitos na melhoria da cobertura e qualidade do acesso da população brasileira à saúde, beneficiando particularmente os mais pobres e excluídos. Segundo: aumentar gastos públicos em saúde não pode ser feito simplesmente com mais recursos financiados a descoberto. É necessário, antes de tudo, definir prioridades no uso de um orçamento público que tem recursos finitos. Para tal, o executivo e o legislativo deveriam abrir mão de suas agendas pessoais e corporativas e se associar a uma agenda republicana de debate de idéias, interesses e prioridades para toda a população brasileira. Estaríamos maduros, como país, para responder a estes dois desafios? Notas 1. Acesso através do link http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,obrasil-deveria-gastar-mais-com-saude-,882997,0.htm 2. Medici, A.C., Do Global ao Local: Os Desafios da Saúde no Limiar do Século XXI, Ed IBEDESS-Coopmed, Belo Horizonte, 2011. O livro pode ser adquirido diretamente da Editora através do site http://www.coopmed.com.br/clv/product_info.php?products_id=101&o scsid=3098d44b203f599c86ed6d133865df26 3. WHO, World Health Indicators, Ed. WHO, Geneve, 2011. 4. Ver o artigo A Saúde nos BRICS: Progressos e Perspecitvas para 2011, postado em 11 de janeiro de 2011 neste blog.