PROCESSOS DE USINAGEM E RESPONSABILIDADE AMBIENTAL ATRAVÉS DA REDUÇÃO DA UTILIZAÇÃO DE FLUIDOS DE CORTE

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Transcrição:

PROCESSOS DE USINAGEM E RESPONSABILIDADE AMBIENTAL ATRAVÉS DA REDUÇÃO DA UTILIZAÇÃO DE FLUIDOS DE CORTE Rodrigo P. Zeilmann, Tiago Vacaro, Fernando M. Bordin e Vania Sonda Universidade de Caxias do Sul E-mails: rpzeilma@ucs.br, tvacaro@ucs.br, fmbordin@ucs.br, vsonda1@ucs.br RESUMO A indústria de manufatura vem realizando grandes esforços com o objetivo de reduzir a utilização de fluidos de corte nos processos de usinagem. Aspectos econômicos, ambientais e relativos à saúde dos trabalhadores justificam essa preocupação. Os processos de usinagem de fresamento e furação, largamente empregados na cadeia automotiva, apresentam peculiaridades em relação à utilização de fluidos de corte: enquanto boa parte das operações de fresamento pode ser realizada sem a utilização de fluidos de corte, essa condição em geral representa maior severidade quando aplicada às operações de furação. Uma alternativa importante à ausência total de fluidos de corte (usinagem a seco) é a utilização de mínimas quantidades de lubrificante (MQL), técnica que vem apresentando resultados satisfatórios em diversas aplicações. Este trabalho apresenta um estudo das tendências da utilização de fluidos de corte nos processos de usinagem, bem como alguns resultados de ensaios experimentais da aplicação dessas tendências em operações de fresamento e furação. INTRODUÇÃO Para sobreviver dentro da economia com concorrência global, as empresas fabricantes de peças automotivas precisam ter capacidade para reagir a curto prazo e com preços competitivos aos desejos dos clientes. O desenvolvimento dos produtos e os processos de manufatura, equipamentos e capacidades produtivas precisam estar adaptados para cumprir estas exigências. É obrigatório saber fabricar diversos produtos e utilizar de maneira otimizada os meios de capacidade instalados [1]. E um dos principais aspectos de gestão estratégica da indústria automotiva atual é sua relação com o meio ambiente. A preocupação formal com o meio ambiente é recente na história da humanidade, tendo se manifestado mais a partir dos anos 1960. Alguns encontros mundiais foram realizados desde então, indicando o interesse pelo tema. Em 1972, foi realizada uma conferência mundial sobre meio ambiente, em Estocolmo. Em 1992, foi realizada a ECO-92, no Rio de Janeiro, promovida pela UNCED (United Nations Conference on Environment and Development). Nesta reunião, foi elaborada a Agenda 21, que passou a ser opção de referência na implantação de programas e políticas de preservação do meio ambiente e desenvolvimento sustentável. Outros dois encontros de importância ocorreram em Kioto, em 1998, no qual se discutiu o impacto das emissões gasosas ao meio ambiente, e em Johannesburgo (Rio mais dez), em 2002, a conferência das Nações Unidas sobre ambiente e desenvolvimento sustentável [2].

A indústria automotiva sofre hoje grande pressão ambiental, uma vez que os automóveis são responsáveis por grande parte da poluição gerada nas cidades. Mas a preocupação ambiental não se restringe aos produtos da cadeia automotiva e se estende aos processos de manufatura empregados pelas mesmas, os resíduos gerados por esses processos e os riscos à saúde dos trabalhadores. Uma das principais questões ambientais nos processos de manufatura da cadeia automotiva se refere à utilização de fluidos de corte na usinagem, pois esses fluidos são altamente prejudiciais ao meio ambiente e oferecem sérios riscos à saúde dos operadores. Este trabalho apresenta um estudo das tendências da utilização de fluidos de corte na usinagem, em especial nos processos de furação e fresamento, os quais são amplamente empregados na manufatura de produtos na cadeia automotiva. 1. REDUÇÃO DA UTILIZAÇÃO DE FLUIDOS DE CORTE Diante das preocupações ambientais provocadas pela utilização de fluidos de corte nos processos de usinagem, forte ênfase hoje é dada a tecnologias ambientalmente corretas que visem à preservação do meio ambiente e em conformidade com normas ambientais, como ISO 14000, TRGS, EPA (EUA), Diretivas EC (União Européia), GefStoffV (Alemanha), entre outras. Os custos referentes aos fluidos de corte, o perigo à saúde do operador e a crescente severidade da legislação quanto aos descartes industriais, têm pressionado as indústrias a reverem suas produções, compatibilizando-as com as exigências da sociedade. Enquadram-se nesse neste contexto a usinagem sem utilização de fluidos de corte, ou usinagem a seco, e a técnica de mínimas quantidades de lubrificante (MQL), que combina as funcionalidades de refrigeração com um baixo consumo de lubrificante [3,4]. A não utilização de fluidos de corte retira da usinagem os seus benefícios, que são: a lubrificação, a refrigeração e a remoção dos cavacos gerados. Isto significa que há mais atrito e adesão entre a ferramenta e a peça, que são submetidas a uma maior carga térmica, o que pode resultar em níveis mais altos de desgaste da ferramenta e prejudicar a qualidade superficial e geométrica das peças [5, 6, 7]. Porém, em processos de corte interrompido, como o fresamento, o gume é aquecido durante o corte, e resfriado quando deixa a zona de corte. A variação periódica da temperatura pode causar expansão e contração das ferramentas levando à formação de trincas térmicas. O uso do fluido aumenta a variação térmica e, portanto, aumenta a probabilidade de ocorrência desse tipo de trincas, as quais podem provocar o lascamento do gume da ferramenta [8, 9, 10]. Dessa forma, no processo de fresamento, que é caracterizado pelo corte interrompido, pode ser recomendada, para a maioria dos casos, a usinagem a seco, pelo fato de que, com fluidos de corte, os gradientes de temperatura são mais elevados, induzindo a ocorrência de choques térmicos que comprometem a durabilidade da ferramenta [11]. Entretanto, há casos como o fresamento de ligas de alumínio, em que não é possível a utilização da usinagem a seco, devido à elevada tendência de adesão desses materiais às arestas das ferramentas, quando da ausência de fluido lubri-refrigerante. Nesses casos, a utilização da técnica de MQL pode ser avaliada [5]. A redução da utilização de fluidos de corte é especialmente crítica para as operações de furação, pois este processo apresenta algumas particularidades [12]: a velocidade efetiva de corte se reduz em direção ao centro da broca, atingindo o valor da velocidade de avanço no eixo da ferramenta;

dificuldade no transporte do cavaco para fora do furo; distribuição de calor inadequada na região de corte; elevado desgaste na quina com canto vivo; e atrito das guias na parede dos furos. Essas particularidades fazem da furação um dos mais exigentes processos de usinagem, pois a geometria e a superfície são geradas em uma única operação, e as demandas em relação à precisão do diâmetro, retilinidade e qualidade superficial são muito elevadas [13]. Na furação com ausência de fluido lubri-refrigerante existe a tendência de maiores temperaturas na região de corte e maior dificuldade no transporte dos cavacos para fora do furo [14]. As temperaturas elevadas têm muita influência na formação dos cavacos, podendo resultar na formação de cavacos em forma de tiras (fitas) ou emaranhados. As altas temperaturas no cavaco podem obstruir a sua remoção do furo e, em casos extremos, resultar no bloqueio dos canais da broca e na consequente quebra da mesma. Onde a usinagem sem fluido de corte não é possível de ser realizada por razões técnicas, o uso de MQL pode ser uma boa alternativa. Este é o caso típico da usinagem do alumínio e suas ligas, onde o material apresenta elevada tendência de adesão à ferramenta, a furação e o rosqueamento de ferro fundido, e a furação de furos profundos [15]. A técnica de MQL consiste na atomização de uma quantidade mínima de fluido na região de corte com o objetivo de lubrificar e reduzir o atrito entre a ferramenta e a peça [4]. A adoção desta técnica exige uma criteriosa análise e adequação de todos os fatores influentes no processo, como mostra a Figura 1. MQL: sistema e padronização de interfaces Influências térmicas Arranjo dos dispositivos Preparação das ferramentas Meio MQL/fluido refrigerante (em caso de sistema misto) Fluxo de material/ manuseio de material Módulos de manufatura adaptados para usinagem com MQL Arranjo das máquinas Transporte de cavacos/ limpeza da máquina/ proteção Disposição das ferramentas Disposição da peça Processo de manufatura (sequência) Qualificação dos colaboradores e outras influências Figura 1: Fatores de influência nos processos de manufatura com MQL [1]. Existem três tipos principais de sistemas MQL. No primeiro tipo estão os sistemas de atomização de baixa pressão, em que o refrigerante é aspirado por uma corrente de ar e levado à superfície ativa como uma mistura. Esses sistemas se distinguem por um fluxo volumétrico de refrigerante de aproximadamente 0,5 a 10 litros por hora, produzem uma atomização notável e somente podem ser dosados grosseiramente. O segundo tipo de sistema usa bombas dosadoras com alimentação pulsatória de uma quantidade definida de lubrificante para a superfície ativa, sem ar. As taxas de fluxo são ajustáveis numa faixa entre 0,1 e 1 ml por ciclo,

com até 260 ciclos por minuto. Estes sistemas são utilizados principalmente em processos intermitentes. O terceiro e mais usado tipo de sistema MQL é o de pressão, em que o lubrificante é bombeado para o bocal através de uma tubulação de suprimento em separado. Ali ele é misturado com o ar comprimido fornecido separadamente, de forma que as quantidades de ar e lubrificante podem ser ajustadas independentemente. Este tipo de sistema possibilita um consumo de lubrificante baixo, na faixa de 10 a 100 ml/h [4]. Os sistemas de MQL comercialmente disponíveis podem ser divididos em dois grupos principais: injeção do lubrificante externamente, por meio de jatos separados, e internamente, através de orifícios na ferramenta. Os sistemas de aplicação interna recebem ainda distinção quanto ao número de canais. Nos sistemas de um único canal, a mistura aerossol é formada fora do fuso e o canal funciona como rota de alimentação da mistura. No caso dos sistemas de dois canais, óleo e ar são alimentados separadamente e a mistura ar-óleo é produzida no interior do fuso [14]. A Figura 2 mostra os grupos de sistemas MQL disponíveis comercialmente. Aplicação externa Aplicação interna 1 canal 1 canal 2 canais 2 canais Figura 2: Grupos de sistemas MQL [14, 16]. Os sistemas externos apresentam como vantagem a possibilidade de utilização em máquinas existentes, com baixo custo e esforço. Nesses sistemas, o número, a posição e a geometria dos bicos desempenham um papel importante na qualidade do resultado. Este tipo de aplicação é geralmente utilizado em operações de retífica, serramento, fresamento e torneamento. No caso de operações de furação, alargamento e rosqueamento, o abastecimento externo é apropriado apenas para relações de comprimento/diâmetro (l/d) menores ou iguais a 3. Quando essa proporção é maior, a ferramenta pode ter de ser recuada várias vezes para que possa ser lubrificada novamente, resultando em um aumento considerável no tempo global de usinagem. A aplicação externa também pode apresentar problemas no caso de operações que exijam a utilização de várias ferramentas com diversos comprimentos e diâmetros, o que dificulta o posicionamento dos bicos, exigindo seu constante reposicionamento. Esse problema é eliminado com os sistemas de aplicação interna, que são também os adequados para operações de furação, alargamento e rosqueamento com relações de l/d maiores que 3, uma vez que o abastecimento do fluido é disponibilizado sempre próximo da região de corte, independentemente da posição da ferramenta. A principal limitação da aplicação desses

sistemas consiste na compatibilidade das máquinas-ferramentas, em muitos casos não preparadas para esse tipo de aplicação [14]. 2. RESULTADOS DE UTILIZAÇÃO DA TÉCNICA MQL No início de 2000, a montadora americana Ford decidiu estudar a implantação das tecnologias da usinagem a seco e de MQL em suas fábricas, por motivos ecológicos e econômicos. Resultados bem-sucedidos de projetos-piloto deram o sinal verde para a implantação de linhas de produção para grandes séries preparadas para a usinagem com MQL. Em maio de 2005, a fábrica da empresa em Livonia (EUA), iniciou a operação de uma linha de produção de caixas de câmbio em alumínio, operando com o conceito MQL. As máquinas foram devidamente preparadas para operar dentro deste conceito: os eixos-árvores foram equipados com sistemas MQL de canais duplos com elemento aquecedor integrado, de forma a garantir a viscosidade constante do fluido; foram instalados sistemas de aspiração de cavacos na parte posterior de cada máquina; um circuito de aspiração interligou as máquinas, para coleta de ar, poeira e névoa de óleo do interior das mesmas; todas as máquinas receberam encapsulamento para evitar a contaminação do ambiente fabril; e sensores foram instalados para monitorar a temperatura das peças, permitindo o controle das influências térmicas sobre o processo [1]. Aplicações bem-sucedidas como a adotada pela montadora americana são resultantes de intensas pesquisas realizadas por diversos pesquisadores ao redor do mundo sobre as possibilidades de redução da utilização de fluidos de corte na usinagem [16-23]. O Grupo de Usinagem (GUS), grupo de pesquisa vinculado à Universidade de Caxias do Sul, mantém uma linha de pesquisa dedicada a esta temática. O grupo já realizou diversos ensaios experimentais, nos quais foram encontrados resultados positivos da utilização da técnica MQL. A seguir são apresentados alguns desses resultados, que comprovam a viabilidade da responsabilidade ambiental nos processos de usinagem, através da redução da utilização de fluidos de corte. Ensaios de fresamento com ferramentas de aço-rápido (HSS) de 6 mm de diâmetro e revestimento de nitreto de titânio (TiN), aplicadas na usinagem de aço endurecido, apresentaram tempos de vida até 100% superiores na condição de MQL em relação à utilização de emulsão, conforme pode ser observado na Figura 3. Tempo de corte tc (min) 160 120 80 40 0 MQL v c = 30 m/min f z = 0,1 mm a p = 0,4 mm a e = 2 mm Emulsão Fresamento HSS TiN MQL d = 6 mm Figura 3: Resultados de ensaio de fresamento.

O fresamento é um processo de usinagem caracterizado pelo corte interrompido, o que implica em uma variação cíclica das cargas térmicas e mecânicas sobre o gume de corte. A utilização de fluidos lubri-refrigerantes acentua o gradiente de temperatura no gume de corte, favorecendo a ocorrência de trincas térmicas, as quais aceleram o desgaste da ferramenta. Com a utilização de MQL, também ocorre um aumento do gradiente de temperatura, porém em menor grau em relação à emulsão. Esse comportamento já é bem conhecido em ferramentas de metal-duro [12], em geral mais sensíveis a variações bruscas de temperatura, enquanto que as ferramentas de aço-rápido costumam suportar melhor essas variações. Mas os resultados encontrados mostram que, também para ferramentas de aço-rápido, a redução da variação da temperatura aliada à microlubrificação oferecidas pela condição MQL podem possibilitar menor desgaste das ferramentas. Testes foram realizados com brocas de aço-rápido de 8 mm de diâmetro e sem revestimento, e os resultados encontrados apontaram tempos de vida maiores para a condição com MQL, como mostra a Figura 4. Número de furos 30 20 10 v c = 12m/min f z = 0,017 mm Furação HSS MQL d = 8 mm 0 MQL Emulsão Sistema MQL Figura 4: Resultados de ensaio de furação com brocas de aço-rápido. O bom resultado encontrado na condição de MQL é resultante do fato de que, embora ocorra a carência de refrigeração na zona de corte, o calor gerado também tem um efeito positivo, pois a elevação da temperatura do metal a ser usinado diminui a resistência ao cisalhamento do mesmo, reduzindo os esforços mecânicos necessários ao corte. Na condição de MQL, a mínima lubrificação foi suficiente para reduzir o atrito, diminuindo dessa forma a carga térmica sobre a ferramenta, ao mesmo tempo em que é aproveitado o efeito positivo do calor na região de corte. Efeito este que não ocorre na condição de emulsão, pois a utilização do fluido em abundância impede uma elevação significativa da temperatura da peça, mantendo a elevada resistência ao cisalhamento do material. CONCLUSÃO Um dos aspectos mais importantes para que a redução da utilização de fluidos tenha sucesso é a compreensão e o controle dos efeitos da temperatura sobre o processo e a peça. A temperatura tem grande influência sobre o desgaste da ferramenta e a qualidade superficial do componente usinado e, portanto, a compreensão dos fenômenos térmicos que ocorrem no processo é de grande importância para a eficiência do mesmo. Porém, o calor na região de

corte também tem ação positiva, pois reduz a resistência ao cisalhamento do material. O problema pode ocorrer a partir do momento em que, com a elevação da temperatura, o desgaste da ferramenta é acelerado, prejudicando a qualidade da peça. Portanto, o desafio é encontrar parâmetros e estratégias de corte de modo a atingir condições de temperatura que facilitem o cisalhamento do material sem potencializar os mecanismos de desgaste. A utilização da técnica MQL é ecologicamente adequada e oferece baixos riscos à saúde dos operadores, mas desde que os aspectos relativos à coleta de resíduos sejam considerados. As máquinas devem possuir vedação adequada e sistemas de aspiração e coleta de cavacos e, principalmente, da névoa de óleo atomizada. As gotículas de óleo suspensas no ar, se não coletadas, se espalham rapidamente, contaminando o ambiente fabril. Dessa forma, os danos ao ambiente e à saúde dos trabalhadores são ainda maiores que os gerados pela utilização dos fluidos emulsionáveis. A ausência do fluido abundante também dificulta o transporte do cavaco no interior da máquina, exigindo medidas de compensação para a realização da remoção dos cavacos. Portanto, especial atenção deve ser dedicada à coleta dos resíduos gerados pelo processo, para que os benefícios da técnica MQL sejam possibilitados em sua totalidade. A redução da utilização de fluidos de corte permite ganhos de preservação do meio ambiente, redução de custos e melhores condições de trabalho no ambiente fabril. E dessa forma pode representar um importante diferencial competitivo para as empresas da cadeia automotiva, inseridas em um mercado acirrado, onde pequenas ações podem constituir vantagens significativas. REFERÊNCIAS [1] STOLL, A. Inovações na usinagem de grandes séries dentro de uma montadora. Revista Máquinas e Metais, São Paulo, n. 514, p. 42-57, nov. 2008. [2] LUZ, S.O.C. da; SELLITTO, Miguel Afonso; GOMES, Luciana Paulo. Medição de desempenho ambiental baseada em método multicriterial de apoio à decisão: estudo de caso na indústria automotiva. Gestão & Produção, v. 13, n. 3, p. 557-570, set.-dez. 2006. [3] SILVA, L.R. da; BIANCHI, E.C.; FUSSE, R.Y.; CATAI, R.E.; FRANÇA, T.V.; AGUIAR, P.R. Analysis of surface integrity for minimum quantity lubricant MQL in grinding. International Journal of Machine Tools & Manufacture, n. 47, p. 412-418, 2007. [4] TEIXEIRA FILHO, F. A utilização de fluido de corte no fresamento do aço inoxidável 15-5PH. Tese de Doutorado, UNICAMP, Campinas, 2006. [5] LÓPEZ de LACALLE, L.N.; ANGULO, C.; LAMIKIZ, A.; SÁNCHEZ, J.A. Experimental and numerical investigation of the effect of spray cutting fluids in high speed milling. Journal of Materials Processing Technology, n. 172, p. 11-15, 2006. [6] REDDY, N.S.K.; RAO, P.V. Experimental investigation to study the effect of solid lubricants on cutting forces and surface quality in end milling. International Journal of Machine Tools & Manufacture, n. 46, p. 189-198, 2006. [7] YANG, Y.; CHUANG, M.; LIN, S. Optimization of dry machining parameters for highpurity graphite in end milling process via design of experiments methods. Journal of Materials Processing Technology, n. 209, p. 4395-4400, 2009. [8] LIAO, Y.S.; LIN, H.M. Mechanism of minimum quantity lubrication in high-speed milling of hardened steel. International Journal of Machine Tools & Manufacture, n. 47, p. 1660-1666, 2007. [9] LIEW, W.Y.H.; DING, X. Wear progression of carbide tool in low-speed end milling of stainless steel. Wear, n. 265, p. 155-166, 2008.

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