NeuroAtual. Volume 3, número 5, 2007



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NeuroAtual Volume 3, número 5, 2007 NEUROLOGIA GERAL Dr. Osvaldo M. Takayanagui Viral encephalitis: a clinician s guide. Solomon T et al. Pract Neurol, 7: 288, 2007. É extremamente assustador presenciar a progressão de um quadro infeccioso viral para confusão mental, coma e morte em poucos dias, apesar de todos os esforços terapêuticos. Mesmo quando sobrevive aparentemente intacto, sua família relata não ser a mesma pessoa de antes, com distúrbios de personalidade, irritabilidade e comprometimento da memória recente. A despeito do recente avanço da neuroimagem, dos métodos de identificação viral, dos antivirais e drogas imunomoduladoras e dos cuidados de neurointensivismo, a evolução catastrófica não é incomum. Adicionalmente, o número crescente de pacientes imunodeprimidos, que podem ter infecção viral do SNC, e a disseminação de arboviroses constituem novos desafios aos clínicos. O objetivo deste artigo é a revisão da investigação e tratamento de pacientes com suspeita de encefalite viral. O que encefalite? A encefalite significa um processo inflamatório do parênquima cerebral e pode ser causada diretamente por uma variedade de vírus, sendo importantes os Herpesvírus e alguns arbovírus. Outros microorganismos podem também causar encefalite, particularmente os protozoários, tais como Toxoplasma gondii, e bactérias, como a Listeria monocytogenes e Mycobacterium tuberculosis. Para o HIV, que infecta o cérebro mas sem causar inflamação, não se emprega o termo encefalite. A encefalite pode também ocorrer como um fenômeno imunomediado, por exemplo, na encefalomielite disseminada aguda (ADEM) e na encefalite límbica paraneoplásica. No sentido estrito, a encefalite é um diagnóstico patológico que deveria ser feito apenas após confirmação tecidual, por autópsia ou por biópsia cerebral. Entretanto, na prática, a maioria dos pacientes é diagnosticada se apresentar quadro clínico sugestivo (febre, cefaléia, rebaixamento do nível de consciência, evidência de inflamação no cérebro, tais

3 como pleocitose no LCR ou inflamação na neuroimagem, especialmente se o agente causal for identificado). As causas tóxicas e metabólicas da encefalopatia podem ser habitualmente diferenciadas da encefalite viral pela ausência do quadro febril agudo, início insidioso, contagem normal de células no LCR e sem anormalidades focais na ressonância magnética. Vários agentes infecciosos que provocam encefalite podem também causar meningite, mielite ou radiculite, em diversas combinações, situações em que a denominação mais correta seria meningencefalite, encefalomielite, meningoencefalorradiculte, etc. O termo encefalite límbica se refere à encefalite do lobo temporal (e freqüentemente de outras estruturas límbicas) e a rombencefalite à encefalite do tronco encefálico. Cerca de 70% dos casos de encefalite pelo HSV-1 já apresentam anticorpos, indicando que o mecanismo mais comum é a reativação do vírus; entretanto, não está claro se esta reativação ocorre no gânglio trigeminal ou de uma latência no próprio cérebro. Diferentemente dos adultos, a encefalite por HSV-1 nas crianças ocorre durante a infecção primária. O HSV-2 é geralmente transmitido por via sexual. Nos Estados Unidos, cerca de 20% dos indivíduos são soropositivos para esse vírus. As síndromes neurológicas conseqüentes ao HSV-2 são meningite, especialmente a recorrente, encefalite, particularmente nos neonatos, e radiculite lombosacra. A maioria dos casos de meningite recorrente, previamente denominada meningite de Mollaret, é causada pelo HSV-2. Para alguns autores, a denominação meningite de Mollaret deve ser reservada aos casos de meningite recorrente de causa desconhecida. Epidemiologia A incidência anual de encefalite é de 5 a 10 casos/100.000 habitantes, predominantemente nos jovens e idosos. A encefalite por HSV é a encefalite mais diagnosticada nos países industrializados, com uma incidência anual de 1 caso/250.000 ou 500.000. A maioria dos casos de encefalite por HSV é devida ao HSV-1 e cerca de 10% por HSV-2. Este último ocorre tipicamente em indivíduos imunodeprimidos e neonatos em quem surge infecção disseminada. Quando suspeitar de encefalite? A apresentação clássica de encefalite viral é sob a forma de febre alta, cefaléia, náusea, vômitos e alteração da consciência, freqüentemente associada a crises e sinais neurológicos focais. As alterações da função mental superior incluem letargia, sonolência, confusão, desorientação e coma. Com o advento do PCR, têm sido

4 diagnosticados casos mais sutis de encefalite por HSV com febre baixa, distúrbios da fala (disfasia e afasia), distúrbios comportamentais confundíveis com quadros psiquiátricos ou conseqüentes ao uso de drogas ou de álcool, ocasionalmente com conseqüências trágicas. Por vezes as crises podem ser as manifestações inaugurais. No exame físico procure evidências de crises motoras sutis, analisando o língua e a mucosa bucal buscando sinais de mordedura. Pesquise meningismo e sinais localizatórios (diferenciação com abscessos) ou paralisia flácida (envolvimento medular). Tremor ou movimentos anormais podem indicar envolvimento de gânglios da base, como na infecção pelo vírus West Nile ou outro flavivírus ou toxoplasmose. Uma encefalopatia febril aguda com neuropatia de nervos cranianos baixos associada a mioclonia sugere rombencefalite, observada com enterovírus ou listeria. A surdez é comum na caxumba e em algumas infecções por ricketsia. Fraqueza de membros superiores e fasciculação sugerem mielite cervical, por exemplo por arbovirus. A encefalite associada a radiculite ocorre com CMV e EBV. Exames iniciais O hemograma pode mostrar leucocitose ou leucopenia. A hiponatremia por síndrome de secreção inapropriada de hormônio antidiurético é comum na encefalite. Elevação de amilase é freqüente na caxumba. O HIV deve ser pesquisado, especialmente se a causa da infecção for incerta. Os aspectos controversos do Líquido cefalorraquiano Embora o exame do LCR seja de fundamental importância, há inúmeros aspectos polêmicos. Se o paciente estiver apresentando lesão com efeito de massa ou hipertensão intracraniana, a realização da punção pode ser perigosa, sendo recomendada a análise prévia da tomografia computadorizada (TC). As situações em que a neuroimagem deveria preceder o LCR seriam: presença de sinais neurológicos focais (p. ex. hemiparesia), crises epilépticas, pacientes imunodeprimidos, papiledema e coma. As opiniões a respeito do grau de rebaixamento do nível de consciência para a indicação da TC variam amplamente e depende de quão rapidamente a TC poderia ser realizada. Se a TC puder ser efetuada rapidamente, de modo que o LCR não seria retardado por mais de 1 ou 2 horas, seria perfeitamente razoável proceder dessa forma. Contudo, num paciente com leve confusão sem sinais localizatórios o LCR poderia ser realizado prontamente, sem a desnecessária demora da TC. Se houver previsão de demora de várias horas para a realização da TC, estaria justificado o início do tratamento empírico com antibióticos e antivirais. Não há regras estabelecidas sobre de até quanto seria aceitável a demora

5 para a introdução do tratamento. Na meningite bacteriana, o retardo de mais de 6 horas entre a chegada do paciente no hospital e o início da antibioticoterapia está associado a pior prognóstico. Na encefalite por HSV-1, a evolução desfavorável está relacionada com demora de 2 dias ou mais entre a hospitalização e o início do antiviral. Nos pacientes com suspeita de meningite bacteriana ou encefalite viral, mesmo que o tratamento antimicrobiano tenha sido instituído, o exame do LCR é ainda essencial, pois este auxilia no diagnóstico e na conduta futura. É inaceitável a justificativa de que o LCR seja inútil nos casos de tratamento empírico e esta postura deve ser desencorajada, pois pode impedir o diagnóstico de outras doenças que exijam correção terapêutica, além de aumentar o risco de reações adversas de medicamentos administrados desnecessariamente. Alterações do LCR Na encefalite, ocorre elevação da pressão, pleocitose de 5-1000 células/mm 3 com predomínio linfocitário. Contudo, na fase inicial da infecção a contagem celular pode estar normal ou apresentar predomínio de neutrófilos, da mesma forma que na meningite viral. A glicorraquia é normal nas infecções virais, embora possa estar levemente reduzida na infecção por caxumba ou por enterovírus. A taxa de proteínas está elevada, entre 0,5 e 1 g/l. Diagnóstico virológico O diagnóstico definitivo de uma infecção viral do SNC é baseado na demonstração do vírus por cultura ou por PCR do tecido cerebral ou do LCR ou, então, pela demonstração de anticorpos específicos no LCR. PCR no LCR O diagnóstico de encefalite viral era fundamentado na biopsia cerebral, mas atualmente muitos vírus importantes podem ser detectados por PCR. O PCR para os Herpesvirus apresenta sensibilidade e especificidade superiores a 95%, mas pode ser negativo nos primeiros dias da doença ou após 10 dias. A investigação inicial em indivíduos imunocompetentes deve incluir PCR para Herpes simplex e para Varicella zoster, pois são potencialmente tratáveis com aciclovir. O PCR para enterovirus é habitualmente incluído por ser causa freqüente de meningite viral. Nos pacientes imunodeprimidos, o PCR para EBV e para CMV deve ser pesquisado. A elevada sensibilidade do PCR para os herpesvirus constitui um problema, especialmente com EBV e CMV, cujos resultados podem ser de difícil interpretação. A maioria da população adulta pode ter sido infectada por esses vírus e contê-los no

6 interior dos linfócitos. Assim, a detecção desses agentes pelo PCR é motivo de discussão; representaria uma infecção patogênica ou seria meramente a presença de linfócitos infectados. Nesse sentido, o PCR quantitativo pode esclarecer esta dúvida. Pesquisa de anticorpos Os testes de pesquisa de anticorpos continuam tendo papel importante no diagnóstico de muitas infecções virais do SNC. Os métodos tradicionais requerem a demonstração da elevação de 4 vezes do título de anticorpos nas amostras de soro entre a fase aguda e o período de convalescência, coletadas após 2-4 semanas. Infelizmente, a coleta do período de convalescência é freqüentemente esquecida. A presença no LCR de anticorpos IgM específicos contra um determinado vírus em títulos superiores aos do soro é indicativa de produção local de anticorpos no SNC em resposta à infecção. A detecção de IgM é especialmente útil nas infecções por flavirirus, mas tem menor importância nas herpéticas que ocorrem mais comumente por reativação. Ao contrário da IgM, a IgG é encontrada no LCR, numa relação de 1/200 da concentração sérica. Assim, numa infecção aguda primária, IgG está elevada mais tardiamente que IgM, tanto no soro como no LCR. Nas reativações e nas infecções secundárias, o IgG tende a aumentar mais precocemente e em maior intensidade que o IgM. A detecção de bandas oligoclonais é um indicador pouco específico de que o paciente tem um processo inflamatório no SNC. O imunoblotting das bandas contra as proteínas virais tem sido utilizado, mas habitualmente como recurso de pesquisa para estabelecer a causa da inflamação p. ex. HSV-1 ou HSV-2. No diagnóstico de infecções herpéticas, deve-se pedir o PCR na fase aguda. Se negativo, e se a suspeita continuar sendo forte, o PCR deve ser repetido dentro de alguns dias (pode ser negativo nas amostras obtidas muito precocemente). Se 2 amostras de LCR revelarem PCR negativo para HSV a infecção por este agente é improvável. Se por qualquer razão o LCR não for colhido, ou o PCR não tiver sido solicitado, pode ser útil a pesquisa de produção intratecal de anticorpos contra HSV por IgM, IgG ou imunoblotting numa fase mais tardia (mais de 10 dias de hospitalização). Neuroimagem e EEG A TC pode ser normal na fase inicial ou apresentar leve edema na região frontotemporal com perda do padrão giral. A seguir, surge hipodensidade ou hipersinal no caso de hemorragia. A RM é geralmente mais sensível, revelando hipersinal nas áreas afetadas, mas mesmo a RM pode ser normal se realizada muito precocemente.

7 O EEG mostra ondas lentas difusas e inespecíficas de encefalopatia, mas pode ser útil para flagrar crises epilépticas. As descargas epileptiformes lateralizadas periódicas, tidas como típicas de encefalite por HSV, são na realidade observadas em várias condições. Tratamento Há 3 elementos importantes na conduta de pacientes com encefalite. 1- Verificar se há algum tratamento antiviral ou imunomodulador para reverter a doença 2- Controlar as complicações imediatas da encefalite 3- Prevenir complicações secundárias ou tardias Quando iniciar o aciclovir O aciclovir deve ser iniciado assim que houver suspeita forte de encefalite viral, baseado nos aspectos clínicos, achados do LCR e/ou de neuroimagem. O aciclovir é um análogo nucleosídeo que é altamente eficaz contra HSV e alguns outros herpesvirus, tais como VZV e herpes B. A administração endovenosa de 10 mg/kg, 3 vezes ao dia, reduz a letalidade de 70% para menos de 20%. Quando interromper o Aciclovir Apesar do esquema convencional de Aciclovir ser de 10 dias, muitos profissionais prolongam o tratamento por 14 ou 21 dias, especialmente nos pacientes com encefalite herpética confirmada, por causa do risco de recidiva após o esquema de 10 dias de tratamento. Se o PCR no LCR inicial for negativo para HSV, mas as demais características forem consistentes com encefalite por HSV, o aciclovir não deve ser interrompido pela possibilidade do resultado falso negativo do PCR nos primeiros dias. Nessa situação, a punção deve ser repetida, pois o resultado pode ser positivo após 24-48 horas; mesmo que dê negativo, o tratamento deve ser mantido por 10 dias. Entretanto, se for estabelecido um diagnóstico alternativo ou parecer improvável que o paciente tenha encefalite viral, é razoável a suspensão mais precoce do aciclovir. Fatores de pior prognóstico Embora o tratamento com aciclovir tenha reduzido a mortalidade da infecção pelo HSV, a morbidade permanece elevada. Os fatores de pior prognóstico após a encefalite por HSV são: idade superior a 60 anos, profundidade do coma, retardo entre a admissão hospitalar e início do aciclovir (especialmente se superior a 2 dias). Dos

8 sobreviventes, 2/3 dos casos apresentam seqüelas neuropsiquiátricas, incluindo comprometimento da memória (69%), distúrbios de personalidade e do comportamento (45%), disfasia (41%) e epilepsia (25%). The neurotropic herpes viruses: herpes simplex and varicella-zoster. Steiner I et al. Lancet Neurol, 6: 1015, 2007. O Herpes simplex tipos 1 e 2 (HSV-1 e HSV-2) e o vírus Varicella zoster (VZV) estabelecem uma infecção latente nos gânglios de raízes dorsais por toda a vida do indivíduo. A partir deste reservatório, eles podem se reativar e causar morbidade e mortalidade no ser humano. Embora esses agentes variem nas doenças clinicas e na estrutura molecular, eles compartilham várias características no comprometimento infeccioso do SNC. O HSV-1 é o agente causal de encefalite, da cegueira corneana e diversas doenças do sistema nervoso periférico. O HSV-2 é responsável por meningencefalite nos neonatos e por meningite nos adultos. A reativação de VZV é associada com herpes zoster e complicações do SNC como mielite e vasculopatias focais. Este artigo apresenta a revisão dos aspectos biológicos, médicos e neurológicos das infecções agudas, latentes e reativações dos herpesvírus neurotrópicos. Infectious neuropathy. Freitas MRG. Curr Opin Neurol, 20: 548, 2007. É um excelente artigo de revisão preparado por um pesquisador brasileiro, profundo conhecedor de neuropatias periféricas infecciosas. Hanseníase A hanseníase é uma das neuropatias periféricas tratáveis mais freqüentes. Embora sua prevalência esteja em declínio, representa ainda um dos maiores problemas de saúde pública em cerca de 80 países da Ásia, África e América Latina. Afeta habitualmente a pele e os nervos. Há, no entanto, uma forma neurítica pura na ausência de lesões dermatológicas, freqüentemente não diagnosticada. Alguns estudos relatam que 4-10% dos pacientes com hanseníase apresentam o envolvimento neural puro, manifestando-se mais comumente sob as formas mononeurite ou

9 mononeurite múltipla. Em poucos casos, ocorre uma neuropatia simétrica distal com comprometimento da sensibilidade termo-algésica, mas sem fraqueza muscular. O envolvimento de nervos cranianos não é tão raro. Há evidências clínicas de comprometimento desses nervos em 18% dos pacientes com hanseníase, sendo o facial e o trigêmeo os mais afetados. Num estudo de 19 pacientes com a forma neural pura, a mononeuropatia representou 79%, mononeuropatia múltipla 10,5% e polineuropatia 10,5%. O nervo ulnar foi o mais acometido. O padrão ENMG foi predominantemente axonal (94,7%). Embora a ENMG não contribua para o diagnóstico da forma neural pura, pode identificar o tipo de comprometimento de nervos periféricos. A hanseníase causa uma neuropatia predominantemente axonal, mais acentuada nos membros inferiores e a resposta simpática cutânea é quase sempre anormal. O autor analisa também as neuropatias causadas pelo vírus da hepatite C, HIV e na doença de Lyme. HIV-associated cryptococcal meningitis. Jarvis JN et al. AIDS, 21: 2119, 2007. Tratamento antifúngico O tratamento antifúngico atualmente recomendado é baseado nos resultados de um estudo randomizado publicado há uma década. O esquema inicial foi com anfotericina B (0,7 mg/kg/d) com ou sem flucitosina (100 mg/kg/d) por 2 semanas, seguidos de um período de consolidação com fluconazol (400 mg/d) ou itraconazol (400 mg/d). A justificativa era o controle da infecção com esquema inicial mais rápido de anfotericina, substituindo-a para medicamentos melhor tolerados. Se surgir comprometimento renal, a alternativa seria a anfotericina lipossomal. Hipertensão liquórica Um sério problema no tratamento da meningite por criptococos é a elevação da pressão intracraniana, com mais da metade dos pacientes apresentando pressão inicial do LCR superior a 25 cm H 2 O e quase um terço dos casos valores superiores a 35 cm H 2 O. A hipertensão liquórica é associada a comprometimento cognitivo, maior freqüência de lesões de nervos cranianos e maior mortalidade em curto prazo. O motivo é debatido, mas está provavelmente relacionado à dificuldade de reabsorção do LCR nas vilosidades aracnoídeas pela presença do microorganismo e de polissacárides. Isto é

10 consistente com a associação entre a hipertensão e títulos mais elevados do antígeno e maior taxa de positividade da tinta da China, e poderia também explicar a normalidade do tamanho ventricular. A recomendação atual sugere a realização de punções diárias para todos os pacientes com níveis pressóricos superiores a 25 cm H 2 O, com remoção de volume de LCR suficiente para reduzir a pressão em até 50%, até que a pressão de abertura permaneça normal por vários dias. Não está claro qual o volume máximo que possa ser retirado com segurança numa punção, mas parece ser razoável o de 20 a 30 ml. Não há qualquer evidência a favor do uso de manitol, acetazolamida ou corticosteróide com a finalidade de controlar a pressão elevada do LCR. Meningite criptocócica na Síndrome de Reconstituição Imunológica (SRI) O início da terapia antiretroviral pode levar à recuperação da resposta imunológica contra organismos viáveis ou mortos, assim como contra restos antigênicos. Isto, por sua vez, pode acarretar um quadro de deterioração clínica paradoxal, com o surgimento de doença criptocócica previamente subclínica ou recorrência de uma infecção adequadamente tratada. A meningite criptocócica na SRI tem sido relatada em 6-30% dos pacientes com meningite criptocócica após o início do tratamento antiretroviral, podendo ser, por vezes, fatal. Num estudo americano, a mediana para o início dos sintomas foi de 30 dias após a introdução do esquema terapêutico, mas há relatos de muitos meses. O diagnóstico de meningite por SRI é de exclusão e os seguintes elementos apóiam a suspeita: - associação temporal entre o início do tratamento antiretroviral com as manifestações clínicas - evidência de SRI (elevação da contagem de CD4) - exclusão de explicações alternativas - características clínicas (p. ex. linfadenopatia), citologia (pleocitose) ou histopatologia consistente com resposta imunológica mediada por células - cultura para criptococcos negativa. A ocorrência de meningite criptocócica por SRI tem implicações sobre o melhor momento para o início do tratamento retroviral, devendo decidir entre o maior risco dessa complicação com o início precoce e o risco de outras complicações da Aids pela demora excessiva. A maioria dos investigadores sugere um intervalo de 4 semanas entre o antifúngico e o esquema antiretroviral.

11 Mozart s movements and behavior: a case of Tourette s syndrome? Ashoori A et al. J Neurol Neurosurg Psychiatry, 78: 1171, 2007. Nesta interessante revisão, os autores exploram o freqüente questionamento: Mozart tinha síndrome de Tourette? Embora haja numerosos relatos atribuindo a personalidade e o comportamento peculiares de Mozart a um espectro de doenças neurocomportamentais, tais como síndrome de Tourette, autismo, síndrome de Asperger, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, distúrbio obsessivo-compulsivo e doenças neuropsiquiátricas pediátricas autoimunes associadas com infecção estreptocócica, as evidências de alguma dessas moléstias são precárias. Se o comportamento de Mozart era nada mais que um reflexo de sua personalidade ímpar ou de uma doença neurológica mais complexa agravada posteriormente durante sua vida por pesadas cobranças por parte de seu pai e da sociedade, seu comportamento tem sido motivo de debate em sua biografia. Em suas cartas, Mozart fazia uso excessivo de palavras obscenas, focando principalmente defecação e vulgaridades anais, sugerindo coprografia. Joseph Lange, seu cunhado (casado com a irmã de Constanze Weber, sua esposa), relatou que Mozart tinha um comportamento imaturo, especialmente em suas conversas e atitudes, por vezes falando de forma desconexa e confusa. Embora a coprolalia seja uma característica da síndrome de Tourette, não está presente em todos os pacientes, nem é específico da doença. Para alguns estudiosos, esta característica de Mozart pode simplesmente refletir um estilo de fala que era um comportamento aceitável na população de classe média do sul da Alemanha ou influenciado por sua família, sendo conseqüente ao humor satírico e hipomaníaco e mais intencional que involuntário, ou pode ser resultante da influência da mãe em seu comportamento de humor Salzburguês. Além do comportamento vulgar, Mozart fazia caretas e apresentava movimentos repetitivos e inadvertidos com as mãos e pés, e pulava, atribuídos por alguns pesquisadores como tiques motores e fônicos como parte da síndrome de Tourette. Várias descrições detalham seu comportamento hiperativo. Por exemplo, enquanto compunha, ele estava envolvido simultaneamente com outras atividades como caminhar, cavalgar e jogar bilhar. Sophie Haible, sua cunhada, escreveu em uma das cartas que ele freqüentemente limpava seus lábios com guardanapos, fazia caretas, batia suas mãos ou pés em objetos. Várias outras pessoas de seu convívio descreveram seus

12 maneirismos e gesticulações constantes que eram relacionados a tiques faciais e corporais. Umas das doenças mais comumente associadas a outros sintomas da síndrome de Tourette é a doença obsessivo-compulsiva. Realmente, Mozart exibia características que sugeriam fortemente obsessão por objetos, pensamentos e repetição de certos atos. Por exemplo, uma de suas maiores obsessões era seu medo injustificado de que sua esposa pudesse abandoná-lo e também excessivamente obcecado com o modo de higiene de sua esposa. Seu humor oscilava subitamente entre depressão e expansibilidade, sem motivo aparente, sugestivo de doença bipolar, outra comorbidade freqüentemente encontrada em gênios criativos. O comportamento socialmente incomum de Mozart certamente contribuiu para as dificuldades financeiras que o impediram de alcançar o sucesso material. Nannerl, sua irmã, escreveu que Mozart permaneceu, até o fim de sua vida, com comportamento infantil e que jamais aprendeu a exercer as formas mais elementares de auto-controle. Vários elementos do comportamento de Mozart podem indicar a presença de transtorno de atenção e hiperatividade durante sua infância, prolongando-se na sua vida adulta. Para alguns estudiosos, os relatos de seu comportamento excêntrico teriam sido exagerados e sua impulsividade seria meramente um traço de sua personalidade e não uma doença psiquiátrica. Permanece ainda desconhecida a dimensão da influência de suas experiências na infância, de seu estilo de vida sob intensa pressão, da genialidade inata e do extraordinário talento nas suas realizações e insucessos. As lições de sua vida podem ter implicações importantes para outros indivíduos altamente talentosos cujos atributos especiais podem levá-los ao sucesso ou, em contrapartida, ao obstáculo para seu desenvolvimento emocional e torná-los vulneráveis ao estresse e ao fracasso. Se Mozart teve realmente a síndrome de Tourette, ele foi claramente capaz de superar as dificuldades, em contraste com uma pequena minoria de pacientes com esta doença, cujos tiques ou comorbidades são incapacitantes. When the brain plays music: auditory-motor interactions in music perception and production. Zatorre RJ et al. Nature Rev Neurosci, 8: 547, 2007. A execução de músicas é uma atividade humana natural, presente em todas as sociedades, e um dos desafios mais complexos em exigência cognitiva que a mente

13 humana pode ser confrontada. Em contraste com as atividades sensitivo-motoras, a execução musical exige uma concatenação extremamente precisa de diversas ações hierarquicamente organizadas, implementadas através de diversos sistemas efetores, de acordo com o instrumento musical envolvido. Os autores revisam a literatura sobre a neurociência cognitiva dos domínios tanto motores como auditivos, destacando a importância das interações entre estes sistemas num contexto musical, e propõem algumas idéias relativas ao papel do córtex pré-motor na integração das maiores características organizacionais da música com adequação de ações temporais e organizadas. Comentário: É um excelente artigo de revisão, apresentando os recentes conhecimentos da participação integrada de diferentes partes do SNC no complexo e dinâmico processo de execução de instrumentos musicais. A pianist s recovery from stroke. Toole JF et al. Arch Neurol, 64: 1184, 2007. O objetivo deste artigo é identificar as vias alternativas da recuperação da capacidade de tocar piano após um infarto cerebral esquerdo causando paralisia do braço e mão do lado direito. É um relato de caso analisando a habilidade de coordenação bimanual empregando testes estruturados de capacidade motora e neuroimagem. Um pianista profissional de 63 anos de idade apresentou infarto lacunar na cápsula interna direita que resultou em hemiparesia contralateral com imobilidade da mão e dedos por 13 semanas. Após 6 meses ele tinha recuperado a habilidade bimanual para tocar piano, ignorando sua mão esquerda concentrando-se e discutindo assuntos não relacionados à música enquanto tocava. A avaliação neurológica incluiu tomografia computadorizada, ressonância magnética funcional e tomografia por emissão de pósitron. Os padrões de ativação na ressonância magnética funcional correlacionaram com movimentos rápidos dos dedos de cada mão, demonstrando que vias subcorticais e cerebelares eram ativadas durante a função motora de sua mão esquerda. A ativação cerebral e cerebelar contralateral ocorreu com os movimentos de ambas as mãos. Durante a execução com os dedos da mão esquerda havia uma ativação cerebelar bilateral, parietal, pré-motora esquerda e talâmica.

14 Os padrões de ativação estavam relacionados à execução musical e eram distintos daqueles envolvidos em procedimentos mais simples tais como os de oposição dos dedos. Examine eye movements. Kennard C. Pract Neurol, 7: 326, 2007. Excelente artigo sobre a semiologia do movimento ocular extrínsico, explicando com belas ilustrações as diferentes técnicas de investigação clínica de desalinhamento ocular, diplopia monocular e binocular, movimentos sacádicos, nistagmo optocinético, etc. Neuroimaging in trauma. Gallgher CN et al. Curr Opin Neurol, 20: 403, 2007. Excelente artigo sobre os achados de tomografia computadorizada na fase aguda do trauma crânio-encefálico, objetivando a identificação de lesões que exigem intervenção neurocirúrgica imediata, e da importância da ressonância magnética na fase subaguda. Discute também o papel de técnicas complementares de neuroimagem, como o SPECT e o PET. Is depression overdiagnosed? Parker G; Hicke I. BMJ, 335: 328, 2007. É um artigo em que primeiro autor apresenta argumentos defendendo a idéia de que a depressão é superestimada e o segundo negando esta possibilidade. Comentário: Ao término da leitura, os argumentos de que o diagnóstico esteja sendo realmente superestimado são mais convincentes. Vale ressaltar que os critérios diagnósticos de depressão não estão rigorosamente estabelecidos e há um enorme interesse econômico das indústrias farmacêuticas na prescrição de antidepressivos.

15 Hypertonic saline: first-line therapy for cerebral edema? Ziai WC wt al. J Neurol Sci, 261: 157, 2007. Este artigo destaca os dados clínicos e experimentais, controvérsias e mecanismos de ação atribuídos à osmoterapia com soluções salinas hipertônicas na arena de cuidados intensivos. O enfoque é dirigido ao tratamento com soluções hipertônicas nos paradigmas comumente destacados para o comprometimento cerebral agudo incluindo traumatismo cranioencefálico, edema pós-operatório, hemorragia intracraniana, edema cerebral associado aos tumores e acidente vascular cerebral isquêmico. Autoimmune encephalopathies. Vernino S et al. Neurologist, 13: 140, 2007. A avaliação de pacientes com distúrbios comportamentais e cognitivos de instalação recente pode ser desafiadora. O diagnóstico diferencial inclui doenças psiquiátricas, distúrbios metabólicos e tóxicos e infecções, além de doenças priônicas (doença de Creutzfeldt-Jakob) e demências degenerativas rapidamente progressivas. Algumas encefalopatias subagudas são causadas por mecanismos autoimunes ou inflamatórios, reconhecidas pela associação com marcadores de autoanticorpos e/ou clara resposta ao tratamento imunomoderador. Esta revisão descreve as características clínicas dessas encefalopatias autoimunes potencialmente reversíveis. A síndrome de Morvan, a encefalite paraneoplásica límbica, a encefalite autoimune límbica não-paraneoplásica apresentam detalhes clínicas e laboratoriais características. A encefalite límbica é caracterizada pelo comprometimento de memória recente, crises parciais complexas do lobo temporal e sintomas psiquiátricos. Os achados típicos da RM são sinais de anormalidade nos lobos temporais mesiais sem reforço na fase contrastada. A síndrome de Morvan apresenta alterações comportamentais, alucinações, insônia acentuada, hiperatividade autonômica e neuromiotonia. A autoimunidade tireoidiana (por vezes denominada encefalopatia de Hashimoto) tem ampla variedade de apresentação clínica, num cenário de comprometimento cognitivo com tremor, crises, eventos similares a AVC (incluindo afasia transitória) e níveis normais de hormônios tiroidianos. Na ausência de achados sorológicos diagnósticos, a melhora clínica com corticosteróides pode ser a única evidência de encefalopatia autoimune. Conclusões; As encefalopatias autoimunes são causa importante de declínio cognitivo e comportamental progressivo e permanecem provavelmente subdiagnosticadas. Com o

16 aumento de suspeita clínica, estas doenças podem ser identificadas e tratadas com sucesso. Epidural blood patch in post dural puncture headache: a randomised, observerblind, controlled clinical trial. Van Kooten F et al. J Neurol Neurosurg Psychiatry, in press. A cefaléia representa 10% a 40% das complicações da punção liquórica. Pode surgir imediatamente após o exame, mas em 90% das vezes surge depois de 48 horas. Em 80% dos indivíduos, a queixa desaparece em até 7 dias; menos comumente persiste por semanas ou até mesmo por meses. Apesar de várias medidas preventivas, a cefaléia póspunção continua sendo incapacitante. Nessas situações, o blood patch pode ser uma intervenção benéfica, com vários estudos observacionais referindo sucesso em 70% a 90% dos casos. Entretanto, há apenas 7 estudos controlados e, mesmo assim, a efetividade do blood patch não está firmemente estabelecida. O objetivo deste estudo é a avaliação de eficácia do blood patch no tratamento da cefaléia pós-punção lombar. É um estudo randomizado e controlado, comparando o blood patch com o tratamento conservador, consistindo de repouso no leito por 24 horas e ingestão de volume adequado de líquidos. Pacientes que referissem cefaléia moderada ou acentuada por mais de 24 horas (menos de 7 dias) após a realização do exame do LCR eram randomizados para um dos procedimentos. O blood patch consistiu na injeção de 15 a 20 ml de sangue venoso no espaço epidural. Aos pacientes do grupo controle foi recomendada a ingestão de pelo menos 2 litros diários de líquidos. O desfecho primário foi a presença de cefaléia 24 horas após o início do tratamento e o secundário foi a persistência do sintoma após 7 dias e a duração da dor. Foram analisados 40 pacientes, 19 recebendo o blood patch e 21 o tratamento conservador. Com 24 horas de randomização, a cefaléia esteve presente em 11 (58%) no grupo tratado com blood patch contra 19 (90%) naqueles com tratamento conservador (p=0,03). Ao final de 7 dias, a cefaléia persistia em 3 (16%) no grupo submetido ao blood patch contra 18 (86%) no grupo controle (p<0,001).

17 Concluem os autores que o blood patch é um tratamento eficaz na cefaléia pós-punção, propiciando resolução do quadro numa grande proporção dos pacientes. Mesmo nos demais, o procedimento reduz a intensidade da dor e permite o retorno às atividades rotineiras. Topiramate for treating alcohol dependence. A randomized controlled trial. Johnson BA et al. JAMA, 298: 1641, 2007. Hipoteticamente, o topiramato pode melhorar o desfecho do etilismo entre os indivíduos dependentes, reduzindo os efeitos de reforço do álcool através da facilitação da função de GABA e inibição das vias glutaminérgicas no sistema corticomesolímbico. O objetivo do estudo foi determinar se o topiramato seria um tratamento eficaz e seguro da dependência ao álcool. Durante o período de Janeiro de 2004 a Agosto de 2006, 371 homens e mulheres diagnosticados como dependentes do álcool participaram do estudo duplo-cego, randomizado e controlado com placebo, em 17 locais dos Estados Unidos. O topiramato (até 300 mg/d) foi administrado a 183 indivíduos e o placebo a 188. O topiramato foi mais eficaz que o placebo na redução da percentagem de consumo pesado de álcool. Os efeitos adversos foram também superiores no grupo topiramato, incluindo parestesia, alteração da gustação, anorexia e dificuldade na concentração. Concluem os autores que o topiramato é um tratamento promissor para a dependência ao álcool.

18 CEFALÉIA Drª. Célia Aparecida de Paula Roesler Hypnic headache successfully treated with botulinum toxin type A. Marziniak M et al. Cephalalgia, 22: 1082, 2007. Cefaléia hípnica é uma dor de cabeça primária, de intensidade moderada, contínua, que acorda o paciente de seu sono. Os critérios de diagnóstico segundo o ICHD-II descrevem a cefaléia hípnica como uma dor de cabeça sem sintomas autonômicos, com não mais de um dos três sintomas a seguir: náusea, fotofobia ou fonofobia e pelo menos duas das três características: ocorrência maior ou igual a 15 vezes por mês, duração mais longa do que 15 minutos após acordar, primeira ocorrência após os 50 anos e também não deve ser atribuída a outro transtorno. A cefaléia hípnica é geralmente fraca a moderada, porém, dor forte é relatada por 20% dos pacientes. A dor é bilateral em cerca de dois terços dos casos e a crise dura geralmente entre 15 a 180 minutos, podendo ter duração maior. A incidência desse tipo de dor de cabeça é baixa e estudos duplos-cegos não existem. O tratamento mais eficaz tem sido feito com lítio, com uma boa resposta em 26 de 35 casos. Outras estratégias profiláticas incluem o uso de indometacina, cafeína, flunarizina e melatonina. Estudo de caso: Uma mulher de 58 anos foi diagnosticada com uma história de cefaléia de 14 anos, com dores bilaterais com ocorrência regular às 2 e às 3 horas da manhã após dormir às 23 horas. Essas dores tinham duração variável entre 2 e 10 horas. Devido a esse longo tempo de existência, ela tomou por conta própria diversos medicamentos e reportou melhora moderada com o uso de ácido acetil salicílico e um efeito ainda melhor em remédios que continham cafeína.

19 Suspeitando migrânea, seu médico prescreveu triptanos. Após o tratamento com 5mg de zolmitriptano, a cefaléia hípnica teve uma melhora, reduzindo o tempo para 30-60 minutos e com somente uma leve dor de cabeça presente. A paciente recebeu 75U em injeções de BOTOX, aplicadas em diversos pontos, e apresentou melhora na intensidade 10 dias após a primeira aplicação, apesar de melhora quase imperceptível na freqüência. Após a segunda aplicação, 3 meses depois, houve um decréscimo significativo na freqüência e após 1 ano e 4 tratamentos a paciente ficou livre de dor. Inicialmente, o período sem dor durou apenas 3 meses, mas foi prolongado para 5. Foi concluído que toxina botulínica do tipo A pode ser usada profilaticamente como tratamento alternativo em pacientes que não toleram lítio ou terapia com indometacina. Estudos controlados parecem ser muito difíceis, dado a pequena incidência desse tipo de cefaléia e, por esta razão, estudos de casos parecem ser a melhor maneira para se ganhar informações sobre esse tipo de dor de cabeça. Lower cervical disc prolapse may cause cervicogenic headache: prospective study in patients undergoing surgery. Diener HC et al. Cephalalgia, 27: 1050, 2007. O termo cefaléia cervicogênica foi introduzido por Sjaastad em 1983. As mais importantes características são a dor originando do pescoço e se alastrando para a cabeça, provocada por movimentos do pescoço ou posturas e patologia da coluna cervical. Há entretanto controvérsias quanto à possibilidade de que um prolapso num disco cervical inferior poderia causar dor de cabeça. Neste estudo os pacientes foram submetidos a cirurgias de descompressão de disco e os resultados foram analisados comparativamente observando-se melhora ou não da dor de cabeça. A hipótese dos pesquisadores era de que pacientes com compressão de disco cervicais inferiores não teriam mais dor de cabeça do que o grupo controle com compressão de disco lombar.

20 A hipótese original de que a protusão de disco cervical não poderia estar associada com dor de cabeça cervicogênica foi rejeitada por duas razões: a) pacientes com protusão de disco cervical tiveram uma incidência de dor no pescoço e dor de cabeça mais freqüente que os controles; b) remoção do disco cirurgicamente resultou em significada redução da dor no pescoço/ dor de cabeça e cefaléia cervicogênica. Em resumo, esse estudo prospectivo indica que a dor de cabeça cervicogênica pode ter uma grande melhora pela remoção da protusão de disco em pacientes com compressão cervical abaixo de C4.